Fanfic Finalizada

Capítulo Único


A última lágrima

Why won't you cry?
Tears in my eyes, yeah
And you're okay, you're okay
How can you be okay?
No, why won't you cry?

Caminhando pelas ruas movimentadas de uma Nova Iorque marcada pelo outono, parou para esperar o sinal abrir e olhou rapidamente o relógio, percebendo que ainda tinha algum tempo sobrando antes do último compromisso do dia; estava acordada desde às seis da manhã com nada além de iogurte e torradas no estômago, e não aguentaria ficar de pé por muito mais tempo, portanto, decidiu se desviar do destino final e fazer uma parada rápida.
Atravessou a rua com passos largos, desviando de um ou outro transeunte distraído no caminho, e dobrou algumas esquinas antes de enfim atravessar as portas duplas do acolhedor café. O lugar, que era todo decorado com plantas e contava com mesinhas discretas de madeira escura por todo o salão, se encontrava cheio de pessoas que buscavam fugir da brisa fria. Apesar de não conseguir avistar um lugar vago, caminhou por entre os vãos das mesas à procura de onde se sentar, mas, sem sorte, percebeu que nem mesmo os bancos do balcão estavam disponíveis. Suspirando em desânimo, decidiu que pegaria um expresso quente para viagem, todavia, bem quando se virava para fazer o pedido, sentiu um toque breve em seu braço e se virou de súbito, arregalando o par de olhos ao notar a figura que estava ao lado.
... — Constatou o óbvio em um sussurro desacreditado, se afastando alguns passos quase que por instinto.
— Você pode se sentar se quiser, pois já estou acabando e não ficarei por muito mais tempo — ele resmungou de maneira despretensiosa, mantendo o olhar preso a tela do celular.
Engolindo em seco, por muito pouco não se perdeu na sensação de vertigem que se arrastou por cada canto de seu ser. Era muito fácil fingir que ele não importava quando não o via, contudo, por ironia do destino, sempre acabava o encontrando das mais inesperadas maneiras e talvez por isso mesmo é que não fosse capaz seguir em frente sem olhar para trás.
— Não, obrigada. — Murmurou, a voz reverberando um timbre rude e insatisfeito apesar dos esforços para não demonstrar o que sentia.
apenas concordou com a cabeça, não esboçando grandes reações; a costumava se perguntar como alguém podia mudar da água para o vinho em tão pouquíssimo tempo, entretanto, nunca chegava nem perto das respostas que procurava e isso era exaustivo. Cansada de vê-lo tão bem quanto de costume — o que contrastava de forma gritante com o caos e a inquietação que a perturbavam —, deu as costas e saiu dali às pressas.
Apesar do mau humor inoportuno, respirou fundo no intuito de esfriar a cabeça. Precisava ir para uma sessão de fotos e mesmo depois disso o seu dia ainda estaria repleto de afazeres... Simplesmente não existia espaço em sua vida para se incomodar com , não quando tinha que sorrir e fazer poses para se sustentar.
Ignorando o coração apertado dentro do peito, seguiu caminho a pé até a locação onde aconteceriam as fotos do novo lançamento de uma marca de luxo. Durante o curto trajeto viu imagens do seu rosto espalhadas pela cidade e dentre todas elas estava a memorável captura feita pelas lentes de um dos melhores fotógrafos da cena: .
Fez questão de passar rápido pelo outdoor que rememorava o sucesso da primeira campanha de peso que participou... Se recordava com perfeição de quando a abordou em uma pequena cafeteria e declarou em plenos pulmões que por fim havia encontrado o rosto do projeto em que estava trabalhando. Sem ser convidado, ele puxou uma cadeira, se sentou à sua frente e começou a tagarelar sobre o quanto queria fotografá-la. No auge dos seus dezenove anos, sendo uma recém chegada na impiedosa Nova Iorque, não sabia se estava lidando com um lunático mentiroso ou se aquela era a chance de ouro que lhe batia à porta; embora receosa, aceitou o cartão de visitas e foi assim que, de repente, se tornou a queridinha do mundo da moda.
Depois das fotos icônicas de , acabou sendo contratada por uma agência de peso e os trabalhos chegavam aos montes; quando não estava viajando, se encontrava ocupada entre cliques para revistas, propagandas de perfumes caros e desfiles. Na velocidade de um piscar de olhos, a sua vida se tornou o ideal de qualquer um que sonhava em modelar... Tudo foi incrível nos primeiros meses e, movida pela euforia entorpecente da fama e do reconhecimento, acabou voando alto demais ao se envolver romanticamente com aquele maldito fotografo. Se apaixonou feito uma tola, devorando todas as ilusões que ele cuspia em um tipo de desespero sádico, e menos quando esperava recebeu um belo soco no estômago ao perceber, tarde demais para o próprio bem, que o homem estava interessado apenas no jeito como o seu rosto parecia perfeito nas lentes de sua câmera de última geração.
Detestando o rumo dos próprios pensamentos, praguejou baixinho, mordiscando os lábios com mais força do que gostaria. Por sorte, acabava de chegar no luxuoso edifício e pode preencher a mente com um falso vislumbre antes de entrar e dar o nome na recepção. Após confirmarem sua presença, foi guiada para onde já a aguardavam.
Ao chegar em um dos grandes quartos, foi recebida pela equipe responsável e restou tempo apenas para cumprimentá-los antes de se ver sentada em uma cadeira, sendo rodeada pela cabeleireira, pelo maquiador e os demais assistentes. Mesmo tendo chegado antes do horário previsto, as coisas aconteceram em uma rapidez quase assustadora e quando se viu no espelho já não se tratava mais de si. Estava a rigor do conceito projetado para a campanha de corpo e quase que de alma também.
— Vamos para a cobertura, querida, o fotógrafo chegou.
Assentiu, se levantando com delicadeza por conta do vestido que trajava. A peça, de tecido branco pálido, era toda feita em bordados delicados e as curtas mangas, as quais pairavam um pouco abaixo de seus ombros, pareciam dançar com leveza sobre sua pele quando se movia. Conforme caminhava até o elevador, era acompanhada de perto por outras duas pessoas que vinham segurando a longa cauda da roupa. Não foi fácil chegar ao último andar, mas enfim conseguiu e foi recompensada pelo cenário de tirar o fôlego que apareceria nas fotos.
Tendo o céu de fim de tarde nublado como fundo, já com nuances noturnas surgindo aqui e ali, tinha sido montado um arco cujo galhos secos se mesclavam a folhagens que se perdiam em tons frios. Em seu meio um balanço ornamentado em cordas envelhecidas e madeira clara a esperava, todo rodeado de flores brancas de pétalas amareladas.
Foi acompanhada de perto até o balanço e se sentou. Tal como se faziam com as bonecas, ajustaram sua posição e o caimento do vestido. A pele exposta de sua perna se arrepiava pelo vento frio que vinha sem aviso, mas em momento algum deixou que isso a atrapalhasse.
O fotógrafo então surgiu e notar de quem se tratava fez com que engolisse em seco.
.
Por que não estava surpresa com isso?
Embora o estômago desse voltas e um certo amargor subisse a boca, manteve o foco. O primeiro clique veio, seguido assim de vários outros. O olhar cinzento de se voltava para as fotos com seriedade e, o conhecendo mais do que gostaria, já sabia que algo estava errado.
— Vamos usar a piscina! — Ele decretou em um sobressalto. — Quero flores em meio aos fios de cabelo dela e também na água.
Um burburinho veio logo em seguida, mas se dissipou tão rápido quanto o vento visto que as pessoas começaram a se mover com pressa, indo de um lado para o outro a fim de construir o cenário idealizado pelo grande artista que era o senhor . apenas observou em silêncio a situação, condenando o sádico com todos os palavrões que conhecia. Estava frio, era outono, mas se ele a queria molhada e tremendo feito um gato de rua, assim seria.
Poucos instantes depois da comoção, entrava na água gélida e cristalina. O tecido fino do vestido colou a sua pele ao ponto de uma sutil transparência, porém, não deu muita atenção ao fato... Precisava se concentrar e ser profissional, nada além disso importava.
As incessantes fotos vieram outra vez, mas nem todas as poses agradavam o exigente fotógrafo. Precisou boiar de costas com a calda do vestido em seu entorno para ver sorrir de canto, agora sim encantado pelo que via. Satisfeito por ter encontrado o que procurava, ele então pediu que viesse ao balanço sem se secar para tirar mais alguns cliques inéditos.
Já era noite a essa altura e poucas estrelas decoravam o céu da grande cidade. Suportando o frio tal como podia, se sentou e olhou diretamente para o fotógrafo, intensidade e raiva transpassando por cada poro seu. Em um repente, largou a câmera e se aproximou, ficando perto demais para que continuasse a silenciar a tempestade dentro de si. A crispou os lábios, contendo o impulso de se afastar quando ele tocou-lhe o rosto.
— Calma, só estou dando uns retoques... — Informou, atento aos sinais que deixava escapar. — Você continua sendo a musa perfeita. — Elogiou em baixa voz, devoto a tarefa de borrar o batom vermelho em sua boca com os dedos.
Traste!
bufou, furiosa. Era quase revoltante o fato de que ele não tinha receio algum de expor o brilho nos olhos cinzentos quando a fotografava, brilho esse que, no passado, costumava confundir com amor.
— Apenas ande logo e termine o trabalho, . — Disse entredentes. Se ver outra vez diante daquele trejeito dele trazia à borda um misto de rancor e chateação, juntamente de um desgosto crescente.
— Gostaria de um momento a sós com a modelo, então, por favor, saiam.
Dito e feito. Em questão de minutos, não restava ninguém além dos dois ali... Esse era o poder e a influência de um homem cujo delicado trabalho arrancava elogios até mesmo dos mais críticos.
— O que você quer? — Perguntou, se apegando à mais extrema defensiva para se certificar de que estaria protegida de si mesma e dele.
Mantendo o sorriso de raposa no rosto, desceu os dedos um pouco mais, roçando em sua clavícula e pairando no tecido úmido do vestido. Contendo um suspiro involuntário, se esforçou para não fechar as pálpebras — parte de si ainda era vulnerável a ele e era essa parcela ordinária que ainda esperava receber um afago atrás da orelha que nem faziam os cachorrinhos. Tirando forças do mais profundo âmago, esbofeteou a mão atrevida para longe... Escolheria vê-lo chorar e se arrastar por si, se isso possível fosse, mas jamais aceitaria outra vez o seu toque.
— Por que complicar tanto as coisas, querida? — Quis saber, usando o timbre rouco e descarado dos tempos antigos.
— Você é louco, não tem outra explicação! — esbravejou, apertando a corda do balanço com tamanha força que os nós dos dedos perderam a cor. — Não faço ideia do que pretende, mas é melhor parar agora.
— Não passo de um homem apaixonado pelo que faz e você sabe disso. — Deu de ombros, simplista.
— E como sei — respondeu em amargor, o queixo estremecendo pelo frio.
— Se quiser posso te emprestar o casaco para que possa se aquecer. — Ofereceu.
— Prefiro congelar lentamente a aceitar qualquer coisa que venha de você.
— Assim você fere meus sentimentos, . — Riu, mantendo o olhar preso ao seu.
— Ferir seus sentimentos seria quase uma honra. — A ditou, empurrando o balanço para trás na intenção de impor alguma distância entre os dois.
— Por que? — Questionou, segurando-a no lugar sem dificuldade enquanto finalmente ia se despedindo do sorriso ladino.
Curvando as sobrancelhas, revirou os olhos. — Sério que ainda tem coragem para perguntar?
— Sim, pois sei que nunca te fiz promessas.
Ao ouvir palavras tão porcas, quis gritar e foi mesmo muito difícil manter a cabeça no lugar e não ceder à raiva.
— Saímos juntos, rimos e conversamos, depois nos beijamos e então fomos para cama... Você me olhava com adoração a cada instante e me chamava de musa. Como achou que eu entenderia tudo isso? — Indagou, a voz trêmula e embargada Existia dor e também frustração explícitos no que dizia, contudo, ele não pareceu notar.
— Eu realmente a admirava, mas nunca se tratou de amor. — Respondeu, agindo como se explicasse o universo a uma criança. — Adorava o seu olhar, adorava a sua boca, adorava a expressão destemida das fotos, mas...
— Mas? Vá e diga de uma vez. — Pediu. Merecia ao menos uma resposta e achava que estava preparada para ouvi-la.
— Eu me cansei do seu brilho, . Este mundo está cheio de pedras preciosas e não me basta uma só. — Decretou, frio como gelo.
Ao assimilar o que havia escutado, sentiu uma lágrima solitária enfim escorrer por sua bochecha, marcando o caminho por onde passava de rímel preto e borrado. O coração dentro do seu peito se partiu em tantos pedaços que ficou zonza, quase fora de órbita.
— Eu entendo... Obrigada por explicar, sabe? Até que faz sentido. — Resmungou, se negando a ceder ali, na frente dele. — Acho que agora podemos terminar logo o que viemos fazer aqui, certo?
Suspirando em um misto de tédio e pesar, se afastou, pegou a câmera e registrou mais um clique antes de sair e lhe deixar sozinha para enfrentar os próprios demônios. A equipe retornou a cobertura e uma toalha foi posta sobre seus ombros. Se assustou com o peso do tecido, mas acabou agradecendo de modo automático antes de se levantar e começar a caminhar de volta para o quarto para se trocar e ir para casa.
Ao se ver sozinha no sufocante elevador, enxergou o próprio reflexo e, por um minuto ou dois, tentou limpar o rosto e acabou por desistir. Sentindo-se um tanto quanto exausta, envolveu o próprio corpo com os braços para se aquecer e sorriu pequeno, orgulhosa de si mesma por finalmente se sentir mais próxima do ponto final.
jamais choraria por si e tão pouco seria capaz de mentir para satisfazer-lhe o ego, e, por mais dolorosa que a constatação fosse, estava tudo bem, pois agora tinha certeza de que as suas lágrimas também valiam muito para que continuasse a desperdiçá-las de maneira tão displicente.


Fim



Nota da autora: Sem nota.

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