Capítulo Único
Madrugada de sábado. Quatro e meia da manhã. Eu não lembro exatamente o que estava sonhando, mas parecia ser algo sobre personagens de Harry Potter duelando em meio a um jogo de futebol americano. Era a despedida de Tom Brady da NFL, e o homem tinha acabado de ser acertado por um estupefaça lançado por Jorge Weasley, quando eu, de repente, acordei.
Sendo sincera, eu fui acordada. Perfect, do One Direction, ecoava de forma bastante irritante no meu celular, e foi inevitável me levantar em um sobressalto. Tateando a cama com os olhos ainda fechados, suspirei aliviada ao sentir o aparelho em minhas mãos para, finalmente, poder acabar com aquele som estressante. Nunca coloque a sua música favorita como toque ou despertador, tinham me dito, mas eu simplesmente havia ignorado o aviso e ali estava, querendo calar Harry Styles na força do ódio. Ao atender o celular, por sua vez, franzi o cenho em confusão ao reconhecer a voz que entoava na ligação.
Era a minha sogra, questionando se o meu namorado estava comigo, como tinha sido combinado anteriormente. Não, não estava. havia saído da minha casa horas antes, emburrado ao receber mais uma negativa acerca da minha ida a uma boate famosa na cidade. Era a primeira semana de férias e eu ainda não tinha forças o bastante para beber até cair em um espaço mínimo e lotado de gente. Não tinha me abastecido de besteiras e de séries adolescentes o suficiente para cogitar socializar com outros universitários insanos. , como era de se esperar, não concordou muito com os meus argumentos. O rapaz retrucou, afirmando que precisávamos comemorar a libertação do período letivo, que tinha nos sugado as energias e nos dado alguns muitos picos de estresse. E que forma melhor de fazer isso do que indo para a Laroc, a mais incrível casa noturna dessa nossa pacata cidade universitária? Dormir não foi uma resposta que ele aceitou de bom grado, como eu já tinha previsto.
O meu namorado geralmente não ligava para a minha repulsa quanto a festas e afins, visto que foi em uma dessas situações que acabamos nos conhecendo. Porém, ele parecia obstinado a sair de casa e nenhum argumento costumeiro o convenceu do contrário. Era como se algo o instigasse a ir para a boate. Por isso, após ficar levemente chateado comigo, o rapaz simplesmente saiu da minha casa e seguiu o local sozinho, indo encontrar alguns conhecidos lá. Nós tínhamos um relacionamento sólido. Eram mais de três anos juntos e a confiança que compartilhávamos era algo palpável. Então, mesmo que estivesse frustrado comigo, eu tinha a certeza de que não sairia beijando toda a população feminina que encontrasse no caminho. Assim, não me irritei quando o vi batendo a porta e seguindo o seu caminho para uma noite caótica de músicas barulhentas e bebidas baratas. Tínhamos personalidades diferentes e isso era algo bastante notável, até para os observadores menos atentos. era extrovertido, gostava de uma bagunça cheia de amigos e era o rei das festas. Enquanto eu, sempre preferi a quietude do meu quarto, em que os livros e as plataformas de Streaming eram os meus maiores companheiros. Mas, de alguma forma, nós acontecemos. E, de modo mais surpreendente ainda, nós demos certo.
Flashback’s On
Eu olhava para Riley de forma entediada, enquanto a ruiva arrumava os longos cachos em frente ao espelho. A verdade era que eu não gostaria de ir para o aniversário do amigo do primo do namorado dela. Eu nem sabia o nome do aniversariante, por Deus! Era algo como Daniel, Danilo, Dionísio… sei lá! Lembro de ter ouvido algo com D e só. Mas, para a minha amiga, isso era mais que o suficiente para me convidar para o aniversário do menino. Não que eu tivesse algo mais interessante para fazer, porque não tinha. Jake, meu casinho da faculdade, havia terminado comigo há dois dias, afirmando que tinha conhecido o potencial amor da vida dele e que o nosso lance poderia atrapalhá-lo na conquista da mulher. Eu não gostava realmente dele, pelo menos nada que não fosse físico, então não fiquei exatamente chateada. Apenas com o ego levemente ferido.
— , levanta essa bunda daí e vai se arrumar, garota! — Ray ordenou, saindo da frente do espelho para apontar o dedo para a minha cara. — Você precisa aprender a socializar!
— Nós duas temos conceitos diferentes da palavra precisa — rebati, ainda parada no mesmo local, sentada em uma das poltronas do meu quarto. — E, no meu conceito, eu estou longe de precisar de alguma coisa.
— , por favor! — Juntou as mãos em sinal de súplica, aproximando-se de mim com uma cara de cachorro sem dono. — Eu não quero ir sozinha!
— Você não vai sozinha — respondi, como se fosse óbvio. — O seu namorado vai estar lá.
— Mas, você sabe como o Ethan fica distante quando está com os amigos...
— Eu sei como ele fica idiota quando está com os amigos — corrigi, vendo-a rolar os olhos —, e isso apenas coaduna com a minha vontade de ficar aqui, na tranquilidade do meu lar. — Mexi despreocupadamente no cabelo, sabendo que isso iria irritá-la ainda mais.
— , é sério! — Riley tentou mais uma vez, ajoelhando-se na minha frente em um típico sinal de desespero, o que me assustou. Não achei que ela estava tão interessada assim na minha presença nessa festa. — Eu faço o que você quiser por um dia — sugeriu, balançando os longos cachos para trás dos ombros.
— Uma semana — fiz uma contraproposta, vendo-a segurar uma careta em sua feição. Se ela queria tanto assim que eu fosse, que mal faria me aproveitar um pouquinho desse desejo? Talvez não fosse muito cristão de minha parte, mas convenhamos que entrar em um local repleto de bebidas e músicas mundanas também não era, então eu precisaria prestar minhas contas com Deus de todo modo. Então, que pelo menos eu tivesse algum ganho nisso.
— Só porque eu quero muito que você vá — suspirou, vencida, se levantando com uma careta levemente dolorida devido ao tempo que passou ajoelhada. — Agora vai trocar de roupa, porque não quero chegar atrasada! — mandou, segurando em uma das minhas mãos e fazendo com que eu me levantasse do local em que estava sentada.
Em seguida, a ruiva foi me empurrando levemente até o closet para que eu começasse a me arrumar. Felizmente, já tinha tomado banho e não perderia tanto tempo assim na minha arrumação. Olhando rapidamente as araras com as minhas roupas, cogitei por um instante em ir com uma calça jeans e tênis, que era o tipo de look mais confortável que eu poderia montar. Contudo, meus ouvidos não mereciam ouvir os berros de Riley ao me ver com roupas tão casuais, então segurei os meus instintos e fui atrás de um vestido preto, que eu não costumava usar muito. Ao achá-lo, fui até a região dos sapatos para ver algo que combinava, encontrando um mule vermelho acamurçado. Já que eu não poderia usar jeans, eu ao menos me daria o prazer de fugir dos saltos.
Depois de me vestir ali mesmo, jogando as roupas que usava em um cesto que deixava no próprio closet, segui até Riley, que separava algumas maquiagens que eu guardava na minha penteadeira.
— Antes que reclame dos meus sapatos, essa é uma exigência que eu faço — me adiantei ao ver a feição desgostosa de Riley, vendo-a reprimir uma reclamação e indicar uma cadeira para que eu me sentasse e ela pudesse me maquiar.
Depois de prontas, fomos para a portaria do meu prédio esperar o Uber que nos levaria até o condomínio de Daniel, Danilo, Dionísio. Ethan já estava lá e disse estar nos esperando, o que eu sabia que era mentira, mas Riley parecia acreditar nisso.
Após uns quinze minutos dentro do veículo, finalmente chegamos em uma casa enorme, que contrastava em detalhes de madeira e de alvenaria. O barulho irritante de uma música pop estourava os meus ouvidos e balançava os vidros da residência, o que me fazia questionar o porquê de nenhum vizinho reclamar do som. Na escada de ladrilhos que adornava a entrada do local, alguns copos de bebidas já se encontravam jogados, enquanto que, no jardim, duas mulheres e um homem pareciam levemente desmaiados.
— Não acredito que você me convenceu a vir nessa bagunça de gente desmiolada! — reclamei, estressada, olhando com nojo para o que parecia ser vômito ao lado do homem que estava jogado. Por Deus, a festa tinha acabado de começar! O que essas pessoas tinham na cabeça?
— Pare de agir como uma velha, ! — Ray exclamou, chegando na porta e a abrindo, precisando desviar de um cara cambaleante. — O Dante é conhecido por dar as melhores festas! — Dante, então era esse o nome do cara. Bom saber.
Contudo, aumentando o meu desconforto naquele ambiente, o espaço interno parecia ser ainda mais caótico do que a introdução externa o fazia parecer. Grupos de jovens estavam espalhados pela ampla sala, sempre com copos coloridos nas mãos, enquanto jogavam algo que eu identifiquei como Beer Pong e Strip Poker - quem aceita tirar a roupa deliberadamente na frente de vários estranhos?
Mais ao fundo, tinha uma espécie de bar improvisado, em que alguns Barmans elaboravam drinks para adultos ensandecidos por bebidas gratuitas. Nos sofás, casais liberavam doses de hormônios, enquanto se confundiam em uma mistura de lábios e mãos. Como lá fora, o chão também estava repleto de copos e de algumas texturas levemente nojentas que eu realmente não queria saber o que era. Ou seja, estávamos na mais pura definição de caos.
— Acho que o Ethan se enganou com o horário, isso aqui não parece ter começado há trinta minutos — Riley falou em uma espécie de grito, já que o barulho era muito alto para que pudéssemos manter uma conversa em tons normais. — Eu vou procurá-lo, antes que ele me dispense para ficar com os amigos idiotas. Socialize! — falou rapidamente, afastando-se antes que eu pudesse retrucar ou impedir que fosse.
Ótimo! Estava em um local que não conhecia ninguém, com um bando de bêbados insanos, ouvindo músicas que eu não gostava e fui abandonada sozinha. Realmente ótimo! Eu sabia que estava soando como uma velhinha ranzinza, mas não conseguia me importar no momento.
Eu deveria adivinhar que Riley faria isso assim que chegássemos. Eu amava a garota, mas essa espécie de paixão unilateral que ela sentia por Ethan parecia que desnorteava todos os seus sentidos. Já tinha tentado alertá-la que o rapaz não gostava tanto assim dela e que parecia usá-la como um estepe, prendendo-a a um rótulo de namorada apenas para que ela não sumisse para longe de sua vida. Mas Riley não escutava e sempre seguia como uma pateta atrás do imbecil. Não duvidava que ele tivesse propositadamente mentido sobre o horário da festa para que Ray chegasse atrasada e ele pudesse curtir a vida de solteiro por um tempo. E isso era algo que me frustrava. Mesmo que, no momento, o único sentimento que se fizesse presente dentro de mim fosse o estresse pela situação em que fui deixada.
Respirando fundo para conseguir paciência, fui desviando dos corpos bêbados até o bar, para que pudesse também me entupir de álcool. Afinal, se não pode com eles, junte-se a eles.
Chegando lá, me sentei em um dos banquinhos que estavam vazios, ao lado de um casal que parecia estar preso na sua própria realidade e de um outro cara, que mexia despreocupadamente no seu celular. Depois de pedir um Martini e agradecer ao barman após pegar o copo, suspirei novamente, procurando Riley com o olhar. Alguma música antiga do The Black Eyed Peas tocava e eu passei a acompanhar o ritmo da batida com os pés, mantendo-me parada no mesmo local e tentando me distrair com algo.
— Você não parece muito animada — uma voz rouca falou ao meu lado, fazendo com que desse um pequeno sobressalto.
Olhando rapidamente para o lado, percebi que era o cara que mexia no telefone, objeto este que agora estava no balcão em sua frente. E, sinceramente, era quase um tremendo desperdício não direcionar a minha atenção para ele, nem que fosse por meros segundos. O desconhecido era aparentemente forte, pelo que dava para ver dos seus músculos marcados pela camisa de mangas compridas, cuja cor contrastava de forma interessante com seus olhos claros. O cabelo estava naquele estilo arrumado para fingir que apenas acordei e vim, com os cachos levemente bagunçados, mas não de um jeito desleixado. E a barba por fazer terminava o combo de cara com potencial para destruir a minha vida.
— O que me denunciou? A minha cara de enterro ou estar aqui, sentada, enquanto todos ao meu redor parecem estar entrando em um coma alcoólico? — respondi, de forma leve, ignorando o meu instinto natural de utilizar deboche em situações que o dispensavam. Talvez a beleza dele me intimidasse o bastante para evitar comentários desagradáveis.
— Um pouco dos dois — riu, tomando um gole do seu próprio drink. — Primeira vez em uma festa do Dante?
— E, de preferência, a última — ri baixinho, imitando-o e tomando um gole do meu copo.
— É… — riu, bagunçando os cachos ainda mais, o que parecia ser algum tipo de mania dele. — As festas do cara são meio... intensas.
— Para quem já conhece a dinâmica do ambiente, você também não parece estar muito à vontade — apontei, achando curioso que parecíamos os únicos desconectados de toda a atmosfera que rondava a festa. E, apesar de eu estar melhorando para evitar associar pessoas a estereótipos conforme as suas feições, o desconhecido não parecia alguém que negaria uma boa festa. Mesmo que o conceito de boa esteja sendo bastante controverso no momento.
— Não estava muito no clima — admitiu, sinalizando para o barman trazer outra bebida. — Vim para marcar presença, já que é o aniversário do Dante e o cara é bem sentimental com essas coisas. Embora eu ache que ele nem se lembre que me viu em algum momento. — Riu novamente, agradecendo ao homem que deixou mais uma cerveja para ele. — E você, estranha, o que te fez se aventurar nesse meio de perdição universitário?
— Uma amiga trouxa e apaixonada por um babaca — falei, com uma careta, lembrando que Riley tinha mesmo me deixado sozinha para ir atrás do idiota do Ethan. — Ele a fez vir, e ela me trouxe à tira colo, como o seu próprio poodle de madame.
— Mas, as madames não abandonam os seus poodles no meio de festas com desconhecidos — brincou, inclinando o corpo para trás para desviar do casal que estava ao meu lado, mas que estava bastante disposto a encontrar algo como um quarto. — Isso faz da sua amiga uma tutora relapsa.
— Eu deveria denunciá-la por negligência de incapaz — concordei com o homem, recebendo um sorriso de lado e um polegar levantado em incentivo. — Uma pena que eu desisti do Direito antes mesmo de entrar na faculdade…
— Parece que temos mais uma coisa em comum — apontou, arrumando a sua postura no banco, que era bastante desconfortável e já estava deixando a minha bunda quadrada. — Também larguei o Direito antes mesmo de entrar. Percebi que não seria o próximo Harvey Specter e que seria uma perda de tempo tentar.
— Você tem um ponto. — Assenti efusivamente, ao lembrar que eu pensei que iria encarnar a própria Annalise Keating caso seguisse pelo caminho jurídico. — Engraçado que eu já sei o curso que você abandonou, mas ainda não sei o seu nome. Eu preciso de provas de que você não é um psicopata tarado. — Cruzei os braços, fazendo uma careta ao perceber que a minha bebida já estava quente. Assim, pedi uma água para o barman. Já não estava mais no clima de tentar me embebedar para me enturmar com desconhecidos. Estava feliz por me enturmar com um desconhecido.
— E você conseguiria saber disso apenas com um nome, estranha?
— Seria uma identidade para colocar no B.O, pelo menos. — Dei de ombros, sabendo que deveria estar soando como uma idiota para o homem, que direcionava mais uma de suas melodiosas risadas para mim.
— Você tem um ponto — repetiu as minha palavras, encarando- me efusivamente. — Meu nome é — apresentou-se, oferecendo uma de suas mãos para que eu a apertasse —, mas, para estranhas bonitas sou apenas .
— Prazer, apenas — ironizei, aceitando a sua mão e a apertando levemente. — Eu sou .
— Acredite, , o prazer é todo meu.
Flashback’s OFF
Após a minha negativa, Rachel, minha sogra, desesperou-se em um choro forte, fazendo com que eu colocasse os meus instintos em alerta. O sono não me ajudou a entender a gravidade que poderia significar uma ligação da mulher no meio da madrugada. E, sinceramente, eu preferia ter me mantido ignorante. O desnorteio que tinha me abatido era algo que nem a maior das pessimistas teria previsto.
— , a Laroc pegou fogo! Já estão falando em mais de cem mortes e o não atende o telefone! — falou, em soluços, fazendo pequenas pausas para que eu a entendesse em meio ao choro.
Fogo. A Laroc pegou fogo. A boate em que estava pegou fogo. Meu . Não. Não. Não. Não. Não. Não podia ser.
Em outro momento, eu diria que é engraçado o sentimento de observar de forma alheia o que acontece ao nosso redor, como se fôssemos meros espectadores. Sair do seu corpo por alguns segundos, enquanto sente o ar sumir e os membros vacilarem devido ao choque da realidade era algo que não costumava sentir. Mas, agora era como se eu tivesse sido atropelada por um trem em alta velocidade. A sensação é de que você é incapaz e insuficiente para mudar o que te angustia. Eu me sentia pequena. Minúscula. Inerte.
Quando eu finalmente absorvi o que ela tinha falado, a dor passou a me consumir e eu perdi a minha voz, sem forças para responder à mulher que me chamava do outro lado da linha de forma incessante. Um choro engasgado lutava para sair estrondoso, derrubando todas as minhas defesas e me transferindo o desespero que eu sentia de minha sogra. Não sei quando soltei o telefone ou em que momento a ligação caiu, só caindo na real quando Perfect passou a tocar novamente, incomodando-me mais do que nunca. Por um instante, pensei em ignorar, voltando a deitar para cair em um sono feliz, indiferente à realidade que me abraçava de forma agressiva e sem nenhuma saída fácil. Mas, eu sabia que, desde que atendi a ligação de Rachel, minha vida nunca mais seria a mesma.
Xx
Flashback’s On
De uma forma estranha, a minha relação com não acabou naquela festa, três meses atrás. Após mais um tempo de conversa com o rapaz, Riley me encontrou. Como de praxe, a mulher estava transtornada devido à negligência de Ethan e pedia para que fôssemos embora porque não tinha mais clima para ficar ali. Ela nem tinha percebido a presença de , que nos olhava com curiosidade. Depois de assentir para a minha amiga, tentei me despedir do homem, que me impediu de sair sem trocarmos os telefones.
Percebendo que tinha atrapalhado algo, Ray se desculpou e tentou fingir que poderia passar mais algum tempo na festa, mas eu neguei e afirmei que estava tudo bem, já que o barulho tinha me acarretado uma leve dor de cabeça. também achou necessário nos acompanhar até a fachada da casa, para que esperássemos pelo Uber sem a importunação de bêbados irritantes. Então, ficamos os três lá, conversando assuntos leves para tentar dissipar parte da energia pesada que tinha vindo com Ray. Quando o carro preto parou em frente à casa, despedi-me do homem com um abraço, prometendo que iria manter contato.
E mantivemos. era adorável e logo percebemos ter várias coisas em comum. Ele amava basquete e hockey, tendo jogado o primeiro em seus anos de escola. Azul era a sua cor favorita e hambúrguer com batata frita era o que mais gostava de comer. tinha dois labradores, Pepper e Dominique, que seus pais haviam resgatado em uma ONG anos atrás. Ele estudava Engenharia Mecânica na mesma faculdade que eu e achava engraçado ter se encontrado nesse caminho, porque nunca gostou muito de matemática, nem de física. possuía um conhecimento bastante extenso sobre divas pop e defendia a Miley Cyrus com unhas e dentes, afirmando que ela era a maior e melhor do mundo. Também era fã de festas e The Office era a sua série preferida de todos os tempos. Essas eram algumas das informações que eu tinha conseguido durante as nossas longas conversas e nos mais de dez encontros que havíamos tido nesse tempo. Também sabia que ele era extremamente carinhoso, gostando de me prender em abraços sempre que estávamos juntos. Adorava cozinhar, e o seu cheesecake de morango era o melhor que já tinha provado na vida! Os seus beijos eram lentos e intensos, capazes de arrepiar todos os pelos do meu corpo sem ao menos tentar. sabia como beijar e, o melhor, sabia como me beijar. Eu me sentia poderosa quando estava com ele. E, acima de tudo, eu me sentia amada ao seu lado.
Mas, diante de tudo isso, a única coisa que me irritava era a falta de esclarecimento do que tínhamos exatamente. Éramos amigos coloridos? Ficantes? O sexo fixo? Namorados? Eu não sabia.
Também não fazia ideia de como questioná-lo acerca do nosso status de relacionamento sem parecer uma louca possessiva. Eu fugia de conflitos, e não mergulhava neles de cabeça com direito a um duplo twist carpado. Outro mistério era até que ponto tinha percebido esse meu desconforto.
A verdade é que eu estava apaixonada por ele e não sabia como falar sem assustá-lo. Porque é assim que homens se sentem em relação a declarações, não é?! Eles te envolvem em uma dinâmica de pseudo-relacionamento, fazendo mil promessas e planos, até você ficar enrolada em um ponto que fugir é impensável. Aí, eles vão embora, com a desculpa que você está os sufocando. Não que eu soubesse do que estava falando.
Minha experiência em relacionamentos era nula. Sinceramente, eu poderia contar nos dedos de uma mão o número de garotos que eu já havia beijado em toda a minha vida. Todo o meu conhecimento era baseado em livros de romances duvidáveis e em filmes indicados ao Framboesa de Ouro. Por isso, era estranho e até desconfortável cair dentro desse abismo que eram os meus sentimentos românticos por .
Contudo, eu estava decidida a acabar com essa angústia. tinha me chamado para jantar e lá eu iria… eu iria o que, exatamente? Confesso que nessa parte eu ainda possuía dúvidas. Assumir que ele era a única pessoa que eu queria, e que eu precisava saber se era recíproco? Bater o martelo e afirmar que, caso a gente não assuma um namoro, eu iria acabar com tudo? - essa era a pior das ideias, na minha opinião. Ou, sei lá, puxar alguma conversa aleatória e tentar levantar esse assunto de uma forma que eu acho sutil, mas que será bastante direta e desconfortável para ele? Provavelmente, essa última opção seria a escolhida.
E eram esses pensamentos que me castigavam enquanto eu esperava que viesse me pegar. Não no sentido literal, embora esse comportamento fosse mais do que bem-vindo pelo meu corpo necessitado, vale salientar.
Estava tão distraída que quase tive um piripaque ao ouvir uma buzina tão próxima a mim, percebendo que era segundos depois.
— Você fica linda quando está distraída — gracejou, quando eu entrei no carro, puxando-me para um selinho. — Mas tome cuidado, amor, alguém pode se aproveitar da sua distração — falou, realmente preocupado, fazendo um aperto estranho aparecer no meu peito pelo termo utilizado. Amor. Ele me chamou de amor! Eu não queria surtar como uma menina tola, por isso fiz a minha melhor expressão blasé, tentando fingir plenitude, enquanto uma artista olímpica fazia inúmeras piruetas em meu estômago.
— Você fica lindo quando se preocupa comigo — devolvi o gracejo, fazendo um sorriso sincero abrir no rosto dele, vendo-o dar ignição no carro logo em seguida. — Mas, não se preocupe, . O único estranho que vai me pegar aqui será você — brinquei, vendo-o gargalhar abertamente, colocando um dos seus cachinhos para trás como uma de suas manias mais adoráveis.
O caminho seguiu com conversas leves, algumas cantorias e trocas de sorrisos significativos. Talvez, só talvez, eu não precisasse temer quanto aos sentimentos de .
Chegando no local, eu ri abertamente ao perceber que estávamos no McDonalds, mais conhecido como nosso local. Sei que era um lugar previsível, mas na última sexta-feira do mês eu costumava ter o chamado dia do lixo, em que eu comia todas as porcarias de fast food que fariam qualquer nutricionista infartar de nervoso. E, quando conheci , ele passou a me fazer companhia nesses dias, e o restaurante do palhacinho era o nosso local favorito para isso. Então, aqui estávamos, numa sexta-feira, prestes a entupir nossas veias com o pior tipo de gordura e açúcar possível.
— Nada melhor que um Cheddar McMelt para me animar. Como você pode me conhecer tão bem? — brinquei quando passamos pela porta do restaurante, seguindo até a fila para fazer os nossos pedidos.
— Eu sei que sou incrível, , não precisa me dizer — falou com uma falsa pretensão, sorrindo superior para mim. — Coca Cola? — questionou, ao nos vermos parados na frente do atendente. Após eu assentir, seguiu com o pedido, e eu tive a impressão de ele ter piscado para o funcionário, mas achei que fosse coisa da minha cabeça. Depois dele pagar - não sem eu questionar essa atitude -, fomos para a lateral do balcão para esperarmos os nossos lanches. Após alguns minutos, pegou a bandeja e nos guiou para a parte superior do restaurante, que era mais reservada e alheia ao tumulto do andar inferior.
Ao nos sentarmos, ele colocou uma mão sobre as minhas, antes que eu pudesse abrir o sanduíche.
— Antes que coma, eu preciso te dizer algumas coisas — começou, hesitante, umedecendo os lábios com a língua e chamando a minha atenção para essa região de sua anatomia. — , eu sou apaixonado por você — falou rapidamente, fazendo com que o meu coração disparasse descontroladamente. — Não sei exatamente quando aconteceu, talvez quando você me fez assistir todas as temporadas de Modern Family e passou a dizer que nós dois éramos como a Claire e o Phill. Ou quando ficou no telefone comigo por mais de quatro horas depois de eu tomar bomba em uma cadeira da faculdade, só para me animar. Mas eu não quero mais fugir disso, . Eu te senti mais distante nesses últimos dias e fiquei apavorado com a ideia de você ir embora. Então, eu peço que você abra o seu sanduíche, por favor — pediu, sinalizando para a embalagem que estava disposta em cima da nossa bandeja. Ainda atônita, segui as instruções de , soltando um sorriso involuntário ao abri-la.
Dentro da caixinha, não tinha nenhum sanduíche, mas sim alguns posts it’s colados de forma meio desajeitada.
Não me mate por não ter comida aqui dentro, juro que vai valer a pena.
Eu não sabia como te surpreender, então me desculpe se isso aqui for a ideia mais idiota que você já viu.
Mas é você, . Você, com sua personalidade de sabichona e irritante que me encantou mais que tudo.
Você que é a menina mais linda e inteligente que eu já tive o prazer de conhecer. Você que é a garota por quem eu me apaixonei.
Eu quero ser seu namorado. Por isso te pergunto, você quer namorar comigo?
Se sim, dê um sorriso. Se não, dê um mortal para trás - brincadeira (ou não).
— Estou vendo um sorriso nesse rostinho lindo. — Cutucou a minha bochecha com o dedão, fazendo com que o meu sorriso aumentasse. — Então, o que me diz? — questionou, ansioso, mexendo mais uma vez no cabelo.
— Digo que você é um idiota — falei simplesmente, ainda sorrindo, vendo-o me encarar confuso. — Idiotamente incrível por se declarar para mim no mesmo dia que eu havia decidido me declarar para você.
— Quer dizer que você iria se declarar para mim? — Sorriu largo e surpreso, inclinando-se para frente e acariciando levemente a minha bochecha. — O que você iria dizer?
— Que eu também estou apaixonada por você. E que eu não aguento mais essa falta de definição do nosso status de relacionamento porque eu quero muito poder ficar com você do jeito certo — falei, tentando segurar o nervosismo. As minhas mãos tremiam levemente e eu só percebi quando as envolveu com o seu toque quente e confortável.
— Desculpe por te enrolar por tanto tempo, . Eu quero muito que você aceite ser a minha namorada, mesmo achando que nós já somos mesmo antes de nos tornar oficiais.
— Eu acho que já aceitei desde quando você sorriu para mim pela primeira vez, . Mas você ainda está me devendo um sanduíche!
Flashback’s OFF
Respirando fundo, tentando não desabar, atendi novamente a ligação, ouvindo os soluços da minha sogra voltarem a soar no outro lado da linha.
— ? Você está aí? — perguntou com a voz falhada, fazendo com que eu voltasse lentamente para a minha realidade. Eu só queria voltar para o mundo que eu estava acostumada. — ?
— Desculpe, Rach — disse e pigarreei para tentar deixar a voz mais firme. — Eu… eu não sei o que dizer — falei com a voz fraca, franzindo os lábios para evitar que o choro saísse. Eu sabia que, caso eu começasse a chorar, eu não conseguiria mais parar. — Eu deveria ter impedido que ele fosse, eu… — E aqui eu não consegui mais segurar tudo o que me angustiava. A avalanche de sentimentos que eu tanto segurava desceu derradeira, destruindo todas as defesas que eu inutilmente tentei erguer desde que atendi ao telefonema. O choro desceu ácido, como se eu me afogasse em mar aberto sem nenhum salva-vidas. As palavras fogo e cem mortes rondavam na minha mente como um looping macabro e sufocante. Mais de cem mortos. Cem. Mortos. não atende o telefone. que não larga do celular nem para ir ao banheiro. O meu .
— O foi realmente para lá, ? O meu filho realmente foi para aquela boate? — perguntou com um quê de esperanças, fazendo que eu focasse novamente na conversa. Quando eu confirmei em um murmúrio desolado, sem forças para me prolongar, Rachel pareceu se desesperar mais do que eu achava ser possível. Após alguns segundos que pareceram horas, Rach falou novamente, o que fez com que eu tentasse conter os meus soluços.
— Nós… Nós estamos... — Respirou fundo, enquanto eu permaneci em silêncio, tão impactada quanto. — O Robert disse que estão indo para o Target, eles estão reconhecendo… — Deu um soluço mais alto, como se tivesse percebendo a gravidade de suas palavras. — No estacionamento do Target, estão colocando alguns dos corpos e… eu não consigo dizer isso em voz alta! Meu Deus! — chorou mais uma vez, fazendo com que eu ouvisse uma outra voz, que eu reconheci como a do meu sogro, que tentava acalmar Rachel de forma ineficiente. — O Rob vai para lá, enquanto eu vou nos hospitais. Ele tem que estar em algum lugar, ! — falou em um tom mais firme, parecendo criar forças para procurar o filho e trazê-lo em segurança para casa. Porque ele tinha que estar bem. não poderia me deixar.
Flashback’s On
Depois de maratonarmos os filmes de Harry Potter e, mais uma vez, discutirmos sobre a qualidade duvidosa de alguns - vários - deles, e eu estávamos em um silêncio confortável. Eu já sentia meus olhos começarem a pesar de sono, quando a voz dele chamou a minha atenção.
— O que você acha da morte, ? — questionou de repente, virando o corpo para poder me encarar. Por um momento, eu não entendi o que ele queria dizer. Não sei se era o sono ou a complexidade da pergunta, mas demorei alguns segundos para poder formular uma resposta.
— Inevitável? — devolvi em outro questionamento, vendo-o sorrir levemente para mim. — De onde veio isso, ? Não vai me dizer que descobriu uma doença rara que vai te matar em vinte e quatro horas? — dramatizei em uma falsa cara de pânico, vendo-o rir e me puxar para os seus braços, de forma protetora.
— Uma coisa ou outra vieram na minha mente — respondeu, deixando um selinho em minha boca. — Você acha que em algumas centenas de anos poderemos reverter a morte?
— Tipo múmias voltando à vida? — fiz uma careta para o pensamento que me acometeu, de corpos putrefatos saindo de suas lápides e começando a andar nas ruas, como zumbis.
— Não, mas confesso que seria interessante — falou em uma gargalhada, mordendo a minha bochecha com carinho e puxando o edredom para nos cobrirmos. — Eu queria ser imortal — disse, após um tempo, em um tom leve.
Franzindo o cenho com a declaração, afastei-o um pouco para poder questionar o sentido de suas palavras. A imortalidade nunca tinha sido uma grande questão para mim. Afinal, a única certeza de nossas vidas era o fato de que ela um dia iria cessar. Sem preparos, sem confortos, sem avisos. A não ser que você fosse um vampiro. Por isso, achei inusitado vir me confessar isso.
— Sério? Ser imortal sozinho deve ser horrível, amor. No final, todo mundo vai embora e você fica aqui, sozinho.
— Mas você teria a chance de acertar e errar quantas vezes fossem possíveis e necessárias. É estranho pensar que amanhã tudo pode acabar e que, em instantes, poderemos estar em uma sala de autópsia, e depois sendo devorados por vermes. Não queria ter que passar por isso, pelo menos nem tão cedo — suspirou, voltando a falar em seguida. — Além de que, se eu tivesse a fórmula da imortalidade, eu compartilharia com você — continuou com obviedade, apertando meu nariz com o polegar e o indicador. — Com meus pais. Talvez não com o seu pai, porque seria interessante viver uma vida sem tê-lo me encarando com uma feição de minha filhinha poderia arranjar algo melhor — disse em uma careta, fazendo com que eu desse um soquinho em seu peito e bagunçasse os seus cachos em pirraça.
— Você é um idiota — ri, recebendo alguns cutuques na costela em resposta. — Além de que, pelo que você me disse, você iria viver até os cento e vinte anos. Por isso eu aceitei ficar com você! — brinquei, tentando quebrar a tensão das palavras de . Eu costumava ter a certeza de que tinha um talento especial de ver a vida mais como uma criança, em que a morte é apenas um estado natural e que todos vamos virar estrelinhas, regendo os nossos entes queridos após a nossa partida. Porém, a morte do meu avô mudou essa minha perspectiva e me trouxe à dura realidade que, um dia, todos nós iremos, e que nunca será fácil se despedir de quem amamos. Por esse motivo, não queria parar para refletir sobre o que ele estava dizendo. A possibilidade de ser deixada para trás em um grau de irreversibilidade doía.
— Você me ama demais, estranha. Não adianta negar. Morre de medo de me perder — continuou a brincadeira, entendendo o caminho que eu queria seguir na conversa.
— Todo mundo sabe que eu tenho mal gosto, não é nenhuma surpresa — provoquei, fazendo uma careta de falso choque surgir no rosto de . Por alguns segundos, ele me encarou como se realmente estivesse indignado, mas logo deixou a máscara cair e passou a me fazer cócegas em resposta à minha brincadeira.
— Pa-a-ra! — tentei responder com o pouco fôlego que eu tinha, desviando dos braços do melhor jeito que conseguia. — !!!! — reclamei novamente, aos risos, sendo atendida depois de alguns segundos. Tentando respirar para recuperar o fôlego perdido, ajeitei precariamente o meu cabelo e roupa que estavam completamente amassados, assistindo os risos incontidos de soarem pelo quarto.
— Você é ridículo — estirei a língua, o que o fez me puxar para um beijo rápido de surpresa, que acabou tirando todo o ar que eu tinha acabado de estabilizar nos meus pulmões.
— Desculpa, amor, mas é aquele ditado: quem mostra a língua, pede beijo — falou como se não fosse nada, puxando-me novamente para os seus braços, onde fiquei de bom grado. Cansada demais para retrucá-lo. Além de que, não havia lugar no mundo que eu preferisse estar do que ali.
Passamos mais algum tempo parados naquela posição, em uma situação que se escutava apenas o som de nossas respirações. Eu acompanhava de forma vidrada as subidas e descidas do peito de , sentindo-me grata por estar ali com ele.
— Você promete que nunca vai me deixar, ? — quebrei o silêncio, pensando no assunto mórbido que o meu namorado tinha levantado anteriormente. Por mais que evitasse, uma sensação ruim passou a tomar conta de mim, como se fosse tomado de mim cedo demais.
— Eu prometo que vamos ficar juntos até envelhecermos, estranha. Com uma casa cheia de netos, filhos e cachorros. As cabeças já repletas de cabelos brancos... — Beijou a minha testa, compreendendo o motivo dessa minha pergunta e tentando dissipar essa apreensão de dentro de mim. — Apesar de eu achar que essa fase já começou para você… — provocou, levantando uma das mechas do meu cabelo e sinalizando um grisalho inexistente nos fios. Eu somente revirei os olhos, mas com um coração quentinho. Não tinha motivos para temer que não estaríamos juntos por todo o resto de nossas vidas.
Flashback’s OFF
Depois de desligar o telefone, eu fiquei simplesmente imóvel. Congelada. Sem saber o que fazer. As lágrimas ainda desciam de forma irrefreável pelo meu rosto e os soluços tiravam o meu ar. Eu me sentia sufocada, sem saber como reagir naquela situação. Eu não tinha forças para seguir nenhum dos meus sogros na busca por . Não sabia se conseguiria lidar com o fato de não o encontrar, ou pior, de encontrá-lo em um estado irreversível. Não. Não o meu .
Com as mãos trêmulas, peguei novamente o celular que tinha derrubado em minha cama para tentar ligar para ele. Eu tinha que acreditar que ele iria atender e falar que estava tudo bem. Ele precisava estar bem.
Uma. Duas. Cinco. Quinze. Vinte. Vinte e cinco ligações não atendidas e que caíram na caixa de mensagens.
— Amor, por favor. Me atende.
— , você me prometeu que iríamos ficar juntos para sempre. Por favor, liga para mim.
— Não se atreva a me deixar, . Por favor, volta para mim.
A falta de resposta foi mais um golpe no meu peito, que doía de um jeito insuportável. Tentando outro meio para conseguir falar com ele, entrei no WhatsApp e percebi imediatamente o caos que estava no aplicativo. Eu tinha a mania de arquivar todas as minhas conversas e, por causa da nova atualização do app, eu não recebia notificações acerca de novas mensagens recebidas. Por isso, foi um choque quando me deparei com a enxurrada de mensagens recebidas. Nos grupos que eu estava, havia várias pessoas desesperadas procurando notícias de amigos e de familiares. E, com um grande pesar, descobri que, além de , outros conhecidos também estavam desaparecidos. Assim, tentando não me desesperar mais ainda, procurei a minha conversa com , sentindo um palpitar no meu coração ao ver que tinham duas mensagens não visualizadas. Respirando fundo para achar coragem para enfrentar o que estava por vir, finalmente apertei na foto dele, percebendo rapidamente que eram uma mensagem escrita e um áudio. O texto tinha sido enviado poucos minutos após ele sair da minha casa, e o áudio, há cerca de uma hora.
“Amor, desculpa por sair e te deixar aí sozinha. Sei que não curte muito boates e eu deveria ter sido menos idiota para entender isso no dia de hoje. Eu já cheguei na Laroc, mas prometo não demorar muito. Só vou beber algumas coisas e volto para casa. Beijo, linda. Te amo.” - era o que ele tinha escrito. O fato dele ter se desculpado por sair daqui estressado apertou o meu coração mais ainda. Esse era o meu . Sempre preocupado com meu bem-estar e na minha felicidade.
Depois de reler o texto algumas vezes, fechei os olhos com força, bloqueando o celular por um instante. Eu não queria ouvir o áudio dele. Não queria cair na realidade em que algo realmente tinha acontecido a ele e que isso poderia ser uma despedida. Não poderia ser uma despedida.
Não sei quanto tempo fiquei olhando para cima, esperando para ver se Robert ou Rachel me ligavam com notícias de . Nesse tempo, recebi ligações dos meus pais e de alguns amigos, mas não tive condições de atendê-los, nem mesmo para relatá-los que eu estava viva. Suspirando mais uma vez, sentindo a garganta seca e o nariz totalmente congestionado devido ao choro, abri novamente a minha conversa com e finalmente dei play no áudio.
A voz dele era confusa e tinha muito barulho ao redor, sendo difícil entender o conteúdo de sua mensagem. Tive que colocar a saída de áudio no ouvido para conseguir compreender o que ele estava falando, me agoniando ainda mais devido à sinfonia do desespero que ecoava no local.
-, eu acho que começou a pegar fogo no palco da boate. Estou tentando sair com os caras, mas tem muita gente empurrando. A fumaça ainda não chegou na gente, mas eu não consigo ver a saída. Quando eu sair, eu te ligo. Mandei o áudio só para não te assustar com os boatos. Te amo, amor. Até daqui a pouco.
E era isso. Eu rezava para que ele tivesse saído de lá bem, só tivesse perdido o celular. Ele precisava estar bem. Por favor, meu Deus. Deixe que ele esteja vivo e bem. Por favor. Por favor. Por favor.
Em meio às súplicas, assustei-me rapidamente com a vibração do celular, que estava no silencioso devido ao nervoso que o meu toque estava me dando. Ao ler o nome de Rachel, hesitei antes de atender, com medo do que viria. Depois de respirar fundo algumas vezes, finalmente criei coragem para atendê-la. Contudo, após o meu alô, a minha sogra voltou a chorar forte, dando-me a única resposta que eu não estava preparada para receber.
tinha quebrado a única promessa que não poderia quebrar. Ele tinha me deixado.
Sendo sincera, eu fui acordada. Perfect, do One Direction, ecoava de forma bastante irritante no meu celular, e foi inevitável me levantar em um sobressalto. Tateando a cama com os olhos ainda fechados, suspirei aliviada ao sentir o aparelho em minhas mãos para, finalmente, poder acabar com aquele som estressante. Nunca coloque a sua música favorita como toque ou despertador, tinham me dito, mas eu simplesmente havia ignorado o aviso e ali estava, querendo calar Harry Styles na força do ódio. Ao atender o celular, por sua vez, franzi o cenho em confusão ao reconhecer a voz que entoava na ligação.
Era a minha sogra, questionando se o meu namorado estava comigo, como tinha sido combinado anteriormente. Não, não estava. havia saído da minha casa horas antes, emburrado ao receber mais uma negativa acerca da minha ida a uma boate famosa na cidade. Era a primeira semana de férias e eu ainda não tinha forças o bastante para beber até cair em um espaço mínimo e lotado de gente. Não tinha me abastecido de besteiras e de séries adolescentes o suficiente para cogitar socializar com outros universitários insanos. , como era de se esperar, não concordou muito com os meus argumentos. O rapaz retrucou, afirmando que precisávamos comemorar a libertação do período letivo, que tinha nos sugado as energias e nos dado alguns muitos picos de estresse. E que forma melhor de fazer isso do que indo para a Laroc, a mais incrível casa noturna dessa nossa pacata cidade universitária? Dormir não foi uma resposta que ele aceitou de bom grado, como eu já tinha previsto.
O meu namorado geralmente não ligava para a minha repulsa quanto a festas e afins, visto que foi em uma dessas situações que acabamos nos conhecendo. Porém, ele parecia obstinado a sair de casa e nenhum argumento costumeiro o convenceu do contrário. Era como se algo o instigasse a ir para a boate. Por isso, após ficar levemente chateado comigo, o rapaz simplesmente saiu da minha casa e seguiu o local sozinho, indo encontrar alguns conhecidos lá. Nós tínhamos um relacionamento sólido. Eram mais de três anos juntos e a confiança que compartilhávamos era algo palpável. Então, mesmo que estivesse frustrado comigo, eu tinha a certeza de que não sairia beijando toda a população feminina que encontrasse no caminho. Assim, não me irritei quando o vi batendo a porta e seguindo o seu caminho para uma noite caótica de músicas barulhentas e bebidas baratas. Tínhamos personalidades diferentes e isso era algo bastante notável, até para os observadores menos atentos. era extrovertido, gostava de uma bagunça cheia de amigos e era o rei das festas. Enquanto eu, sempre preferi a quietude do meu quarto, em que os livros e as plataformas de Streaming eram os meus maiores companheiros. Mas, de alguma forma, nós acontecemos. E, de modo mais surpreendente ainda, nós demos certo.
Flashback’s On
Eu olhava para Riley de forma entediada, enquanto a ruiva arrumava os longos cachos em frente ao espelho. A verdade era que eu não gostaria de ir para o aniversário do amigo do primo do namorado dela. Eu nem sabia o nome do aniversariante, por Deus! Era algo como Daniel, Danilo, Dionísio… sei lá! Lembro de ter ouvido algo com D e só. Mas, para a minha amiga, isso era mais que o suficiente para me convidar para o aniversário do menino. Não que eu tivesse algo mais interessante para fazer, porque não tinha. Jake, meu casinho da faculdade, havia terminado comigo há dois dias, afirmando que tinha conhecido o potencial amor da vida dele e que o nosso lance poderia atrapalhá-lo na conquista da mulher. Eu não gostava realmente dele, pelo menos nada que não fosse físico, então não fiquei exatamente chateada. Apenas com o ego levemente ferido.
— , levanta essa bunda daí e vai se arrumar, garota! — Ray ordenou, saindo da frente do espelho para apontar o dedo para a minha cara. — Você precisa aprender a socializar!
— Nós duas temos conceitos diferentes da palavra precisa — rebati, ainda parada no mesmo local, sentada em uma das poltronas do meu quarto. — E, no meu conceito, eu estou longe de precisar de alguma coisa.
— , por favor! — Juntou as mãos em sinal de súplica, aproximando-se de mim com uma cara de cachorro sem dono. — Eu não quero ir sozinha!
— Você não vai sozinha — respondi, como se fosse óbvio. — O seu namorado vai estar lá.
— Mas, você sabe como o Ethan fica distante quando está com os amigos...
— Eu sei como ele fica idiota quando está com os amigos — corrigi, vendo-a rolar os olhos —, e isso apenas coaduna com a minha vontade de ficar aqui, na tranquilidade do meu lar. — Mexi despreocupadamente no cabelo, sabendo que isso iria irritá-la ainda mais.
— , é sério! — Riley tentou mais uma vez, ajoelhando-se na minha frente em um típico sinal de desespero, o que me assustou. Não achei que ela estava tão interessada assim na minha presença nessa festa. — Eu faço o que você quiser por um dia — sugeriu, balançando os longos cachos para trás dos ombros.
— Uma semana — fiz uma contraproposta, vendo-a segurar uma careta em sua feição. Se ela queria tanto assim que eu fosse, que mal faria me aproveitar um pouquinho desse desejo? Talvez não fosse muito cristão de minha parte, mas convenhamos que entrar em um local repleto de bebidas e músicas mundanas também não era, então eu precisaria prestar minhas contas com Deus de todo modo. Então, que pelo menos eu tivesse algum ganho nisso.
— Só porque eu quero muito que você vá — suspirou, vencida, se levantando com uma careta levemente dolorida devido ao tempo que passou ajoelhada. — Agora vai trocar de roupa, porque não quero chegar atrasada! — mandou, segurando em uma das minhas mãos e fazendo com que eu me levantasse do local em que estava sentada.
Em seguida, a ruiva foi me empurrando levemente até o closet para que eu começasse a me arrumar. Felizmente, já tinha tomado banho e não perderia tanto tempo assim na minha arrumação. Olhando rapidamente as araras com as minhas roupas, cogitei por um instante em ir com uma calça jeans e tênis, que era o tipo de look mais confortável que eu poderia montar. Contudo, meus ouvidos não mereciam ouvir os berros de Riley ao me ver com roupas tão casuais, então segurei os meus instintos e fui atrás de um vestido preto, que eu não costumava usar muito. Ao achá-lo, fui até a região dos sapatos para ver algo que combinava, encontrando um mule vermelho acamurçado. Já que eu não poderia usar jeans, eu ao menos me daria o prazer de fugir dos saltos.
Depois de me vestir ali mesmo, jogando as roupas que usava em um cesto que deixava no próprio closet, segui até Riley, que separava algumas maquiagens que eu guardava na minha penteadeira.
— Antes que reclame dos meus sapatos, essa é uma exigência que eu faço — me adiantei ao ver a feição desgostosa de Riley, vendo-a reprimir uma reclamação e indicar uma cadeira para que eu me sentasse e ela pudesse me maquiar.
Depois de prontas, fomos para a portaria do meu prédio esperar o Uber que nos levaria até o condomínio de Daniel, Danilo, Dionísio. Ethan já estava lá e disse estar nos esperando, o que eu sabia que era mentira, mas Riley parecia acreditar nisso.
Após uns quinze minutos dentro do veículo, finalmente chegamos em uma casa enorme, que contrastava em detalhes de madeira e de alvenaria. O barulho irritante de uma música pop estourava os meus ouvidos e balançava os vidros da residência, o que me fazia questionar o porquê de nenhum vizinho reclamar do som. Na escada de ladrilhos que adornava a entrada do local, alguns copos de bebidas já se encontravam jogados, enquanto que, no jardim, duas mulheres e um homem pareciam levemente desmaiados.
— Não acredito que você me convenceu a vir nessa bagunça de gente desmiolada! — reclamei, estressada, olhando com nojo para o que parecia ser vômito ao lado do homem que estava jogado. Por Deus, a festa tinha acabado de começar! O que essas pessoas tinham na cabeça?
— Pare de agir como uma velha, ! — Ray exclamou, chegando na porta e a abrindo, precisando desviar de um cara cambaleante. — O Dante é conhecido por dar as melhores festas! — Dante, então era esse o nome do cara. Bom saber.
Contudo, aumentando o meu desconforto naquele ambiente, o espaço interno parecia ser ainda mais caótico do que a introdução externa o fazia parecer. Grupos de jovens estavam espalhados pela ampla sala, sempre com copos coloridos nas mãos, enquanto jogavam algo que eu identifiquei como Beer Pong e Strip Poker - quem aceita tirar a roupa deliberadamente na frente de vários estranhos?
Mais ao fundo, tinha uma espécie de bar improvisado, em que alguns Barmans elaboravam drinks para adultos ensandecidos por bebidas gratuitas. Nos sofás, casais liberavam doses de hormônios, enquanto se confundiam em uma mistura de lábios e mãos. Como lá fora, o chão também estava repleto de copos e de algumas texturas levemente nojentas que eu realmente não queria saber o que era. Ou seja, estávamos na mais pura definição de caos.
— Acho que o Ethan se enganou com o horário, isso aqui não parece ter começado há trinta minutos — Riley falou em uma espécie de grito, já que o barulho era muito alto para que pudéssemos manter uma conversa em tons normais. — Eu vou procurá-lo, antes que ele me dispense para ficar com os amigos idiotas. Socialize! — falou rapidamente, afastando-se antes que eu pudesse retrucar ou impedir que fosse.
Ótimo! Estava em um local que não conhecia ninguém, com um bando de bêbados insanos, ouvindo músicas que eu não gostava e fui abandonada sozinha. Realmente ótimo! Eu sabia que estava soando como uma velhinha ranzinza, mas não conseguia me importar no momento.
Eu deveria adivinhar que Riley faria isso assim que chegássemos. Eu amava a garota, mas essa espécie de paixão unilateral que ela sentia por Ethan parecia que desnorteava todos os seus sentidos. Já tinha tentado alertá-la que o rapaz não gostava tanto assim dela e que parecia usá-la como um estepe, prendendo-a a um rótulo de namorada apenas para que ela não sumisse para longe de sua vida. Mas Riley não escutava e sempre seguia como uma pateta atrás do imbecil. Não duvidava que ele tivesse propositadamente mentido sobre o horário da festa para que Ray chegasse atrasada e ele pudesse curtir a vida de solteiro por um tempo. E isso era algo que me frustrava. Mesmo que, no momento, o único sentimento que se fizesse presente dentro de mim fosse o estresse pela situação em que fui deixada.
Respirando fundo para conseguir paciência, fui desviando dos corpos bêbados até o bar, para que pudesse também me entupir de álcool. Afinal, se não pode com eles, junte-se a eles.
Chegando lá, me sentei em um dos banquinhos que estavam vazios, ao lado de um casal que parecia estar preso na sua própria realidade e de um outro cara, que mexia despreocupadamente no seu celular. Depois de pedir um Martini e agradecer ao barman após pegar o copo, suspirei novamente, procurando Riley com o olhar. Alguma música antiga do The Black Eyed Peas tocava e eu passei a acompanhar o ritmo da batida com os pés, mantendo-me parada no mesmo local e tentando me distrair com algo.
— Você não parece muito animada — uma voz rouca falou ao meu lado, fazendo com que desse um pequeno sobressalto.
Olhando rapidamente para o lado, percebi que era o cara que mexia no telefone, objeto este que agora estava no balcão em sua frente. E, sinceramente, era quase um tremendo desperdício não direcionar a minha atenção para ele, nem que fosse por meros segundos. O desconhecido era aparentemente forte, pelo que dava para ver dos seus músculos marcados pela camisa de mangas compridas, cuja cor contrastava de forma interessante com seus olhos claros. O cabelo estava naquele estilo arrumado para fingir que apenas acordei e vim, com os cachos levemente bagunçados, mas não de um jeito desleixado. E a barba por fazer terminava o combo de cara com potencial para destruir a minha vida.
— O que me denunciou? A minha cara de enterro ou estar aqui, sentada, enquanto todos ao meu redor parecem estar entrando em um coma alcoólico? — respondi, de forma leve, ignorando o meu instinto natural de utilizar deboche em situações que o dispensavam. Talvez a beleza dele me intimidasse o bastante para evitar comentários desagradáveis.
— Um pouco dos dois — riu, tomando um gole do seu próprio drink. — Primeira vez em uma festa do Dante?
— E, de preferência, a última — ri baixinho, imitando-o e tomando um gole do meu copo.
— É… — riu, bagunçando os cachos ainda mais, o que parecia ser algum tipo de mania dele. — As festas do cara são meio... intensas.
— Para quem já conhece a dinâmica do ambiente, você também não parece estar muito à vontade — apontei, achando curioso que parecíamos os únicos desconectados de toda a atmosfera que rondava a festa. E, apesar de eu estar melhorando para evitar associar pessoas a estereótipos conforme as suas feições, o desconhecido não parecia alguém que negaria uma boa festa. Mesmo que o conceito de boa esteja sendo bastante controverso no momento.
— Não estava muito no clima — admitiu, sinalizando para o barman trazer outra bebida. — Vim para marcar presença, já que é o aniversário do Dante e o cara é bem sentimental com essas coisas. Embora eu ache que ele nem se lembre que me viu em algum momento. — Riu novamente, agradecendo ao homem que deixou mais uma cerveja para ele. — E você, estranha, o que te fez se aventurar nesse meio de perdição universitário?
— Uma amiga trouxa e apaixonada por um babaca — falei, com uma careta, lembrando que Riley tinha mesmo me deixado sozinha para ir atrás do idiota do Ethan. — Ele a fez vir, e ela me trouxe à tira colo, como o seu próprio poodle de madame.
— Mas, as madames não abandonam os seus poodles no meio de festas com desconhecidos — brincou, inclinando o corpo para trás para desviar do casal que estava ao meu lado, mas que estava bastante disposto a encontrar algo como um quarto. — Isso faz da sua amiga uma tutora relapsa.
— Eu deveria denunciá-la por negligência de incapaz — concordei com o homem, recebendo um sorriso de lado e um polegar levantado em incentivo. — Uma pena que eu desisti do Direito antes mesmo de entrar na faculdade…
— Parece que temos mais uma coisa em comum — apontou, arrumando a sua postura no banco, que era bastante desconfortável e já estava deixando a minha bunda quadrada. — Também larguei o Direito antes mesmo de entrar. Percebi que não seria o próximo Harvey Specter e que seria uma perda de tempo tentar.
— Você tem um ponto. — Assenti efusivamente, ao lembrar que eu pensei que iria encarnar a própria Annalise Keating caso seguisse pelo caminho jurídico. — Engraçado que eu já sei o curso que você abandonou, mas ainda não sei o seu nome. Eu preciso de provas de que você não é um psicopata tarado. — Cruzei os braços, fazendo uma careta ao perceber que a minha bebida já estava quente. Assim, pedi uma água para o barman. Já não estava mais no clima de tentar me embebedar para me enturmar com desconhecidos. Estava feliz por me enturmar com um desconhecido.
— E você conseguiria saber disso apenas com um nome, estranha?
— Seria uma identidade para colocar no B.O, pelo menos. — Dei de ombros, sabendo que deveria estar soando como uma idiota para o homem, que direcionava mais uma de suas melodiosas risadas para mim.
— Você tem um ponto — repetiu as minha palavras, encarando- me efusivamente. — Meu nome é — apresentou-se, oferecendo uma de suas mãos para que eu a apertasse —, mas, para estranhas bonitas sou apenas .
— Prazer, apenas — ironizei, aceitando a sua mão e a apertando levemente. — Eu sou .
— Acredite, , o prazer é todo meu.
Flashback’s OFF
Após a minha negativa, Rachel, minha sogra, desesperou-se em um choro forte, fazendo com que eu colocasse os meus instintos em alerta. O sono não me ajudou a entender a gravidade que poderia significar uma ligação da mulher no meio da madrugada. E, sinceramente, eu preferia ter me mantido ignorante. O desnorteio que tinha me abatido era algo que nem a maior das pessimistas teria previsto.
— , a Laroc pegou fogo! Já estão falando em mais de cem mortes e o não atende o telefone! — falou, em soluços, fazendo pequenas pausas para que eu a entendesse em meio ao choro.
Fogo. A Laroc pegou fogo. A boate em que estava pegou fogo. Meu . Não. Não. Não. Não. Não. Não podia ser.
Em outro momento, eu diria que é engraçado o sentimento de observar de forma alheia o que acontece ao nosso redor, como se fôssemos meros espectadores. Sair do seu corpo por alguns segundos, enquanto sente o ar sumir e os membros vacilarem devido ao choque da realidade era algo que não costumava sentir. Mas, agora era como se eu tivesse sido atropelada por um trem em alta velocidade. A sensação é de que você é incapaz e insuficiente para mudar o que te angustia. Eu me sentia pequena. Minúscula. Inerte.
Quando eu finalmente absorvi o que ela tinha falado, a dor passou a me consumir e eu perdi a minha voz, sem forças para responder à mulher que me chamava do outro lado da linha de forma incessante. Um choro engasgado lutava para sair estrondoso, derrubando todas as minhas defesas e me transferindo o desespero que eu sentia de minha sogra. Não sei quando soltei o telefone ou em que momento a ligação caiu, só caindo na real quando Perfect passou a tocar novamente, incomodando-me mais do que nunca. Por um instante, pensei em ignorar, voltando a deitar para cair em um sono feliz, indiferente à realidade que me abraçava de forma agressiva e sem nenhuma saída fácil. Mas, eu sabia que, desde que atendi a ligação de Rachel, minha vida nunca mais seria a mesma.
Flashback’s On
De uma forma estranha, a minha relação com não acabou naquela festa, três meses atrás. Após mais um tempo de conversa com o rapaz, Riley me encontrou. Como de praxe, a mulher estava transtornada devido à negligência de Ethan e pedia para que fôssemos embora porque não tinha mais clima para ficar ali. Ela nem tinha percebido a presença de , que nos olhava com curiosidade. Depois de assentir para a minha amiga, tentei me despedir do homem, que me impediu de sair sem trocarmos os telefones.
Percebendo que tinha atrapalhado algo, Ray se desculpou e tentou fingir que poderia passar mais algum tempo na festa, mas eu neguei e afirmei que estava tudo bem, já que o barulho tinha me acarretado uma leve dor de cabeça. também achou necessário nos acompanhar até a fachada da casa, para que esperássemos pelo Uber sem a importunação de bêbados irritantes. Então, ficamos os três lá, conversando assuntos leves para tentar dissipar parte da energia pesada que tinha vindo com Ray. Quando o carro preto parou em frente à casa, despedi-me do homem com um abraço, prometendo que iria manter contato.
E mantivemos. era adorável e logo percebemos ter várias coisas em comum. Ele amava basquete e hockey, tendo jogado o primeiro em seus anos de escola. Azul era a sua cor favorita e hambúrguer com batata frita era o que mais gostava de comer. tinha dois labradores, Pepper e Dominique, que seus pais haviam resgatado em uma ONG anos atrás. Ele estudava Engenharia Mecânica na mesma faculdade que eu e achava engraçado ter se encontrado nesse caminho, porque nunca gostou muito de matemática, nem de física. possuía um conhecimento bastante extenso sobre divas pop e defendia a Miley Cyrus com unhas e dentes, afirmando que ela era a maior e melhor do mundo. Também era fã de festas e The Office era a sua série preferida de todos os tempos. Essas eram algumas das informações que eu tinha conseguido durante as nossas longas conversas e nos mais de dez encontros que havíamos tido nesse tempo. Também sabia que ele era extremamente carinhoso, gostando de me prender em abraços sempre que estávamos juntos. Adorava cozinhar, e o seu cheesecake de morango era o melhor que já tinha provado na vida! Os seus beijos eram lentos e intensos, capazes de arrepiar todos os pelos do meu corpo sem ao menos tentar. sabia como beijar e, o melhor, sabia como me beijar. Eu me sentia poderosa quando estava com ele. E, acima de tudo, eu me sentia amada ao seu lado.
Mas, diante de tudo isso, a única coisa que me irritava era a falta de esclarecimento do que tínhamos exatamente. Éramos amigos coloridos? Ficantes? O sexo fixo? Namorados? Eu não sabia.
Também não fazia ideia de como questioná-lo acerca do nosso status de relacionamento sem parecer uma louca possessiva. Eu fugia de conflitos, e não mergulhava neles de cabeça com direito a um duplo twist carpado. Outro mistério era até que ponto tinha percebido esse meu desconforto.
A verdade é que eu estava apaixonada por ele e não sabia como falar sem assustá-lo. Porque é assim que homens se sentem em relação a declarações, não é?! Eles te envolvem em uma dinâmica de pseudo-relacionamento, fazendo mil promessas e planos, até você ficar enrolada em um ponto que fugir é impensável. Aí, eles vão embora, com a desculpa que você está os sufocando. Não que eu soubesse do que estava falando.
Minha experiência em relacionamentos era nula. Sinceramente, eu poderia contar nos dedos de uma mão o número de garotos que eu já havia beijado em toda a minha vida. Todo o meu conhecimento era baseado em livros de romances duvidáveis e em filmes indicados ao Framboesa de Ouro. Por isso, era estranho e até desconfortável cair dentro desse abismo que eram os meus sentimentos românticos por .
Contudo, eu estava decidida a acabar com essa angústia. tinha me chamado para jantar e lá eu iria… eu iria o que, exatamente? Confesso que nessa parte eu ainda possuía dúvidas. Assumir que ele era a única pessoa que eu queria, e que eu precisava saber se era recíproco? Bater o martelo e afirmar que, caso a gente não assuma um namoro, eu iria acabar com tudo? - essa era a pior das ideias, na minha opinião. Ou, sei lá, puxar alguma conversa aleatória e tentar levantar esse assunto de uma forma que eu acho sutil, mas que será bastante direta e desconfortável para ele? Provavelmente, essa última opção seria a escolhida.
E eram esses pensamentos que me castigavam enquanto eu esperava que viesse me pegar. Não no sentido literal, embora esse comportamento fosse mais do que bem-vindo pelo meu corpo necessitado, vale salientar.
Estava tão distraída que quase tive um piripaque ao ouvir uma buzina tão próxima a mim, percebendo que era segundos depois.
— Você fica linda quando está distraída — gracejou, quando eu entrei no carro, puxando-me para um selinho. — Mas tome cuidado, amor, alguém pode se aproveitar da sua distração — falou, realmente preocupado, fazendo um aperto estranho aparecer no meu peito pelo termo utilizado. Amor. Ele me chamou de amor! Eu não queria surtar como uma menina tola, por isso fiz a minha melhor expressão blasé, tentando fingir plenitude, enquanto uma artista olímpica fazia inúmeras piruetas em meu estômago.
— Você fica lindo quando se preocupa comigo — devolvi o gracejo, fazendo um sorriso sincero abrir no rosto dele, vendo-o dar ignição no carro logo em seguida. — Mas, não se preocupe, . O único estranho que vai me pegar aqui será você — brinquei, vendo-o gargalhar abertamente, colocando um dos seus cachinhos para trás como uma de suas manias mais adoráveis.
O caminho seguiu com conversas leves, algumas cantorias e trocas de sorrisos significativos. Talvez, só talvez, eu não precisasse temer quanto aos sentimentos de .
Chegando no local, eu ri abertamente ao perceber que estávamos no McDonalds, mais conhecido como nosso local. Sei que era um lugar previsível, mas na última sexta-feira do mês eu costumava ter o chamado dia do lixo, em que eu comia todas as porcarias de fast food que fariam qualquer nutricionista infartar de nervoso. E, quando conheci , ele passou a me fazer companhia nesses dias, e o restaurante do palhacinho era o nosso local favorito para isso. Então, aqui estávamos, numa sexta-feira, prestes a entupir nossas veias com o pior tipo de gordura e açúcar possível.
— Nada melhor que um Cheddar McMelt para me animar. Como você pode me conhecer tão bem? — brinquei quando passamos pela porta do restaurante, seguindo até a fila para fazer os nossos pedidos.
— Eu sei que sou incrível, , não precisa me dizer — falou com uma falsa pretensão, sorrindo superior para mim. — Coca Cola? — questionou, ao nos vermos parados na frente do atendente. Após eu assentir, seguiu com o pedido, e eu tive a impressão de ele ter piscado para o funcionário, mas achei que fosse coisa da minha cabeça. Depois dele pagar - não sem eu questionar essa atitude -, fomos para a lateral do balcão para esperarmos os nossos lanches. Após alguns minutos, pegou a bandeja e nos guiou para a parte superior do restaurante, que era mais reservada e alheia ao tumulto do andar inferior.
Ao nos sentarmos, ele colocou uma mão sobre as minhas, antes que eu pudesse abrir o sanduíche.
— Antes que coma, eu preciso te dizer algumas coisas — começou, hesitante, umedecendo os lábios com a língua e chamando a minha atenção para essa região de sua anatomia. — , eu sou apaixonado por você — falou rapidamente, fazendo com que o meu coração disparasse descontroladamente. — Não sei exatamente quando aconteceu, talvez quando você me fez assistir todas as temporadas de Modern Family e passou a dizer que nós dois éramos como a Claire e o Phill. Ou quando ficou no telefone comigo por mais de quatro horas depois de eu tomar bomba em uma cadeira da faculdade, só para me animar. Mas eu não quero mais fugir disso, . Eu te senti mais distante nesses últimos dias e fiquei apavorado com a ideia de você ir embora. Então, eu peço que você abra o seu sanduíche, por favor — pediu, sinalizando para a embalagem que estava disposta em cima da nossa bandeja. Ainda atônita, segui as instruções de , soltando um sorriso involuntário ao abri-la.
Dentro da caixinha, não tinha nenhum sanduíche, mas sim alguns posts it’s colados de forma meio desajeitada.
Não me mate por não ter comida aqui dentro, juro que vai valer a pena.
Eu não sabia como te surpreender, então me desculpe se isso aqui for a ideia mais idiota que você já viu.
Mas é você, . Você, com sua personalidade de sabichona e irritante que me encantou mais que tudo.
Você que é a menina mais linda e inteligente que eu já tive o prazer de conhecer. Você que é a garota por quem eu me apaixonei.
Eu quero ser seu namorado. Por isso te pergunto, você quer namorar comigo?
Se sim, dê um sorriso. Se não, dê um mortal para trás - brincadeira (ou não).
— Estou vendo um sorriso nesse rostinho lindo. — Cutucou a minha bochecha com o dedão, fazendo com que o meu sorriso aumentasse. — Então, o que me diz? — questionou, ansioso, mexendo mais uma vez no cabelo.
— Digo que você é um idiota — falei simplesmente, ainda sorrindo, vendo-o me encarar confuso. — Idiotamente incrível por se declarar para mim no mesmo dia que eu havia decidido me declarar para você.
— Quer dizer que você iria se declarar para mim? — Sorriu largo e surpreso, inclinando-se para frente e acariciando levemente a minha bochecha. — O que você iria dizer?
— Que eu também estou apaixonada por você. E que eu não aguento mais essa falta de definição do nosso status de relacionamento porque eu quero muito poder ficar com você do jeito certo — falei, tentando segurar o nervosismo. As minhas mãos tremiam levemente e eu só percebi quando as envolveu com o seu toque quente e confortável.
— Desculpe por te enrolar por tanto tempo, . Eu quero muito que você aceite ser a minha namorada, mesmo achando que nós já somos mesmo antes de nos tornar oficiais.
— Eu acho que já aceitei desde quando você sorriu para mim pela primeira vez, . Mas você ainda está me devendo um sanduíche!
Flashback’s OFF
Respirando fundo, tentando não desabar, atendi novamente a ligação, ouvindo os soluços da minha sogra voltarem a soar no outro lado da linha.
— ? Você está aí? — perguntou com a voz falhada, fazendo com que eu voltasse lentamente para a minha realidade. Eu só queria voltar para o mundo que eu estava acostumada. — ?
— Desculpe, Rach — disse e pigarreei para tentar deixar a voz mais firme. — Eu… eu não sei o que dizer — falei com a voz fraca, franzindo os lábios para evitar que o choro saísse. Eu sabia que, caso eu começasse a chorar, eu não conseguiria mais parar. — Eu deveria ter impedido que ele fosse, eu… — E aqui eu não consegui mais segurar tudo o que me angustiava. A avalanche de sentimentos que eu tanto segurava desceu derradeira, destruindo todas as defesas que eu inutilmente tentei erguer desde que atendi ao telefonema. O choro desceu ácido, como se eu me afogasse em mar aberto sem nenhum salva-vidas. As palavras fogo e cem mortes rondavam na minha mente como um looping macabro e sufocante. Mais de cem mortos. Cem. Mortos. não atende o telefone. que não larga do celular nem para ir ao banheiro. O meu .
— O foi realmente para lá, ? O meu filho realmente foi para aquela boate? — perguntou com um quê de esperanças, fazendo que eu focasse novamente na conversa. Quando eu confirmei em um murmúrio desolado, sem forças para me prolongar, Rachel pareceu se desesperar mais do que eu achava ser possível. Após alguns segundos que pareceram horas, Rach falou novamente, o que fez com que eu tentasse conter os meus soluços.
— Nós… Nós estamos... — Respirou fundo, enquanto eu permaneci em silêncio, tão impactada quanto. — O Robert disse que estão indo para o Target, eles estão reconhecendo… — Deu um soluço mais alto, como se tivesse percebendo a gravidade de suas palavras. — No estacionamento do Target, estão colocando alguns dos corpos e… eu não consigo dizer isso em voz alta! Meu Deus! — chorou mais uma vez, fazendo com que eu ouvisse uma outra voz, que eu reconheci como a do meu sogro, que tentava acalmar Rachel de forma ineficiente. — O Rob vai para lá, enquanto eu vou nos hospitais. Ele tem que estar em algum lugar, ! — falou em um tom mais firme, parecendo criar forças para procurar o filho e trazê-lo em segurança para casa. Porque ele tinha que estar bem. não poderia me deixar.
Flashback’s On
Depois de maratonarmos os filmes de Harry Potter e, mais uma vez, discutirmos sobre a qualidade duvidosa de alguns - vários - deles, e eu estávamos em um silêncio confortável. Eu já sentia meus olhos começarem a pesar de sono, quando a voz dele chamou a minha atenção.
— O que você acha da morte, ? — questionou de repente, virando o corpo para poder me encarar. Por um momento, eu não entendi o que ele queria dizer. Não sei se era o sono ou a complexidade da pergunta, mas demorei alguns segundos para poder formular uma resposta.
— Inevitável? — devolvi em outro questionamento, vendo-o sorrir levemente para mim. — De onde veio isso, ? Não vai me dizer que descobriu uma doença rara que vai te matar em vinte e quatro horas? — dramatizei em uma falsa cara de pânico, vendo-o rir e me puxar para os seus braços, de forma protetora.
— Uma coisa ou outra vieram na minha mente — respondeu, deixando um selinho em minha boca. — Você acha que em algumas centenas de anos poderemos reverter a morte?
— Tipo múmias voltando à vida? — fiz uma careta para o pensamento que me acometeu, de corpos putrefatos saindo de suas lápides e começando a andar nas ruas, como zumbis.
— Não, mas confesso que seria interessante — falou em uma gargalhada, mordendo a minha bochecha com carinho e puxando o edredom para nos cobrirmos. — Eu queria ser imortal — disse, após um tempo, em um tom leve.
Franzindo o cenho com a declaração, afastei-o um pouco para poder questionar o sentido de suas palavras. A imortalidade nunca tinha sido uma grande questão para mim. Afinal, a única certeza de nossas vidas era o fato de que ela um dia iria cessar. Sem preparos, sem confortos, sem avisos. A não ser que você fosse um vampiro. Por isso, achei inusitado vir me confessar isso.
— Sério? Ser imortal sozinho deve ser horrível, amor. No final, todo mundo vai embora e você fica aqui, sozinho.
— Mas você teria a chance de acertar e errar quantas vezes fossem possíveis e necessárias. É estranho pensar que amanhã tudo pode acabar e que, em instantes, poderemos estar em uma sala de autópsia, e depois sendo devorados por vermes. Não queria ter que passar por isso, pelo menos nem tão cedo — suspirou, voltando a falar em seguida. — Além de que, se eu tivesse a fórmula da imortalidade, eu compartilharia com você — continuou com obviedade, apertando meu nariz com o polegar e o indicador. — Com meus pais. Talvez não com o seu pai, porque seria interessante viver uma vida sem tê-lo me encarando com uma feição de minha filhinha poderia arranjar algo melhor — disse em uma careta, fazendo com que eu desse um soquinho em seu peito e bagunçasse os seus cachos em pirraça.
— Você é um idiota — ri, recebendo alguns cutuques na costela em resposta. — Além de que, pelo que você me disse, você iria viver até os cento e vinte anos. Por isso eu aceitei ficar com você! — brinquei, tentando quebrar a tensão das palavras de . Eu costumava ter a certeza de que tinha um talento especial de ver a vida mais como uma criança, em que a morte é apenas um estado natural e que todos vamos virar estrelinhas, regendo os nossos entes queridos após a nossa partida. Porém, a morte do meu avô mudou essa minha perspectiva e me trouxe à dura realidade que, um dia, todos nós iremos, e que nunca será fácil se despedir de quem amamos. Por esse motivo, não queria parar para refletir sobre o que ele estava dizendo. A possibilidade de ser deixada para trás em um grau de irreversibilidade doía.
— Você me ama demais, estranha. Não adianta negar. Morre de medo de me perder — continuou a brincadeira, entendendo o caminho que eu queria seguir na conversa.
— Todo mundo sabe que eu tenho mal gosto, não é nenhuma surpresa — provoquei, fazendo uma careta de falso choque surgir no rosto de . Por alguns segundos, ele me encarou como se realmente estivesse indignado, mas logo deixou a máscara cair e passou a me fazer cócegas em resposta à minha brincadeira.
— Pa-a-ra! — tentei responder com o pouco fôlego que eu tinha, desviando dos braços do melhor jeito que conseguia. — !!!! — reclamei novamente, aos risos, sendo atendida depois de alguns segundos. Tentando respirar para recuperar o fôlego perdido, ajeitei precariamente o meu cabelo e roupa que estavam completamente amassados, assistindo os risos incontidos de soarem pelo quarto.
— Você é ridículo — estirei a língua, o que o fez me puxar para um beijo rápido de surpresa, que acabou tirando todo o ar que eu tinha acabado de estabilizar nos meus pulmões.
— Desculpa, amor, mas é aquele ditado: quem mostra a língua, pede beijo — falou como se não fosse nada, puxando-me novamente para os seus braços, onde fiquei de bom grado. Cansada demais para retrucá-lo. Além de que, não havia lugar no mundo que eu preferisse estar do que ali.
Passamos mais algum tempo parados naquela posição, em uma situação que se escutava apenas o som de nossas respirações. Eu acompanhava de forma vidrada as subidas e descidas do peito de , sentindo-me grata por estar ali com ele.
— Você promete que nunca vai me deixar, ? — quebrei o silêncio, pensando no assunto mórbido que o meu namorado tinha levantado anteriormente. Por mais que evitasse, uma sensação ruim passou a tomar conta de mim, como se fosse tomado de mim cedo demais.
— Eu prometo que vamos ficar juntos até envelhecermos, estranha. Com uma casa cheia de netos, filhos e cachorros. As cabeças já repletas de cabelos brancos... — Beijou a minha testa, compreendendo o motivo dessa minha pergunta e tentando dissipar essa apreensão de dentro de mim. — Apesar de eu achar que essa fase já começou para você… — provocou, levantando uma das mechas do meu cabelo e sinalizando um grisalho inexistente nos fios. Eu somente revirei os olhos, mas com um coração quentinho. Não tinha motivos para temer que não estaríamos juntos por todo o resto de nossas vidas.
Flashback’s OFF
Depois de desligar o telefone, eu fiquei simplesmente imóvel. Congelada. Sem saber o que fazer. As lágrimas ainda desciam de forma irrefreável pelo meu rosto e os soluços tiravam o meu ar. Eu me sentia sufocada, sem saber como reagir naquela situação. Eu não tinha forças para seguir nenhum dos meus sogros na busca por . Não sabia se conseguiria lidar com o fato de não o encontrar, ou pior, de encontrá-lo em um estado irreversível. Não. Não o meu .
Com as mãos trêmulas, peguei novamente o celular que tinha derrubado em minha cama para tentar ligar para ele. Eu tinha que acreditar que ele iria atender e falar que estava tudo bem. Ele precisava estar bem.
Uma. Duas. Cinco. Quinze. Vinte. Vinte e cinco ligações não atendidas e que caíram na caixa de mensagens.
— Amor, por favor. Me atende.
— , você me prometeu que iríamos ficar juntos para sempre. Por favor, liga para mim.
— Não se atreva a me deixar, . Por favor, volta para mim.
A falta de resposta foi mais um golpe no meu peito, que doía de um jeito insuportável. Tentando outro meio para conseguir falar com ele, entrei no WhatsApp e percebi imediatamente o caos que estava no aplicativo. Eu tinha a mania de arquivar todas as minhas conversas e, por causa da nova atualização do app, eu não recebia notificações acerca de novas mensagens recebidas. Por isso, foi um choque quando me deparei com a enxurrada de mensagens recebidas. Nos grupos que eu estava, havia várias pessoas desesperadas procurando notícias de amigos e de familiares. E, com um grande pesar, descobri que, além de , outros conhecidos também estavam desaparecidos. Assim, tentando não me desesperar mais ainda, procurei a minha conversa com , sentindo um palpitar no meu coração ao ver que tinham duas mensagens não visualizadas. Respirando fundo para achar coragem para enfrentar o que estava por vir, finalmente apertei na foto dele, percebendo rapidamente que eram uma mensagem escrita e um áudio. O texto tinha sido enviado poucos minutos após ele sair da minha casa, e o áudio, há cerca de uma hora.
“Amor, desculpa por sair e te deixar aí sozinha. Sei que não curte muito boates e eu deveria ter sido menos idiota para entender isso no dia de hoje. Eu já cheguei na Laroc, mas prometo não demorar muito. Só vou beber algumas coisas e volto para casa. Beijo, linda. Te amo.” - era o que ele tinha escrito. O fato dele ter se desculpado por sair daqui estressado apertou o meu coração mais ainda. Esse era o meu . Sempre preocupado com meu bem-estar e na minha felicidade.
Depois de reler o texto algumas vezes, fechei os olhos com força, bloqueando o celular por um instante. Eu não queria ouvir o áudio dele. Não queria cair na realidade em que algo realmente tinha acontecido a ele e que isso poderia ser uma despedida. Não poderia ser uma despedida.
Não sei quanto tempo fiquei olhando para cima, esperando para ver se Robert ou Rachel me ligavam com notícias de . Nesse tempo, recebi ligações dos meus pais e de alguns amigos, mas não tive condições de atendê-los, nem mesmo para relatá-los que eu estava viva. Suspirando mais uma vez, sentindo a garganta seca e o nariz totalmente congestionado devido ao choro, abri novamente a minha conversa com e finalmente dei play no áudio.
A voz dele era confusa e tinha muito barulho ao redor, sendo difícil entender o conteúdo de sua mensagem. Tive que colocar a saída de áudio no ouvido para conseguir compreender o que ele estava falando, me agoniando ainda mais devido à sinfonia do desespero que ecoava no local.
-, eu acho que começou a pegar fogo no palco da boate. Estou tentando sair com os caras, mas tem muita gente empurrando. A fumaça ainda não chegou na gente, mas eu não consigo ver a saída. Quando eu sair, eu te ligo. Mandei o áudio só para não te assustar com os boatos. Te amo, amor. Até daqui a pouco.
E era isso. Eu rezava para que ele tivesse saído de lá bem, só tivesse perdido o celular. Ele precisava estar bem. Por favor, meu Deus. Deixe que ele esteja vivo e bem. Por favor. Por favor. Por favor.
Em meio às súplicas, assustei-me rapidamente com a vibração do celular, que estava no silencioso devido ao nervoso que o meu toque estava me dando. Ao ler o nome de Rachel, hesitei antes de atender, com medo do que viria. Depois de respirar fundo algumas vezes, finalmente criei coragem para atendê-la. Contudo, após o meu alô, a minha sogra voltou a chorar forte, dando-me a única resposta que eu não estava preparada para receber.
tinha quebrado a única promessa que não poderia quebrar. Ele tinha me deixado.
FIM
Nota da autora: Eu não estou acostumada a escrever coisas tristes, então foi uma loucura ter escolhido essa música. Inclusive, a minha ideia original não tinha nada a ver com essa versão, passando no mundo de Harry Potter. Porém, alguns fatores ocorreram na minha vida que me fizeram ir por esse caminho. Espero que tenham gostado! Um beijo e até a próxima!
Nota de beta: Ainda bem que você não está acostumada a escrever coisas tristes, já acabou comigo assim, imagina se estivesse! Agora você escolhe entre pagar minha terapia ou escrever algo lindo e feliz para compensar kkkkk
Mas gostaria de deixar meu parabéns registrado aqui, você escreve muito bem!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Nota de beta: Ainda bem que você não está acostumada a escrever coisas tristes, já acabou comigo assim, imagina se estivesse! Agora você escolhe entre pagar minha terapia ou escrever algo lindo e feliz para compensar kkkkk
Mas gostaria de deixar meu parabéns registrado aqui, você escreve muito bem!
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