11. Not Coming Home

Última atualização: 12/12/2017

Capítulo Único

I’ll come out stronger in the end


Movia-se com graça por entre as prateleiras da botica, elencando mentalmente as ervas que precisaria enquanto ouvia Keith, o xerife de Redwater Bay, tentar convidá-la para sair… De novo. Sua chefe, Abigail, vivia dizendo que era uma boba por não aceitar e que o xerife era um partido e tanto… E, talvez, em outra época, aceitasse seu convite. A ingênua e tola, a antiga , aceitaria, com certeza, mas sabia melhor que isso agora.

Quando ela voltou com o saquinho de plástico cheio de ervas frescas, Keith abriu um sorriso brilhante.

— O que tem aí? — Ele inclinou-se sobre a bancada de vidro, para mais perto dela.
— O que me pediu, um banho de proteção. Coloquei guiné, musgo-terrestre e samambaia para proteção, além de um trevo de quatro folhas, para sorte. — Ela sorriu para ele. — E isso dá… Dez dólares.

O xerife entregou-lhe algumas notas amassadas e ela prosseguiu para o caixa, com ele a acompanhando pelo balcão.

— Soube do coquetel na livraria? Vai ser na sexta. Parece que a realmente vai investir em publicidade.

E isso era o suficiente para deixá-la alerta. sabia o motivo de estar nervosa: porque, com o coquetel, algumas pessoas da capital poderiam ir até ali. E qualquer coisa fora de Redwater Bay a assustava sobremaneira. Mesmo assim, ela tentou manter seu sorriso simpático.

— Eu soube. — Disse, simplória, batendo a nota rapidamente.
— Quer ir comigo ao coquetel? Podemos jantar no Dino’s antes… O que acha, ? — Ele se inclinou para ela novamente. O cheiro forte de sua colônia a incomodava, mas ela achava que seria maldade dizer-lhe isso quando estava tentando chamá-la para sair.
— Eu sinto muito, Keith. Talvez outro dia.

Ele abanou a cabeça, pegou seu troco e saiu. Há três meses Keith Higgins a chamava para sair e há três meses sua resposta era sempre a mesma. Ela sentiu a presença de Abigail antes mesmo que ela se anunciasse.

Apesar de a loja abrir à nova da manhã, frequentemente Abigail só chegava depois da hora do almoço e sempre se dizia sortuda por ter achado uma funcionária tão diligente. Depois de seis meses na estrada, estava cansada de correr de cidade em cidade. E se achar em Redwater Bay, uma ilhazinha no meio do nada a uma hora do continente, de barco, foi a melhor coisa que aconteceu no ano inteiro. O arranjo então, era, para as duas, algo benéfico e auspicioso.

— Já pensou em dar uma chance a Keith Higgins? Ao menos uma vez? — Abigail, com seu corpanzil curvilíneo e suas roupas coloridas, achegou-se ao seu lado, sentando-se em um banquinho que mantinham atrás do balcão. Vendo negar, ela suspirou e pousou o queixo na destra. — O que eu não daria para lamber um pouco de chantilly dos bíceps dele.
— Informação demais, Abigail. — Riu baixo, guardando os potes em suas devidas prateleiras. — Sabe muito bem que eu não quero sair com ninguém.
— Ah, a juventude é desperdiçada nos jovens. Se eu tivesse vinte anos a menos, estaria em cima dele como uma abelha em cima do mel.
— Não se segure por minha causa. — O comentário apenas causou um suspiro ainda mais alto que o primeiro, o que a fez rir.

Quando decidiu mudar-se para Redwater Bay, depois de meses fugindo, não esperava se dar tão bem na cidade. Era como se a sua vida tivesse mudado radicalmente. As pessoas eram gentis, mesmo com uma forasteira como ela, e o ambiente era agradável. Abigail tinha sido uma mãe, abrigando-a e lhe dando um trabalho. Até mesmo a calorosa, embora um tanto excêntrica , dona da livraria, tinha sido bastante cortês com ela, o que tinha sido o início de uma amizade rápida e divertida.

Pela primeira vez em anos, estava feliz. Ao acordar, não tinha que pisar em ovos a todo momento. Morando sozinha em uma pequena cabana na propriedade de Abigail, levantava-se com o sol todas as manhãs, dava uma revigorante caminhada na praia, comprava os peixes frescos que os pescadores lhe ofereciam e preparava o seu almoço com ervas frescas, que Abigail cultivava e lhe oferecia.

Abigail, aliás, era alguém bastante interessante. Estava em seus cinquenta anos, mas geralmente se depreciava por ser velha demais, apesar de ter uma personalidade vivaz e divertida. Ela se considerava uma “boa bruxa”, vendendo tônicos, elixires e chás, banhos, e muito mais coisas para os habitantes da cidade. Costumava dizer que era uma curandeira, não duvidava disso. Ela tinha curado-a, afinal.

Sua vida em Redwater Bay era pacífica. Quase verdadeiramente pacífica. Não havia razões para se preocupar com o seu comportamento a todo momento, não tinha que se arrumar perfeitamente todos os dias, não tinha que agradar um homem explosivo e violento. Na sua pequena cabana, o silêncio era o melhor conforto que poderia ter. O horário de almoço decorreu sem novos empecilhos. Por causa das propriedades das plantas, que tinha aprendido rapidamente para não se perder entre as dezenas de ervas, plantas e flores ali, sabia muito bem da maioria dos problemas dos seus vizinhos. A sra. Woodberry, por exemplo, vinha sempre buscar um tônico “fortificante” para seu marido que levava pimenta, açafrão, nozes, baunilha e um pouco de licor de rosas, mas quem não imaginaria que o sr. Woodberry, do alto de seus setenta e tantos anos, não teria alguns problemas no quarto?

A filha da sra. Adams tinha problemas de concentração e o rapazote dos Kreischer precisava sempre de chá de camomila, para ajudá-lo a dormir. A vida era agradável, mesmo tendo que saber de alguns detalhes escabrosos de seus vizinhos. De alguma forma que ela não entendia bem, todos eles achavam que ela era uma perfeita candidata para que desabafassem sobre os seus problemas, em vez de apenas dizer-lhe o que precisavam e pagarem. Mas, ainda assim, ela gostava disso. Eles confiavam nela. Eles a aceitavam como um igual.

Aqui, somos um pouco de tudo: bruxa, psicóloga, melhor amiga, mãe ou irmã”, Abigail tinha dito uma vez, quando estava começando a trabalhar na loja. Agora, entendia isso perfeitamente.

...

Foi na quarta-feira que ela o viu pela primeira vez, na praia, dando um mergulho, mesmo que a temperatura estivesse aproximando-se dos dez graus. Um cachorro de porte grande e jeito brincalhão o aguardava pacientemente na areia, sentado enquanto observava o que ela supôs que fosse o seu dono. O outono em Redwater Bay era um dos espetáculos mais lindos que tinha visto, com as árvores da praça exibindo uma rica coloração alaranjada e avermelhada, as folhas caindo em cima das crianças enquanto corriam de um lado a outro, brincando. Mas as temperaturas eram frias, o que a advertia sobre como seria o inverno, em três meses.

Ele era um ponto no azul-escuro do mar (apesar do nome, a água de Redwater Bay era perfeitamente normal). Apenas um ponto longínquo, dando braçadas ao longo da linha do mar. Naquelas semanas, via apenas os pescadores entrarem na água e isso era porque dali saía seu sustento. Aquele homem estava apenas nadando. Em uma água possivelmente mais fria que a que estava em sua geladeira. O cachorro virou-se para ela, latindo em sua direção. Ele parou de nadar e se deu conta que ainda estava parada, enrolada em seu xale de tricô, observando a bravura daquele homem desconhecido. Quando o nadador desconhecido acenou para ela, ela deu a volta e pegou o caminho para casa sem nem olhar para trás. Tinha esquecido de comprar o peixe.

...

— Você é um anjo, . — dizia, atolada em caixas e mais caixas de livros.

O coquetel era no dia seguinte, mas, de alguma forma, parecia muito mais segura com a amiga ao seu lado, ajudando-a com as decorações na livraria, do que quando a chamou ao telefone.

— Espero que saiba que eu vou cobrar esse favor.
— Desde que seja depois do coquetel, você pode me pedir um rim e eu vou te dar sem pestanejar. — Ela parou para pensar. — Bem, talvez não um rim, mas um dos meus dedos não faria diferença.
— Espere a sua namorada saber que você quer me pagar um favor com um dos seus dedos.
— Você tem uma mente pervertida, . — explodiu em uma gargalhada espalhafatosa.
— Passei tempo demais com você. — A outra sorriu. — Aliás, o que eu faria com um dedo cortado?
— Eu não sei o que vocês, bruxas, fazem naquela loja, mas dedos humanos devem ser os ingredientes de alguma coisa, não? — Ela balançou seus dedos longos e cobertos de anéis bem na frente de seu rosto, de uma maneira cômica.
— Hm, não que eu saiba. — Respondeu-lhe depois de rir.
— Foi daqui que pediram um par de braços fortes e disposição de ferro? — A voz de Keith soou na porta e rolou os olhos.
— Ei, eu precisava de alguém para o trabalho pesado. — sussurrou apressadamente. — Não tem nada a ver com você.
— Eu só não acredito que fizemos greves e incitamos o empoderamento feminino para chamar um homem para carregar algumas caixas. — sussurrou de volta, fazendo a outra sorrir abertamente.
— Eles nos trataram como inúteis por tanto tempo que acho que explorar isso, moderadamente, não vai fazer mal. — Ela se virou na direção da porta e a outra abanou a cabeça negativamente. — Já estou indo, Keith!

Felizmente, o encheu de trabalho o suficiente para que Keith não pudesse enchê-la nem mesmo por um segundo. Os funcionários da livraria e os dois amigos de ajudavam na decoração, puxando estantes e distribuindo cadeiras na clareira montada no meio da loja. O coquetel era só na noite de sexta, mas o expediente de quinta já tinha terminado e tinha anunciado que eles não trabalhariam durante o dia, o que a deixaria com tempo o bastante para ajeitar os detalhes finais.

não vem? — Tinha sobrado apenas e a própria . A decoração, feita sob as ordens da proprietária da livraria, parecia quase profissional. Orgulhosa de seu próprio trabalho, as duas tomavam uma taça de vinho na varanda.
— Ela chega amanhã, precisou passar em Boston e resolver algumas coisas. O babaca do disse que vinha, mas deve ter achado uma distração melhor do que ajudar a arrumar o coquetel do livro dele.
— Sortudos. — Resmungou a outra, fazendo rir.
— Não foi tão ruim assim.
— Não, eu só sinto que meus braços estão prestes a cair. — sorriu.
— Você é tão dramática… Te vejo amanhã no coquetel? — Um sorriso apologético lentamente esticou os lábios de . A outra bufou. — Você não vem?
— Keith me chamou para ir com ele, mas…
— Mas você foge de Keith Higgins como o diabo foge da cruz. — completou, bebendo um gole de vinho logo depois.
— Exatamente. — também deu um gole no vinho, aproveitando o sabor forte para distrair-se um pouco. Lá fora, a lua iluminava os contornos das casas da cidade.

A cidade era linda de manhã, quando o sol batia nas copas das árvores nas calçadas, quando ela passava pelo jardim premiado da sra. Hunter na hora do almoço, para se encontrar com e, às vezes, . Quando se sentia leve como um pássaro, livre para ir onde quisesse. Ou, talvez, nem tão livre assim. deu um longo gole em sua taça de vinho e segurou a mão da amiga com gentileza.

— Você está fazendo de novo. — Os olhos escuros da amiga encararam francamente os seus.
— O que eu estou fazendo de novo?
— Está se escondendo. Deixando que um homem regule a sua vida de novo, mesmo que a situação agora seja totalmente diferente. — era a única que conhecia a real história de , de onde vinha, o que tinha acontecido com ela, suas experiências com um casamento falho. Havia algo na dona da livraria que conseguia arrancar confissões indiscriminadamente. — Você pode vir sozinha, . Não é porque Keith te chamou e você não quis vir com ele que tem que ficar em casa e perder todas as tortinhas de frango que encomendei só por sua causa. — Ela ergueu a sobrancelha e sorriu.

Estava fazendo de novo. Entrando em sua pequena concha, deixando de ir a lugares por causa de um homem? Talvez. Os motivos eram diferentes. As situações eram completamente diferentes, mas, nas duas, ela estava escolhendo a solidão, tudo isso porque não queria ferir os sentimentos de ninguém… E, assim, feria a si mesma.

— O que eu fiz para ter uma amiga como você? — Sorriu, dando um tapinha carinhoso na mão de .
— Aposto que algo muito bom. Eu não sou assim tão amigável com todo mundo… — O clima pesado tinha se dispersado agora que enxergava o que estava fazendo. — Isso quer dizer que você virá?
— Eu não perderia as tortinhas de frango por nada no mundo.
— Vai ser divertido! — O rosto da mulher se iluminou com um sorriso. — é um cara realmente maravilhoso, apesar de não ter vindo hoje. Nós crescemos juntos aqui em Redwater, mas perdemos contato depois que ele foi para a faculdade… E eu fiquei aqui, cuidando do negócio da família.
— Vocês eram próximos?

De nome, conhecia . Tinha ouvido falar sobre desde que ele tinha aceitado lançar seu segundo livro ali, em Redwater, sobre como e tinham se divertido quando eram crianças e o quanto ela sentia falta de seu amigo.

— Próximos do tipo minha-mãe-sempre-achou-que-iríamos-nos-casar. Isto é, antes de eu assumir para a família que era lésbica. Vivíamos grudados de um lado para o outro… As paredes do banheiro masculino de Cassington High nunca mais foram as mesmas desde a nossa pegadinha durante nosso último ano. — Ela suspirou. — Foi bom revê-lo em Boston. Na verdade, mal posso esperar para que vocês se conheçam. — lançou-lhe um olhar desanimado. — Não, eu não estou tentando arranjar vocês dois. É só que você é minha amiga e ele é meu amigo de infância.
— Eu realmente não preciso de mais alguém dizendo que eu deveria namorar. — Lembrou-se de Abigail e sua fixação por Keith, o xerife.
— Ah, , eu não faria isso. Você vai namorar novamente quando sentir-se pronta, ou não. Mas isso cabe apenas a você.

não respondeu. Voltou o olhar melancólico para o contorno das casas lá embaixo, respirando o ar gélido noturno. Ela nunca mais voltaria a namorar, seu coração agora era apenas seu. tinha levado meses para remendar seu pequeno coração de vidro, frágil que era, e apenas agora conseguia ver-se como era antes: inteira e independente. O gole de vinho a ajudou a relaxar e ela entregou a taça a . A culpa não era dela por tocar naquele assunto. Na verdade, nem ao menos tinha culpa. Ela tentava ajudar uma amiga, mas, às vezes, a única ajuda que alguém na situação dela precisava era silêncio.

— Eu acordo cedo amanhã. Nos vemos assim que eu for liberada da botica, tudo bem? — Beijou no rosto, acenando para ela enquanto descia as escadas da varanda, na direção da rua.

Seus pés já seguiam pelas ruas automaticamente. Redwater Bay tinha menos que cinco mil habitantes, era uma cidade realmente pequena e pacata. A taxa de crimes era quase nula e o último crime violento de que se teve notícia foi dois anos atrás, quando Tom, do bar, socou seu melhor amigo por dormir com a sua namorada, ambos estavam obviamente bêbados. Ao menos, segundo o xerife.

Ah, o xerife. Ele era realmente bonito. Era alto e moreno, com um belo sorriso e um rosto atraente. Ele era gentil, apesar de insistente. Um príncipe… E tinha sido assim que acabou com a sua vida. Para que arriscar? Era preferível terminar sozinha. Durante o casamento, tinha descoberto que o sexo era uma arma que usava contra ela, forçando-a mesmo quando ela não queria. Acabava cedendo porque aquilo o acalmava, é claro, mas tinha aversão a sexo, não conseguia sentir prazer nenhum. Isso, então, estava resolvido.

Também não tinha medo de terminar sozinha. Viver sozinha era preferível a ter que ceder seu espaço e sua vontade novamente. Relacionamentos, para , nada mais eram que uma fonte de dor. E ela poderia viver sem essa dor.

...

Quando acordou às seis da manhã, naquela manhã de sexta-feira, levantou-se e puxou os lençóis da cama, empapados de suor. Ela os jogou na cesta, junto a outros conjuntos, os quais lavaria no final de semana.

Apesar da suposta paz, não conseguia se sentir plenamente segura. Acordada, espantava os pensamentos ruins e o pânico, aos poucos, a abandonava quando estava rindo das tiradas de Abigail ou simplesmente quando almoçava com e . Durante a noite, não. Durante a noite, a perseguia de novo. Ele a ameaçava de novo. Ele a achava e retornavam para a bela casa onde moravam, em Seattle, mas, dessa vez, ela estava algemada e vestida de noiva.

Lavou o rosto com água gelada, para despertar, e checou as leves olheiras sob os olhos. Mais uma noite mal dormida. Agasalhando-se contra a manhã gelada, ela saiu novamente, como fazia todas as manhãs desde que tinha decidido morar por ali. Quando chegou na praia, ela descalçou os sapatos e sentiu a areia úmida e gelada entre os seus dedos dos pés, inspirando a brisa marítima. Era ainda muito cedo. Havia apenas , os pescadores… E o cachorro do dia anterior, que correu em sua direção e a cheirou animadamente.

— Oi, rapaz. — Ele permitiu que ela coçasse suas orelhas depois de ter-lhe cheirado as mãos com bastante diligência. leu seu nome na placa da corrente. Pelo menos ele não era um cão abandonado. tinha um sério problema com coisas quebradas e abandonadas. — Winston, é isso? Você é um bom garoto, Winston?

Ele fez-lhe festa. Era um cachorro de pelo preto e branco, claramente bem tratado, o mesmo do dia anterior, mas um breve exame nos arredores a fez perceber que estava sem seu dono. Por isso, ela teve receio de deixá-lo para trás, mas o cão parecia saber bem como andar por ali e a deixou para trás assim que perdeu o interesse em ter uma mulher estranha coçando suas orelhas peludas.

— Bom dia, . — A voz de Keith soou ao seu lado, mas não a despertou de seus devaneios naquela manhã. Ela ainda pensava no sonho, em como seu terror tinha sido vívido. Seria um sinal de que estava vindo? Talvez fizesse um banho de ervas para si mesma, para relaxar. — ? — Ele balançou uma mão na frente dela, o que, finalmente, a fez olhá-lo.
— Desculpe, disse alguma coisa? — Abigail ainda não tinha chegado, felizmente, ou a imploraria para sair com o xerife. Também, pudera, passava pouco de dez da manhã. Ela devia ter acabado de acordar.
— Só a cumprimentei.
— Ah, bom dia. — Conseguiu dar-lhe um sorriso tenso. Estava ficando realmente cansativo dispensar Keith todos os dias. — Em que posso ajudá-lo hoje, Keith?

Keith Higgins não precisava de banhos de proteção. Ora, diabos, ele mal tinha problemas em uma cidadezinha como aquela. Abigail e sabiam que ele apenas frequentava tanto a botica para falar com ela.

— Vim buscar um preparado que Abigail fez para a minha mãe. — Ele entregou-lhe um papel com um número anotado.

sentiu-se culpada por pensar mal dele. Então ele tinha ido até ali pegar algo para sua mãe? Isso era até doce. Ela sorriu.

— Eu já volto.

Sálvia e alecrim, ela viu no rótulo do vidrinho. Memória, talvez? Ela nem mesmo sabia nada sobre a mãe dele. Buscou uma sacola de papel, onde continha também o que ela supôs que fosse a posologia do tal preparado. tinha feito um bom trabalho em estudar as propriedades das ervas e plantas com que trabalhava, mas esse tipo de remédio natural era preparado exclusivamente por Abigail e, portanto, podia apenas pegar encomendas e entregá-la. Preparar qualquer coisa além de algumas ervas para um banho ou separá-las em saquinhos para chás era o máximo de suas capacidades.

Ela voltou com a sacola, vendo que não havia apenas Keith na botica, dessa vez. A sra. Woodberry tinha vindo buscar o “tônico para as forças” de seu marido… O que era, realmente, apenas alguns afrodisíacos naturais. Os dois conversavam gentilmente e ela sorriu ao ver a adorável velhinha de setenta anos que parecia ter um apetite sexual muito maior do que, algum dia, sequer possuiu. Algumas pessoas tinham sorte, ela pensou.

— Bom dia, sra. Woodberry. — Ela a cumprimentou, entregando a encomenda do xerife a ele. — Aqui está.
— Obrigado, . — Ele sorriu. Ia embora, mas voltou-se. — Nós não tivemos muita oportunidade de conversar ontem, mas…
— Eu vou ao coquetel. — Ela anunciou, subitamente. Ele anuiu. — me chamou e nós somos bastante amigas, então…
— Ah… Tudo bem. — Ele olhou a pequena sra. Woodberry e tocou o chapéu para cumprimentá-la. — Vejo você lá, então. — E saiu da loja rapidamente.

Parecia que tinha entendido. E tinha razão, não podia privar-se de ir porque queria evitar o xerife. Senão, teria que deixar o seu trabalho. A sra. Woodberry sorriu de modo doce. Ela se aproximou devagar do balcão e ali depositou suas mãozinhas enrugadas.

— Ele está de quatro por você, não está? — Então ela se virou para trás, olhando o xerife pela janela. — Nunca foi o meu tipo de homem, sabe? Mas até que é bonito, só não tem muita personalidade, coitado, mas o avô dele era a mesma coisa… — Ela fez um gesto com o polegar e o indicador. — Bonito, mas decepcionante, querida.

E porque não fazia ideia de como reagir ao comentário, ela apenas fingiu que não o ouviu… Mas, por dentro, achou tudo muito engraçado. Que Deus abençoasse aquela mulher com muitos outros anos de vida.

...

— Você quer dizer que a sra. Woodberry – não, espere, aquela sra. Woodberry que me deu a torta de manga mais deliciosa do mundo no Natal passado e que parece uma vovó comum – disse que o vovô Higgins tinha um pau pequeno? — Como era de se esperar, caiu na gargalhada.
— Fale baixo! — Mas também ria bastante com o fato. Talvez se sentisse mal por rir de uma pessoa que já tinha falecido, mas o comentário tinha sido muito engraçado para ser mantido apenas em sua memória.
— Essa foi a melhor coisa que eu ouvi esse mês. Deus do céu, a sra. Woodberry! — tinha um coquetel na mão, já parecia mais extrovertida que o seu normal, mas, ainda assim, ambas se divertiam.

A dona da livraria virou-se subitamente, fazendo com que desse um salto. Em seguida, puxou-a pelo pulso.

— Venha, está aqui! — parecia tão feliz que não achou em seu coração a coragem de pedi-la para parar de puxá-la. — !

De costas para as duas, decidiu que ele deveria ser muito atraente. Os ombros largos, o físico em forma, as mãos grandes enfiadas, com confiança, nos bolsos da calça jeans. Sua intuição não provou-se errada quando virou-se para as duas. Ele era bonito. Muito bonito. Não tinha o tipo de beleza indefectível dos astros de cinema, isso era certo, mas era algo… O sorriso, talvez? Seu sorriso era largo, seguro de si. Era difícil não achar atraente alguém que se portava daquela forma, tão confiantemente.

, quero que conheça . , este é .
— É um prazer, . — Seu tom de voz era baixo, rouco. E extremamente sedutor. Era um homem que sabia usar sua aparência.
— Digo o mesmo. — Apertou a mão dele sem animação, embora ele parecesse não perceber enquanto olhava dentro de seus olhos com intensidade. Lentamente, ele sorriu para ela, elogiando-a. suprimiu um suspiro. Não estava interessada em homens que diriam qualquer coisa para tirar seu vestido.

, pobre , observava a interação entre ambos com animação.

, tem sido minha melhor amiga desde que chegou aqui. — Ela olhou para trás, para onde , sua namorada, conversava com um pequeno grupo de pessoas. — Ela e a , claro.

não gostou da forma como ele a olhava e muito embora não quisesse minar a animação de , ela se despediu e fez um rápido caminho até o banheiro. Chegando lá, respirou bem fundo, soltando o ar pela boca lentamente. Um pouco de água gelada na nuca e ela estava como nova, pronta para voltar à festa. Viu do lado de fora, olhando-a com aquela expressão de quem conhecia todos os seus segredos. Ela devia ser uma advogada e tanto.

— Crise de ansiedade? — O que podia fazer? Anuiu, timidamente, sentindo as bochechas corarem. Até então, tinha conseguido controlar sua ansiedade. — Não precisa se envergonhar.

Mas ela se envergonhava, mesmo assim. Depois de ser chamada de fraca durante anos, detestava sentir-se fraca. E a crise de ansiedade era uma fraqueza latente. Mas, se confessasse que teve uma crise de ansiedade por causa do modo como a tratou, então se sentiria culpada e ela sabia que sua amiga só queria ajudar. Mas, apesar de pegá-lo, vez ou outra, olhando em sua direção, não se aproximou dela outra vez durante a festa.

Também, seria difícil que isso se sucedesse. Como era a festa de lançamento de seu livro, era o convidado mais requisitado do coquetel. Os fotógrafos quase a fizeram ter outra crise, mas, com muita habilidade e a ajuda de , ela se livrou de todos eles e permaneceu fora das fotos. Ao contrário de , cujo cada movimento era capturado pelas lentes do pessoal da imprensa. Antes que ele se desocupasse, despediu-se das amigas e rumou para a sua cabana. Tinha socializado demais para uma noite.

...

Reencontraram-se dois dias depois do coquetel. Era domingo e a manhã estava enevoada. A brisa do mar era gélida, mas parecia não se importar com os pés descalços na areia úmida. A princípio, reconheceu o cachorro, que latiu para ela e lhe fez festa quando passou. Winston abanava seu rabo, claramente contente, enquanto ela coçava suas orelhas.

— Você foge de mim, mas aqui está você com meu cachorro. — A voz grave soou atrás dela e, em um pulo, virou-se para trás. Ali estava , molhado da água do mar em uma roupa de surfista (embora ela notasse que ele não tinha uma prancha com ele), desafiando o vento gelado de forma bravia. — Não precisa se assustar.
— Eu não me assustei. — Rebateu de modo pouco firme.
— Você parece que viu um fantasma. — Ele riu.
— Eu não sabia que o cachorro era seu, eu só o vi aqui outro dia e…
— Era você? — Ele soltou uma risada estrondosa. — Era você que estava me vendo nadar aqui no outro dia?

decidiu ignorar o comentário e virou-se para caminhar até a outra ponta da praia, mas, para a sua infelicidade, enquanto ela tentava caminhar rapidamente, conseguia acompanhá-la quase sem esforço.

— Não precisa se envergonhar, muitas mulheres ficam encarando, também. Não posso culpá-las. — Ele a olhou quando ela não respondeu. — Não está muito frio para uma caminhada? — Winston, ao lado dele, andava despreocupadamente.
— E para nadar? — De esguelha, ela o viu rir.
— Muito bem, espertalhona, você me pegou. — Ela notou que ele tinha o riso fácil.

Bonito, insistente e de riso fácil. a lembrava de uma pessoa que ela preferia esquecer.

— Sabe, me falou de você. Ela nunca disse que você era tão ácida. — Ela não respondeu e apenas apertou mais o casaco contra seu corpo. — Muito bem, estou começando a achar que não gosta de mim.
— É mesmo? — A ironia o fez sorrir ainda mais largo.
— Eu não te fiz nada, . — O uso de seu apelido a fez olhá-lo feio. — Ou fiz?
— … Não. — Respondeu de má vontade, sem olhá-lo.
— Vamos tomar um café e eu vou me redimir.
— Não, obrigada. — Forçou um sorriso, pegando-o desprevenido. imaginava quantas mulheres tinham sido capazes de resistir a seu charme displicente e seus sorrisos confiantes.
— É só um café. — Ele tentou de novo.
— E eu disse não.

Quando percebeu, tinha deixado e seu cachorro para trás. Talvez assim ele finalmente entendesse que ela não sairia com ele. Nem com ele, nem com o xerife e nem com ninguém. Depois de , preferia não arriscar. O amor era para poucos.

...

— O seu livro voou das prateleiras! — Depois de ouvir o sino da porta, pôde ouvir claramente a voz de lá fora. Também, pudera, era a hora do almoço. — Aparentemente, todo mundo se orgulha de ter um conterrâneo famoso. — respirou fundo. Não podia acreditar que estava acompanhada daquele idiota. — ?

Quando atravessou a cortina de conchas, viu que estava certa.

— Vamos almoçar? — olhou de um para outro. Seus melhores amigos estavam se encarando e ela não gostava nada daquele clima. — Aconteceu alguma coisa que eu não estou sabendo?
— A sua melhor amiga me odeia. — Seu sorriso jocoso a irritou. Aquela era uma maneira bem infantil de abordar um assunto.
— Eu não… — Ela respirou fundo, guardando um pote cheio de folhas de manjericão na prateleira. — Eu não odeio você. — Tinha se livrado dele no dia anterior, apenas para ter que olhar para a cara dele de novo.
— Por que você o odeia? — franziu as sobrancelhas.
— Eu já disse que não…
, você me odeia. — Ele constatou, sua voz firme. Ele se virou para . — Mas eu costumo amar meus inimigos. sabe disso.
— Pelo amor de deus… — Ela resmungou, mas não respondeu nada além disso.

Na contrapartida do que realmente desejava, viu-se almoçando com e . E não foi tão péssimo. Acabou rindo das histórias da infância dos dois, deixando de lado o sentimento que gelava seu estômago na companhia dele. Como escritor, era particularmente bom em contar histórias e mesmo que desgostasse dele, tinha que admitir que conseguia imaginar vividamente as memórias ali narradas. Com o esgotamento de sua hora de almoço, deu adeus aos dois e voltou à botica.

O almoço não tinha sido ruim. De modo algum. E, de algum jeito, ela começava a ver que talvez estivesse sendo injusta com . Ao contrário de , seus sorrisos eram genuínos e ele parecia respeitar sua decisão de não se aproximar. Mesmo com as piadinhas, o escritor não tentou chamá-la para sair de novo, embora fosse ainda muito cedo para julgar porque estava ao redor, mas, ao menos, isso indicava que ele sabia quando parar, diferente não só de seu ex-marido, como também de Keith Higgins, o xerife.

Nos dias seguintes, era praticamente impossível ver sem seu fiel escudeiro do lado. Para onde olhava, lá estava , junto ou não de Winston. Até que, certa vez, ela perguntou a quando ele ia embora.

— Não sei, mencionou que talvez voltasse a Redwater Bay… — Ela pareceu pensativa enquanto ambas organizavam o estoque da livraria. — Ele gostou de você.
— Sei. — estava concentrada em organizar alfabeticamente a estante de autores nacionais.
— Eu falei sério. — Aquilo a fez tirar os olhos da prateleira e voltá-los a . — Mas ele sabe que não gosta muito dele.
— Ele é barulhento. — resmungou, enfiando um livro na prateleira. — E sorri demais.
— Scrooge¹, é você? — Mas não riu. Por mais que soubesse que era infantil detestar tanto alguém que não conhecia, ainda era um tanto difícil abrir-se para homens depois de ter seu coração, corpo e alma dilacerados por . Ela respirou fundo, assoprando o ar pela boca.
— Eu estou sendo assim tão ranzinza?
— Mortalmente rabugenta, sim. — tirou os óculos de leitura e os pôs no balcão. — Eu disse a ele que você não sai com ninguém, então ele já sabe muito bem onde pisar com você. Só… Dê uma chance a ele, como amigo.

mordeu o lábio inferior, colocando mais um livro na prateleira. Por mais que tivesse seus funcionários, não se importava de ir até lá e ajudá-la vez ou outra. Detestava ficar ociosa. Tinha ficado sem trabalhar por muitos anos e agora se lembrava como era sentir-se útil mais uma vez.

— Eu vou pensar.
— Eu prometo que ele não é má pessoa, apesar de ser um galanteador idiota e roncar bem alto.
— Você só disse isso porque me viu chegando, não foi? — A voz grave de fez-se presente e não precisou levantar os olhos para saber que ele as olhava com atenção. — E então? O que estavam falando de mim, além que eu ronco alto? O que é uma completa mentira, aliás, é quem ronca mais alto nessa casa. Pergunte pra .
— Cale a boca antes que eu te jogue na rua. — rolou os olhos, voltando ao trabalho, o que apenas indicava que ali, naquela brincadeira, havia ao menos um pouco de verdade.
— Você está hospedado aqui? — perguntou, tirando outro livro da prateleira e o colocando em seu lugar. As pessoas precisavam mesmo fazer tanta bagunça ao procurar seus livros?
— Não fazia sentido ficar gastando dinheiro enquanto eu tinha um quarto vago. — Foi a dona da livraria que respondeu, escrevendo algo em sua prancheta.

Ele a olhou e resumiu o que estava fazendo. De esguelha, viu rir e subir as escadas que levavam ao segundo andar da grande casa, onde e moravam. a olhou e fez um muxoxo.

— Sério, , uma chance só.
— Eu vou pensar nisso. — Respondeu baixo, respirando fundo e se perguntando porque aquele homem tinha que transformar sua vida pacífica… Naquilo.

...

Na terça-feira, tinha acabado de sair do mercadinho perto da praça. Precisava comprar materiais de limpeza para a cabana e reabastecer a geladeira. Caso contrário, teria que viver de água, macarrão e peixes por mais tempo e isso era quase insuportável.

Ela ouviu chamá-la do outro lado e quase fingiu que não tinha ouvido, mas ele pareceu ignorar sua hesitação e a cumprimentou com um sorriso brilhante no rosto.

! — Ela elevou os olhos para ele ao ouvir seu nome. — Quer ajuda com isso?
— Não está pesado, obrigada. — Seu aperto nas sacolas de papel apenas se intensificou.

riu. Ele parecia especialmente alegre naquela manhã, o que a deixava menos inclinada a colocá-lo em seu lugar.

— Vamos lá, me ajude. A sra. Greenfield não para de me atazanar. — Ele sussurrou para ela e, dito e feito, olhando por trás dele, podia ver a velha senhora observando-os curiosamente. — Ela vai puxar a minha orelha se eu não me oferecer.

Ela o olhou com uma expressão impenetrável no rosto, mas já tendo sofrido um dos longos sermões da rabugenta Greenfield, entregou a ele uma sacola de papel.

, está tudo bem? — A velha senhora perguntou, olhando-o desconfiadamente.
— Sinto muito, sra. Greenfield. — Ele parecia arrependido, mas, a um olhar observador, podia ver o canto de seus lábios tremendo, como se segurasse o riso. — Vou ajudar uma amiga. Podemos conversar depois! — E então ele virou-se para ela. — Vamos sair rápido daqui.

Foi uma das raras vezes que ele a pôde ver rindo. esperou que saíssem de perto da praça e então caiu na risada. fez o mesmo. Por um momento, os dois continuaram rindo, sozinhos, da situação ridícula: dois adultos, fugindo de uma senhora rabugenta, como se fossem garotos pegos fazendo uma travessura.

, você não sabe o quanto me ajudou. Obrigado. — Ela abanou a cabeça.
— Não foi nada. Eu sei o que é receber um sermão da sra. Greenfield.
— O que você fez? — Ele a olhou de cima e ela encontrou o olhar dele por um momento.
— Eu pisei no pé dela, no mercado… Mas a culpa foi toda dela! — Apressou-se em se defender, mas abriu um sorriso maroto.
— Ah, sim, eu posso imaginar isso. Isso se parece com ela. — Ambos ficaram em silêncio por alguns segundos, até que ele o quebrou. — Então, essa parece ser a conversa mais longa que tivemos desde que nos conhecemos. Estou surpreso com você, .

deu de ombros. Ela não se importava de conversar com ele, contanto que ele não a chamasse para sair. Por , podia tentar ser amiga dele. Ele se calou, o que parecia algo surpreendente para alguém que falava tanto, a todo momento. Quando o silêncio ficou muito desconfortável, ela pensou em falar algo, mas então o ouviu pigarrear.

— Então, me falou que você não sai com ninguém. — Ela o olhou, perguntando-se onde ele queria chegar. — E que também não se sente confortável quando a chamam para sair. — abaixou os olhos para o chão antes de respondê-lo.
— É complicado. — E deu de ombros. A resposta não pareceu ser o suficiente para ele.
— Então… É uma coisa sua? Algo como um celibato? — Ela anuiu. Claro, celibato. Podia considerar assim. — Interessante. Eu já conheci muita gente na minha vida, , mas nunca alguém que fosse celibatário sem ser religioso… Ou você é religiosa?
— Eu não tenho uma religião, por assim dizer. Mas tenho fé. — Ela respirou fundo quando viu que ele se preparava para novas perguntas. — Será que você pode… Não me cravar de perguntas? Eu não quero falar sobre isso.
— Desculpe, eu não queria deixá-la desconfortável. Eu só queria entender. Se não se importa que eu diga… Você é jovem, bonita, parece ser bem querida. Não parece comum para uma pessoa como você.
— Você não sabe que tipo de pessoa eu sou. — E embora suas palavras fossem bruscas, havia gentileza em seu tom de voz. Durante muito tempo, ela se sentiu perdida, sem conhecer-se. E mesmo agora apenas começava a recuperar-se de tudo, a ser quem era antes.

Por um momento, achou que fosse, finalmente, calar a boca. No entanto, ela logo viu que ele não devia saber como fazer isso.

— Vamos remediar isso. Um jantar, na minha casa nova, sexta. E não é um encontro.
— Na casa da ? — Ele negou com a cabeça.
— Não, acabei de alugar uma casa, por isso que eu estava falando com a sra. Greenfield. — Ela soltou um “ah” compreensivo antes de voltar a olhar para frente. — Já chamei e . Eu preciso saber se ela realmente serve para a minha amiga. — Ele a encarou, andando de frente para ela e de costas para a rua. — Diga que vai.
— Ande direito. — Ela o urgiu a parar com a tolice. Ele podia bater em alguém.
— Não até você aceitar. — Ele sorriu.
— Isso é ridículo.
— Eu sou um ótimo cozinheiro.
— Aposto que é. — Ela suspirou.
— Prometo não convidar Higgins. — Ela riu, um pouco culpada. — Eu nunca gostei daquele cara, de qualquer forma. Certinho demais. Não me surpreendi quando a me contou que ele era o xerife.
— Tudo bem. — Ele parou de forma brusca e ela quase colidiu com seu corpanzil.
— Eu estou enganado ou concordou em ir para o meu jantar?
— Se acha assim tão estranho, eu não vou. — Ele riu.
— Não, não. Vai ser divertido. Podemos nos conhecer melhor e virar amigos. Você pode trançar o meu cabelo e eu pinto as suas unhas.
— Era assim que você passava o tempo com a ? — Ela sorriu, incapaz de, totalmente, não se deixar levar pela animação dele.
— Não. Por motivos óbvios, nunca teve unhas grandes… Mas ela pintava as minhas. Vermelho sempre foi a minha cor, segundo ela.

soltou uma gargalhada, relaxando, finalmente, enquanto os dois trocavam farpas (dessa vez, sem hostilidade) e histórias engraçadas sobre sua amiga em comum. Ele a contou como era um fotógrafo, viajando o mundo, e que seu livro nasceu dos perrengues que passou em outros países. E como tem um contrato para outro livro, mas que isso ele veria com calma, já que ainda se encontrava dividido entre a fotografia e a escrita.

I would do anthing to end your suffering


sorriu abertamente ao vê-la. A mulher estava ao lado de e cumprimentou as duas com um abraço apertado. Embora fosse mais reservada que sua namorada, ela se sentia segura diante dela. era dona de um olhar penetrante, como se visse sua alma, mas isso não a perturbava. Ao menos, não mais.

— Quando me disse que você vinha, achei que ele estava mentindo para me provocar. — sorriu.
— Eu não faria isso! — Ele rebateu, soando ofendido enquanto acompanhava a última convidada: .

Olhando ao redor, ela podia ver algumas pessoas. Grande parte dos moradores novos não eram nativos de Redwater Bay, mas, segundo , alguns tinham nascido e se criado lá, como ela. A família de , por exemplo, tinha relações com o fundador da cidade. Alguns outros, ali, também tinham nascido e convivido juntos, como , Tom, que era o dono do bar, e outros mais, como o xerife. O pessoal que ali estava, então, devia ser os velhos amigos do colégio de e .

— Os outros foram para a capital ou então nunca voltaram da faculdade. Se espalharam por aí. Pelo menos temos o Facebook, ainda. — explicou, bebericando sua taça de vinho tinto. Que, aliás, combinava perfeitamente com o steak em seu prato.
— Eu mesmo jamais tinha pensado em voltar até encontrar com a na capital. — se meteu na conversa.
— Eu não achei que você fosse ficar depois de conhecer o mundo todo. — admitiu, olhando-o com atenção. , no entanto, deu de ombros.
— Eu não sei, foi… Um instinto. — Ele deu de ombros. — Já conheci o mundo, já fiz o que queria fazer… Está na hora de me assentar. E nada melhor que Redwater pra isso. tinha pensado a mesma coisa ao conhecer aquele pedacinho de terra, a algumas horas de viagem de Boston, tão pacífico e caloroso. Depois de perder os pais e sair da prisão que seu marido insistia que era a sua casa, ela não tinha um lugar no mundo para chamar de lar. Graças à ilha, agora ela tinha e não podia estar mais satisfeita.
— O que a fez se assentar aqui, ? — Ela elevou a cabeça, de repente sendo o centro das atenções do jantar.
— A praia. — Ela respondeu com honestidade. — Eu vim a passeio e nos levaram à praia… Eu me senti tão em paz quando vi o mar daquele jeito que eu… Eu simplesmente soube que queria ficar aqui.

E, também, porque era do outro lado do país, bem longe de onde morava com o marido. Com a distância e a vista da praia, ela soube que deveria ficar ali. Até mesmo se guiou perfeitamente pelas ruas da pequena cidade, como se vivesse lá há muito tempo. Era um desses mistérios sem solução. Ela simplesmente sabia.

também sempre gostou da praia. — Tom meteu-se no assunto, dando um tapinha nas costas do anfitrião com sua mãozorra.

Ela pensou que ele a transformaria em uma piada por causa do dia que ela o observou nadar, mas ele não fez isso. E ela se sentiu um tanto grata a ele por isso. O assunto mudou de foco, mas, aqui e ali, , e tentavam não deixá-la de fora dos assuntos. Muitos deles surgiam como reminiscências dos tempos da adolescência e, daqueles, muito parecia derivar. Foi assim que descobriu porque a sra. Greenfield tinha mandado cercar seu canteiro de rosas (porque Tom roubou-as para fazer um buquê e pedir a em namoro, quando ela ainda não tinha se assumido), porque Higgins e não se davam (ela também odiaria alguém que explodiu o banheiro enquanto ela ainda estivesse dentro) e da vez onde , Tom e tinham sido quase expulsos de Cassington High por terem levado bebida para dentro da escola.

— Em minha defesa… — Começou , entre risos, enquanto e a observavam. — Eu só levei bebida porque as aulas de História do sr. Stone eram um pé no saco!
— A fez uma revolução alcoólica dentro do colégio e agora quer tirar o corpo fora! — Tom exclamou, alto demais, talvez, mas não se importou.
— Foi você que nos deu a bebida! — Ela acusou e riu.
— Não, Tom tem razão. Além de ter disfarçado e posto o gim em uma garrafa d’água, saiu oferecendo a bebida para todo mundo.
— Isso é a cara da . — comentou, rindo.
— O sr. Stone começou a perceber que tinha algo errado quando a classe inteira começou a ficar um pouco estranha. — continuou, não cedendo aos clamores da dona da livraria para mudar de assunto. — E, quando foram ver, tinha uma garrafa inteira de gim na mochila dela. E já estava no final. — Na sala de estar, todo mundo irrompeu em gargalhadas.
— Nós ficamos meses recebendo palestrantes que falavam sobre como o álcool era perigoso. — Tom completou.
— E eles passaram a fiscalizar nossas mochilas.
— Eu quase fui expulsa. — admitiu, o rosto vermelho de tanto rir. — Se não fosse filha do prefeito, eu teria sido expulsa.

A festa seguiu-se em um clima agradável. , principalmente, entretinha os convidados com histórias engraçadas que tinham acontecido com ele enquanto viajava para fazer seu documentário, que, no final, não se concretizou, mas dessas experiências resultaram seu livro. Ao final da festa, punha o seu casaco, preparando-se para sair com e . Em condições normais, ela caminharia até sua casa, mas não estava acostumada a beber e tinha bebido um pouco a mais de vinho.

— Ei, obrigado por vir. — Ela ouviu falar com ela e virou-se para ele. Ele estava encostado na parede, observando-a.
— O jantar foi divertido. — Por que não elogiar um jantar como aquele? Tinha se divertido bastante, muito mais do que no coquetel, onde tinha que se desviar de fotógrafos. Tinha acabado de enfiar os braços no casaco quando ele a ofereceu sua bolsa. — Obrigada.

mudou o peso do corpo de um pé para o outro, parecendo que tinha algo a lhe dizer.

, está pronta? — Ela ouviu a voz de do lado de fora.
— Só um minuto! — Ela se lembrou de uma coisa que tinha trazido, um presente por causa da casa nova. Ela tirou um vasinho, embrulhado com destreza, de dentro da bolsa. — Isso é para você.
— E o que seria essa planta? — Ele recebeu o vaso com cuidado, olhando a muda plantada ali.
— Alecrim. Serve para proteger a casa e dispersar energias negativas. É sempre bom ter um pouco plantado.
— Você passa tempo demais com a Abigail. — Ele riu. — Mas obrigado.

Ele a levou até a porta e a observou entrar no carro de . Ela era algo mais, aquela . Poucos dias atrás, estava prestes a matá-lo, mas, agora, trazia-lhe presentes… Ele olhou a planta. Proteção, hein? Talvez ele precisasse daquilo.

...

— Eu soube sobre você e . — Abigail lhe disse, chegando surpreendentemente cedo na botica, mesmo que fosse um sábado.
— Soube o que? — A outra perguntou, sinceramente curiosa enquanto arrumava as ervas nas prateleiras. Então Abigail tinha chegado cedo na loja só para importuná-la com algo assim?
— Andam por aí juntos, rindo… — Abigail sorriu, como uma mãe orgulhosa. — Eu não te critico por isso. é uma gracinha. Um tanto galinha, talvez, mas quem sabe ele mudou desde que era um garoto?
— Você conheceu o quando ele era um garoto? — Agora sorria, vendo Abigail relembrar-se.
— Ah, claro, claro. Um doce de garoto, realmente. Eu era muito amiga da mãe dele, na verdade. Pobre mulher. — Abigail abanou a cabeça enquanto fazia a contabilidade da loja.
— O que houve? — Isso fez com que parasse o que fazia e se voltasse para a dona da loja. Abigail pareceu pensar um pouco antes de falar.
— Vou dizer porque sei que não gosta de fofoca. — Ela disse de forma firme, diferente da maneira usual. — O pai dele… Aquele homem era um animal. Às vezes eu chegava na casa deles e a pobre Marianne estava toda roxa. — Para , a temperatura na loja pareceu cair mais de vinte graus. Sua pele se arrepiou conforme a história prosseguia sobre os maus tratos da mãe de . — Ela morreu quando ele era jovem, os médicos disseram que foi um aneurisma, mas, se me perguntar, eu acho que foi o coração partido. — Abigail suspirou, só então notando a palidez no rosto de sua funcionária. — Você está bem, querida?
— Eu só preciso de um pouco de ar. — Abigail anuiu e ela foi até os fundos da loja, sentindo a brisa do mar em seu rosto gelado.

Nunca teria cogitado a possibilidade de ter nascido em um lar violento pelo modo como se portava. Ele era alegre e despreocupado, sempre a postos para contar uma história engraçada, sempre sorrindo, sempre fazendo-a sorrir, também. Ela mal podia imaginar como devia ter sido. Felizmente, seu casamento com jamais gerou uma criança, o que o levou a acusá-la de ser seca por dentro. não podia imaginar como criaria um filho em uma casa como aquela.

Saber daquilo a fez ser mais simpática com . Ele a encontrou no centro comercial, alguns dias depois, enquanto ela estava comprando novas mudas para Abigail. Ele sorriu ao vê-la, tocando a aba de seu boné como um caubói faria com seu chapéu.

— Boa tarde, madame.
— Tarde, . — Ela tirou do bolso o dinheiro dado por Abigail para pagar pelas novas mudas. — Como está a casa nova?
— Ah… — Ele respirou fundo e tirou o boné, colocando o cabelo para trás antes de botar o boné novamente. — O telhado precisa de uns reparos. E o encanamento também, mas não tem problema. Comprei tudo que eu precisava e pretendo escravizar o velho Tom, também.
— Eu te ajudaria, mas nunca consertei um telhado na minha vida. — Ela gracejou.
— Não sei, você tem cara de quem consertaria o encanamento maravilhosamente bem.

Os dois riram, mas o sorriso de quase se desfez quando ela viu Keith chegar.

, boa tarde. — Ele sorriu para ela e então olhou para o escritor. — . Eu soube que você estava se mudando pra cá… Cansou do mundo lá fora?

O tom dele era suficientemente diferente no tratamento entre um e outro para que percebesse que a rixa dos dois não tinha acabado ainda. Ela se sentiu mal por estar ali e tentou se despedir.

— Se Oz me ensinou alguma coisa, é que não há nada como o nosso lar. — O sorriso de foi forçado. Ele olhou do xerife para quando Keith virou-se para ela.
— Quer uma ajuda, ? Posso te levar até a loja na viatura.
— Como uma criminosa? — riu e troçou, mas Keith pareceu não achar graça nenhuma.
— Não precisa. — Ela olhou os dois homens. Não iria se meter enquanto eles estavam ali, tentando decidir quem era o maior. — Eu já estava saindo.

A sra. Woodberry passou pelos dois, vendo-os enquanto eles observavam sair da floricultura calmamente e riu para si mesma.

— Vocês nunca vão conseguir sair com ela se ficarem se comportando como dois garotinhos. — Disse em alto e bom som, atraindo a atenção de ambos. — Agora, me deem licença. Vocês estão no meio do caminho.

...

— Nós saímos no jornal! — exclamou alto, no domingo de manhã, assim que atendeu o telefone, ainda meio sonolenta. Tinha ido dormir tarde, depois de um pesadelo com , e percebeu que tinha perdido a hora quando viu que já era dez da manhã.
— O que? — Ela se levantou lentamente da cama.
— Você estava dormindo? Desculpa!
— Não, tudo bem, já passou da minha hora de acordar. O que você estava falando sobre o jornal?
— A livraria saiu no jornal! Espere, eu vou… — Ela se afastou do telefone. — Meu deus, , pegou a revista, espere. ! , onde está a revista?

Depois de localizar a tal revista, pôs-se a ler a matéria, que falava sobre o lançamento do livro de em sua cidade natal, mencionava um pouco de Redwater Bay, a livraria e, finalmente, sobre uma sessão de autógrafos que seria organizada ali.

— Sessão de autógrafos? tem fãs? — estava perplexa com a informação. Ela não sabia que haveria mais uma festa.
— Tem, claro. Algumas só compraram o livro pela foto dele na contracapa, mas mesmo assim…

Um arrepio subiu sua espinha. não gostava quando os forasteiros invadiam a ilha. Ela não conseguia se sentir segura com estranhos. E se alguém a reconhecesse? Era improvável, dado que as conexões de eram em Seattle, mas, ainda assim… O mundo era grande apenas em tese. Na realidade, ele era uma casca de ovo e todo mundo se conhecia ou tinha algum conhecido em comum. Ela não podia perder seu porto seguro.

— Eu falei com você sobre isso, .

tentou contemporizar, mas os nervos de já estavam bastante abalados desde o pesadelo que teve. Ela fingiu que estava tudo bem e desligou o telefone, descansando a cabeça entre os joelhos depois de ter voltado para a cama. Tinha um pressentimento ruim em seu peito e não sabia o motivo e se era, ou não, justificável.

E se fosse? E se ele a visse? E se ela tivesse que fugir de novo? Ela gostava dali. As pessoas a tinham aceitado, ela tinha uma boa vida ali. Certo, era uma vida simples e longe dos luxos que tinha ao seu dispor no passado, mas era a vida que ela queria ter. Era a vida que merecia ter.

Como sempre fazia quando precisava pensar, ela foi à praia. O frio parecia espantar qualquer sujeito são que fosse até lá, excetuando os pescadores e um ou dois turistas – ela já conseguia reconhecê-los a essa altura. Durante vários minutos, apenas encarou o mar e, lá no fundo, o pequeno pedaço de terra ligado ao continente. A imensidão azul lhe causava arrepios, mas também era tão bela que não podia ficar afastada. O cheiro de água salgada inundava seus sentidos, o contato da areia em seus pés, o vento bagunçando o seu cabelo. Ela não queria ter que ir embora dali.

Os minutos se converteram em horas. Ela apenas ficou parada, enrolada em seu xale, pensando… E admirando a vista. Até que o cachorro pulou nela. E porque estava tão absorta, ela falhou em vê-lo e tomou um baita susto quando Winston caiu em seu colo e passou a lamber seu rosto animadamente.

— Winston! — Mas o cachorro não ligou para o comando do dono e a empurrou contra a areia. caiu, pondo as mãos na frente do rosto para impedi-lo de babá-la toda. — Caramba, Winston! — Ele puxou o cachorro pela coleira e estava prestes a se desculpar quando viu quem era.

Para sua surpresa, era quem espanava areia de suas roupas e limpava baba de cachorro do seu rosto.

— Ele gosta de você. — respondeu, como se aquilo explicasse tudo. Ela, ainda em choque, sorriu para ele, que respondeu com outro sorriso.
— Eu percebi isso. — Mesmo que seu dono tentasse mantê-lo quieto, Winston continuava tentando pular nela. Ela riu um pouco: tal como o dono, o cachorro era irrepreensível.

ergueu a mão para ajudá-la a levantar.

— Aqui, eu te ajudo.
— Não precisa. — Ele, no entanto, segurou a sua mão e a puxou para cima. Talvez com um pouco mais de força necessária. O corpo de chocou-se contra o dela e ele a segurou pela cintura para impedi-la de cair. — Espero que não esteja tentando me seduzir. — Ela brincou, sorrindo para ele quando o viu rir.
— Você acha mesmo que eu só faria isso se estivesse tentando seduzi-la? Me dê um pouco mais de crédito.

Caminharam juntos de volta para casa. estava calada. Apesar da forma leve com a qual tratara o toque dele, ela queria sentir mais… Isso, no entanto, era estranho a ela. Sentia, é claro, desejo. Só que isso geralmente era apagado quando ela se lembrava de . Ela olhou de esguelha. Ele era atraente. Quando tinha começado a vê-lo daquele jeito? Não sabia.

Quando chegaram na porta da cabana, a encarou. Ela ficou parada na porta por alguns segundos e então se virou.

— Quer tomar um chá? — Ele sorriu com o convite.
— Você está tentando me seduzir, ?
— Acha que eu faria só isso se estivesse tentando seduzi-lo? — Ela imitou o chiste dele, rolando os olhos.

Abriu a porta e ele, depois de assoviar para o cachorro, entrou. Ela o guiou até a cozinha. Estava com frio, já que as temperaturas ali, no outono, não eram muito amigáveis. Ele a seguiu, parando atrás dela na pequena, mas altamente organizada, cozinha.

— O que você quer no chá? — Ela olhou-o por cima do ombro.
— O que quer que você beba.

A cozinha era muito pequena. De alguma forma, talvez não fosse uma boa ideia chamá-lo. Ela podia sentir a tensão sexual entre os dois e isso a deixava nervosa… Mas, também, um tanto curiosa. Quando ela se virou, viu que estava de frente para ela. Seus olhares se cruzaram. Ela sentiu o rosto esquentar e as batidas de seu coração se acelerarem com a proximidade entre eles. se aproximou, tocando o rosto dela de maneira delicada. fechou os olhos, à espera do beijo. O primeiro contato, em si, foi bastante suave. Foi apenas quando a beijou com mais vontade e profundidade, puxando-a pela cintura, que a excitação deu lugar ao pânico e ela sentiu seu corpo ceder.

Olhando-a, curioso, ele não entendeu de primeira porque ela havia ficado tão quieta. O que viu o assustou: ela estava pálida e completamente inerte. Ele se afastou imediatamente.

? , você está bem? — Ela continuou parada enquanto ele a chamava, desesperado por uma reação. Ela parecia prestes a desmaiar. — ?
— Não me toque. — Ela sussurrou, tão baixo que ele não a ouviu.
, fale comigo!
— Não me toque! — Ela repetiu, um pouco mais firme, embora ainda estivesse pálida. Lutou contra a náusea, erguendo a cabeça e respirando fundo. Olhou-o, então, firme nos olhos. E sentiu vergonha.
— Você me assustou. Aconteceu alguma coisa? Você está passando mal?
, eu preciso ficar sozinha. — Ela pediu, sentindo uma dor de cabeça começar a latejar sua fronte.
, eu não posso te deixar sozinha agora… Sente-se. Eu vou levar o chá para você. — Ela não tinha forças para discutir, sua garganta não cooperava.

Ele a olhava, vez ou outra, mas não dizia nada, ao que era grata. Ela não sabia se conseguiria lidar com seu bom humor agora. Embora suas pernas estivessem fracas, fez o possível para seguir em frente e andar até o quarto. Suas mãos estavam geladas e ela sentia a cabeça leve, como se fosse desmaiar.

se jogou na cama, respirando profundamente. De alguma forma, não se sentia intimidada pela presença dele, apesar da crise. Ela, ao menos, sabia que ele entenderia, por causa do histórico dos pais. Ele era quebrado, como ela. Por isso, apesar do toque dele ter dado início a um mal-estar, ela não se sentiu insegura. Seus nervos estavam fragilizados, tanto pelo pesadelo quanto por saber que uma nova onda de publicidade atingiria a ilha. A culpa não era de . Ou de seu beijo.

Mesmo assim, percebeu, ele se sentia culpado. a deixou se acomodar enquanto foi até a cozinha. Depois de vários minutos, ele retornou com uma caneca de chá.

— Tem bastante açúcar. Minha mãe costumava dizer que ajuda. — Ele anunciou, entregando a caneca a ela.

Ele não demorou, já que tinha começado a colocar o que precisava no balcão. A casa toda era extremamente limpa e organizada. Ele poderia comer no chão de , se quisesse. De pé em frente à cama dela, ele a observou.

Ela bebeu. O líquido quente espantou o frio, tanto pelo clima quanto pela ansiedade, e ela se surpreendeu com a quantidade de açúcar em seu chá, mas não disse nada. a observava calmamente, assim como o cachorro que, sentado diante dela, abanava o rabo lentamente.

— Eu estou melhor, não precisa me olhar assim. — Ela se sentia envergonhada, mesmo que, em seu íntimo, soubesse que não tinha nada para se envergonhar. era o culpado por ela estar assim, não ela. Nem mesmo em seus sonhos ela tinha paz…
— Você achou que eu fosse machucá-la. — Aquilo não tinha sido uma pergunta e, por isso, não necessitava de resposta. apenas deu outro longo gole no chá. — O que… — Ele encarou profundamente seus olhos. podia sentir o calor vindo dele. — O que aconteceu com você, ?
— Não precisa se preocupar. — Ela suspirou. Detestava dar trabalho às pessoas e, mais do que isso, não queria que ele a olhasse com pena.
— Como não? , eu achei que você ia desmaiar! — Ela abanou a cabeça, balançando um pouco os cabelos. — Tudo bem se você não quiser falar. — Seu tom era de derrota. — Mas tem algo que eu possa fazer para ajudar?

Ele esperou com expectativa enquanto ela pensava, em silêncio. fez que não.

— Você fez o bastante. — Ela bebeu o chá. — Obrigada por isso. — E apontou a caneca.

Ele não podia deixar de pensar no quanto tinha parecido assustada. Se ela tinha medo dele, então o melhor a fazer era deixá-la sozinha. Ele a olhou, antes de sair pela porta.

, da próxima vez que achar que alguém vai te machucar, lute de volta. — Ele disse com firmeza. — Não se entregue.

E, com isso, a deixou sozinha.

se levantou e trancou as portas, os joelhos ainda tremiam, mas ela se sentia revigorada depois do chá quente. Depois que tudo estava fechado, ela se sentou na cama e respirou fundo. Sem perceber, acabou pegando no sono.

...

precisava saber como ela estava. Por isso, no dia seguinte, quando a viu na botica, sorrindo e conversando com Abigail, não se furtou de entrar lá, mesmo que estivesse acompanhado de Tom, que finalmente tinha achado um tempo para ajudá-lo com o telhado.

— Ei, Abigail. Bom dia. — Ele sorriu. Conhecia a mulher há muitos anos. Ela tinha ajudado-o a tomar um rumo na vida. — Posso roubar a por uns minutos?

O sorriso de vacilou, mas depois das usuais provocações de Abigail, às quais ele não deu muita atenção, a mais velha deu uma desculpa qualquer e atravessou a cortina de conchas para ir aos fundos da loja, deixando os dois sozinhos. Ele se aproximou do balcão e a olhou de cima a baixo.

— Você está bem?
— Sim. Eu queria te agradecer pelo chá, . — Ela corou, envergonhada. Que idiotice, pensou, a culpa nem mesmo é minha.

Ele anuiu, seus olhos se demorando nas feições dela, como se quisesse garantir que ela estava mesmo bem. O momento foi arruinado por Tom, que apareceu, sorrindo, na porta da loja.

— Oi, . — Ele sorriu para ela. — , pare de namorar e vamos logo consertar esse telhado. Eu tenho mais o que fazer.
— Oi, Tom. — Ela o cumprimentou.

Os dois homens saíram andando, depois de se despedirem. Ainda assim, ela pôde ouvir quando Tom, com sua voz alta e chamativa, disse lá fora:

— Você tá fissurado nela, hein?

Abigail, colocando a cabeça através da cortina, riu.

— Nem tente. — disse, antes mesmo que a outra abrisse a boca.

Duas noites depois, quando tocou a campainha, ficou surpreso em vê-la. Ela o olhou, um tanto ansiosa. Não queria transparecer segundas ou terceiras intenções indo ali. Ela levantou uma bolsa de papel.

— Eu trouxe uma coisa pra você. Posso entrar? — Ele lhe deu espaço, enquanto ainda debatia, internamente, sobre estar ou não fazendo algo sensato. — E o telhado?
— Como se fosse novo. — fechou a porta, olhando-a. Estava um tanto surpreso por ela ter aparecido ali, já que ela parecia evitá-lo sempre que o encontrava.

Até mesmo sua pose parecia um tanto rija. ficou parada por alguns segundos, as costas muito retas e os pés juntos, olhando ao redor por um momento. Ele decidiu que a tortura era demais.

— O que você veio fazer aqui, ? — Seus olhos se voltaram para ele e ela tirou um pote da bolsa.
— Eu trouxe um pouco de caçarola para você. — O entregou nas mãos dele. — E vim me desculpar.
— Você não tem que se desculpar por nada. — Ela anuiu. Seu sorriso parecia forçado.
— Eu sei. Eu vim me desculpar porque eu quero. Quero conversar com você. — Ele concordou, o que poderia fazer se estava curioso? Indicando o caminho, gesticulou para a sala.

não sabia porque a opinião dele era tão importante. Na verdade, mal sabia direito quando parara de detestá-lo e começara a vê-lo como um amigo. Talvez mais do que isso. O que sabia era que depois de uma longa conversa com sobre o passado dele, o qual a amiga não revelou detalhes, mas adiantou que ambos tinham muito em comum, ela tinha se tornado ainda mais decidida a conversar com ele. Talvez ajudasse falar com outra pessoa que tinha passado por uma situação parecida. Ela queria saber quando seria tão despreocupada quanto ele, quando poderia rir com tanta facilidade e quando pararia de esperar que a achasse.

Ela se sentou no sofá, ele fez o mesmo e a observou. parecia insegura, apesar de ter chegado ali com um tantinho de determinação no olhar.

— Eu não achei que você fosse me machucar. — Ela iniciou, depois de respirar fundo. — Achei que alguém fosse me machucar… Mas não você, especificamente. — Ela buscou algum apoio na expressão dele, que era de um choque ameno. — Eu sou casada. — Ela confessou.
— É por isso que você está em celibato?

Levou algum tempo para que falasse novamente. a observou, pensando no motivo que a teria levado a confessar aquilo. Será que ela estava assim tão necessitada de alguém para conversar? Ou será que ela apenas queria se explicar por alguma outra razão? Ela voltou a falar:

— Sim e não. Eu não devo lealdade alguma ao . — Ela o olhou. — Não é por isso que eu não quis sair com você ou com o Keith. Eu prometi a mim mesma que jamais ia me relacionar com outra pessoa. Foi… Doloroso. — Sua respiração tinha saído trêmula, mas ela prosseguiu. — Mas eu não quero que tenha pena de mim.
— Eu não vou ter pena de você. — Seu tom de voz foi solene. Aquilo pareceu acalmá-la. Ela sorriu, mas não convenceu nem a si mesma.
— Eu não… Eu não quero ser sempre vista como uma vítima. — Ele se aproximou dela, mas, dessa vez, não se assustou. — Eu o conheci quando era ainda muito boba, sabe? — Ela notou que estava chorando e limpou as lágrimas. — Meu pai tinha uma lanchonete perto de Seattle. Era pequena, só tinha dois funcionários além da minha mãe e eu. — Ela começou. — Quando a minha mãe morreu, eu passei a cozinhar e servir as mesas. Então, a gente não tinha muito dinheiro e eu acabei não indo pra faculdade. Um dia, ele apareceu. Eu tinha acabado de fazer 20 anos. O carro dele quebrou e ele estava sem bateria no celular, pediu para usar o nosso telefone. Nós só nos falamos por uma hora e eu tive certeza que ele era o meu príncipe encantando. — parou para respirar e encontrou a mão de estendida. Ela pôs a mão na dele. — Todos os dias depois daquele, ele voltou na lanchonete para que a gente conversasse. Sempre me levava um buquê de flores ou chocolates. Durante três meses, nós só conversamos. Depois disso, nós fomos no nosso primeiro encontro. Eu dei meu primeiro beijo com ele. Ele foi o meu primeiro em tudo que você possa imaginar. Algum tempo depois, ele pediu a minha mão ao meu pai e eu implorei para que o meu pai me deixasse ir. Nós nos casamos no final do ano.

apertou a sua mão, delicadamente, como se ele quisesse lhe passar força.


— Eu não terminei. — Ela sorriu. — Preciso que entenda isso depois do que aconteceu entre nós porque… Porque eu quero ter algo com você, se você quiser. — anuiu. Ela suspirou e retomou a narrativa. — A primeira vez que ele me bateu foi depois que completamos um mês de casados. Fizemos um jantar e ele achou que eu estava me insinuando pro irmão dele. Naquela noite, eu adormeci enquanto tentava chorar silenciosamente para ele não acordar. No dia seguinte, ele me comprou flores e chorou pedindo que eu não o deixasse. Disse que nunca mais faria isso de novo se eu não o provocasse. E eu achei, genuinamente, que era minha culpa. Todas as vezes, ele fazia com que eu me sentisse culpada, dizendo que jamais arrumaria um marido como ele. Que ninguém aceitaria uma estúpida pobretona como eu, que eu devia apenas deixá-lo me amar… E eu abaixava a cabeça e chorava baixo para não irritá-lo mais, porque, se eu o irritasse, então eu teria um olho roxo pela manhã, ou mais. Os empregados simpatizavam comigo, mas não perderiam seus trabalhos por mim. E meu pai, deus o abençoe, ele tentaria encarar e isso o mataria. Então, eu fiquei em silêncio. Isso aconteceu por cinco anos. No ano passado, quando ele foi trabalhar, eu dispensei os empregados, deixei um bilhete e reuni o dinheiro que eu tinha conseguido vendendo algumas joias. Chamei um táxi, fui até a rodoviária e comprei uma passagem de ônibus. E mais outra e outra… Até que cheguei aqui. O manipulava os meus sentimentos. Ele fazia com que eu me sentisse culpada pelas coisas que ele fazia. Eu sempre pensava que não deveria ter dito isso ou feito aquela outra coisa. Quando ele gritava, eu me encolhia e esperava que ele se acalmasse. — Ela franziu a testa, respirando fundo. Sua voz estava embargada. — Eu fazia sexo com ele porque isso o deixava calmo, mas eu nunca… — Ela abanou a cabeça. — Eu nunca senti prazer com ele. Ele fez de mim o que bem quis. E eu ainda me sinto envergonhada quando penso em como ele me fez de fantoche… Ainda estou lutando contra isso.
— Então… O que aconteceu no domingo… — Ela sorriu tristemente. — Caramba, , eu não imaginava que…
— Tudo bem. Eu quis beijá-lo. Você não me forçou a nada. Eu quis saber se… Se podia ser diferente com outra pessoa.

Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos. o quebrou.

— Eu posso abraçá-la? — Ela anuiu.

Quando os braços fortes dele a circundaram, inicialmente se sentiu em pânico, mas respirou fundo. cheirava diferente. O toque dele era diferente. Ela se acalmou. Abraçou-o de volta e escondeu o rosto na curva do pescoço dele. E ele sentiu na pele as lágrimas quentes que vertiam dos olhos dela.

Por muito tempo, permaneceram abraçados. Ela serenou, finalmente, e mesmo quando ele beijou a sua testa, não sentiu vontade de correr. Ela só se sentiu… Em paz. não sabia como alguém era capaz de machucar outra pessoa daquela forma. Ele jamais machucaria .

Seu pai tinha sido como o marido dela. Batia na mãe dele quando estava bêbado – o que era quase sempre. Gastava todo o dinheiro com bebidas e eles só sobreviveram porque começou a trabalhar bem jovem. Quando a mãe morreu, foi a vez do garoto servir como seu saco de pancadas. Até que, um dia, ele revidou. Era mais alto que o pai, mais forte, estava sóbrio. O velho foi parar no hospital e depois daquilo nunca mais se falaram. O pai evitava vê-lo e ele correu para a faculdade, que ele mesmo pagou, para sair de casa.

— Sabe por que ninguém a rejeita aqui? — Ele atraiu a atenção dela, que o olhou nos olhos e esperou que ele falasse. — Porque a maioria das pessoas que vê aqui não nasceram em Redwater Bay. Eles fugiram para cá, como você, em busca de um lugar pacífico para viver. Redwater é um refúgio para pessoas como eu e você, . Vou te mostrar uma coisa.

tirou sua camisa. A princípio, não entendeu, quase o mandou vestir-se de novo. Ela viu, no entanto, depois de uma inspeção mais cuidadosa, pequenas cicatrizes ao longo de seu torso.

— Meu pai. — Ele respondeu calmamente.
— Quando você parou de ter medo? — Pobre mulher. Ele imaginava como ela devia se sentir.
— Quando eu saí de Redwater. — Ela o olhou e tocou uma pequena cicatriz circular perto de sua clavícula.
— Mas você voltou.
— O velho morreu. — Ele admitiu. — E eu voltei. Eu amo esse lugar, . Redwater é o meu lar.
— O meu também. — Ela encostou a cabeça no ombro dele e inspirou fundo seu cheiro. — Eu ainda sonho… Com as coisas que ele fazia.

Depois disso, eles ficaram em silêncio. dormiu com ele, mas foi apenas isso. Deitaram-se, lado a lado, e ela se sentiu segura enquanto a abraçava. Naquela noite, não sonhou com . Ela teve um sonho pacífico onde estava na praia, correndo com Winston.

You wont find me cause I'm not coming home


Duas semanas se passaram rápido. A sessão de autógrafos do livro de correu com sucesso e estava quicando de felicidade. Não só sentia que o relacionamento entre os dois era benéfico como também estava feliz pela publicidade que sua livraria tinha ganhado. Seus pais tinham ligado da Flórida, onde tinham ido morar depois de se aposentarem, parabenizando-a pelo sucesso.

As duas estavam, como faziam semanalmente, organizando o estoque. organizava as prateleiras de livros enquanto anotava os pedidos e as encomendas. , que tinha acabado de chegar de um banho demorado depois de passar o dia na capital, desceu com taças e uma garrafa de vinho para as três.

— Vamos comemorar. — Ela anunciou, sorrindo. — À minha incrível namorada que está fazendo sucesso e à incrível que finalmente quebrou seu voto de castidade.
— Eu não tinha feito um voto de castidade. — Mas ela riu, mesmo assim, e bebeu um gole do cabernet.

A primeira vez que fez sexo com , ele foi cuidadoso com ela. Cuidadoso, romântico e respeitoso. Eles estabeleceram limites e jamais os ultrapassou até que dissesse que ele poderia. Recentemente, tinham anunciado que estavam juntos. Abigail quase morreu do coração (mas desejou muita felicidade aos dois e deu-lhes um preparado de ervas para que fossem muito felizes), Tom sorriu e bateu o punho no de , Keith torceu a boca carnuda e bem desenhada, demonstrando seu desgosto e a sra. Woodberry foi até a botica lhe dar conselhos que , definitivamente, não tinha pedido.

A seu modo, todas aquelas pessoas tinham lhe desejado votos de felicidade. E ela estava feliz. Às vezes, tudo o que precisava fazer para se recuperar de um de seus pesadelos era virar para o lado e sentir o cheiro familiar de ou ter seus braços rodeando seu corpo, confortando-a. Os sonhos pararam, aos poucos. Tinha uma rotina bem estruturada e tinha adicionado e o cachorro a ela. Sem tempo, o tal evento com os fãs tinha passado. E, por isso, achou que estava segura. Estava enganada.

A primeira coisa que notou naquela manhã de quarta-feira foi que seu vaso de manjericão tinha se espatifado no chão da cozinha. Franziu as sobrancelhas, olhando a janela entreaberta. Depois, limpou a bagunça e achou um lugar para replantar sua muda. Não adiantava se martirizar pelo vaso de plantas quebrado. Depois da caminhada na praia, ela tirou as chaves do bolso da calça jeans, os sapatos pendurados em uma mão.

— Bom dia, .

Ao som daquela voz que aterrorizava seus sonhos, ergueu os olhos lentamente, esperando que fosse um sonho. Mas não era. estava impecável, bonito e bem-arrumado como sempre. Seu sorriso charmoso estava colado em seu rosto belo. O homem estava tal e qual ela o tinha deixado, quase um ano atrás. Ele a olhou de cima a baixo e apenas esse gesto a fez tremer.

— Achei que a encontraria pior. — Sua voz denotava todo o desprezo que ele sentia. — Entre.

Sua respiração se tornou mais acelerada, assim como seus batimentos cardíacos. Ela se virou para correr, mas tinha sido mais rápido, como sempre. Ele a segurou pelos cabelos, puxando-a em sua direção.

— Achei que fosse mais esperta que isso, já que achou um jeito de fugir de mim. — Ela sentiu o cheiro do perfume importado dele, suas mãos macias, mas que tinham um toque frio e brusco, a voz dele sussurrando em seu ouvido. Tudo isso a fez ter vontade de vomitar.
— Me solta! — Ela gritou, mas ele cobriu sua boca facilmente.
— Me convide para entrar, , é o mínimo que pode fazer depois de me abandonar de uma forma tão covarde. — Seu tom debochado, ele tomou a chave de sua mão enquanto a arrastava até a varanda.
— Você é o covarde! — Rebateu, muito embora estivesse tremendo e gelada.

Porta aberta, ele a jogou dentro do chalé e trancou a porta.

— Cidadezinha pitoresca, esta que escolheu.
— O que você quer aqui? — Ela levantou-se, lentamente, do chão, onde tinha sido jogada sem o mínimo de consideração.
— Não é óbvio? Vim levar minha esposa pra casa. — Ele jogou a aliança dela aos seus pés, a mesma aliança que ela tinha deixado na casa antes de fugir. — Eu encontrei isso junto de um singelo bilhete… — Tirou um papel do bolso e o desdobrou. — Não tente me procurar, não voltarei para casa. — Ele sorriu, lentamente. — Foi um pouco baixo da sua parte, você não acha? Fugir assim, enquanto eu estava fora…
— Eu não vou voltar. — Deu um passo para trás quando ele tentou se aproximar. O sorriso dele, que antes achava lindo, agora era permeado de crueldade. Aquele sorriso apenas se alargou ao vê-la se estabanar para afastar-se dele.
— Não, você vai, sim, querida. Vai voltar para casa porque eu sou o seu marido e nós temos um laço sagrado. Ou você não se lembra?
— Vá embora, . — Sua voz parecia mais um choramingo e ela percebeu, com atraso, que seu rosto estava lavado de lágrimas.
— Não, não chore agora. Veja, estou aqui. — Ele tentou se aproximar, mas ela repeliu a mão dele com a destra.
— Vá embora! — Seu grito era primitivo, algo gutural, como se pudesse ter saído de um animal ferido. E não era exatamente isso que era? Ele riu.
— Vou. Nós dois vamos. Você vai entrar naquela merda de carro e nós vamos voltar a Seattle. E depois vamos conversar sobre a sua punição por me deixar.
— Não! — Ele encurtou a distância entre ambos e a segurou pelos cabelos, imprensando-a contra a parede. choramingou de dor, mas não faria nada mais que isso porque sempre tivera a impressão de que seu medo apenas o deixava mais forte.
— Sim, nós vamos! — Ele gritou de volta, próximo ao rosto dela, e a observou chorar em silêncio. — Olhe para você. Ridícula, chorando dessa forma. Já se olhou no espelho? Você está ridícula e mal cuidada. — Segurando seu rosto, ele o virou de um lado a outro, analisando-a. — Patética.

Ela tentou empurrá-lo, mas suas tentativas tinham sido destramente rebatidas. Ele apenas usou de mais força para segurá-la no lugar e, uma vez que o pânico tomou conta dela, contê-la ficou mais fácil.

— Você está assim por um motivo. Quer saber qual? — Seu olhar foi de desafio, ou devia ter sido, mas não se importou. Ele aproximou o rosto do dela. — Porque está longe de mim. Eu vou acabar com o seu sofrimento. Nós dois vamos voltar para casa e você vai tomar um banho, tingir esse cabelo e colocar as suas roupas.
— Eu não quero… — Ele suspirou.
— Você acha que eu não me machuco vendo-a assim, meu amor? Acha que eu quero magoá-la? — Ela lutou contra um soluço, mordendo os lábios para que não chorasse alto e se comportasse como uma criança. — Eu não queria dizer aquelas coisas, , mas você me tirou do sério. Olhe, eu te amo. Entende? Eu te amo. Agora não discuta mais comigo.

Ele se afastou e limpou as lágrimas do rosto dela, ajeitando seus cabelos atrás de suas orelhas e segurando em seus ombros ternamente.

— Vá e faça as malas.

Ela ficou para, encarando-o. Aquele era o homem que a tinha quebrado, fosse na carne ou no espírito. Ele a fez achar que ela não era digna de ser amada. Ele a controlou em cada aspecto que podia, desde seu comportamento até a sua aparência. Ele a ridicularizou na frente da família e dos amigos. Ele fez com que ela se deitasse com ele, mesmo que ela não quisesse. Ele a afastou de seu único familiar, seu pai, dos amigos e de qualquer pessoa que o antagonizasse. E agora ele a queria de volta, para ter sua bonequinha novamente. Para ter alguém em quem mandar novamente. Para que ele se satisfizesse com o medo que lhe causava, com a sua violência, com a sua perfídia. Para que ele a corrompesse de todas as formas que pudesse imaginar… Porque ele dizia que a amava. E, em nome desse suposto amor, ela podia ter aceitado muitas coisas… Mas não faria isso de novo.

respirou fundo e alinhou os ombros. Então ela o olhou no fundo dos olhos e disse a única palavra que tirava do sério.

— Não. — Aquilo fez com que ele se virasse lentamente.
— Não? — Ela concordou. — Então você prefere fugir de mim?
— Eu vou fugir de você sempre que puder, enquanto eu respirar. — Ela enunciou bravamente. Seu coração batia com força contra as suas costelas, mas ignorou a crescente onda de pânico que ameaçava engolfá-la.
, você vai voltar comigo, não importa o que eu tenha que fazer. — A fachada dele caiu. Seu rosto estava avermelhado e sabia que ele estava a um passo de surrá-la.

Mas também sabia que aquela era a sua casa, o seu santuário e que nada que ele fizesse mudaria isso.

— Eu não vou! — Ela chorava, ainda, mas não estava mais choramingando como uma criança. Sua voz soava alta e cada palavra era cuspida com mais ferocidade que a anterior. — Eu não vou voltar! As coisas que você fez comigo… Você acha que eu vou voltar? — Ela riu, mas não havia humor em sua risada falsa. — Então você ficou nervosinho porque descobriu que eu finalmente tive a coragem de te deixar? Porque eu mostrei que sou mais forte do que você achava que eu seria? — A mão dele voou na direção de seu rosto.

Ela sentiu o gosto do sangue espalhar-se por sua boca imediatamente. Mal teve tempo de reagir e ele a tinha jogado contra a parede. Ela sentiu o corpo doer, mas manteve-se firme nos pés e não caiu como antes.

— Como você se sentiu quando viu a casa vazia? — continuou, virando-se para olhá-lo. Aquele era o verdadeiro . Descabelado, com o rosto vermelho de fúria, o terno desalinhado e a insanidade pintada nos olhos. Aquele monstro era ele. — Quando viu que eu não voltaria para casa?

Ele se preparou para um novo golpe, mas ela foi mais rápida e acertou-lhe o vaso de cerâmica na mesinha ao seu lado, espatifando-o contra a cabeça dele. E porque aquela era a sua casa, ela correu na direção dos fundos, enquanto ele xingava.

tinha cometido um erro fatal: confrontá-la em seu próprio território. E estava prestes a descobrir seu segundo erro: subestimá-la. tinha sentido o gosto da amizade, do respeito, de como a vida poderia ser e do amor verdadeiro. E ela lutaria com unhas e dentes para ter tudo aquilo. Uma vez que conhecera a liberdade, jamais podia voltar ao estado de medo e constante insegurança que era viver com um homem tão volátil e temperamental.

Ela fechou a porta ao passar pelo corredor e foi direto até a cozinha, onde abriu a porta de correr. Ela o viu correr atrás dela e correu ainda mais na direção da casa de Abigail. já tinha tirado muita coisa dela. Tinha tirado sua vontade de viver, tinha tirado seus sonhos, sua alegria. Ele tinha sugado, aos poucos, tudo de bom que havia nela. E ela não o deixaria continuar com seu vampirismo. O celular podia ter caído no meio da briga, mas Abigail a ajudaria.

A casa de sua chefe ficava a menos de cinquenta metros de sua cabana. Antigamente, ali morava o caseiro da propriedade, mas Abigail tinha lhe cedido o lugar prontamente. O aluguel era diretamente descontado de seu salário e, mesmo assim, o preço era muito bom. Por isso, quando ela viu a casa surgir diante de seus olhos, pensou que finalmente estava tudo acabado.

Só que não tinha ido até lá apenas para voltar de mãos vazias e com o rabo abanando. Ele a puxou pelo braço, interrompendo sua corrida. Seu corpo parecia estar disposto a ceder, também, porque seus membros pareciam pesados e sua respiração sôfrega não a ajudava em nada. Ele puxou a cabeça dela, com força, pelos cabelos e a forçou a encará-lo. Quando ele abriu a boca, ela o surpreendeu ao erguer a voz.

— Vá em frente e me leve embora. Faça o que quiser comigo. Eu vou fugir de novo. E eu vou me esconder melhor. Porque a única coisa que você faz, , é me deixar mais forte e mais esperta para me manter bem longe de você. — Ela cuspiu no rosto dele, aproveitando a distração para empurrá-lo.

estava certo. Se alguém tentasse machucá-la, ela não poderia esperar que eles fizessem isso. caiu, sujando seu terno de dez mil dólares. E quando ela achou que poderia chamar Abigail, viu a sua chefe em um roupão de cetim verde limão, uma pá nas mãos e gritou quando ela acertou seu marido na cabeça, desmaiando-o.

Abigail olhou para ela e sorriu de um modo matreiro.

— Ah, fique calma, eu não o matei. Ele só vai ter uma baita dor de cabeça quando acordar.

Duas horas depois, ela viu irromper pela porta da delegacia com o semblante sonolento de quem tinha acabado de acordar. Embora costumasse acordar cedo, ele tinha ficado acordado até tarde enquanto resolvia as pendências geradas pela sua mudança a Redwater. Ele parecia nervoso e sua expressão apenas se suavizou quando ele a viu, machucada, sim, mas sentada com os ombros eretos e um copo de café na mão.

— Você está bem? — Ele a abraçou, tomando cuidado para não apertá-la demais e causar-lhe dor. Apesar do rosto inchado e machucado, sorriu.
— Sim, eu vou ficar bem melhor agora que ele está preso.

deixou um suspiro escapar de seus lábios.

— Ainda dá tempo de retribuir o favor que ele te fez? — O sorriso dela se apagou lentamente. Ela ainda parecia encabulada quando respondeu:
— Acho que Abigail cuidou disso. — O casal se virou quando ouviu a aproximação do xerife.
— Eu vou transferi-lo ainda hoje. Já liguei para a polícia da capital e eles estão prontos para recebê-lo esta tarde.
— Obrigada, Keith. — Ele anuiu, pousando as mãos nos bolsos da calça.
— Como ele te achou aqui? — a perguntou e ela se virou para Keith, porque embora imaginasse que ele tinha contratado alguém para a achar, não sabia como ele a tinha localizado.

Keith respirou fundo, olhando longamente para os dois e então tomou a iniciativa de falar.

— Pelo que eu entendi, ele contratou alguém para localizá-la. E isso os levou a ver uma foto sua na sessão de autógrafos do , na internet. Ele conseguiu localizá-la dali e então veio para cá na barca. Mas, agora, vai voltar para a capital na prisão.

pareceu culpado, mas apenas apertou sua mão e sorriu. Ela tinha ido porque ele a pediu, mas encarava isso, agora, como um fato que desencadeou uma cadeia de eventos que, finalmente, a libertou. Ela estava livre, ao contrário de .

— Tudo bem, está tudo bem agora. Ele vai ficar preso, não vai?
— Vai, claro. — Keith respondeu com sua voz grave, franzindo a testa. Então, ele se virou para .
— Cuide bem dela, , que eu cuido daquele ali.
— Acho que ela sabe se cuidar. — sorriu para a mulher ali, que sorriu de volta para ele.

Aquela era a diferença entre os dois homens, pensou enquanto entrava na caminhonete de . Brando a subestimava, reconhecia sua força. E era preciso uma quantidade absurda de força para livrar-se de seus medos, como ela tinha feito, e impor-se daquela forma. Ele admirava aquela mulher. A que conheceu assim que chegou na ilha jamais seria capaz de algo assim. E ele se sentia privilegiado de vê-la crescer. Esperava que ela continuasse a crescer, mas, antes, queria tirar algo de sua mente.

se virou para ele quando o ouviu assoviar para chamar sua atenção.

— O que foi?
— Você me disse, antes, que seu casamento durou cinco anos. Por que você esperou cinco anos para fugir dele? — De início, ele a viu desviar os olhos e respirar fundo. — O que aconteceu que foi o estopim?
— Eu descobri que estava grávida. — Ela sorriu de modo triste. — Eu podia até não me defender, mas eu me senti responsável por aquele bebê a partir do momento que eu soube. Então eu fugi, mas… — Ela deu de ombros. — Acho que não era pra ser.

Por alguns segundos, apenas continuou dirigindo em silêncio. Então ele a olhou e sorriu.

— Nós ainda temos muito tempo para tentar novamente.
— Nós? O que quer dizer, ? — Ela retribuiu o sorriso com um menor, mas, ainda assim, ficou feliz em vê-lo.
— Primeiro, nós vamos ao hospital cuidar de tudo isso. — Uma vez que ela já tinha feito os exames e tirado fotos para o inquérito policial, fez uma careta. Não queria ver médicos. Queria sua cama e uma caneca de chá de erva-cidreira. — O que acontecer depois é lucro.
— Você quer dizer que quer formar uma família comigo, ?
— Espero que não esteja me pedindo para ser o pai dos seus filhos, , nós só estamos namorado há duas semanas e mesmo que eu seja um ganhador da loteria genética, sou um homem de família que gostaria de casar antes de tudo.
— Eu não te pedi nada, foi você que se ofereceu!

riu e abanou a cabeça, pondo a mão na coxa dele. O que o futuro a reservava, ela não sabia. Mas sabia isso: que as coisas iriam apenas melhorar. Ela tinha ido ao fundo do poço e voltado como uma campeã, mais forte do que antes. E se as coisas não dessem certo com , ela sempre poderia tentar de novo, com outra pessoa. Não tinha mais medo de amar. Não tinha mais medo de . Não tinha mais medo de reagir. era uma nova pessoa e nenhum homem lhe tiraria o sossego novamente. Essa era a sua nova promessa para si mesma: tornar-se mais forte do que antes, sempre.


¹ Ebenezer Scrooge, personagem principal de Um Conto de Natal.


Fim



Nota da autora: E saiu. Escrever esse ficstape foi maravilhoso, principalmente porque é uma das minhas músicas preferidas desse álbum, espero que gostem. Foi uma história extremamente gostosa de escrever e eu espero que vocês possam apreciá-la como eu. Um grande beijo a todas as meninas do ficstape!



Outras Fanfics:
Fortune Teller (Outros - Finalizada)
The Swan Dive (Restritas/Outros - Em Andamento)
Mixtape: Coisas Que Eu Sei (Awesome Mix: Vol 6 “Brasil 2000’s” – Finalizada)

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