11. Lágrimas Perdidas

Finalizada em: 04/03/2021

Parte I.


Sua mãe uma vez lhe disse que Tempo curava tudo.
Como uma boa menina, nascida e criada no seio de uma família proeminente na sociedade, discordava disso. Ela não acreditava que a dor iria embora, depois de anos lidando com a presença dela. Não, muito pelo contrário — ela sabia, por experiência própria, que a maldita continuaria ali, escondida em um canto escuro de sua alma, esperando o momento certo para se revelar mais uma vez.
Era assim que era, e como sempre iria ser.
A primeira vez em que a conheceu, tinha seis anos de idade e viu sua avó falecer diante de seus olhos. O evento em si seria uma coisa traumática para qualquer garotinha tão jovem, no entanto, para , fora devastador. Se lembrava da dor, pulsando dentro de seu próprio corpo, enquanto a avó gritava em agonia, experimentando seus últimos minutos entre os mortais. Se lembrava da cabeça, latejando incomodamente, e a sensação do mais abominável e terrível frio lhe beijar a face, a fazendo pensar que jamais iria ser feliz novamente.
E então, se lembrava da figura mais bela e letal que havia colocado seus olhos em cima: a dama de preto. Ela estava sentada na beirada da cama, uma foice brilhante repousava em suas mãos, e seus olhos brancos aterrorizantes pareciam fixos na figura da matriarca da família, sorrindo com pena. A princípio, ela não havia notado que a via. Na verdade, ela não havia notado ninguém além da senhora que se contorcia em cima da cama. Então arfou em choque, o que chamou a atenção da mulher e de seus familiares. Sua mãe quis saber o que era, a pergunta acompanhada pelo mais calmo e doce som do silêncio que o quarto não escutara em anos. sacudira a cabeça, sem saber o que dizer. O olhar da dama estava fixo nela. De alguma forma, sabia que havia causado alguma coisa, e que tudo tinha mudado. Porque, no exato momento em que a mulher lhe encarou, sua avó faleceu, levando consigo toda aquela dor.
Pelo menos, temporariamente.
Daquele dia em diante, a figura da mulher de preto passou a se tornar uma constante. Não importava onde estava, ou com quem estava, a via observando à distância, levando um brilho curioso no olhar. No começo, sentiu o medo a dominar — pensou que a moça era alguma bruxa malvada que raptava criancinhas para fazer mingau; porém, mais tarde, quando percebeu que realmente ninguém mais podia vê-la, acreditou estar ficando louca.
Assim que contou para a mãe o que acontecia, no entanto, a mulher se regozijou de alegria, se jogando de joelhos no chão e agradecendo à Santa Virgem pelo presente dado. havia a encarado, em choque. Cogitou que a mãe estava tão louca quanto ela. Teria sido melhor falar com o pai. A mãe, entretanto, se acalmou depois de um tempo e contou a tudo o que ela precisava saber: disse que há muito tempo a família havia sido tocada pela Virgem, e recebido o seu poder; daquele poder, nasceu a linhagem de mulheres bruxas da sua família, escolhidas a dedo pela própria deusa, que traziam consigo status e riquezas. A última a demonstrar tamanha quantidade de energia havia sido a sua avó morta, o que preocupou a todos, que começaram a achar que a Virgem havia os abandonado. Mas não havia, agora era óbvio. estava desperta, e prontinha para dar continuidade a linhagem.
O único problema era que ela não queria.
Se todo aquele poder significava sofrer, não o desejava, de modo algum. Entregaria ao primeiro parente que o quisesse, mas as regras não funcionavam assim. Havia sido escolhida, e era um presente. Não podia renunciar a um presente, não quando este vinha de uma entidade tão antiga assim.
Desta forma, foi obrigada a aceitar. Então, dia após dia, ano após ano, ela foi enviada para o templo da deusa, a fim de prestar tributo. Lá, conheceu boas amigas, que levaria para toda sua vida, e que achavam que ser escolhida pela Virgem era o maior dos presentes. não conseguia pensar assim — ela odiava ser uma Escolhida. Odiava toda a responsabilidade que vinha com aquilo, e a sensação de que o mundo inteiro parecia estar dentro da sua cabeça. E odiava a dama de preto. Toda vez que a via, sabia que alguém acabaria morto.
E aquele alguém era sempre uma pessoa amada.
A primeira havia sido sua avó; a segunda, uma coleguinha de brincadeira que contraíra uma gripe mortal, e não conseguiu levantar da cama até que a menina parasse de respirar; a terceira fora o seu professor querido, que morrera por um ataque cardíaco, logo após completar sete anos. Naquele dia, ela realmente achou que iria morrer. A partir daí, estava claro como a água que ela atraía problemas. Era como um ímã para a morte, e não poderia deixar ninguém se aproximar. Por causa disso, passou a se isolar e se afogar na própria dor.
E assim foi, por longos dezesseis anos.
Até que, em uma tarde de quinta-feira, conheceu Tempo. Ela era a garota mais linda que já vira. Animada, com um incrível bom humor, e presa em uma situação que não queria estar, ela parecia entender sua alma como ninguém. Com ela, se sentia finalmente... em paz. Então, finalmente entendeu o que sua mãe costumava dizer.
Tempo realmente curava tudo.
E estava pronta para abandonar o passado e deixar Tempo agir.


Parte II.


I.


— Você está fazendo errado, bobão!
Uma rajada de vento suave passou correndo perto de , e, em poucos segundos, um aroma doce de baunilha subiu no ar. Sorrindo com o ocorrido, ajeitou o chapéu de palha na cabeça, assistindo a dona do perfume correr até o rapaz desavisado à beira-mar, e pular em cima dele. Houve um splash minutos depois. Os dois começaram a rir ensopados.
— Credo! Saí de cima de mim, garoto.
— Não! Agora você vai sentir o poder do Sr. Cosquinhas.
E começaram a brincadeira. não pode evitar a risadinha abobada, se sentindo mais leve do que jamais havia se sentido em toda sua vida. Era o meio de Evernis, o verão estava quase chegando ao fim, e estava curtindo seus últimos momentos antes de voltar à sua vida normal, ao lado do primo, Jonathan, e da melhor amiga dele, . Esta última havia convidado os dois para passar uma temporada na casa de veraneio da sua família, depois do tremendo escândalo que aprontara, sete meses atrás. De repente, escutou-se um barulho. O primo Jonathan foi jogado para o oceano.
— Bem feito, imbecil! — a menina provocou, rindo às gargalhadas, enquanto o rapaz lutava para voltar à terra firme. girou os olhos, parte divertida e parte exasperada, diante de tanta infantilidade. era conhecida por ser uma criança crescida, e isso era comum em seu repertório diário. Era uma tarefa de santa aguentá-la, e, felizmente, era uma — Isso é para você aprender a não provocar donzelas indefesas.
A sobrancelha de se ergueu, em diversão. Indefesa? Ela lutou para não começar a gargalhar. A sra. era uma das Alta Sacerdotisas da Virgem, e o pai de , o senhor do submundo, era... pois bem, o senhor do submundo. Diante de união tão inesperada, havia nascido com habilidades que assustavam até mesmo o senhor dos deuses, Abraham. Assim, desse modo, era tudo menos indefesa. Do mar, o primo começou a praguejar. se dobrou em risadinhas, e então se virou para . Ela acenou.
— Vem brincar com a gente, ! — chamou a menina.
— Eu estou bem aqui. — foi a resposta de .
O semblante de caiu levemente, mas fingiu não ver. Estava acostumada com a dinâmica: a convidaria para alguma coisa, ela diria não, ficaria chateada e iria bancar a sonsa, que nada vê ou escuta. Sabia que estava acostumada a ter tudo o que queria, mas , por sua vez, era acostumada a dizer não a tudo que lhe deixava desconfortável. E ... ah, ... era campeã em criar situações estranhas.
Há sete meses, elas tiveram uma coisa — estava procurando dar um troco em seu namorado babaca, o primo de e irmão de Jonathan, Rocco Bittencourt; para isso, armou o maior escândalo que o México havia visto, expondo tanto a traição dele (com a ex-melhor-amiga de , Josie Lujan), quanto a dela (que envolvia toda a árvore genealógica acessível de Rocco, incluindo a própria ).
Naquela época, achara que uma brincadeirinha boba não machucaria ninguém, e que tudo bem beijar uma garota bonita. era meio sociopata, mas tinha o seu lado gentil, o que havia chamado a atenção de , que apreciava o senso de humor da ex-prima. No entanto, depois de alguns meses, as coisas começaram a mudar. De repente, quando se aproximava, se sentia elétrica e milhões de borboletinhas se agitavam em seu estômago; quando ela sorria, sentia como se fosse desmaiar, e ouvir a voz dela passou a ser uma de seus hobbies preferidos pela manhã. Demorou, mas acabou percebendo o que acontecia: estava se apaixonando por . E aquilo era uma coisa horrível. Porque, assim que se permitisse amar e ser amada, a perderia. Pior ainda, se perderia.
Não teria forças para assistir morrer.

II.


— Você está tão calada.
sorriu, ainda que ninguém pudesse vê-la. Sabia que ela não conseguiria se manter quieta por muito tempo. Com uma sobrancelha provocadora erguida, ela abaixou o livro que estava lendo e encarou os olhos azuis brilhantes de , que a observavam de volta, cheios de curiosidade.
Era uma tarde de sábado amena e faltavam algumas semanas para a primavera acabar, o que levou a dar um cano no namorado e convidar para passar um dia no parque com ela. , por sua vez, avisou que precisava estudar para as provas finais da faculdade, ao que respondeu que ficaria quietinha e calada, desde que pudesse simplesmente estar perto dela. aceitou, sabendo que isso não iria durar. simplesmente não sabia ficar sem receber atenção. Suspirando, deixou uma risadinha escapar:
— Estou estudando, .
— Eu sei disso.
— Então?
— Eu quis dizer que seus pensamentos estão muito quietos. — ela esclareceu, fazendo uma careta. era uma telepata muito habilidosa, o que era ótimo para , que tinha alguém que finalmente a entendia. Às vezes, as duas mantinham conversas inteiras em pensamento, e foi por um flerte telepático que elas começaram a se relacionar. fez um biquinho manhoso — É chato.
revirou os olhos.
— Eu sinto muito, , mas eu preciso estudar. Eu estou na faculdade, não posso mais agir como se eu estivesse no colegial. — ela argumentou, ainda que soubesse que era teimosa e mimada, não muito acostumada a perder. Com qualquer outra pessoa, já teria perdido a paciência, mas tinha um jeitinho especial, que tornava impossível a tarefa de se chatear com ela — Além do mais, você precisa estudar também, para as suas provas finais.
empinou o narizinho metido:
— Eu já estudei. — ela murmurou, se jogando em cima da toalha de piquenique. Como uma verdadeira rainha do drama, colocou a mão estrategicamente em cima da testa e suspirou teatralmente — Eu fiz o download da cabeça do sr. Gianini.
gargalhou do absurdo.
— Isso é trapaça!
Outro suspiro.
— O que é a vida senão uma eterna trapaça, ? — declarou ela, um sorrisinho maroto brotando nos lábios de framboesa. fechou o livro e abriu um olho curioso — Você poderia fazer a mesma coisa, sabe? Aposto que consegue achar a mente do seu professor em segundos.
negou com a cabeça e mudou de posição, deitando ao lado de . O céu azul estava claro e limpo, lembrando os olhos da garota ao seu lado, que havia conquistado sua atenção na primeira vez que a vira. O ar cheirava a madressilvas, balas de menta e canela, que vinha de , mas sabia que aquele não era o cheiro normal dela — Rocco havia dito uma vez que, sempre que se aproximava, sentia cheiro de morangos, que era o aroma favorito dele. Suspeitava que era uma poção do amor ambulante (havia ouvido falar sobre o corpo dela ser usado como experiência para esse tipo de coisa), que tinha um cheiro diferente para cada pessoa que decidia atrair. fez um barulho, exasperado.
— A maioria das pessoas não tem a habilidade de ler a mente do professor para conseguir respostas, . — ela começou a falar, se intoxicando com o aroma delicioso. fez "e daí?". sorriu — E daí que é injusto eu usar das minhas habilidades para poder ter vantagem. Todo mundo estuda com um bom e velho livro. Eu estudo também.
a vaiou:
— Boo-hoo, bobona!
— Trapaceira. — retrucou .
Humpf! Não é trapaça, é apenas enxergar as vantagens que eu claramente tenho, e usá-las ao meu favor. — ela disse, como se estivesse absolutamente certa, o que, na cabeça dela, estava mesmo. tinha a mania de se achar a dona da razão, mas era compreensível: ela era a casca de uma força cósmica criadora de todo o universo, e estava a guardando, para que ela não despertasse. Se fosse literalmente uma deusa, também teria um ego anormal.
De repente, se inclinou e a beijou de surpresa, a deixando estática. Os lábios dela eram macios e tinham gosto de tuti-fruti. Os cabelos faziam cosquinhas em seu rosto. começou a flutuar. Toda vez que a beijava, se sentia bem, caminhando nas nuvens, e completamente em paz. Não havia mais dor. Não havia mais mortes. Não havia mais ninguém além dela, , e seus lábios perfeitos. Sorrindo com a língua entre os dentes, se afastou, travessa — Você é uma linda menina boba, que segue regras demais, . Eu já tentei ser uma boa menina, e olha o que aconteceu comigo. Levei um par de chifres. Boas meninas não conseguem ir a lugar nenhum, minha querida. São as garotas malvadas que movem o mundo, de acordo com a batida da música favorita delas.
sentiu compaixão a dominar.
— Foi muito escroto do Rocco fazer isso com você. — ela disse, sincera. Rocco era o seu primo, mas não conseguia sentir pena ou remorso por estar transando com a namorada dele. O que ele havia feito fora horrível. Trair a confiança da garota com quem ele havia se comprometido por dezoito anos era vergonhoso. o detestava por isso. Rocco não era o primo mais querido da família , mas, depois do que ele fez a , o desprazer em estar perto dele se tornou nojo mortal. Ele era um porco, um porco nojento e desprezível, que tratava a como uma espécie de propriedade particular. Ele era louco por ela, em um nível quase doentio. Era asqueroso — Espero que você termine com ele, na semana que vem.
sorriu.
— Ah, eu vou sim. — ela murmurou, de repente, parecendo distante — Eu vou terminar com ele. Rocco não faz ideia do que eu planejei.
sentiu um frio correr a espinha. Lá estava, aquele brilho estranho que aparecia toda vez que ficava absorta em seus pensamentos. Não sabia o que ela estava tramando e, francamente, tinha medo de perguntar. Sabia que havia uma coisa sombria em , que a garota se esforçava para esconder. No entanto, de vez em quando, aparecia do nada. E fazia se sentir um pouco... nauseada.
— Que bom. — ela disse, por fim — Você merece alguém melhor.
A aura leve e desinibida de voltou, mandando a sensação ruim embora. Ela deu uma cutucadinha de leve na barriga plana de , e lhe arrancou um selinho rápido.
— Tipo você?
deixou um riso nervoso escapar, sem saber o que dizer. Sabia que era apenas uma brincadeira (ela esperava que fosse só uma brincadeira), mas ainda sim a desconcertou. Não, não podia ser ela. Desde muito nova, havia aprendido que não podia amar ninguém. estaria correndo alto risco de vida se decidisse amá-la (o que ela jamais faria, de jeito nenhum), e não queria brincar com a vida dela dessa forma. não respondeu, e não cobrou uma resposta. Ao invés, olhou fixamente por cima de seu ombro e falou:
— Mira Sánchez está olhando pra gente.
virou o rosto. Mira estava parada do outro lado da rua, com uma expressão amarga no rosto, enquanto a sra. Sánchez conversava com o professor de , o sr. Gianini. Na cabeça dela, havia uma tempestade confusa de pensamentos que lhe deu um pouco de enxaqueca, e o teor deles eram altamente violentos. voltou-se para .
— Ela parece muito puta.
estalou a língua nos dentes:
— Ela está brava porque queria estar no seu lugar. — disse com simplicidade. Então, ergueu o dedo do meio, e mostrou para a menina observadora. Sentindo um foguinho queimar na barriga, perguntou mentalmente se ela e tiveram alguma coisa, ao que a resposta foi um "não", muito enfático e decidido, o que apagou um pouco a chama. Mira era uma menina bonita, mas terrivelmente homofóbica, e a ideia de se juntar a esse tipo de gente simplesmente não lhe sentava muito bem no estômago. gargalhou — Aposto que ela vai contar tudinho à cachorrinha dela, quando chegar em casa.
franziu o cenho.
— Isso não te incomoda?
sacudiu a cabeça, feliz.
— Por que me incomodaria? — ela lhe encarou diretamente nos olhos — Eu estou com uma menina bonita, em um parque bonito, em um dia bonito. O que Mira vai dizer ou não sobre isso não é relevante. Ela pode até dizer alguma coisa, mas mesmo que chegue aos ouvidos do Rocco, ele não vai acreditar. É estúpido demais pra isso.
— E o resto? — quis saber , pensando na família dele, os pais de , e todo mundo que esperava que ela aceitasse a aliança da sra. Bittencourt — E se eles descobrirem?
O sorriso que abriu lhe esquentou o coração.
— O resto é confete.

III.


fechou os olhos e descansou em cima da espreguiçadeira. Estava exausta. Não havia feito nada o dia inteiro, mas ainda sentia que suas forças haviam sido drenadas, até a última gota. O sol no céu estava pronto para dizer adeus, e a lua surgia gloriosa para assumir o seu lugar. Johnny ainda estava se divertindo na praia, e havia saído rumo à cidade, sem avisar a ninguém para onde iria. Uma parte de estava preocupada: era uma menina pequena e bem avoada, que poderia se perder facilmente ou ser vítima de alguém malicioso; porém, outra parte sua sabia que havia lutado com demônios e feito deuses chorarem, então um mortal violento não era exatamente um problema tão grande assim. Ela suspirou, cansada. Então alguém se sentou no assento ao lado do seu, e o cheiro de canela preencheu o ar. Falando no diabo... sorriu.
— Precisa de alguma coisa, ?
pigarreou. Curiosa, e sabendo que se arrependeria, abriu os olhos, e cabelos louros surgiram em seu campo de vista. Sempre havia se perguntando como havia nascido com cabelos dessa cor, mas nunca obteve uma resposta. Imaginava que era só uma característica específica de deuses, no entanto já havia visto Abraham de pertinho, e ele não era assim. Talvez fosse algo só mesmo. De uma maneira ou de outra, a deixava muito bonita. Com um sorriso matreiro, a menina estendeu uma caixinha, em formato de coração.
— É chocolate. Gostoso. Você vai adorar. — ela disparou, um tanto afobada, e colocou os doces em cima do colo de . Então, sem jeito, retirou dois papéis meio amarelados do bolso do short cáqui, e balançou em frente ao rosto da mulher — E eu vi que eles vão fazer uma exibição especial de Um Corpo Despencando. Você adora esse filme, e adora cinema. Achei que pudéssemos ir.
E sorriu, nervosamente. encarou os ingressos, em descrença completa, sem saber o que realmente dizer. Ela sentiu o coração bater mais forte.
— Você odeia esse filme.
agitou os ombros, os movendo para cima e para baixo.
— Eu posso fazer esse sacrifício por você.
Gemendo em agonia, fechou os olhos. Ela era sempre tão gentil. Queria que ela fosse a malvada, que havia amaldiçoado uma linhagem inteira, destruído a vida do ex-namorado, e feito o terror na mente de uma menina boba. Seria mais fácil odiá-la assim. Vocês poderiam dar certo, escutou uma voz em sua cabeça sussurrar. Era doce e bem insinuante, e fazia querer dar ouvidos a ela e simplesmente deixar acontecer. Ela não é como as outras pessoas. mordeu o lábio e tentou não chorar. Não, ela não era — era pior. Havia lhe feito se apaixonar rápido demais, intenso demais, e assim que a morte chegasse para buscá-la, lhe mataria lentamente. Ela não iria suportar a perda. Por isso, decidiu que era melhor cortar o mal pela raiz.
— Eu não quero assistir a nenhum filme, . Eu não quero ir a lugar nenhum com você. — ela soltou, sangrando por dentro, dizendo que era o melhor para as duas. Quando abriu os olhos, encontrou com a boca levemente aberta, e parecendo que iria chorar. Inspirando profundamente, continuou — Você é muito nova pra mim, muito infantil, e quando eu for me relacionar com alguém, vai ser uma pessoa que está no mesmo tempo que eu. Além do mais, você é a ex do meu primo, e o Johnny claramente gosta de você, e seria muito egoísta não levar os sentimentos dele em consideração (engoliu em seco). Então, por favor, para de insistir. Não vai rolar. A gente se divertiu por um tempo, mas eu nunca tive a intenção de passar disso. Era só diversão. E você faria bem em se lembrar.
Em silêncio, assentiu com a cabeça e uma gotinha solitária escapou de seus olhos e desceu rolando a face. Ela limpou rapidamente e sorriu fraquinho para .
— Entendi. — disse ela — Eu posso ser bem chata às vezes mesmo. Tudo bem, eu... eu não vou mais ficar te incomodando (um pouco desnorteada, ela colocou os ingressos no colo de ). Mas você deveria ir. Eu sei que você vai gostar. Eu... eu vou... eu vou entrar, porque está muito frio e eu posso acabar... (suspirou) posso acabar morrendo gripada, ou alguma coisa assim, e não é bom, não é? Eu preciso ir.
E saiu correndo de lá, deixando para trás, recolhendo os caquinhos de seu coração.

IV.


— Você é uma imbecil, !
parou a leitura. Retirou os óculos e levantou a cabeça, vendo a figura de Jonathan, que havia passado pela porta como um furacão. Ainda se sentia extremamente mal pelo o que havia acontecido com , e, tendo o primo a ofendendo sem motivo aparente, havia agitado alguma coisa dentro do estômago. Ela franziu a testa.
— Como é?
Ele se aproximou, ao ponto de invadir o seu espaço.
— Eu disse que você é uma imbecil. — ele repetiu, para o seu tremendo choque. Fúria irradiava de seus olhos azuis, e desviou o olhar, incomodada. De repente, olhar para eles era como olhar para os de . Nunca havia percebido como eram parecidos — A maior e mais estúpida imbecil desse planeta, e eu já andei muito por aí, pra saber do que estou dizendo. Por que você fez chorar?
piscou, aturdida. estava... chorando? Jonathan apontou o dedo indicador contra o seu rosto, o que a fez pular de susto, e jogá-lo contra a parede, usando a sua mente. Johnny gritou de dor. Ela soltou o livro e correu até o rapaz.
— Me desculpa, você me assustou! — começou a se explicar, estendendo a mão para ajudá-lo a se levantar. Cuspindo fogo, ele recusou a oferta, se pondo de pé com um pouco de dificuldade. recolheu a mão, um pouco magoada — Eu realmente não tive a intenção, Johnny. Eu nunca machucaria você.
Ele riu de uma maneira horrorosa.
— Mas machucou a , o que é o mesmo que enfiar uma faca nas minhas costas. Por que você faria isso? — perguntou, seu tom de voz ferido e o rosto tomado pela infelicidade. se perguntou o porquê de ele estar tão interessado no assunto, e se estava bem. Não imaginava que ela iria passar tanto tempo chorando. Da última vez que a viu magoada, ela estava bem e feliz trinta minutos depois, planejando uma vingança, digna de parabéns. Jonathan sacudiu a cabeça — Por que você teve que ser tão cruel?
Ela voltou a se sentar no mesmo lugar. Não sabia o que dizer. Havia dito algumas coisas duras, era verdade, mas... não era pra tanto. deveria já estar sorrindo e partindo para a próxima (e, queira deus, não planejando uma vingança; havia dado um fora nela, não arrancado seus rins).
— Eu não fiz nada demais. — disse, por fim — Só estabeleci limites. Isso não é um crime.
— Você disse que ela era infantil. — Jonathan acusou, como se fosse o mesmo que cozinhar criancinhas em um caldeirão.
— E ela é.
— Você disse que ela era só diversão. — ele insistiu.
estava começando a se chatear.
— E ela é.
Ele explodiu:
— Mentira! — ele disparou, puto da vida — Você ama ela. Você a ama mais do que ama a si mesma. Então, por que está fazendo isso?
Ela se empertigou onde estava:
— Eu não tenho que me explicar pra você, moleque. — Jonathan fez um som claramente ofendido, e se preparou para ir embora. Estava se irritando, e tudo o que queria era ficar no seu cantinho e deixar o coração chorar em paz. De repente, Jonathan se sentou no sofá, parecendo muito cansado. Isso a parou, por meio segundo — O que eu faço da minha vida não é da sua conta.
E começou a sair. Jonathan, então, perguntou:
— Você sabe por que eu não pude ficar com ela? — ele parecia miserável. Porque ainda era curiosa, e sofrimento sempre podia ficar para depois (não era como se fosse embora, de qualquer jeito), ela parou no caminho, e ficou o esperando continuar — Você sabe por que eu não estou com ela?
— Porque Rocco a roubou de você. — respondeu, simplista. Era a verdade. Jonathan e costumavam namorar, mas, quando Rocco chegou, tudo foi por algo abaixo. A família Bittencourt não viu diferença em trocar um filho pelo outro, desde que um deles se casasse com . No fim, não havia sido nem um e nem outro. Mas Jonathan ainda podia consertar a situação. Ela se virou para ele — E agora você pode ter ela de volta. Por que está a empurrando pra mim?
Jonathan sorriu, deprimido.
— Porque ela nunca foi minha. — murmurou ele, suspirando em seguida. franziu o nariz, confusa com a informação, pensando que ela nunca havia sido para Rocco tampouco. Ele não a merecia, era destrutivo demais para estar com ela. Jonathan prosseguiu, a arrancando dos devaneios — Quando eu cheguei à adolescência, eu fui ver a Oráculo. Ela me disse que a Virgem não havia dado para mim, porque Destino tinha um plano maior. Ela disse que o meu amor viria assim em que encontrasse o dela. Que tudo o que eu precisava fazer era garantir que ficasse bem, durante todo esse tempo, até essa pessoa chegar. Você chegou. Nunca foi Rocco, e sim você. E agora a rejeitou. Eu falhei.
Tontura tomou conta de seu corpo, e precisou se sentar novamente. Que... viagem... infernal. Oráculo? Destino? Ela pensou na dama de preto. O destino de era ficar com ela e morrer? Aquilo parecia cruel. Cruel para , cruel para si mesma, e até mesmo para Jonathan, que parecia ainda amargar o fato de nunca poder ter ficado com ela.
— Mas você a ama.
Ele a olhou como se fosse louca.
— É claro que eu amo ela, sua menina estúpida. Nós somos feitos da mesma matéria. — suspirou, olhando para a lua — Eu sou ela, e ela sou eu. A dor dela é a minha. E agora ela está sofrendo, causando um buraco no meu coração.
limpou uma lágrima que insistiu em cair.
— Eu não posso fazer nada, lamento.
Ele simplesmente a ignorou. Depois de algum tempo, porém, disse:
— Você está arruinando a sua vida.
se pôs de pé e saiu de lá.


Parte III.


I.

acordou no meio de uma queda.
Com o coração disparado contra o peito, ela se sentou em cima da cama e buscou desesperadamente pelo celular, constatando que ainda eram três da madrugada. Em sua cabeça, resquícios de um pesadelo horrível dançavam ao redor de sua mente, deixando aquela sensação nauseante se instalar no estômago.
No sonho, se debatia contra esse grande homem assustador, a quem ela chamara de Morfeu; ele era, de alguma forma, parente dela, e queria forçá-la a ir a algum lugar com ele. , por sua vez, não queria ir, e Morfeu ameaçou exterminar a todo o planeta, se ela não o obedecesse. Tomada pelo desespero, fez o que ele queria, e transformou o seu corpo em uma grande massa de energia vermelha. O homem, então, abriu a boca e sugou para dentro de si, enquanto aos gritos implorava para que ele parasse. Ele, obviamente, não a escutou. Assim que ele se preparou para ir embora, ela correu até o sujeito, e tentou atravessar o portal por onde ele viera. Então, o portal se fechou. E começou a cair, e cair, e cair na eterna escuridão do abismo.
Ela deixou um suspiro escapar.
Foi só um sonho, disse a si mesma, levando dois dedos até a cabeça e massageando o nervo pulsante. Ela está segura, e nada disso vai acontecer. Inspirando profundamente, deitou-se mais uma vez em cima do colchão confortável, e contou até dez para se livrar do mal-estar. Lá fora, a lua brilhava exibida, iluminando todo o seu quarto e dando um aspecto meio místico para o local.
Ela olhou novamente no relógio. Três e sete. Então sorriu, se lembrando das histórias estúpidas que sua avó costumava lhe contar. Três da madrugada era a hora dos mortos, ela costumava dizer. Se você acordar neste horário, é porque os mortos estão perto de você. Ela sacudiu a cabeça, divertida por ter se lembrado de algo assim, e um pouco aturdida pelo sonho horrível. A figura do homem lhe veio à cabeça. Ele era perfeito — desde os ossos de sua face, até a cor escura de sua pele, sabia que ele era um deus. Poder emanava dele, mas uma energia negativa também. E o conhecia, tão intimamente, que tornava desconfortável de se estar perto. Havia alguma coisa entre eles.
espantou o pensamento. Foi só um sonho, lembrou-se mais uma vez. Foi só um sonho, um grande e terrível sonho, que nunca vai acontecer. Estou a salvo. Ela está a salvo. Morfeu não existe.
— É aí que você se engana, menina.
pulou de susto. Levou uma mão trêmula até o peito e a outra disparou em direção ao abajur, ligando o pequeno objeto para poder enxergar melhor. Então, perdeu o ar. Sentada de pernas cruzadas e usando um longo vestido ébano, estava a dama de preto, com suas aterrorizantes íris brancas.
— Jesus! — ela arfou, apavorada.
A mulher sorriu.
— Nem de longe, criança.
gemeu. Ah, deus. Lágrimas inundaram seus olhos, e ela ergueu a coberta até a ponta do nariz. De novo, não. A dama de preto lhe lançou um sorriso complacente, enquanto sentia um ataque de pânico começar a surgir.
queria morrer. Fazia quase um ano que não via a mulher — da última vez, havia a visto enquanto uma colega da faculdade tinha uma overdose diante de seus olhos. Naquela noite, havia tido um sonho horrível com ela, e, quando acordou, a menina estava morrendo em cima da cama, enquanto a mulher de preto assistia, com uma expressão vazia. sentiu um aperto no peito. Alguém vai morrer hoje, ela pensou de olhos fixos na mulher. De repente, o pesadelo lhe invadiu a mente. Ela não conseguiu mais respirar. ! O rosto da mulher começou a ficar borrado.
— Respire, menina boba, ou vai acabar morrendo. — ela murmurou em um tom apático, não combinando em nada com a preocupação que parecia querer demonstrar. tentou lutar por oxigênio, seus pulmões queimavam como o inferno e o rosto de flutuava em sua mente, como se fosse uma espécie de adeus. inspirou profundamente. Não posso morrer. Ela soltou o ar e o puxou mais uma vez. Não quero morrer. A dama de preto se aproximou. precisa de mim. Ela se forçou a ficar calma — Já se passaram dezesseis anos desde a primeira vez em que me viu e, ainda sim, você morre de medo de mim (ela riu, em diversão). Isso é tão engraçado.
se encolheu no canto da cama. A mulher entendeu o recado e recuou dois passos.
— Quem é você, o que faz aqui, o que quer de mim, e por que quer matar a ? — ela disparou, sentindo a garganta seca e as mãos suarem e tremerem com o seu pavor. A mulher piscou algumas vezes, seu rosto um pouco mais desfocado desde a última vez que a vira, e franziu a testa, como se pensasse na resposta. , porém, não tinha paciência nenhuma para algo assim — Me responda!
A mulher sorriu mais uma vez. sentiu o estômago se agitar. Havia algo estranhamente familiar naquele sorriso, como se já houvesse visto no rosto de um outro alguém. Em uma tentativa de parecer amigável, supunha, ela apontou para a beirada da cama, como se questionasse se podia sentar. não disse nada, e a mulher interpretou como um convite. ficou chocada.
— Achei que uma menina tão inteligente como você já teria há muito tempo adivinhado. — brincou ela, mesmo que aos ouvidos de não parecesse assim. Era o tom, definitivamente. Frio e apático, tudo o que saia daquela boca soava morto, distante. piscou. Do ar, um bastão brilhante surgiu caindo na mão da mulher, e, na sua ponta, se encontrava uma foice afiada, pronta para ceifar. De repente, a mente de fez um click, ligando os pontos. Simpática, a dama de preto começou — Meu nome é Moana, é um prazer te conhecer, Grace . Eu sou aquela que cuida dos mortais quando chega a hora, que os guia gentilmente para uma nova etapa. Sou aquela que anda por aí em um cavalo negro, recolhendo o sofrimento daqueles que estão em guerra. Sou aquela que permanecerá quando todos os velhos tiverem ido embora, e que estará aqui quando os novos chegarem. Eu sou o absolutismo desse universo e a mão que o equilibra. Eu sou Morte, , e vim aqui para alertar você.
Atônita, tudo o que conseguiu fazer foi sacudir a cabeça. Para o quê, não sabia dizer, as informações queimavam o seu cérebro. Ela fechou os olhos e tentou racionalizar: havia uma mulher em seu quarto, ok; essa mesma mulher estivera assombrando a sua vida desde que sua avó se foi, ok; essa mesma mulher aparecia sempre que alguém morria e, geralmente, era alguém que amava, ok; essa mesma mulher, em seu quarto, que lhe assombrava, era morte. Se corrigiu rapidamente. Não morte, a Morte. Em pessoa. E tinha um aviso a dar. voltou a deitar novamente.
— O que você faz? — quis saber a Morte. Qual era o nome dela mesmo? Ah, é. Moana. deu de ombros e respondeu que voltaria a dormir, porque isso era um sonho, induzido pela sua culpa. Havia machucado Johnny e feito chorar, e seu cérebro simplesmente estava a punindo por isso. Assim que acordasse, ficaria tudo bem. Moana riu seco — Você já está acordada, garota tola. E precisa ouvir o que eu tenho a dizer.
se manteve como estava:
— Fala, então.
A mulher ignorou sua postura insolente.
é um presente, e você deve aceitá-la. Ela foi moldada especialmente para você. — declarou a Morte, e abriu os olhos, interessada. Johnny havia dito algo semelhante horas antes, se lembrou. E a sua aparência de derrotado também veio à sua mente, como acompanhante. Pensou em , tão bonita e gentil, e percebeu que ela era exatamente o seu tipo de garota. Porém, tão rápido quanto o pensamento surgiu, foi cortado pela raiz. Moana continuou — Você foi a escolhida para carregar o poder que corre no sangue da sua família e cumprir com a vontade de Universo. Moira, especialmente, exige que você, aqui eu abro aspas, pare de agir como um bebê chorão mimado e aceite o que oferecemos, realizando a nossa vontade em troca, fecha aspas.
sentiu seu sangue ferver. Bebê mimado? Ela iria mostrar o bebê mimado. E quem diabos era Moira, afinal? A Morte leu seus pensamentos:
— Moira é Destino, aquela que possui a pena. Ela é mãe de Passado, de Presente e de Futuro, e conhece seus caminhos desde o dia em que você nasceu. — ela pigarrou, limpando o peito, o que fez um som horrível, como se estivesse doente. rapidamente abaixou a guarda. Sangue escorria do nariz da Morte, e ela o limpou rapidamente — Estamos condenadas, . Morfeu está vindo atrás de nós (mais tosse, mais sangue. perguntou quem era Morfeu). Morfeu é a nossa criança, a primeira que tivemos, e foi amado por todas nós. Mas seu coração foi dominado por sentimentos negativos, e ele se voltou contra quem o gerou, destruindo o nosso antigo lar.
— E o que eu tenho a ver com isso?
— Morfeu está vindo atrás de Nix, que está dentro de nesse exato momento. — disse ela, que tossiu mais uma vez, agora sangue. ficou aturdida, vendo a figura da mulher que costumava lhe assustar tão debilitada, e se perguntou se a Morte poderia morrer. Não sabia a resposta e, rapidamente, a mulher se recompôs, lhe roubando a atenção — Nix é Poder, esse universo é o seu corpo e seu sonho, e ela vem estado entre os da sua espécie desde o início da Grande Invasão. Eu sou ela, assim como ela sou eu, e minha função é manter o equilíbrio das coisas, e, neste exato momento, eu estou presa no estômago do meu precioso filho, que está me consumindo. É por isso que estou nessa situação tão patética, exige muito de mim estar aqui com você (tosse, tosse, tosse) Mas é necessário. Porque você está se negando a cumprir o seu destino.
logo reagiu:
— Que belo destino, ein? Amar uma garota e então matá-la. Não existe coisa melhor. — ela ironizou sentindo a sensatez lhe abandonar, e confiante de que, se fosse para ser morta, teria ido há muito tempo. Moana ignorou mais uma vez sua atitude infantil, mas algo lhe dizia que estava perdendo a paciência — Eu tive um sonho. Ela morre nele. Toda vez que alguém morre nos meus sonhos, morre aqui também (lágrimas vieram aos seus olhos). A culpa vai ser minha, porque é isso que eu faço. Eu atraio coisas ruins, porque você e aquela Virgem estúpida me amaldiçoaram com esse poder horrível que só faz mal a quem eu amo.
O olhar de Moana se tornou dócil.
— Muito pelo contrário, menina. Você e seu poder estúpido vão salvar a nossa existência.
enxugou as lágrimas com a palma da mão:
— Eu não entendo.
... você já deve ter imaginado por que estivemos observando você.
"A sua família vem servindo como hospedeiros por eras e, de tempos em tempos, nascemos em uma nova casca na sua linhagem. A última foi Poppy , a sua bisavó. Porém nós estamos no meio de uma guerra e precisamos armar defesas para nos proteger. Proteger ao núcleo, mais especificamente. Assim, precisamos de uma casca que seja permanente, que não quebre, e que não possa ser retirada daqui de jeito nenhum. É aqui que você entra. Você é uma mulher talentosa, poderosa o suficiente para fabricar essa casca. Quando Moira percebeu que você não estaria atraída por meninos, preparamos como forma de presente, para que você pudesse nos ceder seu útero e atenção para o novo bebê. Escute bem, , vai se romper a qualquer momento. Aquela brincadeirinha dela teve consequências, ela sabia muito bem que deveria ter deixado outra de nós agir. Se ela se quebrar, ela morre e Nix vai sair, e você não quer ver Nix aqui fora, . Não vai ser bonito."
— Então, pare com essa atitude e aceite logo o que oferecemos. O seu medo é estúpido e não tem fundamento nenhum. — ela tossiu — A sua está em perigo. Você não se importa com ela?
não respondeu nada. Estava ofendida e confusa. Se importava tanto com que se sacrificaria por ela, e era exatamente o que estava tentando fazer, até essa criatura estranha chegar. Ela pensou no que acabou de ouvir. A Virgem havia a escolhido não só para ser sua sacerdotisa, mas para gerar o seu bebê. Um homem chamado Morfeu estava vindo atrás da força cósmica que habitava . Essa força passaria a habitar o seu bebê... e então o quê? Morfeu iria desistir e ir embora? Algo não estava encaixando. Pensou no sonho de novo. Viu Morfeu, viu , viu a massa de energia... ela parou, bem aí. Então, repassou a cena mais uma vez. Depois, choque lhe dominou. Aquela era o seu bebê. Ela se sentiu enganada, ao juntar as peças. não estava guardando a força cósmica. A força cósmica era . se sentiu enjoada.
— Não é o que você pensa. — disse Moana.
— Não?
— Não existe esse conceito para Nós. Somos mães, pais, filhas e filhos, irmãos e irmãs, avós e avôs, primos e primas, etc. Somos tudo e nada ao mesmo tempo, então, sermos ou não o seu bebê não faz diferença. — ela parou, diante do olhar doente de . Fazia toda a diferença na sua cabeça. era quem amava, e não queria ter que criar a mulher que amava como sua filha. Era nojento e perverso. Se sentia mal só de imaginar — Escute, , você vai fazer, querendo ou não ( abriu a boca, em choque). Moira já está perdendo a paciência com você, em ter que constantemente mudar a rota por causa de sua atitude, então eu vim aqui para tentar uma aproximação mais gentil. Mas, se você não quiser colaborar, seremos forçadas a buscar uma de suas outras versões.
— Outras? — ela perguntou, assombrada.
Moana riu.
— Você não é a única, menina. Moira sempre teve um plano de backup, caso algo desse errado com você — ela explicou, sem emoção alguma, enquanto seus olhos brancos se tornaram vermelhos. se manteve firme, embora sentisse vontade de chorar — Você pode não querer isso, ninguém vai te obrigar a nada, . Gostamos de você o suficiente para respeitar a sua decisão. Mas a casca precisa nascer, quer você queira ou não. Se não for você, será uma outra versão. De uma maneira ou de outra, o seu útero será a nossa porta de entrada, e nem sequer notará a diferença. Ela vai ter você, nós teremos seu útero, e você... vai levar uma vida horrível, sozinha, insegura demais para se arriscar e ir atrás do que você quer.
começou a chorar.
— É uma pena, , nós havíamos preparado um futuro tão bonito pra você. — Moana declarou, e pela primeira vez naquela noite, sua voz demonstrava outra coisa além de apatia: era tristeza, e doía saber que o motivo era ela — Você e iriam se casar. Ter uma menininha linda, que sim, seria , mas também não seria. Moira seria agradecida o suficiente para permitir que continuasse com você, mesmo depois de a menina nascer. Vocês iriam ver ela crescer, ir pra escola, se tornar uma mulher brilhante como as mães, e seria tão... mas tão bonito. Mas essa garota medrosa que vive dentro de você vai matar tudo isso.
sacudiu a cabeça, furiosa demais para escutar acusações tão baixas, e, inconscientemente, começou a fazer a casa tremer. Ela saiu da cama e se pôs de pé, sentindo o corpo esquentar. O dedo indicador se levantou com o braço esquerdo, apontando para qualquer direção que fosse uma saída:
— Vai embora. — ela sibilou, possessa, lágrimas borrando a sua visão. Moana pareceu se divertir, não muito preocupada. Diante da indiferença, se sentiu ainda mais furiosa — Eu disse vai embora, some daqui, cai fora, me deixa em paz! (ela começou a gritar) Vai embora daqui, vai embora daqui, me deixa em paz, some daqui! Aaaaaaahhhh!
Seus joelhos foram de encontro ao chão e raios surgiram no céu, acompanhados da chuva agressiva que havia chegado. tremia freneticamente, enquanto a tempestade do lado de fora refletia o seu humor sombrio e seu coração despedaçado. Respeitando a sua vontade, Moana sumiu da mesma forma que chegou, silenciosamente, a deixando sofrer em paz. E então, chorou.
Chorou porque a Morte tinha toda razão.

II.


Pela manhã, acordou com uma batida na porta.
— Toc, toc para . Eu posso entrar?
Era Jonathan. Um pouquinho desnorteada, e com o rosto marcado pela noite mal-dormida, ela concordou com um movimento de cabeça enquanto se sentava em cima da cama. Tímido como um garotinho no primeiro dia de aula, o primo se aproximou com dois copos de café, estendendo o favorito dele, do Aranhoso, para . Ela aceitou. Ele ergueu a mão livre no ar, juntando o dedo milhozinho com anelar, e o médio com o indicador:
— Esta é uma oferta de paz, mortal. Eu venho em nome da grande pomba branca pedir desculpas pelo meu comportamento grosseiro da noite anterior. — soltou ele, imitando a voz de um robô. deixou uma risadinha boba escapar. Todo pomposo, Jonathan se inclinou levemente para frente e fez uma reverência — Por favor, aceite as humildes desculpas dessa pobre lata velha.
sorriu e assentiu. Nunca estivera chateada com ele. Entendia que tudo o que ele queria era o bem de , e não suportava vê-la chorar. Ela pensou em . A visita da Morte lhe invadiu a mente. Havia pensando o resto da noite no que escutara dela, entre pausas ocasionais do choro. A proposta era absurda, mas Moana estava certa sobre estar com medo. Tinha medo pelo seu coração (havia sofrido demais para aguentar mais uma perda); tinha medo por (sabia agora que a Morte não iria buscá-la, mas ainda havia perigos lá fora, que ela não poderia se livrar); e, principalmente, tinha medo de . Tinha medo do que ela era (o que aconteceria se essa Nix acordasse?), tinha medo do que sentia por ela, e tinha medo de se machucar. Tinha chegado à conclusão de que, se era essa tal de Nix, e que ela havia chegado junto aos invasores, ela era velha e havia vivido muito por aí, e continuava vivendo. Desta forma, podia até estar loucamente apaixonada por ela, mas sentia que não via dessa forma. era um meio para chegar ao fim. Só isso. Nada mais. Se não fosse ela, seria outra. E aquilo doía pra cacete.
— Seu café vai esfriar. — provocou Jonathan, que mantinha um olhar atento sobre ela. Ele era um doce. Se lembrava dele, pequenininho, tentando defendê-la de uns moleques que haviam procurado encrenca, muito embora ele fosse mais novo e mais fraco, consequentemente, feito para apanhar. Jonathan não havia merecido a traição do irmão, e, pensando nisso, se perguntou se alguma vez havia o amado, como ele parecia ainda amá-la. Seria ele também um meio para chegar ao que ela queria? Jonathan sorriu — Ela me ama, . Ela é obrigada a isso.
o encarou em choque.
— Como você... o que você... o que quer dizer com isso?
Ele explicou:
— Eu acho engraçado você não ter notado, estava lá o tempo todo. — ela piscou confusa e ele lançou a ela um sorriso maroto — ama a si mesma, mais do que ama qualquer outra coisa ou pessoa, . Não tem explicação, ela simplesmente é assim. , porém, é uma criatura que gosta de distribuir amor. E de onde nós viemos, não existe muita variedade de pessoas. É pra isso que eu sou criado, para dar as s que chegarem algo para amar. Algo que seja ela mesma, só que em outra roupagem. Você me entende?
Ela achava que sim.
— Então — começou, meio incerta do que queria dizer. Vivia em um mundo onde deuses conviviam com mortais, alienígenas avançados dominaram o planeta, e que Morte em pessoa invadia o seu quarto à noite para lhe dizer umas verdades, dessa forma, tudo parecia possível. Até mesmo a coisa mais absurda de todas —, você é... ?
Ele riu.
— Não, eu sou Jonathan.
— Eu não entendo.
e eu somos como dois lados da mesma moeda. Ela é a menina e eu sou o menino. E ela me ama, porque ela ama a si mesma. É diferente de como ela ama você, porém. — ele cutucou o nariz dela — Você não é ela, e ela gosta disso em você, porque isso dá a ela algum propósito existencial, além de passar a eternidade se admirando no espelho. E eu ouvi seus pensamentos, porque você pensou... bem alto... o que me lembra que você não deve se preocupar com o meu irmão. Ele é lembrança, e as lembranças precisam ficar no passado. Não se pode basear uma vida em uma memória que já se foi.
sacudiu a cabeça, pesada com tantas novas informações.
— Cadê a , já acordou?
Jonathan se mexeu, desconfortável.
— Bom... isso... — ele deixou um suspiro escapar, e subitamente se preocupou. O que havia acontecido? Havia sido a Morte? Morfeu havia chegado? Jonathan pareceu buscar as palavras certas — O pai dela, você sabe, senhor do submundo e tals, veio até aqui e disse que a Virgem tinha algo pra falar com ela. Eu não sei o que era, ele não quis me contar, e não parecia ela, tampouco. Mas ela me pediu para te dizer que você não precisa se sentir culpada por ter estabelecido limites, que é o seu direito de fazer isso, e que ela ainda ama você, mesmo assim. Ela deseja que você tenha uma ótima vida, e que você pare de ser uma garota boazinha e se torne uma menina muito má (ele deu uma pausa, quando percebeu lágrimas surgindo em seus olhos. pediu para terminar). E ela disse que deseja que você encontre a pessoa que está procurando, e que ela te trate como se você fosse o mundo dela e que te faça muito feliz.
Quando terminou de falar, ele a puxou para um abraço e deixou que apoiasse a cabeça em seus ombros. não reclamou. Queria alguém para consolá-la. Não precisava ser nenhum gênio para saber o que iria acontecer: Morte levaria até uma alternativa. E doía tanto, mais do que havia imaginado. Desesperado em busca de consolo, Jonathan se ofereceu para ir buscá-la. Se ofereceu para lutar com o pai dela e trazê-la até . Ele provavelmente apanharia, mas a intenção era o que contava. negou todas as ofertas e, depois de um tempo, pediu para ficar um pouco sozinha. Precisava pensar.
Relutante, Jonathan se foi, afirmando que ele estaria à sua disposição. agradeceu em resposta.
Pelo resto da tarde, encarou o seu reflexo no espelho. Odiava o que via. Odiava quem havia se tornado. A menina no espelho era fraca e covarde, e constantemente havia trabalhado por vinte e dois anos para frustrar os seus sonhos. Cedendo ao medo dela, havia perdido tudo. Havia perdido a si mesma. A menina lhe fazia mal. E estava cansada de ser controlada por ela. Era hora de um ponto final. Então pegou uma tesoura e se preparou para matá-la. A menina no espelho havia perdido o amor de sua vida. Não havia mais sentido em permanecer ali.
Mas , não.
Ela ainda a tinha.
E estava no início de sua vida, pronta para começar a vivê-la.


Parte IV.


​Sete meses depois…
FILADÉLFIA, ESTADOS UNIDOS


entrou na cafeteria.
Com a sua chegada, os sininhos da porta se agitaram e um vento gostoso a acompanhou assim que ela passou pelo portal. Lá dentro, o cheiro de café fresco dominava o ar e o burburinho das conversas paralelas se misturavam ao som da música natalina, que saía direto dos alto-falantes. Ela inspirou profundamente. Então fechou a porta atrás de si e caminhou até a fila de atendimento.
Era um dia frio de inverno e havia ido até a cafeteria do Joe para tomar um chocolate quente, antes de voltar ao seu dormitório. Nele, havia combinado de encontrar Karenina Bault, sua nova amiga, que conheceu quando retornou das férias de verão. Karenina era uma Escolhida, assim como ela, e lidava muito bem com o poder concedido pela Virgem, além de ser um amor. se corrigiu rapidamente, ao se lembrar de algo: ela às vezes era um amor. Naquele dia em específico, em que se encontrariam mais tarde, ela estava sendo um pé no saco.
A fila começou a andar.
passou a pensar no que havia concordado em fazer. Mais tarde, haveria uma pequena festa na floresta, onde algumas pessoas se reuniriam para comemorar o Natal. Como não tinha a menor intenção de voltar para casa, e Karenina achou um absurdo saber que ela iria passar a noite assistindo filmes românticos no Aura Prime, a convidou para ir com ela e, assim, acabar socializando um pouco com os outros estudantes. A princípio, recusou — estava levando o projeto de se abrir para o mundo em passinhos de tartaruga, e nunca foi do tipo festeira para ficar acordada até tão tarde da noite. Desde seu encontro com Morte, havia feito boas mudanças em sua vida, que a deixavam muito orgulhosa. Se abrira para novas amizades (Karenina era a melhor amiga do mundo); havia se focado em desenvolver mais suas habilidades (agora não havia mais medo, e aceitava o Poder pelo o que ele era: simplesmente parte de seu ser), e até havia se permitido sair em um encontro ou dois (muito embora as meninas não eram bem o que queria e jamais poderiam ser). Mas uma festa... era um pouco demais. Não se sentia pronta pra isso. No entanto, muito para o choque de Karenina e o seu próprio, ela topou a oferta. Decidiu que, se não fosse com Karenina naquele momento, não iria jamais.
Seu celular vibrou dentro do bolso.
Não precisava pegá-lo para saber que era Karenina. Onde você está?, ela diria, igual as outras trocentas mensagens que havia lhe enviado naquele dia. Não desistiu, não é? sorriu. Ela sabia da resposta, porque havia visualizado ela antes mesmo de receber a mensagem. À essa altura, ela só estava brincando e tendo prazer em irritar. Por isso, a ignorou solenemente e focou sua atenção na fila, vez ou outra, desviando um pouco para a TV que passava um filme aleatório que não sabia o nome.
De repente, seu coração errou uma batida. A atriz principal apareceu em foco, seus cabelos louros balançavam com o vento, e os olhos azuis brilhavam na tela. A vontade de chorar não veio como das outras vezes, mas uma tristeza assombrosa congelou o seu peito e ela foi obrigada a desviar o olhar. Não seja estúpida, disse a si mesma. Não é ela.
E não era mesmo.
Após as férias, tentou procurar por ela. Tentou invocar a Morte, e exigir que a trouxesse de volta. Tentou tudo o que estava e o que não estava ao seu alcance, mas, no fim, não adiantou de nada. havia ido embora e nunca mais iria voltar. Depois dessa realização, caiu em depressão. As forças que havia encontrado no dia seguinte à visita da Morte pareciam ter desaparecido. Ela não se sentia bem. Não queria mais continuar viva. Um mês depois de tudo, estava pronta para tentar dormir para sempre. Mas então, viu o rosto de na TV, sorrindo para ela e dizendo que sua vida não acabou. Agora, sabia que era uma das Bonecas-atrizes. Sabia que era tudo ensaiado para uma propaganda de alguma coisa banal. Porém, naquele momento, parecia um sinal divino. E decidiu aceitá-lo, se agarrando àquilo como uma tábua de salvação.
Então ela trocou de faculdade, veio Karenina e todas as outras coisas boas. E estava indo bem. De vez em quando, ainda sentia tristeza como aquela ao ver o rosto das Bonecas, mas queria acreditar que em algum dia a dor iria passar. Sabia agora que não era amaldiçoada, e que não tinha sentido em sofrer eternamente. Só aconteceria se você permitisse. E não aceitaria isso nunca mais.
?
Ela franziu a testa e buscou o dono da voz. Era masculina e um tanto familiar. Assim que o encontrou, a primeira coisa que notou foram os cabelos negros cacheados, como os de um anjinho. Depois, os dentinhos caninos afiados e os olhos azuis. abriu um sorriso, extasiada. Jonathan.
— Johnny! — disparou ela, abandonando o seu lugar na fila para ir ao encontro do rapaz. Não o via desde o dia da partida de , e era bom olhar para o rosto familiar dele mais uma vez. Jonathan se levantou, para recebê-la com um abraço. aceitou o carinho, sem protestar — O que você está fazendo aqui? Eu achei que estava no México, com a sua mãe!
Jonathan a convidou para se sentar:
— Eu vim pela faculdade. — ele disse à guisa de explicação e puxou a cadeira para que se sentasse. Ela o fez, e ele voltou ao seu lugar — Eu acho que quero vir pra cá no próximo ano. Eu já posso me formar, meus pais disseram. E você, por que está aqui?
Ela riu, divertida.
— Eu estudo aqui, seu idiota. — ela provocou e ele abriu a boca, fingindo estar ofendido — Pedi transferência depois de tudo (explicou e, então, algo lhe ocorreu) ... também vem? (Jonathan ficou visivelmente desconfortável. sacudiu a cabeça) Quer saber, não precisa me dizer, eu não quero saber. Eu estou feliz que você esteja aqui.
Jonathan lhe lançou um sorriso.
— E estou feliz em te ver. Você parece bem.
Ela abaixou a cabeça, tímida, e ele perguntou como ela havia escolhido aquela cidade em específico. Então, meio por cima, disse que queria respirar novos ares, e que queria dar uma chacoalhada na sua vida, queria um desafio. Falou sobre Karenina e como ela era um doce, e Jonathan quis saber se ela era sua namorada, ao que respondeu que não, e ele pareceu muito satisfeito. Então ela perguntou como ele estava indo, por que havia decidido se formar dois anos antes, e por que ele havia escolhido a Filadélfia. Jonathan contou tudo o que ela queria saber. Em nenhum momento, ele mencionara o nome de , e também não voltou a tocar no assunto. A conversa fluiu bem, até que ele informou que precisava ir, pois havia alguém o esperando.
— Alguma namoradinha? — brincou, em seguida, se lembrando do que ele dissera meses atrás. O amor da vida dele também chegaria, mesmo com uma versão sua alternativa? Não sabia dizer. Jonathan sorriu, desconcertado, e disse que ela era só uma amiga — Vocês poderiam aparecer nessa festa que vai acontecer mais tarde. Eu ficaria muito feliz que você fosse, porque aí eu teria alguém pra conversar quando a minha amiga me abandonar. (ela pegou uma caneta e um bloco de papel da bolsa, e anotou a forma de chegar lá) Você pode trazer sua amiga, também, sem problemas.
Ele aceitou o convite e disse que apareceria sim. Então se despediu e foi embora. logo seguiu o exemplo dele, se esquecendo de seu chocolate quente. Seu celular vibrou no bolso, mais uma vez, e ela o ignorou. Já estou indo, mandou telepaticamente. Eu não desisti.
Ela pensou em — pensou em como estava, com quem estava, se estava bem. Pensou no que a Morte disse sobre o seu futuro, com e filhos. A sua versão alternativa havia ganhado tudo isso? Ela estava feliz? Ver Johnny havia a deixado pensativa. Enquanto caminhava em direção ao carro, não conseguiu parar de pensar que havia uma impostora vivendo a vida que havia sido preparada para si.



— Eu estou tão feliz que você não desistiu!
Karenina estava saltitando de alegria. sorriu, deixando que ela seguisse com o seu discurso animado, enquanto as duas desciam da picape de Nina e caminhavam em direção à entrada da floresta.
— Você sabe, eu nunca acreditei que você realmente desistiria, porque eu totalmente confio em você. — ela foi dizendo pelo caminho, quase explodindo de excitação, e olhando para com um sorriso de orelha a orelha — Eu sabia que você acabaria vindo.
— Eu acredito. — murmurou quietamente.
Então ela quis saber sobre Jonathan. havia dito a ela que havia convidado o primo e a amiga dele, o que fez Karenina ficar mais animada, porque ela adorava fazer amigos. Pela milésima vez, explicou o que sabia: que Jonathan estaria vindo com uma amiga desconhecida, e não, não conhecia ela, porque era desconhecida. Karenina, então, começou a divagar se a menina era bonita e se tinha alguém, e aconselhou que não seria bom mexer com ela, porque acreditava que Jonathan gostava dela. Então Nina seguiu falando durante todo o caminho, e elas finalmente chegaram no local da festa.
Voilà! — gritou Nina.
Haviam poucas pessoas, para o alívio de , e conhecia um rosto ou outro de cumprimentos à distância. Havia um gazebo onde estava a comida, e uma música pop tocava no som, vindo de algum lugar. Sempre agitada, Karenina a puxou para lhe apresentar aos amigos dela, para o que inspirou fundo para se preparar. Eles foram todos gentis e não julgaram a sua timidez como arrogância, e, depois de um tempo e algumas brincadeiras para descontrair, acabou se sentindo à vontade ali.
— Ah, minha nossa, é a Norma Jean!
Todo mundo correu para a entrada. , sem saber como agir, permaneceu onde estava, observando a movimentação sobre o caminho que levava à saída do meio da floresta, enquanto jovens se reuniam ao redor da coitada que acabara de chegar. Era uma pessoa famosa, podia saber pelos pedidos de autógrafos e selfies. E também era muito bonita, porque um rapaz havia literalmente saído de lá murmurando como ela era um sonho. esperou até a multidão se diluir para satisfazer a sua curiosidade. Então, assim que não havia mais tantas pessoas ali, viu os cabelos de anjinho de Jonathan. Ele estava protetoramente ao redor da menininha pequena que estava recebendo o assédio dos fãs. não conseguiu ver nada dela, até que ele se virou.
sentiu o ar lhe faltar.
Norma Jean tinha cabelos louros incomuns e olhos azuis como o céu. O seu sorriso iluminava o mundo, e havia um brilho malicioso no seu olhar. Mesmo estando de longe, podia sentir o cheiro de canela que vinha dela e entorpecia os seus sentidos. E, quando ela viu , sua expressão de felicidade lentamente se desfez, como havia feito uma vez, sete meses atrás. engoliu em seco, ao mesmo tempo que se levantava para ir embora dali. A menina não a impediu, tampouco o rapaz que a acompanhava. pegou suas coisas e correu em direção à floresta, sem realmente uma direção. Era ela. Bem ali.
estava de volta e não sabia como agir.


Parte V.


Uma hora depois, estava sentada debaixo de uma árvore, sem saber o que fazer. Podia ouvir a música alta vindo da festa, onde provavelmente já haviam esquecido da sua ausência. Estava confusa — feliz em ver , mas sem entender o porquê de ela estar ali. Morte deveria tê-la levado embora. Ela deveria estar casada, já. Se estava na festa, queria dizer que a sua outra eu também estava? Pensou em Jonathan. Por que ele não havia mencionado que estaria com ele? Perguntas e mais perguntas circularam na sua cabeça, e ela não percebeu a aproximação de alguém.
— Mil beijinhos pelos seus pensamentos.
pulou de susto e se virou, encontrando encostada na árvore. Ela abriu um sorriso, meio sedutor, meio brincalhão, meio que pedindo desculpas, e deu uma piscadinha, deixando sem saber como reagir. Ela riu.
— Você vai sair correndo de novo? — fez um biquinho — Desse jeito eu vou pensar que você me acha feia.
não disse nada. Ela estava mais bonita do que se lembrava. Ela havia cortado um pouco o cabelo, e ele agora batia na altura dos ombros. Ela também estava mais bronzeada, a pele usualmente branca tomada pelo dourado. se sentia zonza, e não confiava em si mesma para dizer alguma coisa. Sua falta de reação fez o sorriso de murchar.
— Quer que eu vá embora?
Ela entrou em pânico:
— Não! — deu um berro, soando mais desesperada do que queria transparecer. Então decidiu que a vida era muito curta para desperdiçar fingindo que não estava mortalmente apaixonada, e acrescentou, muito emocionada — Eu quero que você fique.
voltou a sorrir.
— Eu vou — ela começou, se aproximando —, acreditar que a sua falta de eloquência marcante se deve ao fato de que (se sentou ao lado dela) você está muito feliz em me ver e que me ama perdidamente como eu amo você. Estou certa? (ela virou o rosto na sua direção) Por favor, se eu não estiver, não me diga, eu quero me iludir.
Aquilo fez sorrir um pouquinho.
— Por que você está aqui? — ela perguntou, timidamente.
— Você diz, aqui sentada ao seu lado? — fez uma careta — Ou aqui nessa festa tão barulhenta? Talvez seja aqui nessa cidade? ( começou a rir) Ou, talvez, você quer saber porque eu estou aqui nesse universo (em um movimento rápido, ela invadiu o seu espaço e enrolou uma mecha de cabelo cacheado nos dedos, o colocando delicadamente atrás de sua orelha). Há muitas respostas para todas essas perguntas, , mas a principal razão de todas elas é que eu estou aqui por você.
achou difícil acreditar.
— Por quê? — quis saber ela.
suspirou.
— Por que o céu é azul? Por que os elefantes não voam? Por que nós existimos? — ela deu de ombros — Eu só amo você, sem explicação nenhuma. Amora nunca precisou de explicação para agir. Eu não preciso achar motivos para amar você, mas, se você quiser, eu faço uma listinha.
negou com a cabeça.
— Naquele dia... em que você foi embora...
— Moana meteu o nariz atrevido onde não devia. — a interrompeu, um pouco chateada — Você não deveria dar ouvidos a ela, eu mesma finjo que ela é muda ou eu sou surda, não importa. Durante todos esses anos, eu não escutei uma só vez em que ela veio me dar ordem. Me ferrei? Me ferrei, mas nunca escutei o que ela dizia. Você deveria fazer o mesmo.
riu mais uma vez.
— Isso não parece um bom incentivo.
se inclinou e a beijou, de repente.
— Isso é incentivo o suficiente pra você? — assentiu e suspirou — Escuta, , seja lá o que ela te disse, você precisa ignorar.
, então, decidiu explicar os seus receios. Falou sobre a ameaça, e como sofreu ao pensar que nunca mais a veria. Falou sobre não entender como ela poderia ter essa criança, e não olhar e ver . Perguntou onde estava sua versão alternativa, e por que Morfeu estava vindo atrás dela. sentou ali e esclareceu todas as suas dúvidas, por horas a fio. Disse que sim, havia sido levada para a de outra realidade, mas que detestara ela — aquela menina era completamente oposta a que escutava a tudo aquilo, sempre querendo ir para festas, e não tendo respeito pelo equilíbrio. reconheceu que era meio irresponsável e mimada como o inferno, mas aquela criatura passava dos limites. A nova casca não poderia ficar com ela, de jeito nenhum. Quando tocou neste tópico, tranquilizou o olhar ansioso de : afirmou que ela não precisaria fazer nada que não quisesse, e que ninguém iria obrigá-la. Então, confirmou que sim, estava morrendo, e que a casca salvaria a sua vida. a pressionou sobre o assunto e ela explicou, da melhor forma que conseguiu, que, no fundo, era só um amontoado de energia e lembranças que precisavam, de tempos em tempos, pular de casca em casca para garantir a preservação dessas e, por fim, sua própria imortalidade. Ela disse que, como indivíduo, havia sido feita para morrer. E então renascer mais uma vez, com um novo nome, nova personalidade, um novo tudo, até que chegasse o momento de acordar, e todas as suas versões pudessem se reunir em uma só, mais uma vez.
odiou a ideia e verbalizou furiosamente, o que fez sorrir.
Então ela voltou a falar, agora sobre Morfeu. Disse que era uma briga de família, e que ela não precisaria se preocupar com , porque Morfeu nunca a machucaria de verdade. Ele era incapaz de fazer isso, porque a amava. , porém, não ficou satisfeita com a explicação, e contou do sonho para , perguntando, se ele era tão inofensivo, o porquê ela estava fugindo dele. , então, disse que o que viu havia sido só uma parte da história — o meio, não o fim. Não havia nada o que temer. Disse que Moana estava preocupada porque Morfeu seria imbatível quando colocasse as mãos nela. Mas ela iria consumi-lo, de dentro para fora, e chegaria uma hora em que ele não iria suportar mais. A história era absoluta, e a história sempre esteve do lado de . Não importava o quanto Morfeu tentasse mudar.
Depois de tudo, parou de perguntar.
— Você já está satisfeita? — quis saber .
sacudiu a cabeça.
— Nem de longe. Minha cabeça está fervendo. Mas eu ainda tenho muitas perguntas.
sorriu.
— Bem, você pode fazer uma listinha. Eu vou responder tudo o que você quiser saber. — ela se inclinou, como se fosse dar um beijo, mas mudou de ideia no minuto seguinte — Você me ama, ? Você gostaria de ficar comigo durante toda a sua vida? ( não conseguiu responder) Se você não me amar, está tudo bem, eu tenho dentro de mim amor pra nós duas, você sabe, essa vadia vive aqui sem pagar aluguel ( arriscou um riso e parou no meio do caminho). Eu sou uma velha jovem mimada, e me apaixonei por você. Eu posso ser insuportável, às vezes, mas eu juro que não faço por mal, e que não quero te deixar irritada. Eu me lembro de caminhar por aí, de conhecer muitas pessoas, mas não me lembro de amar nenhuma delas como eu amo você. Talvez eu tenha feito ou talvez não, mas eu sei que eu, , nunca amei ninguém tanto assim.
a calou com um beijo. Estava farta de esperar. Havia passado os últimos vinte e dois anos desperdiçando lágrimas, sentindo pena de si mesma, e mais sete meses para finalmente ir atrás de quem queria. Estava apaixonada. Estava apaixonada por , e faria qualquer coisa para ficar com ela. Deuses raivosos e ameaças da Morte? Que viessem todos. Ela não tinha mais medo. Aquela estava morta, há muito tempo já, e os resquícios que sobraram em sua mente estavam sendo lavados, naquele momento. E ela lutaria.
Lutaria por até o final.


Fim.



Nota da autora: Então... se você chegou até aqui, tome um beijo, tome um abraço, tome um queijo, tome tudo. Você é perfeita, incrível, e altamente inteligente por ter entendido o que nem mesmo eu entendi. Eu escrevi essa história em literalmente cinco dias, porque eu inventei de lincar ela a um outro ficstape, e não tinha percebido que ela deveria ser a primeira a ser entregue.
Meu problema com organização é uma luta eterna, uma tristeza :(
Eeeeenfiiimm. Você deve ter ficado com a sensação de ter pegado o ônibus andando, parecendo que está faltando alguma coisa que você não pegou ou eu esqueci de dizer. Eu sei, você não está louca. Realmente, eu não tive tempo de me aprofundar em detalhes importantes desse universo, mas, se você quiser saber mais sobre ele e quiser ver mais de e companhia, dá uma passadinha na minha long, Rebel, Rebel, que eu explico tudinho lá (bom, eu tento, né?).
Agora que você terminou de ler a minha história, e deixou um comentário dizendo o quanto eu sou tão perfeita e maravilhosa, dá uma passadinha nas outras, e prestigie essas autoras maravilhosas que se empenharam (e com certeza, não esqueceram de escrever), em contar histórias incríveis, e que merecem a sua atenção. Qualquer coisa, se quiser jogar conversa fora, falar sobre viagem no tempo, ou debater se o Príncipe Harry está mais bonito agora ou era mais bonito antes (antes, definitivamente!), você pode me encontrar nas minhas redes sociais, que parecem uma cidade fantasma, mas eu juro que estou por lá.
E é isso.

Milbjs,
A.

𝖆𝖈𝖍𝖆 𝖊𝖚 𝖆𝖖𝖚𝖎
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