Finalizada em: 17/06/2020


So, as I write this letter and shed my last tear,
Know it's all for the better
That we end this here.
Let's close this chapter,
Say one last prayer,
But don't say that you loved me.


(Então, enquanto escrevo esta carta e derramo minha última lágrima,
Saiba que é para o melhor
Que terminamos com isso agora.
Vamos terminar este capítulo,
Faça uma última oração,
Mas não diga que você me amou.)

Dia 1


Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1949.


Querido ,
Escrevo essa carta pois cheguei ao meu limite.
Estou cansada de ser invisível para você.
Será que você sequer percebe que é assim que tem me tratado? Como um fantasma que você não enxerga, mas mesmo assim te aterroriza por algum motivo?
Por que tenho te aterrorizado, ?
Sinto falta dos seus olhares, você não me olha mais. Às vezes fico parada na porta do seu escritório por um tempo, esperando que você me note em algum momento, mas você nunca percebe. No domingo passado, depois que a prima Amanda ligou, cheguei até a entrar e a sentar na poltrona que fica do lado da mesinha de centro. Você sequer tirou os olhos do jornal que lia. Me peguei pensando, naquele dia, se você estaria realmente lendo, ou se só não queria me enxergar para não ter que conversar comigo. Está tudo bem com sua prima? Vocês estão falando bem mais do que falavam antes.
Tudo bem, não é da minha conta.
De qualquer forma, , estou cansada de te esperar acordada por noites inteiras. Faz meses que você some de madrugada. Acho que você pensa que eu não sei, porque volta sempre de manhã cedinho e se enrola nas cobertas com a maior cautela possível, mas eu sei desde a primeira noite. Foi perto do seu aniversário, não foi?
Desde que comecei a tomar aqueles remédios para a pressão, há quase um ano, não tenho conseguido dormir direito, mas finjo que estou dormindo para que você não se preocupe. Acontece que quem acaba ficando preocupada sou eu, e não consigo pregar os olhos até que você chegue no dia seguinte. Tenho dormido menos de duas horas por noite, por isso acabei cochilando aquele dia na casa do seu chefe. Não precisava ter gritado comigo.
Você só parece perceber que eu existo quando faço algo de errado, mesmo eu tentando ao máximo todos os dias fazer tudo certo para você.
Nunca queimei um arroz nos três anos que estamos casados, e você nunca elogiou a minha comida embora todos elogiem; mas, no dia em que sofri um aborto espontâneo, e, abalada, deixei que a carne passasse um pouco do ponto, você cuspiu na mesa e disse que eu não sabia fazer nada. Foi a primeira vez que você dirigiu a palavra para mim naquela semana, e já era quarta-feira.
Você sabia que eu estive grávida, ? Eu tentei te contar duas vezes. A primeira foi na noite do seu aniversário, em que eu havia passado a tarde inteira preparando a torta de pêssego da sua avó e você saiu para beber com os amigos; você me deixou esperando até às duas da manhã, quando chegou muito bêbado e nem percebeu que eu estava acordada na sala. A segunda vez foi quando fomos passar a tarde na fazenda de sua tia Ivone, eu tinha até bordado um par de sapatinhos de bebê e criei coragem durante todo o percurso para te mostrar, porque eu sabia que você não queria filhos; mas você sumiu assim que chegamos lá e apareceu só na hora de irmos embora, eu passei a tarde inteira te esperando enquanto ouvia tia Ivone falar o quanto eu andava mal-cuidada e distraída. Eu perdi o bebê no dia seguinte, você estava no trabalho quando eu comecei a sangrar.
Tudo bem, isso não importa mais. Já passou.
Apesar de tudo, , eu amo muito você. E talvez você nem leia essa carta. Eu espero mais que do tudo que você nunca saiba que eu a escrevi e que ela vire cinzas daqui alguns dias. Daqui duas semanas, mais especificamente.
Hoje é sábado, você foi visitar Luís e ainda não voltou.
Estou no seu escritório. Como me sinto chique, ! Estou sentada na sua cadeira, me sinto tão importante! Como a atriz daquele filme que vimos no cinema e você odiou. Até fingi que estava escrevendo para o jornal, como você. Deve ser por isso que você fica tanto tempo aqui.
Você ainda não chegou da casa do Luís, , e, assim que chegar, vai encontrar uma mulher totalmente diferente.
A partir de hoje, farei tudo para que você me note de novo, e, quem sabe, me ame de novo; como me amava quando batia na minha janela depois do jantar, escondido dos meus pais, e me entregava uma carta recheada de corações e com o seu perfume, ou como quando fizemos amor pela primeira vez, na viagem à Petrópolis alguns meses antes do casamento. É tudo que mais quero, .
Infelizmente, se isso não acontecer e você realmente não conseguir me amar como eu ainda te amo, não aguentarei viver assim por muito tempo mais. Como disse no início da carta, estou no meu limite. Te darei duas semanas para que me prove que ainda é o homem por quem me apaixonei na última sexta-feira do inverno de 44.
Espero, daqui a dois sábados, estar queimando essa carta e as outras que escreverei no fogão da cozinha antes que você volte da visita semanal ao Luís, e estar te esperando de braços abertos na sala, com uma torta de pêssego, para começarmos o resto de nossas vidas. Caso isso não aconteça, , você lerá tudo que escrevo agora e provavelmente me odiará (se já não me odeia), mas entenderá porque tive que fazer o que farei.


Ainda sua,
.


Dia 2


Rio de Janeiro, 14 de agosto de 1949.


Querido ,
Ontem vesti o vestido que costumava ser seu favorito em mim, aquele preto com bordados que você me deu no nosso primeiro aniversário de casamento. Aquele que usei naquele dia que fomos ao Teatro Municipal assistir à Orquestra e você acabou entrando em uma briga com Fernando Albuquerque porque ele olhou demais para mim; saímos mais cedo e bebemos licor em casa.
Estou escrevendo porque acho que você não lembra disso, uma vez que, assim que chegou em casa depois de visitar o Luís, um pouco mais tarde que o de costume, me perguntou quando eu o tinha comprado e com que dinheiro. Fiquei feliz por pelo menos ter notado que eu estava vestindo algo diferente, mas a felicidade deu lugar à vergonha assim que você disse que eu estava precisando emagrecer.
Estou muito gorda, ? Me olhei no espelho depois e me senti tão ridícula. Talvez seja por isso que você não esteja mais querendo fazer amor. Eu era bem mais magra quando nos casamos e juro que, até ontem, não tinha percebido que tinha engordado tanto. Me perdoa, . Prometo que, a partir de amanhã, seguirei uma dieta rígida e farei exercícios todos os dias. Em casa mesmo, sei que você não gosta que eu saía sozinha. A Tânia tem um folhetim que ensina alguns alongamentos. Quem sabe você volte a me olhar com desejo. É o que mais quero.


Esperançosamente sua,
.


Dia 5


Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1949.


Querido ,
Hoje você chegou estressado do jornal. Eu perguntei o que tinha acontecido, mas você não respondeu. Se trancou no escritório e só saiu quando foi me pedir para que eu te levasse o jantar. Você fechou a porta assim que pegou a bandeja em minhas mãos.
Eu fiquei muito triste, . Foi a primeira vez desde que nos casamos que não jantamos juntos. Mesmo que nem estivéssemos conversando mais durante as últimas noites em que nos sentávamos à mesa, estavam sendo os únicos momentos em que podia te observar de perto e ouvir sua respiração forte. E não ter tido isso hoje doeu tanto, . Fui direto para o quarto chorar. Chorei tanto que não ouvi quando você gritou por mim da cozinha.
Oh, , eu tinha deixado o gás ligado e nem tinha percebido. Você chegou no quarto gritando e tive que secar rapidamente as minhas lágrimas. Graças a você nossa casa não pegou fogo. Você tinha me chamado para buscar a bandeja, mas eu não ouvi e você teve que ir até a cozinha. Quando chegou lá, o cheiro e o mormaço estavam insuportáveis.
O que faríamos se a casa tivesse pegado fogo? O que eu faria? A culpa teria sido toda minha.
Apesar disso, , apesar de eu ter sido totalmente desleixada e posto nossas vidas em risco, eu nunca imaginei, desde que te conheço, que você pudesse falar comigo do jeito que falou hoje. Você me machucou muito. Me chamou de burra, idiota, inútil, e de outras coisas que não tenho coragem de escrever aqui, mas você sabe bem quais foram. Falou palavras que eu nunca tinha escutado e no tom mais alto que eu já direcionaram a mim, nem mesmo meu pai gritou tanto comigo. E você sabe bem como meu pai me tratava.
Eu nunca pensei que fosse sentir isso novamente. Essa tristeza, essa desproteção. Esse… medo. Eu senti medo de você, . Medo do homem pelo qual me apaixonei. Do homem que me jurou amor e que prometeu que cuidaria de mim. Você não anda cuidando de mim, muito menos me amando.
Não quero que algum dia alguém te faça sentir o que você me fez sentir esta noite. Como você me machucou, . Finalmente descobri porque as pessoas dizem que palavras cortam como facas. Estou sangrando hoje. Estou sangrando enquanto escrevo esta carta e vejo você dormir tranquilo, como se nada tivesse acontecido. Estou sangrando e tenho medo de não aguentar perder sangue demais. Mas, por enquanto, ainda estou respirando. Ainda estou respirando e ainda te amo.


Dolorosamente sua,
.


Dia 9


Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1949.


Querido ,
Ontem fez uma semana desde que escrevi a primeira carta. Hoje é domingo e, tirando o incidente com o gás, fui a esposa perfeita a semana inteira. Cozinhei seus pratos preferidos, lavei e passei todas as suas roupas com o amaciante novo que está sendo divulgado no jornal, limpei a casa todos os dias, fiz exercícios enquanto você estava no trabalho e já estou até um pouco menos inchada.
Mas você não reparou em nada disso. Não tem falado direito comigo desde quarta-feira, depois dos gritos. Cada dia mais, sinto que estou sozinha. Ou pior, que estou dividindo a casa com um estranho. Você não se despede mais de mim quando sai de casa para trabalhar, nem me cumprimenta quando volta. Passo horas pensando o que fiz de errado para que você me trate desse jeito. Te fiz mal alguma vez, ?
Na quinta, você saiu no meio da noite de novo, enquanto pensava que eu estava dormindo. Ainda bem que não me sentei à penteadeira para escrever naquele dia. Se bem que, nas atuais circunstâncias, não acho que você perceberia se eu não estivesse ao seu lado na cama. Ou sequer se importaria se percebesse.
Assim que você saiu eu levantei. Sei que quando ler isso vai querer me matar, , mas eu me levantei e observei seu carro sair pela janela da sala. Não me mate, , nem mande ninguém me matar, mas saí na rua quando você virava a esquina. Passava um pouco da uma da manhã, olhei no relógio da cozinha antes de sair, e estava muito frio. Eu nem sabia o porquê de ter saído, mas eu queria sair. Com o hobby enrolado no corpo, eu andei de madrugada na rua, ! Tenho medo de saber do que você me chamaria se me visse naquela situação. Incrivelmente, porém, não senti medo na rua deserta e caminhei por quase meia hora até que me cansasse. Virei a esquina que seu carro virou e fui até perto da casa de Tânia, onde tem aquele beco que tenho medo de passar durante o dia.
Tenho certeza de que você não vai acreditar, , mas pouco me importa. Eu entrei no beco. Entrei no beco escuro de madrugada e não tive medo. Naquela hora, sozinha, eu não tive medo de nada. Era quase como se eu fosse imortal e simplesmente não tivesse o que temer.
Temi, porém, assim que cheguei em casa e encostei a porta. Você tinha saído, mas parecia que estava impregnado em todos os móveis e em todos os cômodos. Tive muito medo. Na hora, fiz o sinal da cruz e peguei o terço que sua tia me deu pela primeira vez. Achei que você tinha morrido e que seu espírito tivesse voltado para me importunar. Não sabia rezar nada além do Pai-Nosso e da Ave-Maria que aprendi quando criança, mas acendi uma vela na cabeceira da cama e apertei com tanta força o rosário que meus dedos doeram.
No dia seguinte, você estava ao meu lado novamente. E nem precisei verificar se era uma assombração, pois sabia que você não tinha morrido, e, ao observar suas feições por um instante, percebi que tinha feito tudo aquilo na noite anterior para tentar me convencer de que eu não tinha medo de você vivo.
A vela da cabeceira tinha acabado há pouco, pois ainda era possível observar uma pequena fumaça saindo da cera derretida. Será que você percebeu que havia fogo ali quando chegou? Não teve medo que me queimasse? Será que teve vontade de me queimar?


Aflitamente sua,
.


Dia 10


Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1949.


Querido ,
Já se passaram dez dias. Faz dez dias que estou esperando que você mude. Até agora, nada aconteceu. Arrisco dizer que nossa relação piorou ainda mais depois das minhas tentativas. Sinto muito se te ofendi de alguma maneira. Estou tentando meu máximo para que você me note e note que estamos com problemas. Já mandei todos os sinais.
Ontem, no domingo, você insistiu que fossemos à fazenda da tia Ivone. Não precisou que você pedisse uma segunda vez para que eu me aprontasse com um sorriso no rosto, mesmo detestando aquele lugar.
Assim que chegamos lá, porém, você arrumou uma desculpa para sumir pelo sobrado, como sempre. Mas dessa vez não fui boba, . Inventei uma indisposição para que sua tia me deixasse em paz e entrei no quarto de visitas. Pela janela, consegui ver o caminho que você rumou assim que saiu da casa grande. Fiquei observando até que você ficasse bem pequenininho. Você parou perto da casa de ferramentas onde demos nosso primeiro beijo, escondidos dos nossos parentes, na festa de São João de 1945.
Você lembra desse dia? Foi o mais feliz da minha vida, . Eu não consegui dormir naquela noite pensando em você, lembrando do seu beijo, sentindo seu cheiro nas minhas roupas. Você foi meu primeiro beijo, . Eu tinha dezessete anos. Você tinha vinte e um e era o homem mais bonito de todo o Rio de Janeiro, na minha opinião. Todas as moças te admiravam por ter se formado em Letras e todas nós nos derretíamos lendo juntas sua coluna no jornal, mas só eu tinha o prazer de ler as cartas e os poemas maravilhosos que você me escrevia. Por que você me escolheu, ? Você era o partido ideal, todas as mães o queriam como genro. Você tinha muitas opções de pretendentes e talvez pudesse amar algumas delas mais que a mim. Será que você as trataria do jeito que está me tratando depois de alguns anos mornos de casamento? De qualquer forma, ainda guardo cada um de seus bilhetes até hoje. Estão em uma caixa no fundo do guarda-roupas e ainda os leio quando sinto saudades de você e de como éramos.
Há quanto tempo estamos mortos, ?
Enfim. Você parou perto da casa de ferramentas e de lá saiu uma moça que de primeira não consegui identificar, mas, apertando os olhos, reconheci o vestido cor de rosa e os cabelos pretos. Nessa hora, minha garganta fechou e eu não precisei mais fingir que estava indisposta, pois o quarto escuro girou aos meus olhos e eu vomitei no tapete marrom que fica ao pé da cama. Era por isso que sua tia estava brigando comigo quando você voltou e por isso tinha um tapete estendido no varal.
Alguns minutos depois, a dona do vestido rosa chegou e cumprimentou você, como se não te visse há meses, e abraçou a mãe dela, contando como havia sido o seu dia na cidade. Eu sabia bem que ela não tinha estado na cidade, mas me mantive calada, apenas observando os olhares.
Ela não me cumprimentou. Nem ao menos passou os olhos sob o sofá em que eu estava sentada. Era como se eu não existisse, ou como se eu fosse uma intrusa ali. Isso foi bom para que eu pudesse investigar os gestos corporais e tudo o que não estava sendo dito, já que eu realmente não parecia fazer parte da conversa sobre o filme que ela supostamente teria visto no cinema, mas admito que estava com uma vontade imensa de chorar e, quem sabe, realmente sumir daquela casa e dessa vida.
Pobre Ivone se descobre que a filha mente para ela. E pobre eu, que não faço a menor ideia do que está acontecendo.
O que, diabos, você tem para resolver às escondidas com a prima Amanda?


Exaustivamente sua,
.


Dia 13


Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1949.


Querido ,
Nada de novo sob o sol. O jornal parece estar cada dia mais estressante, pois você mal para em casa e, quando para, está sempre bastante irritado. Eu poderia te acalmar e te tranquilizar, te ofereci massagens e tortas de pêssego, mas você parece estar com raiva de mim. Eu sinto muito.
Passei a semana inteira muito encucada com o encontro que você teve com Amanda na casa de ferramentas, mas não falei nada sobre, fiquei esperando que você me contasse. Talvez ela estivesse precisando de ajuda, fiquei sabendo que as safras da fazenda não foram boas neste mês.
Você sabe que sempre pode conversar comigo, não é, ? Sinto falta das nossas conversas.
Hoje mesmo, sentamos mudos na sala de estar enquanto o peixe assava no forno para o jantar. Fiquei até surpresa que você não foi para o seu escritório e fiquei te observando enquanto você lia um livro. Faz tempo que não te vejo ler, está sempre tão ocupado. Apesar disso, parece que você estava totalmente incomodado com a minha presença, pois toda hora perguntava se eu não tinha algo para fazer na cozinha. Acabei te deixando sozinho na sala de estar, embora estivesse muito curiosa para saber sobre o livro que você estava lendo.


Dubiamente sua,
.


Dia 15


Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1949.


Bom dia, ,
Você ainda dorme enquanto escrevo e espero que não se assuste muito ao acordar.
Não estarei ao seu lado na cama e, não precisa procurar, não estarei mais na sua casa.
Não fique bravo e nem tente saber onde estou. Não fui ao mercado nem à casa da Tânia, e, sim, não te pedi permissão.
Eu queria que você percebesse sozinho, mas, depois de duas semanas em que mandei todos os sinais que consegui, acredito que você não consiga perceber o que está acontecendo à sua frente e o que esteve acontecendo conosco há tanto tempo.
Não voltarei mais, . Talvez você note que o quarto está mais vazio, consegui guardar algumas roupas na mala que levo comigo. As que ficaram, junto com as coisas que ainda restam na minha penteadeira, não as quero mais. Pode queimá-las, se quiser, ou deixá-las para que a prima Amanda use.
Sim, , eu sei de tudo, embora você não tenha me dito uma palavra.
Na quinta-feira, depois que jantamos, você disse que estava com dor de cabeça e foi dormir. Eu ainda não estava com sono, por isso fiquei lendo uma revista na sala de estar, de onde você tinha praticamente me expulsado mais cedo. Não consegui prestar atenção na revista e, quando estava indo para o quarto, vi que a porta do seu escritório estava entreaberta.
Como eu conseguia escutar claramente seus roncos no cômodo ao lado e como eu estava muito curiosa para saber qual livro você estava lendo, entrei rapidamente pela porta. Eu estava tremendo quando acendi a luz e logo vi o livro em cima da sua mesa. Andei silenciosamente até ele e estranhei quando vi que era um romance, pois você mesmo falava que nunca tinha tempo para ler e, agora que estava lendo, lia um gênero que sempre julgou como perda de tempo.
Não contive a curiosidade de folheá-lo e achei, por entre suas páginas, um pequeno bilhete. Sim, eu li o bilhete da sua prima Amanda, e não me pergunte como eu não gritei horrorizada, pois eu mesma não soube me responder.
Até quando, ? Até quando você iria manter isso em segredo? Até quando iria continuar olhando nos meus olhos sem um pingo de vergonha? E quando o bebê nascesse, ? Meu Deus, , por favor me diga que esse bebê irá nascer. Vocês iriam dá-lo para adoção? Meu Deus, tenho muitas dúvidas que sei que nunca serão respondidas. Mas, se você ainda tem o mínimo de apreço por mim, peço que deixe Amanda ter esse bebê e cuide dele. Sei que nunca quis ser pai, mas faça um esforço, já que conseguiu fazer com que isso acontecesse e que sabe melhor do que eu que sua prima sempre quis um filho, embora não fosse casada.
Quando terminei de ler o bilhete, parecia que uma faca tinha sido cravada no meu peito. Nunca havia sentido uma dor parecida e pensei até mesmo em ir até a cozinha torná-la real. Tive que chorar em silêncio para que você não acordasse e chorei até agora a pouco.
Também abri suas gavetas, . Quando ia me contar que foi demitido há três semanas? O que tem feito nos dias de trabalho e nas horas incontáveis que se tranca no escritório? Meu Deus, , eu sabia que estávamos mal, mas não sabia que eu era tão insignificante para você.
Ainda esperei a sexta-feira, que era meu prazo inicial, para que você me contasse o que estava acontecendo. Cheguei até a sugerir algumas coisas, perguntei como estava o trabalho, como estava Amanda, e você respondeu normalmente que tudo ia bem. Não sei o que há de errado com você, mas cansei de tentar descobrir.
É por isso, e por motivos que explicitei em outras cartas que deixarei abaixo desta, que estou te deixando, . Não ouse me chamar de egoísta, pois só eu e os travesseiros molhados sabemos o quanto sofri e o quanto tentei te ajudar. Você não quer ajuda e não me quer.
Então fique sozinho por um tempo e resolva sozinho seus problemas. Preciso abandonar este barco que mantive em linha por tanto tempo. Não aguento mais. Tentei até onde pude, mas estamos nos afogando, , e eu ainda quero chegar à terra firme com vida.
Sei que algum dia me amou e sei que, por isso, entenderá minha decisão. Espero que reflita sobre suas ações e comportamentos e espero que consiga ser feliz consigo mesmo como um dia foi comigo.
Estou derramando, neste momento, minha última lágrima por você, , ela acabou de molhar o papel. Por favor, não me procure. E não finja que ainda sente alguma coisa por mim, pois nós dois sabemos que não há, entre nós, mais nenhum sentimento bom.
Estamos mortos há algum tempo, mas eu ainda quero continuar respirando.


Não mais sua,
.


Fim.



Nota da autora: Essa música me inspirou uma história triste, que foi baseada em dois livros que gosto muito: Andar duas luas, da Sharon Creech; e, principalmente, Perto do coração selvagem, da Clarice Lispector. A ideia de escrever em cartas surgiu por causa da letra da música, mas eu me arrependi um pouco quando vi o resultado final, achei que ficou cansativo, embora não tenha conseguido imaginá-la de outra forma. Aceito e gostaria muito de receber críticas, sugestões, dicas, etc. Espero que tenham gostado, pelo menos um pouco, hahahaha.
Beijos, Lara. :)


Outras Fanfics:
04. Fuck It, I Love You
05. Used To Be


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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