Finalizada em: 24/12/2021

Prólogo

1990


Eu estava sentada no balcão tomando um delicioso sorvete de flocos com cobertura extra de chocolate, os granulados se derretiam na minha boca junto com a calda. A sorveteria era nova na cidade e logo se tornou a minha favorita. E eu teria continuado a me refrescar, mas… foi apenas um sonho.
Notei que não era real quando uma gritaria incomodou os meus ouvidos, me arrancando do meu momento de paz. Ao meu lado, o relógio marcava quase 2h da manhã. O barulho vindo do andar debaixo é alto e as vozes são dos meus pais, mas não consigo entender o que dizem. Chuto as cobertas para o lado e ando até a ponta da escada. Mesmo que eu fizesse barulho, eles não iriam ouvir, estavam ocupados demais berrando com os dedos levantados um contra o rosto do outro.
— Eu não vou mais te dar o divórcio, Roxanne!
— Então vamos resolver isso na justiça — o rosto de minha mãe fica vermelho e seu corpo treme, eu nunca a vi tão furiosa.
— Você dormiu com o advogado! — meu pai a acusa — Acha mesmo que algum juiz vai te dar credibilidade? — ele grita cada vez mais alto.
— Nós estamos nos divorciando, o que eu faço não é mais da sua conta!
— É da minha conta se eu pedir a guarda das crianças — seu tom de voz era debochado.
Lentamente mamãe abaixa o dedo e o rosto que antes estava corado, fica pálido.
— Você não faria isso...
— Acha mesmo que não tenho coragem?
Minha mãe trincou os dentes e seus olhos se estreitaram com ódio.
— Tom, você não passa de um covarde!
— A minha mãe tinha razão, — ele diz, devagar — você é uma vadia.
A mão da minha mãe sobe ao encontro de seu rosto, o barulho ecoando alto na sala que de repente fica silenciosa. Levo a mão até minha boca de modo a silenciar o grito que se forma em minha garganta. Me preparo para descer, com medo de meu pai revidar e a agredir,, mas tudo o que ele faz é negar com a cabeça algumas vezes e sair batendo a porta. Mamãe cai sobre os seus joelhos, chorando copiosamente.
A cena parte meu coração em mil pedacinhos, porém não tenho tempo de descer para a consolar, pois sinto um puxão em minha camisola. Ao olhar para baixo, vejo meu irmão mais novo chamando minha atenção.
— Papai foi embora, ? — Ele sussurra, os olhos marejados e assustados.
Me agacho e pego o pequeno no colo, o levando de volta para o quarto onde o outro gêmeo dormia tranquilamente.
— Volte a dormir, ok? — o abraço fortemente — Vai ficar tudo bem, Oliver.
Fico alguns minutos ao seu lado, velando o seu sono. Quando volto ao meu quarto, não consigo dormir mais.
A minha família nunca foi estruturada, meus pais eram muito novos e tinham pouco tempo de relacionamento quando minha mãe engravidou de mim. Os meus avós praticamente os obrigaram a se casar e, pouco tempo depois, vieram os gêmeos. Com o tempo, as brigas se tornaram cada vez mais frequentes.
Eu não tenho muita certeza sobre o que aconteceria com nossa família agora, mas não consegui acreditar nas palavras que eu mesma disse a Oliver. Eu tenho apenas 14 anos e não entendo nada do mundo, e algo me diz que não vai ficar tudo bem.


Capítulo 1

1992


Momentos de paz eram raros depois que os meus pais se separaram. Se é que posso chamar de separação, pois meu pai continua morando conosco. Tom perdeu o emprego um pouco antes do divórcio sair, foi demitido por operar uma máquina da fábrica enquanto trabalhava alcoolizado. Depois do acontecimento, a nossa vida, que já não era muito boa, se tornou um inferno. As brigas aumentaram depois da separação oficial, quando eles abriram um novo processo na justiça para repartir os bens, pois minha mãe queria vender a casa e meu pai queria que ela saísse.
Na quinta-feira, a minha mãe decidiu levar os gêmeos para visitar a nossa avó e, muito provavelmente, o meu pai deveria estar por algum bar da cidade caindo de bêbado. Então estou livre para sair e me divertir com os meus amigos.
Fingir por uma noite que sou uma adolescente normal.
Edge of Seventeen toca alto no aparelho de som enquanto balanço os quadris em frente ao espelho, levando as mãos até os cabelos a fim de os deixar mais rebeldes, igual aos da diva Stevie Nicks no pôster pendurado na porta do meu quarto. Fico horas tentando decidir entre a calça jeans rasgada ou o short preto de cós alto, em conjunto com a blusa branca de mangas ¾ e a jaqueta de couro.
Just like the white winged dove, sings a song — canto a plenos pulmões, aproveitando o tempo comigo mesma — Sounds like she's singing: oh baby, ooh, said ooh!
No fim, optei pelo short e uma meia calça preta, calçando um coturno após retocar o batom vermelho. Desço as escadas com pressa ao ouvir o som da buzina, indicando que Baker chegou.
Wind Of Change do Scorpions toca quando entro no carro, me acomodando no banco do passageiro ao lado do meu amigo.
— Quando sua mãe e seus irmãos voltam? — Holly pergunta do banco de trás, agarrada a Josh.
— Provavelmente na segunda, então temos o final de semana livre.
Josh solta um grito de comemoração, me contagiando.
— E algum sinal do seu pai?
Nego com a cabeça e Baker coloca a mão sob os meus ombros, para me confortar.
— É melhor assim, eu precisava de um pouco de paz — respondo, não me importando.
— Tudo vai se ajeitar amiga, no ano que vem as coisas vão mudar.
Ela me olha com compaixão e curvo a boca em um meio sorriso.
— É, eu preciso que mudem — suspiro fundo, tentando conter as lágrimas que brotam abaixo de meus olhos.
No momento, tudo o que eu menos queria era pensar no meu pai alcoólatra e na péssima convivência da minha família.

(...)

A festa da noite acontece na garagem de Winston Grant e apesar de grande, o ambiente está muito quente e barulhento, abarrotado pelos alunos do colégio Imaculada. Apesar de estudarmos em um colégio religioso, nem todos seguem as regras à risca.
— Vou pegar uma bebida — anuncio para os meus amigos enquanto sumo pela multidão, atrás de um cooler.
Reconheço alguns colegas de classe misturando ponche em um recipiente de vidro e aproveito para os cumprimentar e garantir um copo.
— Quem é viva sempre aparece! — Benjamin Groff, um dos jogadores do time, diz ao encher meu copo com o líquido vermelho.
— Você está me devendo um touchdown, eu não esqueci — brinco, me referindo ao último jogo do time em que eles perderam.
— Vai me assistir no próximo jogo?
— Quem sabe — pisco para ele.
Meu passatempo favorito é fingir que os jogadores do time têm alguma chance comigo. Eu me divirto e ainda tenho boas vantagens, como, por exemplo, sair de lá com o ponche e uma latinha de Smirnoff.
Avisto Holly se esfregando em Josh em um canto da festa e resolvo procurar por Baker para irmos até a pista de dança improvisada. Eu quero dançar, mas não tenho coragem para ir sozinha e muito menos estou bêbada o suficiente.

O quintal na parte de trás da casa está ainda mais cheio que a garagem, ando devagar para não esbarrar em ninguém e rodo por lá alguns minutos, mas não consigo achar Baker ou alguém conhecido para dançar comigo, então decido voltar para a garagem.
Me sento em um dos sofás e abro a garrafa de Smirnoff, apreciando o gosto do limão em conjunto com a vodca. Alguns minutos depois, sinto o espaço ao meu lado afundar, indicando que alguém se sentou.
— Hey!
Olho para o lado, encontrando os olhos castanhos de me encarando. Muito mais perto do que deveria.
— O que você faz aqui, ?
— Alguns amigos da banda marcial me convidaram e eu pensei: por que não?
Ele tem inúmeros motivos para ter recusado o convite, um deles é por ser , o filho do reverendo da cidade. Todos os conhecem como um exemplo de religiosidade a se seguir, até mesmo aqueles que não frequentam a igreja e aqueles que são proibidos de frequentar, como a minha família.
— Seu pai ser o reverendo e coordenador da escola e metade da Imaculada estar aqui, já não é motivo suficiente?
— Eu só queria me divertir, — ele sorri idiotamente e percebo que está pra lá de bêbado. Reviro os olhos com vontade antes de o puxar pelo braço, o empurrando para um canto afastado.
— Você bebeu?
— Você não? — sua boca se curva em um sorriso sarcástico.
, o que você está pensando?! Se alguém te vir nesse estado e contar para o seu pai, você já era!
Eu ralho com ele e penso por alguns segundos em uma solução, mas será que realmente valia a pena fazer o que me passa pela cabeça? Momentos da minha amizade com na infância vem à tona e decido que o certo a se fazer é ajudar o garoto.
— Meu pai está num congresso, psiu — ele leva o dedo até meus lábios — Ele não vai saber de nada.
— Você está muito chapado, vem!
Arrasto o garoto pelos ombros até estarmos longe da festa, me perguntando o tempo todo onde estão os tais amigos que ele mencionou, provavelmente o embebedaram de propósito, só para tirar sarro.
Sentamo-nos na calçada do mercado da cidade e fecha os olhos, ficando muito pálido.
? Ei! — bato levemente em seu rosto e ele os abre.
Noto os seus lindos olhos castanhos me transmitindo muita tranquilidade, chega a ser até doce. Espera, o que eu estou pensando? Meu Deus! Eu nem bebi!
— Eu só queria dançar.
Dou risada.
— Acho que alguém é fraco para bebidas.
— Eu estou bem. Só levemente alterado — a voz dele está embargada, o que me faz rir ainda mais.
— Você queria dançar?
— Sim! Eu sempre quis dançar numa festa, meu pai diz que dançar é um pecado muito grave! Mas eu só queria saber como é a sensação, entende? — confessa. Meus olhos marejaram e eu não entendo o porquê. Uma vontade absurda de abraçar aquele garoto me toma e eu tenho que me segurar para não me debruçar sobre ele.
O que passa em casa? Quem ele era difere de quem ele quer ser? Quais são os outros desejos adolescentes que ele tem?
— Vamos — estico a mão para ele, que agarra sem pestanejar — Vamos dançar, .

(...)


Confiro se minha casa ainda está vazia da maneira que deixei antes de sair e entro com escorado em meus ombros, ainda um pouco cambaleante. Jogo o garoto no sofá e tiro a minha jaqueta, o carregar até ali me deu calor.
Entre os discos de vinil de minha mãe, procuro um especial e após encontrar, coloco Come On Eileen do Dexys Midnight Runners para tocar na antiga vitrola.
— Gosta desta música? — pergunto, fazendo alguns passos desengonçados.
ri e se levanta, imitando os mesmos passos.
— Essa música é legal!
— Minha mãe não me deixava escutar quando era pequena — conto — Ela dizia ser obscena demais para uma criança, então toda vez que ela saía, eu procurava o disco para poder ouvir.
Giramos juntos pela sala, movendo nossos braços, pulando para lá e pra cá. Sem dúvida, uma das coisas mais gostosas de se fazer é dançar. Geralmente não me importo se danço bem ou mal, faço para me divertir, mas naquele momento, me pego imaginando o que está pensando sobre o meu modo de dançar.
Quando a música acaba, nos sentamos no chão um de frente para o outro. Noto que eu observo demais seus traços, como seu cabelo era liso na raiz e encaracolado nas pontas e o jeito que ele o corta, deixando curto dos lados e um pouco maior na frente, com mechas caindo em seus olhos.
— Obrigado — sua voz me tira do transe, a voz um pouco acanhada.
— Pelo quê?
— Você sabe — ele sorri — Por ter me resgatado e dançado comigo.
— De nada — sorrio de volta e ele se inclina, segurando a minha mão, com um sorriso inconfundivelmente sacana. Espera, ele está flertando? — Você está bêbado — refresco sua memória.
levanta as mãos em rendição e de repente as coloca no estômago.
— Acho que preciso vomitar...
— Não, não, não! — Levanto-me com pressa, alcançando um balde para ele vomitar. explode em risadas e eu paro no meio da sala com o objeto numa mão e a outra na cintura — Não tem graça, !
— Na verdade, tem um pouco sim.
Estou pronta para protestar, se não tivesse começado a rir com ele. A sua risada é alta, contagiante e muito prazerosa de se ouvir.
— Eu não me lembro de você ser tão legal assim — confesso, contorcendo a boca.
— Eu era um pouco babaca, não é?
— Você puxava meu cabelo durante os cultos!
— Desculpe — ele junta as mãos e aperta os olhos, sorrindo.
— Está desculpado. Por enquanto… — sorrio de lábios fechados.
Sabe o que eu quero muito fazer? — pergunta, frisando a palavra.
— O que?
— Tomar chocolate quente!
— Isso é algum tipo de desejo de bêbado?
— Com certeza é.
Tombo a cabeça, mas ofereci a minha mão para que ele se levantar e rumo para a cozinha com em meu encalço.
— Vocês têm creme de leite fresco? — ele pergunta. Eu o olho como se fosse uma aberração, o que faz ele rir frouxo.
— Creme de leite? No chocolate quente?
— Sim — assente, como se não estivesse dizendo uma atrocidade — Confia em mim.
Separo leite, açúcar, cacau em pó e o creme de leite. mistura os ingredientes com agilidade e em poucos minutos me serve uma caneca.
— Eu amo chocolate quente e espero continuar amando — aviso, antes de tomar o primeiro gole.
Minha expressão denuncia que gostei, porque faz uma careta de “eu tinha razão” e desata a rir.
— Ok, você venceu, é muito bom!
— Minha mãe me ensinou a fazer desse jeito, fica mais leve.
— Vocês deviam vender — brinco — Ficariam ricos.
Observo tomar o chocolate quente como se fosse uma criança feliz e a memória dos domingos de manhã na escola dominical na igreja de seu pai passam pela minha mente. Era uma época legal, em que meus pais tentavam se encaixar no padrão de bons cidadãos. Eles eram um casal feliz, indo aos domingos na igreja, ensinando um bom caminho à filha… Mas isso foi antes de tudo desmoronar. Nós fomos convidados a nos retirarmos da igreja e eu nunca mais tive contato com os .
— O que você está pensando?
— Que o seu pai te mataria se soubesse que você está aqui comigo.
— Provavelmente sim — concorda, deixando a caneca na pia e limpando a boca com o tecido da camiseta — Ele diz que vocês são a perdição da cidade.
— Que cara bacana o seu pai, não?! — praguejo, batendo o punho na bancada. Minha voz soa mais firme do que pretendia, pois me olha assustado — Desculpe. Mas não entra na minha cabeça o que nós fizemos para ele.
Tento me recompor e contraio a mandíbula.
— Seus pais pediram conselhos sobre o divórcio, meu pai disse que era só uma fase ruim e que era um pecado muito grande se divorciar, mas acho que seus pais não o ouviram.
— Tanto faz — dou de ombros — Eles continuam vivendo juntos, em pé de guerra!
me olha assustado novamente, como um cachorro que caiu do caminhão de mudança. Ele é extremamente ingênuo e isso me irrita um pouco. não conhece a maldade do mundo. Com certeza não do modo que eu conheço
— Se importa? — pergunto, tirando o maço de cigarros do bolso. Ele nega com a cabeça.
— Não sabia que você fumava.
— Você não sabe muitas coisas sobre mim, — murmuro com o cigarro entre os dentes, enquanto acendo.
— Sei que você vai pra uma das faculdades da Ivy League — afirma, como se tivesse toda a certeza do mundo.
— Quem te disse isso? — pergunto, incrédula.
— Sua redação não ganhou um prêmio ou algo assim? Isso é importante.
— Talvez — trago o cigarro, soltando a fumaça em seguida — Eu só quero sair dessa cidade de merda.
— É o que quase todos querem, não é?
— Você não?
Me sento, sentindo o costumeiro efeito calmante do tabaco me atingir.
— Meu pai não quer que eu me inscreva para as faculdades no ano que vem, vou para um retiro religioso.
Gargalho, com muita vontade, mas paro quando noto sério.
— Você está falando sério?
— Sim — responde, como se fosse óbvio — Eu vou assumir a igreja daqui uns anos.
— E é isso que você quer?
Ele se cala e os ombros se contraem, entendo que é hora de mudar de assunto. Apago o cigarro e jogo a bituca pelo ralo da pia.
— É bom estar com você — diz, subitamente.
— Por que é proibido? — Levanto uma sobrancelha, o olhando firmemente. sustenta o olhar.
— Também — ele sorri de lado — Eu tinha me esquecido como é bom conversar com você.
— Eu não mordo, .
— Vou me lembrar disso na segunda-feira, quando estiver sóbrio.
O relógio em seu pulso apita freneticamente, o fazendo pular da cadeira.
— Preciso ir, minha mãe vai chegar daqui a pouco.
Concordo, embora uma parte de mim deseja que ele fique mais. Acompanho até a porta e verifico em seu rosto se ele está sóbrio o suficiente para ir andando sozinho.
— Quer que eu te leve? Você está bem?
— Sim, o chocolate quente ajudou bastante.
— Fico feliz em participar do seu primeiro porre.
— Obrigado por me ajudar, a essa altura provavelmente eu estaria caído no jardim do Grant.
— Não têm de quê.
— E me desculpe por estragar sua festa.
— Relaxa, tinha grandes chances de eu voltar para casa e assistir a reprise de Três é Demais.
sorriu, se inclinando em minha direção e alcançando a minha cintura com uma mão, antes de depositar um beijo no meu rosto. Eu fico parada, sem reação, com seu perfume invadindo minhas narinas e me deixando tonta. Ao me soltar, ele segura minha mão e beija suavemente o dorso dela.
— Até mais, .
Os lugares que ele beijou formigavam enquanto o observo ir embora, não conseguindo conter um sorriso.

Capítulo 2


Eu tenho fé em Deus.
Percebo isso enquanto estou ajoelhado pedindo a Ele que o culto acabe logo para eu poder ver o sorriso de . É, eu tenho fé, mas não como meu pai, que neste momento está pregando um sermão para igreja, que responde entusiasmada com améns e aleluias.
A criação que meus pais me dão é a mesma que eles receberam, então, por que sou diferente? Por que não consigo ser focado na igreja como eles e me envolver com as atividades? Essas perguntas me tiram o sono quase todas as noites e conviver com a culpa de não exceder as expectativas deles me corrói. Eu não vejo o mundo da mesma forma que eles veem e não sei se quero ver algum dia.
Por outro lado, tudo se tornou mais leve nos últimos dois meses, desde que eu e começamos a conversar na festa de Winston Grant. Depois de me ajudar naquela noite, passamos a nos cumprimentar nos corredores da Imaculada, voltar para casa juntos depois das aulas e sempre nos encontrarmos depois dos cultos nos domingos à tarde. Quando estou com , parece que o peso que carrego nas costas desaparece e só resta a leveza e a facilidade da sua companhia, o seu riso solto quando conto uma piada sem graça e o seu revirar de olhos quando a irrito.
Meu pai termina o sermão e toda a igreja levanta para o cumprimentar e pedir conselhos, aproveito a deixa para sair o mais rápido possível antes que ele ou minha mãe me vejam. O caminho até a casa de é rápido, desço da bicicleta apenas para pegar uma pedrinha no chão e jogar contra sua janela. Não demora para possa vê-la surgir entre a cortina, fazendo um sinal para esperar por ela na parte de trás do quintal.
— Conseguiu ouvir o EP do A-ha? — ela pergunta baixo, olhando para as janelas da casa.
Não posso disfarçar o sorriso abobalhado para ela, que levanta uma sobrancelha em uma careta de confusão. usa uma blusa xadrez, jaqueta jeans grande demais para ela, uma saia branca com botões que molda perfeitamente sua silhueta e all stars. Devia ser pecado ser tão bonita assim!
— Sim e quase fui pego, por pouco meu pai não vê o Walkman — respondo, antes que me ache estranho pôr a observar demais. Devolvo o aparelho em suas mãos e o guarda na mochila, subindo em sua bicicleta em seguida
— Se ele pegasse meu bebê, eu juro que te matava — sorri, o costumeiro sorriso de lábios fechados, ameaçadora.
Pedalamos até a sorveteria da senhora Connelly enquanto conversamos e rimos e, em pouco tempo em sua companhia, me sinto melhor.
— Boa tarde querido, como vai seu pai? — a senhora Connelly pergunta.
— Bem, obrigado por perguntar.
— Mande lembranças a ele, certo? — Assinto, desconfortável. Meu pai a detesta porque ela parou de ir aos cultos de domingo afim de abrir a sorveteria mais cedo — O que vão querer?
— Uma casquinha mista e uma de flocos com cobertura extra — peço.
Nos sentamos enquanto a senhora Conelly prepara nossos pedidos.
— Você decorou o meu pedido? — pergunta, os olhos semicerrados.
— Sim — dou de ombros, como se não fosse grande coisa.
Ela assente, desconfiada, mas posso notar um pequeno sorriso escondido em seus lábios.
— Está tudo bem? Você parece meio triste.
abaixa os ombros e suspira fundo antes de responder.
— Meus pais estavam discutindo quando eu saí de casa... — conta. — Tenho medo de voltar e eles terem colocado fogo em si mesmos. Ou pior, na casa!
— Qual o motivo da discussão?
— Ah! — pragueja alto e a senhora Connelly nos olha com curiosidade — O de sempre, meu pai acusando minha mãe de ter transado com o advogado do divórcio deles — sussurra.
— Essa é uma acusação muito séria, ele devia se envergonhar.
— Devia — ela concorda — Se fosse mentira.
— O quê? — pergunto, tentando não demonstrar o quanto estou chocado.
— Pois é, pelo menos dessa vez meu pai está com a razão — observo seus olhos claros ficarem escuros quando volta a falar — Meu pai tinha viajado com a empresa numa noite, ele sempre viajava para consertar máquinas das filiais da empresa… E eles já estavam se divorciando nessa época e até então, era amigável.
— O que mudou?
— Foi de uma hora para outra, lembro que eles me chamaram para conversar e me explicaram que iriam se divorciar. Foi uma conversa rápida e eu entendi os motivos. Então eles deram entrada no processo com esse advogado, Carlton, ele era amigo da família, estudou com meus pais — ela toma fôlego antes de continuar, mexendo nas pontas dos cabelos, com o olhar baixo — Nessa noite, meu pai estava fora da cidade e Carlton foi até minha casa levar alguns papéis, ele jantou conosco e depois minha mãe pediu que eu colocasse os gêmeos para dormir. Eu não consigo me lembrar direito o porquê me levantei, só sei que quando desci até a sala, Carlton estava deitado com a minha mãe no sofá, eles estavam enrolados em lençóis da cintura para baixo e riam tão entretidos que nem notaram a minha presença.
Abro a boca várias vezes para responder, mas não sei o que dizer.
— Foi isso — ela levanta a cabeça, o olhar firme está lá novamente — Eu não sei como meu pai descobriu, não sei se minha mãe contou para ele, só me lembro que semanas depois, estavam brigando igual gato e rato, se xingando e se acusando o tempo todo.
— Deve ter sido muito difícil para você e seus irmãos.
— Eles são muito afetados por essas brigas. Charlie mal abre a boca, ele lê o dia todo, o que não é tão ruim — ela sorri ao pensar nos gêmeos — O problema é Oliver, que vai mal na escola e é agressivo, eu fui chamada pela professora pelo menos cinco vezes só nesse semestre.
— Você cuida mesmo deles — sorrio, segurando sua mão. segura o meu olhar e lá estamos nós de novo: nos admirando em silêncio.
— Aqui está, queridos! — A senhora Connelly nos interrompe, colocando os pedidos na mesa — Bom apetite! Estou na cozinha, mas se precisarem de mim é só tocar o sininho.
puxa a mão, parecendo desconcertada e enche a colher com sorvete.
— Huuum, está ótimo! Obrigada, senhora Connelly!

Tomar sorvete com nos domingos à tarde se tornou o ponto alto da minha semana, e sem perceber, eu esperava ansiosamente para o ver em outro lugar sem ser na escola.
— Você acha que seus pais se amaram? — ele pergunta, depois de um tempo em silêncio.
— Eu acredito que sim, em algum momento — dou uma colherada generosa no sorvete, antes de continuar — E acho que foi tão rápido que nem eles têm noção de que realmente se amaram. Eu lembro deles dançando pela sala, dançavam aquela música “Boogie Shoes” como se estivessem numa danceteria dos anos 70, era engraçado e sei lá — sacudi os ombros — transmitia amor. Seus pais se amam?
— Não — responde, sem hesitar — Acho que só se casaram porque era o que meus avós queriam e só me tiveram por que é a lei natural da vida. Você sabe, “povoai a terra e multiplicai-vos” blá, blá, blá.
— Eu sinto muito — toco seu ombro e ele coloca a mão por cima da minha. Nas últimas semanas, tocava a minha mão em todas as oportunidades propícias e eu fingia não significar algo para mim, mas era extremamente complicado não sorrir para ele em momentos assim.
se inclina até ficar bem próximo, se achegando como quem não quer nada e finalmente segura a minha mão, passando os dedos levemente sobre as linhas da minha pele. Aquele seria o momento em que eu afastaria a minha cadeira e mudaria de assunto, não sei exatamente como chegamos nesse ponto, mas por alguma razão não me movo. Ele encara os meus lábios e automaticamente também olho para os seus. A sua respiração atinge meu rosto, me fazendo ter noção do quão perto estamos. se debruça cada vez mais para e o assisto tocar de leve os nossos lábios.
Eu estou zonza. Minha pele está fervendo. Meus pelos estão eriçados.
Como se toda a situação já não fosse romântica o suficiente, Do It For You do Bryan Adams toca como um hino na minha mente. O solo de guitarra, teclados e bateria, todos os instrumentos embalando o momento mais clichê da minha vida.
Fechamos os olhos no mesmo instante que nossas línguas se encontram. Sua boca é macia contra a minha e agarro sua nuca, aprofundando o beijo. Eu estou em êxtase. Nosso contato de alguma maneira me parece conhecido. É certo.
O fôlego se esgota e paramos o beijo devagar, mas sem nos afastarmos. Permanecemos com nossas testas grudadas e quando abro os olhos, está sorrindo.
É uma bela visão.

Capítulo 3


Um dos únicos pontos turísticos da nossa cidade é uma pequena ponte desativada passando por cima do Lago K.C. Não sabemos ao certo quem foi o morador que deu início a tradição, mas no verão as pessoas das cidades vizinhas a visitam só para fixar seus cadeados na ponte e fazer desejos.
Hoje é o primeiro domingo de junho e faz calor como se fosse final de julho, então comprei picolés e coloquei numa bolsa térmica da minha mãe, depois de pedir para me encontrar ao meio-dia.
A ponte fica vazia aos domingos porque as pessoas lotam o Parque Ecológico depois dos cultos na igreja do meu pai. Alugam tendas, fazem churrascos e socializam, pagando de bons cidadãos.
— Meu Deus, que calor! — aparece, com o capacete da bicicleta nas mãos. Usando um shorts jeans de cintura alta e um top ombro a ombro — Parece julho!
— Eu acabei de pensar isso! — Exclamo, extasiado por temos o mesmo pensamento.
Fecho os olhos quando ela me abraça pelo pescoço, entrelaça os braços ao redor da minha nuca e eu descanso minhas mãos em sua cintura, contornando meus braços ao seu redor. Seu perfume invade minhas narinas e eu sinto poder ficar preso em seu abraço para sempre, se ela não tivesse se soltado para me beijar.
Beijar é sempre um misto de novidade com familiaridade, como se tivéssemos feito isso durante toda a vida, mas fosse tão novo que não queremos terminar nunca. O vai e vem das nossas línguas, o calor do seu corpo, o seu jeito de pressionar os seus lábios nos meus… Me deixa zonzo.
— Achei que íamos ao parque hoje — ela diz, quando nos separamos.
— Mudança de planos — sorrio. Estendo uma toalha no chão e nos sentamos, retiro o conteúdo da bolsa e chocalho em sua frente — Eu tenho picolés.
— Eba, sobremesa antes do almoço!
Os seus olhos azuis cintilam e ela abre um sorriso cheio de dentes. Um sorriso que é difícil de a ver sorrir, mas que está se tornando cada vez mais constante para mim. E esse sorriso é simplesmente esplêndido.
— Obrigada — ela abre a embalagem com pressa e me entrega, fazendo o mesmo com o seu de sabor groselha. Eu mordo um pedaço do meu picolé de tutti-frutti, me refrescando. — Eu também tenho uma coisa pra você.
— O que é?
retira da mochila uma fita cassete azul com detalhes em amarelo e estende na minha direção.
— Uma mixagem? — não consigo evitar um tom surpreso.
— Sim, são músicas que… — ela rola os olhos e baixa o tom de voz — Me fazem pensar em você. Extreme, The Cranberries… essas coisas. Meu amigo Baker tem um ótimo aparelho de som e me deixou gravar lá.
Percebo uma nota escrita em letras de forma na fita, ‘’gravei um compilado de músicas para te ver sorrir’’.
— Obrigado , é perfeito — beijo sua testa, tentando depositar todo o meu verdadeiro agradecimento. Eu sabia o quanto aquele gesto singelo significava, era romântica nas entrelinhas.
— Ah! Quase me esqueci — retira o Walkman da mochila e me entrega — Escute a noite, tem menos chances de seu pai ver.
Observo , seus olhos azuis combinando com o azul do céu, o vento brincando com seu cabelo e os deixando rebeldes. Era incrível como ela podia ficar ainda mais linda naquele instante.
— Tenho mais uma coisa pra você também — Tateio as mãos pelo bolso do jeans procurando o presente e quando acho, levanto o pequeno objeto, o girando entre meus dedos.
— Um cadeado? — Ela ri.
Mas era um riso diferente, os seus olhos se iluminam.
— E uma caneta — balanço o item nas mãos.
— Vai me pedir em casamento, ?
— Você aceitaria, se eu pedisse? — Brinco.
— Talvez — coloca o palito do picolé na bolsa térmica e se aproxima, pegando os itens da minha mão.
Me levanto, estendendo a mão para a ajudar a ficar de pé.
— Vamos pendurar? — assinto — E o que vamos desejar?
— O meu desejo — começo, sem nem mesmo hesitar por um segundo, a abraçando pela cintura — É nunca sair do seu lado.
Ela sorri genuinamente antes de responder.
— É o que eu desejo também.
escreve nossas iniciais com a caneta preta e juntos fixamos o cadeado na ponte.
— Estamos eternizados — diz, entrelaçando nossos dedos.
Reparo no cadeado pendurado na ponte, com as nossas iniciais e o ano 1992, e sorrio. Não podia existir nada melhor do que aquele momento ou a sensação que crescia cada vez mais dentro do meu peito, o sentimento que eu tentava demonstrar em atitudes.
Quando voltou para minha vida, a minha intenção era conseguir apenas a sua amizade novamente. A sua companhia me fazia muito bem, mas como podemos ser somente amigos quando estou profundamente apaixonado por ela?
— Espero que entenda o que isso significa para mim — digo, tentando expressar em palavras o que sinto — Você me faz sentir como se eu estivesse perto das estrelas.
Sua expressão se torna pensativa, o que me deixa preocupado, mas em seguida ela sorri e toca meu rosto com as pontas de seus dedos.
— Eu entendo, — sussurra — e me sinto da mesma forma.
coloca uma das mãos em minha nuca, levando o meu rosto para perto do seu. Automaticamente sinto o meu sangue esquentar, o calor indo em direção ao meu rosto, pescoço e, principalmente, ao meu coração.
me aquece de todas as formas possíveis. me aquece como ninguém.

1993


Seda, dichavador e um pacote com maconha. Muita maconha.
Eu tento bolar um baseado, mas é difícil com o carro em movimento e minha melhor amiga cantando Debbie Gibson no meu ouvido.
— Não faz isso aqui, pelo amor de Deus! — Baker pede, me olhando pelo retrovisor — Se minha mãe sentir cheiro de erva, nunca mais vou poder pegar o carro.
— Você me pediu pra bolar! — reclamo, franzido os lábios.
— Pra gente fumar lá!
— Relaxa, eu não vou derrubar — pisco — Meu Deus, eu amo essa música!
No lado do passageiro, aumenta o som quando True Faith começa a tocar.
— Tinha que ser do essa mixagem — Holly revira os olhos.
— Ei, eu tenho um ótimo gosto musical! — Ele se defende.
— Eu concordo — digo, o olhando calorosamente.
— Eca, arrumem um quarto!
— Não fizemos nada — ele se justifica.
— Vocês não precisam fazer nada, só esses olhares já dizem tudo — minha amiga reclama.
— Isso se chama depressão pós Josh — Baker brinca, recebendo o dedo do meio de Holly como resposta.
— Ele realmente terminou com você? — pergunta, virando para trás.
— Sim, por ligação! Ele disse que estamos no último ano e precisamos aproveitar todas as experiências individuais antes de virarmos adultos, que não estávamos mais na mesma vibe, blá blá blá.
— Resumindo: ele quer transar com o maior número de garotas agora que é o quarterback do time. — delibera.
— Ele é um cuzão — concluo, segurando a mão da minha amiga. Holly encosta a cabeça em meu ombro, se sentindo chorosa.
Olho as nuvens se moverem através da janela, escondendo o pôr do sol. O céu forma uma aquarela interessante em tons de azul, mesclando com o amarelo e formando um laranja quase vermelho no fim do horizonte. Os últimos raios solares do dia brilham acima de nossas cabeças e a paisagem florestal passa por nós como um borrão.
Do Right Woman, Do Right Man de Aretha Franklin toca, tornando o momento calmo e apreciativo. Observo , a sua cabeça e ombros balançando levemente conforme a melodia. Sorrio com a cena, era impossível não notar como ele fica perfeito em contato com a paisagem.
está completamente diferente de quando nos reencontramos naquela festa ano passado, se sentindo mais à vontade em compartilhar as suas opiniões, conversar abertamente com Baker e Holly e até se tornou um verdadeiro apreciador da música. É bom o ver crescer e aos poucos se desprender das amarras que os pais o criaram, ele não é mais um menino indefeso.
Quando o percebo me olhar de volta pelo retrovisor, sinto o sangue circular diretamente para meu rosto, minhas bochechas queimando em timidez por ter sido pega no flagra o admirando. pisca para mim, sorrindo de maneira paqueradora e eu abaixo a cabeça rindo.
— É sério, arrumem um quarto — Holly reclama novamente e todos riem.
Já está escuro quando chegamos ao cinema Drive In da cidade mais próxima, o amontoado de carros é grande e Baker tem dificuldade para estacionar.
— Nós vamos comprar pipoca, querem alguma coisa? — pergunta.
— Cigarros — Holly pede.
— Balas e chocolates.
Faço um sinal de ok para Baker e saio do carro.
— Alguma resposta de Princeton? — pergunta, enquanto caminhamos de mãos dadas até a loja de conveniência.
— Nada — solto um muxoxo — E você? Algumas instituições aceitam inscrições tardias.
Ele nega com a cabeça quase que imediatamente. está irredutível sobre se inscrever para uma universidade.
— Eu não posso, você sabe.
— Acho que não é mais uma questão de poder — tento argumentar mas minha voz sobe um tom — E sim de querer! — Solto sua mão e o empurro levemente para o lado, andando em sua frente.


é a pessoa mais teimosa que conheço e quando ela coloca uma ideia na mente, é impossível a fazer pensar de outra forma.
Estamos há algumas semanas discutindo sobre candidaturas às universidades e queria me convencer a fazer uma aplicação, mas ainda não me sinto preparado para enfrentar os meus pais dessa forma. E o pior é saber que ela tem razão, eu deveria desistir dessa história absurda de me tornar o novo reverendo da cidade.
Há anos meu pai planeja o meu futuro: eu assumiria o seu lugar na igreja e ele poderia finalmente se dedicar a ser o novo diretor do colégio Imaculada. É claro que ele nunca consultou a minha opinião para saber se eu tenho vontade de ir para a universidade, só tomou todas as decisões por mim sem sequer me perguntar antes.
anda a passos largos, vestindo um shorts de cintura alta. Foi impossível não reparar em suas pernas à mostra, em como ela fica ainda mais linda quando está brava comigo. Ela entra na loja de conveniência e decido a esperar do lado de fora, o melhor a se fazer é dar algum tempo para ela se acalmar.
— Eles não têm chocolates — rola os olhos e me encara, ainda de cara fechada.
É quando avisto uma cabine fotográfica escondida num canto e tenho uma ideia de que talvez melhorasse seu humor.
Sugar-pie… — ela faz uma careta, me olhando de cima a baixo quando escuta o apelido — Uma cabine fotográfica — aponto.
A empurro pelos ombros delicadamente até a máquina de fotos e entro, se acomoda em meu colo e puxa a cortina, ainda chateada. Deposito as moedas e a luz da câmera acende, faz um bico de insatisfação com o lábio inferior e eu seguro a risada.
Quando nos olhamos no intervalo entre a primeira e a segunda foto, começamos a rir sem se conter. No intervalo entre a segunda e a terceira foto, parece mais relaxada e coloca os braços em volta do meu pescoço, beijando o canto da minha boca enquanto eu sorrio abertamente, apertando sua cintura com carinho e a abraçando de volta.
A máquina de fotos faz um barulho estrondoso e duas fileiras de fotos caem de lá.
— Você é irritante — é o que ela diz ao olhar as fotos. Em seguida, leva o papel fotográfico na altura do peito e suspira.
— Você é linda.
Ela esboça um sorriso tímido e revira os olhos, abrindo a cortina e saindo em seguida.

Capítulo 4


O tintilar do gelo em contato com o copo me irrita profundamente.
Encaro meu pai na mesa de jantar, notando o estado deplorável em que se encontra. O seu tom de voz é alto e arrastado, exagerando nos gestos e as risadas sem fundamento. A garrafa de whisky que ele segura está quase vazia, me fazendo prever que seria mais um jantar desagradável. Do outro lado da mesa, Oliver e Charlie estão de cabeça baixa, mastigando o jantar rapidamente para poderem subir aos seus quartos antes que nosso pai comece uma briga.
Eu estou cansada dessa rotina. Esgotada do meu pai alcoólatra e das atitudes submissas da minha mãe. Ela aceita qualquer merda que ele faz e diz, por medo de perder a nossa guarda.
— a voz sussurrada de minha mãe chega aos meus ouvidos, me repreendendo baixo e me cutucando com o pé por baixo da mesa — Pare com isso.
Cravo as unhas compridas na palma da mão, tentando conter a costumeira raiva que vem sem convite. Baixo os olhos, me concentrando em comer o restante da comida em silêncio. Eu não vejo a hora de dar o fora daqui. Sentiria falta dos meus irmãos e temia pela criação deles, mas eu preciso tentar um futuro fora dessa cidade, longe dos meus pais.
A carta da Universidade de Princeton chegou há algumas semanas e a coloquei escondida embaixo do meu colchão, eu sei que meu pai não terá uma boa reação e os meus irmãos vão ficar chateados. Por ora, o melhor é guardar a novidade apenas para mim.
Não demora muito tempo e Tom está caído sobre a salada de batatas, desacordado.
— Me ajudem a levar ele para o quarto, meninos.
A cena dos meus irmãos pequenos carregando o alcoólatra desmaiado é demais para mim, levanto tão rapidamente que a cadeira se arrasta até a parede.
— Onde você vai? — minha mãe pergunta, a mesma expressão triste e preocupada. A ignoro, fechando a porta com um baque — !
Tiro o walkie talkie do bolso do macacão surrado e aperto o botão vermelho.
— Lago em 5 minutos.
Não preciso esperar por uma resposta, sei que ele estará lá. sempre está lá por mim.


Eu não gosto de rezar com a minha família antes do jantar, ou em qualquer outro horário e ocasião. Apenas o ato de juntar as mãos enquanto meu pai sussurra as mesmas palavras todos os dias, pedindo para que o Senhor abençoe o alimento. faz meu estômago revirar e perder o apetite.
Na minha opinião, não passa de hipocrisia.
— Amém — meus pais dizem, levantando a cabeça.
Ficamos sem trocar uma palavra a noite toda. Não temos conexão o suficiente para isso. Nós vivemos vidas separadas, apesar de sermos uma família.
— a sua voz grave me chama, enquanto eu subo as escadas após ajudar a minha mãe com a louça do jantar — Jackie, o padeiro, comentou comigo que viu você com a filha dos .
Engulo em seco, tentando não demonstrar que estou assustado e sorrio, como se fosse uma ideia absurda.
— Solomon, com certeza é um engano — minha mãe ri, descrente.
— Sim — concordo — Ela me parou para pedir uma informação, apenas.
— Fique longe dos , são a escória da cidade — ele diz, sério. Assinto, de cabeça baixa, como sempre faço com as ordens de meu pai — E não esqueça de ler a bíblia antes de dormir.
Assim que ele dá as costas corro até meu quarto, trancando a porta e respirando aliviado por não ter mais que lidar com eles naquela noite. No fundo, ter que seguir todas as regras impostas me causa uma revolta que tento reprimir a todo custo. Ela surge no meu peito toda vez que minha mãe me pergunta aonde vou ou quando meu pai me acorda no domingo de manhã para ir à igreja — mesmo que eu já tivesse avisado na noite anterior que não iria.
Me sento na cama e respiro fundo, tentando ignorar a raiva e todos os sentimentos ruins.
— Lago em 5 minutos. — A voz dela soa do walkie talkie que está jogado por algum lugar do quarto.
, minha paz na terra.
E ironicamente, a garota que eu tinha sido proibido de ficar perto minutos antes.
Sorrio verdadeiramente pela primeira vez no dia e coloco alguns travesseiros por baixo do cobertor. Pego um casaco, e após descer pela janela subo na minha bicicleta, pedalando com pressa até o lago K.C.
Em poucos minutos sinto o cheiro de mata e posso ouvir o barulho de pequenas pedrinhas se chocando contra a água. está sentada com as pernas encostadas no peito e quando me vê, solta as pedras no chão e sorri.
— Demorei? — pergunto, sentando ao seu lado e a abraçando.
— Não, eu que vim correndo mesmo.
— O que aconteceu? — noto os seus olhos vermelhos e o rosto molhado pelas lágrimas.
— O de sempre, meu pai estava caindo de bêbado durante o jantar.
— Sua mãe precisa resolver isso — disse, acariciando o cabelo dela — Pelo seu bem e principalmente dos seus irmãos.
— Ela não vai, estremece, limpando o rosto com agressividade — Ela é covarde.
— Vai ficar tudo bem.
se aconchega em meus braços e eu fecho os olhos, desejando que toda a dor que ela sentia desaparecesse.
— Eu tenho que te contar uma coisa — sussurra, o rosto escondido no meu peito.
— É algo que seu pai fez?
— Não — percebo ela hesitando antes de falar, as lágrimas caindo mais intensamente agora — Fui aceita em Princeton.
De todas as coisas que imaginei, essa era a que eu menos esperava. Eu sabia que a carta chegaria e estava me preparando para aquele momento, mas não consegui conter a sensação de surpresa e medo que se instalou em meu peito. Era como se eu estivesse sem ar, como se um prédio tivesse desabado sobre mim.
— Isso é ótimo, .
— Você não ficou feliz — diz, se soltando do abraço para me olhar.
— Fiquei sim! Na verdade, eu já esperava que isso fosse acontecer, você é um gênio — tento sorrir.
— Mas? — ela pergunta, com as sobrancelhas arqueadas.
— Mas… Eu vou te perder.
— Não vai me perder — responde de imediato, segurando meu rosto entre os dedos, me fazendo olhar em seus olhos — , presta atenção, você nunca vai me perder, ok?
— Então como vamos fazer? — questiono, sem um pingo de esperança.
Um sorriso brotou em seus lábios e o brilho ressurgiu em seus olhos.
— Podemos ir juntos para Nova Jersey.
Eu penso por um momento.
— Você quer dizer, fugir?
— Sim! — exclama, animada — Podemos alugar um apartamento e conseguir trabalho por lá, eu concilio com a faculdade e no próximo ano você pode fazer a aplicação para Princeton também, o que acha?
Minha mente vagou até um pequeno apartamento, onde nós estamos preparando o jantar, macarrão com almôndegas (a minha especialidade) e ouvindo uma das bandas favoritas de , onde somos felizes.
Com toda certeza do mundo eu queria estar com ela.
— Precisamos nos planejar — é o que respondo. vibra, me abraçando pelo pescoço.
— Eu ainda não contei aos meus pais sobre a carta.
— Você pretende contar?
— Sim — assente — Mas só depois que estivermos com tudo certo. Nós podemos partir logo depois das férias de verão...
Assim, passamos o resto da madrugada fazendo planos para a nossa fuga e o nosso futuro em Nova Jersey. Os primeiros raios de sol surgem no horizonte quando me despeço de , esperando ansiosamente pelo nosso futuro.

Capítulo 5


— Será que dá para ficar quieta? — Holly pede, enquanto passa pó de arroz no meu rosto com um pincel felpudo.
— Isso faz cócegas! — reclamo, enrugando o nariz — E você me disse que ia passar somente um batom.
— E você acreditou — ela sorriu, mas logo a sua boca se forma em uma linha dura — Vamos nos separar…
— Columbia fica pertinho de Princeton, vamos nos ver sempre!
— Eu sei que você vai me trocar pelas novas amigas universitárias — rola os olhos, fazendo drama.
— Holly Summers — chamo sua atenção, segurando em suas mãos — Você é única no meu coração e só o divide com o Baker.
Minha amiga se debruça sobre mim, me abraçando pelo pescoço. Sorrio profundamente, correspondendo ao abraço.
— Eu te amo, — murmura, a voz embargada.
— Também te amo, sua doidinha! Agora vamos terminar, a limusine chega às 19h.
Fico de pé, para ela me ajudar com o zíper do vestido. Prontas, paramos de frente ao espelho, encarando nosso reflexo satisfeitas.
Holly está deslumbrante em seu vestido de cetim rosa claro, os cabelos presos em um coque alto e as orelhas cobertas com longos brincos de prata. Eu fiz a minha escolha apenas dois dias antes do baile, optei por um vestido preto de camurça com alças finas e um grande decote nas costas. Holly separou duas mechas do meu cabelo, os prendendo para trás com grampos, o restante estava solto e ondulado.
A senhora Summers tira diversas fotos nossas na escada, nos divertimos fazendo poses sensuais e caretas.
— Vocês estão parecendo duas princesas — Marge diz, limpando os olhos com um lenço.
— Chega de fotos, mamãe, por favor! — Holly exclama, tirando a câmera de suas mãos e não contendo um gritinho de animação ao ouvir a buzina.
Do lado de fora, Baker e nos esperam apoiados no teto solar da limusine segurando rosas brancas. Não pude evitar relaxar e gargalhar ao ver a cena, eles parecem recém-saídos de uma comédia romântica.
usa terno preto, camisa e gravata. A roupa formal lhe cai tão bem que eu não me importaria se ele usasse somente terno para o resto de sua vida, era irresistível.
— Você está muito elegante, senhor ! — elogio e o abraço, percebendo um brilho de excitação em seus olhos pela futura noite.
— E você está perfeita! — sorri, me encarando encantado e fazendo com que eu me sinta realmente bonita aos seus olhos.
Ele estende a mão, oferecendo ajuda para entrar no automóvel.
— Esperem! — Marge grita, com a câmera em mãos novamente — Uma foto dos casais, olhem aqui, crianças!
— Não somos um casal, mãe! — Holly argumenta, mais chateada por ela os chamar de casal do que usar a palavra ‘’crianças’’ e Baker fica ainda mais vermelho quando ela segura em seu braço. entrelaça nossos dedos, enquanto nós quatro sorrimos para os flash.
Após algumas fotos, finalmente estamos a caminho do baile.
— Hoje de manhã minha mãe perguntou se eu vinha ao baile — conta, espiando as opções de aperitivos. Ele abre um pacote de doritos e Holly pega um pringles.
— E o que você disse? — Baker pergunta, tirando um cantil do paletó e beijando o objeto, nos rendendo boas risadas.
— Quase não deu tempo de responder, meu pai ficou falando das terríveis coisas que acontecem nos bailes. É um antro de pecado — gargalho profundamente com a expressão usada. O pai de é um lunático — Mas eu comentei que vinha, só não sei se eles ouviram.
— Ainda bem que eles viajaram, se não você estava proibido de vir — Baker diz e todos nós concordamos.
— Ele marcou a viagem para esse final de semana justamente por causa do baile, assim ele teria uma boa desculpa para não participar.
Pego o cantil de sua mão e tomo um gole, a bebida desce rasgando. É uma boa sensação.
— Falta pouco para isso acabar — Holly comenta e eu suspiro frustrada.
Ela e Baker não sabem que não pôde fazer as aplicações para a universidade, então permaneço quieta até chegarmos ao local.

(...)


Estar no baile de formatura não fazia parte dos meus planos. Na maioria das vezes a música era péssima, nunca tinha espaço para dançar ou comida suficiente, e as pessoas ainda achavam que era um desfile de moda. Porém, nunca havia ido a um baile de escola e eu queria fazer aquilo por ele. Ele até mesmo me convidou de uma forma fofa, me entregando um donuts escrito “Baile?”. Eu não podia simplesmente dizer não depois do gesto.
No salão, uma enorme faixa decorava a entrada com as palavras: “Classe de 93 — O primeiro dia do resto das nossas vidas”.
Arcos de balões, serpentinas e flores azuis e brancas completam a decoração nas cores da nossa escola. A ornamentação da pista também está impecável, com direito a lâmpadas de luzes giratórias e uma bola de discoteca.
me puxa para a pista de dança abarrotada, os gritos e risadas dos alunos se misturando a batida de Like a Virgin da Madonna.
— Me deixe adivinhar — falo alto por causa da música — Você queria muito dançar no baile de formatura.
joga a cabeça para trás, soltando uma gargalhada estrondosa e gostosa de se ouvir. Alguns fios de seus cabelos tampam a sua visão quando ele volta a me olhar e não consigo evitar tocar o seu rosto com a ponta dos dedos, pensando no quanto a cena é adorável.
— Acertou — ele pisca os cílios — Eu sou um clichê ambulante.
— Você é — concordo, revirando os olhos — E aparentemente eu também sou.
agarra a minha mão e me gira, depois se afasta e me puxa de volta para si fazendo os nossos corpos se chocarem. Ele me segura pela cintura e me abraça. Movimentamos nossos pés em conjunto e saltamos e giramos pela pista de dança, sendo iluminados pelo brilho da bola de discoteca.
More Than a Woman do Bee Gees substitui Madonna. chega ainda mais perto, eu descanso minhas mãos em sua nuca e encosto a cabeça em seu ombro. Na minha mente os momentos que passamos no lago ouvindo os álbuns do Bee Gees passam como um filme, com How Deep Is Your Love embalando a nossa tarde de domingo.
— Você não acha que eu danço melhor que o John Travolta? — As suas sobrancelhas se erguem.
— Claro — assinto, mas meus lábios tremem ao segurar a risada — Muito melhor que ele em Os Embalos de Sábado à Noite!
Só paramos de dançar quando estamos suados e com as vestes amassadas. No caminho até a mesa de aperitivos e ponches, avistamos a barraca do pessoal do Audiovisual.
— Vamos dar uma olhada nas fotos do anuário? — me pede e caminhamos de mãos dadas até lá.
A barraca é grande e tem um enorme varal com fotos de toda a turma penduradas com clips, numa mesa estão expostos os anuários dos alunos, organizados por ordem alfabética.
Olho as fotos uma por uma e vejo meu rosto e de meus amigos em algumas delas: Holly, Baker e eu abraçados na arquibancada. usando a roupa da banda marcial e com o tambor nas mãos em um dos jogos do time. Holly liderando um discurso no clube de debates. e eu conversando encostados no meu armário. Eu e as meninas do clube de atletismo fazendo alongamento. Baker desenhando uma fênix na oficina de artes.
Quando o ensino médio começou, tudo que eu mais queria era que ele terminasse. Agora que terminou, eu só queria poder aproveitar mais um pouco. A vida é estranha.
— As fotos estão perfeitas, Kenneth — elogio. Os olhos do presidente do clube de Audiovisual brilham e ele agradece.
e eu pegamos nossos anuários e depois de encher um prato com cupcakes e ponche, nos sentamos numa mesa com Baker e Holly. Noto que a última está com uma cara de poucos amigos fitando Josh e Amy Odett, o par dele.
— Você está encarando de novo — Baker alerta, passando as mãos em frente ao rosto dela.
— Ele é um canalha! — ela praticamente grita e seus olhos inundam de raiva — Termina comigo e semanas depois aparece com essa aí para toda a escola!
— Ela não é líder de torcida? — questiono e minha amiga assente freneticamente.
— Está explicado então — pondera.
— Esquece ele, você vai conhecer gente muito mais interessante na faculdade — aconselho.
— Eu não quero saber de homens nem tão cedo! — ela sibila, com raiva e observo Baker abaixar a cabeça, uma ruga se formando em sua testa.
Para distrair conversamos sobre outros assuntos, enquanto passamos discretamente o cantil entre nós.
— Boa noite, colégio Imaculada! — o diretor Reynold sobe ao palco com uma coroa e uma tiara nas mãos — É agora! — ele grita ao microfone, chamando a atenção — Vamos conhecer o rei e a rainha do baile de 1993!
A professora Kelsie também sobe ao palco com um papel em mãos, eles posam para uma foto antes dela entregar o envelope ao diretor. Ele lê o papel e a banda utiliza da bateria para fazer suspense, antes dele anunciar o nome dos vencedores.
— E o rei e a rainha desse ano são: Josh Reeves e Amy Odett!
Meus olhos se arregalam e quase cospe o conteúdo do cantil se engasgando, me fazendo dar leves tapas em suas costas. Holly faz menção de se levantar, mas seguro a sua mão por cima da mesa e Baker a abraça quando nota o seu choro.
Tudo acontece muito rápido, nós três formamos um escudo em volta de Holly e a tiramos do salão principal, antes que Josh e Amy subam ao palco para o discurso. No outro ambiente, Holly desaba.
— Eu não acredito nisso! — seu corpo treme à medida em que seus soluços se tornam audíveis.
Meus olhos marejam ao ver ela naquele estado e me aproximo, minha amiga abraça minha cintura enquanto passo as mãos por seus cabelos.
— Lly — Baker a chama pelo apelido, se agachando e segurando o rosto dela entre as mãos — Olha pra mim.
Ela ergue os olhos inundados de lágrimas.
— Esse é seu último baile do ensino médio, é a última chance de aproveitar essa fase da sua vida! Eu sei que está doendo muito, mas você tem duas opções: eu posso te levar para casa e você passa o resto da madrugada assim, ou nós podemos voltar para aquele salão e dançarmos até nossos pés não aguentarem! Mas quero que saiba, independente da sua escolha, vou estar ao seu lado.
Baker era simplesmente uma das pessoas mais incríveis do mundo e naquele momento eu o amei mais do que nunca. As palavras de Baker tiram Holly de suas lágrimas e ela se levanta, segurando com firmeza a mão do amigo.
— Vamos voltar para lá!
— Obrigada — movo os lábios na direção de Baker, sem emitir som algum.
— Eu cuido dela, relaxem — ele diz e os dois voltam juntos para o salão principal.
— Ela vai ficar bem?
— Sim, está em boas mãos — meneio a cabeça positivamente.
— Vamos dar uma volta — pede.
Na parte de trás do salão do hotel onde o baile acontece, tem um lindo jardim de inverno com alguns bancos em madeira branca. Nos sentamos e tira o paletó, colocando sobre os meus ombros. Não havia nuvens no céu e era possível ver nitidamente a lua e uma porção de estrelas, a noite era fresca.
— Você odeia bailes — afirma, me aninhando em seu peito.
— Eu não odeio, apenas achava uma besteira.
— Achava? — ele sorri, brevemente.
— Eu quero que você aproveite a vida , quero que desfrute das pequenas coisas que lhe foram negadas até agora. E eu fico muito feliz de você querer compartilhar essas coisas comigo.
demorou alguns segundos analisando meu rosto e então se inclinou para depositar um beijo no topo da minha cabeça. Ficamos em silêncio, aproveitando a companhia um do outro. Nossos silêncios nunca eram constrangedores, pelo contrário, eram reconfortantes.
— chamou, tocando meu queixo com os dedos gélidos, erguendo meu rosto na sua direção. me fitou intensamente e então disse — Eu te amo.
Meu coração bateu rápido contra as costelas, pude jurar estar sem ar. Era a primeira vez que ele dizia me amar.
A expressão em meu rosto deve ter o assustado porque franziu o cenho e suspirou fundo.
— Eu amo você — respondo de volta.
O beijo com urgência, para que não reste dúvidas dos meus sentimentos. me compreende, pois segura em minha nuca com precisão, aprofundando o beijo. O paletó cai dos meus ombros quando separo nossos lábios para passar uma perna de cada lado de seu quadril, sentando-se em seu colo. Uma de suas mãos segurou em minha cintura, enquanto a outra tocou o decote nas minhas costas, deslizando o polegar por toda a pele descoberta. Meu coração dá cambalhotas e minha mente tenta gravar cada detalhe de seu toque. Estremeço quando suas mãos descem para minhas pernas, o parando de beijar para respirar. A visão que tenho de quando abro os olhos é uma das mais bonitas que já vi. Sua boca está vermelha e seus olhos estão nublados de desejo. Sinto um arrepio na nuca quando ele volta a me beijar e escorregar uma mão para a parte interna da minha coxa.
— sussurro, mantendo nossas testas grudadas — Está tudo bem?
Eu sabia que ele tinha uma série de tabus sobre sexo, coisas que foram plantadas na sua mente desde quando ele era apenas uma criança. Então, me senti na responsabilidade de perguntar. Mesmo que já tivéssemos tido outros momentos como aquele, algo está diferente nessa noite e eu preciso saber até onde deveríamos ir.
se remexe comigo ainda em seu colo e tira uma chave do bolso da calça, entregando em minhas mãos. A chave acompanha um chaveiro com a logo do hotel em que estamos.
— Você reservou um quarto? — pergunto, realmente surpresa.
Sua respiração bate em meu pescoço quando ele esconde o rosto entre meus cabelos.
— Fiz errado?
— Não! — Respondo imediatamente — Eu só não quero que se sinta pressionado em fazer algo.
— Pressionado? — Ele alcança meus olhos — Eu quero isso mais que tudo.
Levanto de seu colo e o puxo pela mão rapidamente, antes que pense que interpretei mal a sua resposta. me abraça pelos ombros e enquanto caminhamos até o quarto, tenho noção de quanto esperava por aquele momento.
A convicção de que ele era tudo o que eu poderia querer.

Capítulo 6


O gramado do campo de futebol está cheio de cadeiras para os formandos e um palco improvisado montado diante dos alunos. O local está decorado com balões e faixas de papel crepom, uma mesa está reservada para o corpo docente do Colégio Imaculada e os diplomas estão posicionados ao lado. Todos os alunos estão sentados, usando beca e capelo e as arquibancadas estão lotadas de familiares e amigos. Posso ouvir o burburinho de conversa e o chororô vindo das mães.
Eu me sento entre Baker e Holly, com na fileira da frente. De onde estou, consigo ver minha mãe e meus irmãos, ela segura uma filmadora e parece chorar.
Dois dias atrás, eu contei sobre Princeton, logo depois que e eu terminamos de planejar nossa fuga. Ela chorou por horas a fio, mas me abraçou e disse sentir orgulho. Não posso dizer o mesmo dos meus irmãos, Oliver mal fala comigo e Charlie está mais quieto do que nunca.
Assim que todos estão em seus devidos lugares, o diretor Reynold começa o discurso de abertura, dizendo as mesmas palavras que usou na formatura do ano passado, sobre como está feliz por termos chegado até ali e a falta que nossa turma fará.
Solomon toma o seu lugar, discursando sobre como a religião e a educação andam lado a lado. Mas não presto atenção, estou ocupada demais fitando a nuca de . A representante da turma faz um discurso encorajador sobre o encerramento e início de ciclos e conta algumas das suas experiências durante o ensino médio, nos incentivando a continuar correndo atrás dos nossos objetivos.
Antes que o diretor e o vice-diretor entreguem os diplomas, alguns alunos são chamados no palco para receber medalhas de méritos e tive uma grande surpresa quando meu nome foi anunciado para receber o prêmio por um artigo que escrevi para o jornal da escola, sobre distúrbios alimentares.
vira para trás, me aplaudindo e noto que seu pai o repreende com o olhar. Eu continuo parada, boquiaberta, e o diretor chama meu nome novamente.
Minha mãe se aproxima do palco com sua filmadora, se dividindo entre filmar, aplaudir e chorar. Poso para uma foto com os professores e diretores, enquanto eles organizam a entrega dos diplomas e uma banda toca músicas.
Um a um os alunos são chamados para subir ao palco, pegar o diploma e tirar fotos com os diretores. Quando meu nome é chamado, minha mãe, meus irmãos, Baker, Holly e aplaudem e gritam meu nome. Meu coração dá cambalhotas de felicidade e gratidão por ter aquelas pessoas ao meu lado.
— Meus parabéns, Srta. — deseja o diretor, me entregando o diploma.
A cerimônia termina com todos os alunos jogando o capelo para cima e sorrindo para as últimas fotos. Holly me alcança em um abraço apertado, atirando os braços ao redor do meu pescoço e juntas damos pulinhos de animação.
— Finalmente formadas! — gritou com alegria, — Parece que foi ontem que começamos.
— Eu não acredito que finalmente terminou!
— Onde o cabeça oca do Baker se meteu? — pergunta, olhando ao redor — Precisamos ir!
— Deve ter ido cumprimentar a família. E eu preciso fazer o mesmo — digo, notando minha mãe e meus irmãos acenando para mim — Ache o Baker e nos encontramos no lago, ok? vai nos esperar lá.
Caminhei até minha família e fui recebida com um abraço apertado de Oliver.
— Me desculpe ficar sem falar com você — ele diz, ainda um pouco chateado — Eu só estou muito triste porque você vai embora.
Fico com o coração apertado e tento segurar o choro. Essa era a parte mais difícil em ter que ir embora, deixar meus irmãos para trás. Me agacho, ficando na altura deles e os puxo para mais perto.
— Prestem atenção — peço, chamando a atenção — Tudo isso é por vocês, para que tenham um futuro melhor.
— Vamos sentir sua falta — Charlie diz, me abraçando.
— Eu também vou — suspiro fundo. Minha vida seria incompleta sem a presença deles.
Cuidar dos dois era a coisa mais especial que eu tinha na vida. Eu amo levantar mais cedo para fazer panquecas no café da manhã apenas porque sei que eles adoram, os deixar no ponto do ônibus todos os dias e os acompanhar até o fliperama nos finais de semana quando descolava uma grana extra.
— Eu amo vocês — sorrio para eles.
Minha mãe deu um passo à frente, um pouco receosa.
— Meus parabéns, querida! — Ela estica a mão e afaga meu braço, esse é o primeiro contato físico que temos em meses. E é estranho.
— Obrigada — murmuro.
Sua boca se curvou num sorriso e lágrimas encheram seus olhos, ela logo tratou de as limpar com um lenço.
— Vamos meninos? Sua irmã tem outras pessoas para cumprimentar.
Abraço meus irmãos mais uma vez e sigo caminho até o lago K.C.
O dia está quente, mesmo com todas as árvores em volta do lago ainda é possível sentir o mormaço. está sentado embaixo de uma das árvores, com uma pá em mãos e sorri ao me ver.
— Parabéns — diz, envolvendo os braços em minha cintura.
— Para você também — ele me puxa para seu peito e ergue meu rosto, tocando de leve meus lábios com os seus.
— Como assim você não trouxe? — ouvimos a voz de Holly gritando com Baker, ela carregava uma caixa nas mãos.
— O que ele esqueceu dessa vez? — pergunto.
— Ele não trouxe nada para colocar na nossa cápsula do tempo!
— Como não? A ideia foi sua! — exclama, rindo em seguida.
— Eu tenho um baseado — dá de ombros, tirando a maconha do bolso.
Baker teve a ideia de fazermos uma cápsula do tempo depois da formatura, cada um deveria trazer algo pessoal para colocar na caixa, junto com uma foto de nós quatro.
— Você é hilário — digo, bagunçando os cabelos do meu melhor amigo.
Enquanto e Baker abrem o buraco, Holly e eu separamos o que trouxemos em um saco plástico. Ela trouxe uma ficha do fliperama que costumávamos frequentar, um envelope preto, Baker o baseado e eu um diário que fiz a mão, acrescentamos uma das fotos que tiramos no dia do baile e fechamos, colocando dentro da caixa.
— Ok, vocês têm que me prometer que vamos nos ver sempre, é sério — Holly ordenou, com a voz embargada.
— Prometemos — falamos em uníssono.
Tiramos uma foto para registrar o momento e nos abraçamos. Como eu sentiria falta dos meus amigos! Era possível amar mais ainda essas pessoas?
Depois de enterrarmos a caixa, passamos a tarde juntos como sempre fazíamos. Nadamos no lago, bebemos do cantil clandestino de Baker, comemos pringles e tomamos sorvete. E quando o sol se pôs e soubemos que era hora de ir embora, nos despedimos como se fossemos nos ver na escola no dia seguinte.

Epílogo


Chegou a hora.
O dia em que esperei ansiosamente nos últimos quatro anos, finalmente tinha chegado. As férias de verão terminaram e todos estavam se encaminhando para as universidades. Pensar nisso criou uma excitação em meu peito, a animação pelo novo e desconhecido. A sensação me mostrava que tomamos a decisão certa ao arriscar em fugir.
Levanto-me devagar, procurando não fazer barulho e visto a roupa que separei, uma blusa de moletom e por cima um macacão jeans. Abro a janela e encaro o tempo lá fora, a noite era fria e uma garoa fina começava a cair, apesar de ser o início de outono.
A minha pequena mala de mão estava pronta, escondida embaixo da cama. A pego, conferindo se tudo estava certo. Eu coloquei poucas coisas nela, apenas algumas peças de roupa, produtos básicos de higiene, uns livros, meu walkman e algum dinheiro, em caso de emergência. Mesmo não tendo muito dinheiro, eu e economizamos cada centavo durante o verão, trabalhando na sorveteria da senhora Connelly.
Os restantes dos meus pertences foram despachados para a faculdade há duas semanas atrás, quando Baker me ajudou com a mudança.
Giro a maçaneta devagar e na ponta dos pés vou até o quarto dos meus irmãos. O corredor está escuro e gélido, como eu esperava. Respiro fundo, abro a porta do quarto e meu coração se torce ao me deparar com os gêmeos dormindo tão tranquilamente. Me aproximo e puxo o cobertor de Charlie, durante a noite ele se mexia demais e acabava ficando descoberto. Deposito um beijo em sua testa e faço o mesmo com Oliver, o acariciando de leve.
Tiro dois envelopes do bolso frontal e coloco na escrivaninha entre as duas camas, junto com o walkie talkie, já que eu não precisaria mais dele. Antes de sair, percebo deixar uma parte do meu coração para trás.
Volto para o meu quarto e encaro o cômodo pela última vez. Não sentiria falta daquele lugar, mas por alguma razão me sinto nostálgica ao partir. Ao pular a janela, eu sorrio, estava indo de encontro a minha paz.


Fim.



Nota das autoras:
Gabs Bini: A quem chegou até aqui, muito obrigada! Se você leu e gostou da história, te convido a me acompanhar no instagram, onde posto novidades sobre o que escrevo no momento e também estou disponível para comentários sobre as minhas histórias. Na minha bio, deixarei o link para a playlist de Hope Ur Ok.
Quero agradecer principalmente a minha metade, Rebeca Olívia, a minha parceira de escrita e para todas as horas. Bex, obrigada por estar comigo e me ajudar a segurar a barra que foi escrever essa história (risos de nervoso). Obrigada amiga, amo você! Até mais!

Rebeca Olivia: Oi, o que acharam de viver nos anos 90? Espero que tenham gostado, tanto quanto me diverti ajudando a escrever essa história! A ideia inicial surgiu com a Bini e com o tempo a ajudei a desenvolver e escrever, sendo a co-autora.
Sou muito grata por essa parceria, amizade especial e pela Bini confiar em mim as suas ideias, histórias e me deixar ajudar a dar vida a Aileen e Nate. Vou guardar todos os nossos momentos escrevendo juntas com muito carinho, Bini. Eu te amo, meu bem.
E se você quiser me acompanhar nas redes sociais, infelizmente não vai, pois odeio socializar. #faleitoleve
Beijos e bebam água!

Agradecimento especiais: A Elena e May, por serem muito gentis e nos socorrerem com a criação da sinopse;
A Thaís Santos, por ser muito paciente e uma scripter sem igual.
Meninas, vocês são amigas e pessoas extraordinárias, temos muita sorte de poder contar com cada uma!




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