Última atualização: 18/12/2016

“You can stand beside the madness like a falling tear, you can hold onto the sadness like a souvenir, or you can close your eyes and see your life, like the air.”




Capítulo Único


O despertador soou, irritante e eu bati a mão sobre o mesmo tentando inúltimente fazê-lo parar. Levantei-me com dificuldade ainda com sono e desliguei o despertador enfim escutando o silêncio que eu tanto apreciava.
Saí do banheiro terminando de enxugar o rosto com a toalha vermelha – minha cor preferida – e depositei-a no cesto de roupas sujas que ficava no corredor. Caminhei até a cozinha e fitei o retrato de minha mãe sobre o balcão. Que saudade eu sentiria hoje! Não que eu não sentisse, aliás, eu sentia todos os dias, mas hoje eu sentiria mais. Quatro anos sem vê-la, sem poder abraçá-la, sem poder dizer que a amo.
Senti os olhos marejarem e balancei a cabeça, espantando aquelas malditas lembranças da minha mente... Olhei o celular, havia uma chamada perdida do meu pai.
Revirei os olhos, ele não se cansava de me ligar todo o santo dia para me encher o saco! E nos aniversários de morte de mamãe ele fazia questão de sempre falar dela como se a culpa de sua morte fosse minha por tê-la feito se separar, como se morar comigo houvesse sido sua ruína. Acho que meu pai nunca soube o que significa a palavra respeito, afinal de contas ele nunca respeitou a memória da minha mãe. Aliás, ele nunca respeitou a minha mãe nem em vida.
Meu pai era o que podia definir como um machista do caramba. Minha mãe nunca pode trabalhar “porque lugar de mulher era em casa cuidando dos filhos”, minha mãe não podia pintar as unhas ou cuidar de si, porque isso era “querer se mostrar para outros homens”. Sinceramente eu nunca soube como ela aguentou por tanto tempo.
Liguei de volta, o telefone chamou, chamou, chamou e quando eu ia desligar, ouvi a voz do meu pai dizer “alô”.
- Posso saber a que devo a honra?
- Bom dia, filhão! – adorava quando ele me chamava de filhão, mesmo sabendo que nossa relação para mim era quase nula.
- E ai?
- Como “e ai”? Fala direito com o seu velho! Não é assim que vocês nativos falam ai?
Eu respirei fundo enquanto cerrava os olhos.
- Nativos? Pai, por favor! Será que você nunca vai parar com isso?
- Não enquanto você não voltar para cá, não tomar posse do que te pertence!
- Nada ai me pertence! Eu tenho tudo o que eu preciso aqui! Tudo o que de fato é meu, está aqui!
- Tipo o quê? Essa casinha medíocre? Essas coisas que você chama de arte, que mal dão para você pagar sua energia e água?
- Eu nunca reclamei! Você pode, por favor, me deixar em paz? Pelo menos hoje!
- Não, eu não posso!
Bufei alto, enquanto escorava minha testa na parede gelada.
- Não quer nem vir passar o natal comigo e seus irmãos?
- Eles não são meus irmãos! São apenas seus filhos! Olha pai, eu tenho que desligar agora. Preciso sair.
- Sua mãe deve estar decepcionada pela forma com que está me tratando!
- Não quero falar sobre ela com você! De todas as pessoas do mundo com quem eu falaria sobre ela, a última delas seria com você! Você nunca a mereceu! E ela se divorciou de você tarde! Você é um sanguessuga, um maníaco, um psicopata!
- Você me deve respeito, ! Eu continuo sendo seu pai!
- Você nunca foi! Nunca! Eu vou desligar, ok? Se precisar falar comigo sobre qualquer outra coisa que não seja tentar fazer com que eu me torne você, ou sobre a mamãe, ai sim você pode me ligar. Caso contrário esqueça que eu existo como eu faço a maior parte do tempo com você, !
- , você não pode falar comigo assim, sou seu pai e ponto final!
E desliguei a ligação... Não queria ouvir uma palavra a mais ou a menos do que aquele homem tinha para falar.
Hoje era um dia só meu. Por mais que fosse difícil e doloroso, já haviam se passado quatro anos desde a morte de mamãe, e eu estava tocando a minha vida.
Abandonei tudo quando tinha 20 anos, e mamãe tinha essa casa no litoral. Ela a passou para o meu nome e eu me mudei com ela para cá. Assim que ela se divorciou, nós corremos para cá para tentarmos enfim viver a vida que sempre sonhamos.
Mas hoje, sem ela, eu confesso que vem sendo cada vez mais difícil. Sentei-me em uma das poltronas enquanto fechava meus olhos, lembrando-me da ultima vez que a vi: segurando forte a minha mão, ela me disse para nunca desistir.
E eu não posso!

***


“You can tap into the strength you never knew you had, you can breathe into your faith no matter where you're at. Just close your eyes and change your life, like the air!”


Peguei minha prancha, alguns cadernos, meus lápis e saí. Precisava ir até a praia, precisa de inspiração. Eu estava machucado, era como se a ferida ainda não cicatrizada começasse a sangrar de novo.
Seite-me com a minha prancha ao lado e comecei a observar as pessoas que passavam pela praia. Naquela época a orla começava a ficar cheia, os turistas começavam a chegar e era a época onde eu conseguia vender um pouco mais.
Eu costumo dizer que vender meus desenhos não é um trabalho, eu apenas ganho por fazer o que eu gosto. Então divido meu tempo entre fazer os desenhos, pintar telas e fazer alguns utensílios de madeira, como estátuas e alguns brincos ou colares.
O meu pai está certo em 80% quando diz que o dinheiro mal dá para me sustentar. Eu só não gosto quando ele menospreza daquele jeito o meu trabalho. Aliás, metade da população mundial menospreza, eles nem consideram isso como um trabalho.
Meu pai especificamente acha que sou um vagabundo que abandonou a faculdade para ficar à toa. Mas não é isso, eu simplesmente nunca gostei de ter horário para fazer as coisas, eu nunca gostei de alguém ditando regras sobre o que eu devo ou não fazer da minha vida.
De dois a três anos para cá, as coisas estão mais difíceis, mas eu amo desenhar e trabalhar com a madeira. É o que me acalma, e é o que eu faço de melhor na vida. Nunca encontrei algo que me desse tanto prazer e satisfação. Além do mais, eu faço meus horários, não preciso dividir meu dinheiro com ninguém e trabalho na praia, que é outra coisa que eu amo.
Abri em uma página em branco e busquei por alguém na praia que pudesse me inspirar.
Quinze minutos se passaram e nada, minha mente não conseguia se fixar em algo que me trouxesse um resquício sequer de inspiração para um desenho.
Será que eu deveria ter trago a tela e as tintas e ter tentado pintar algo ao invés de desenhar?
- Moço, pode, por gentileza, ficar de olho nas minhas coisas enquanto eu dou um mergulho rápido?
Virei minha cabeça na direção da voz da garota que se aproximou e MEU DEUS! De onde ela era? Ela nem parecia ser desse mundo. Que boca era aquela? E que corpo era aquele? Parecia uma sereia.
Espera! Uma sereia? Isso, uma sereia! Como eu nunca havia pensado nisso antes? Tantos anos desenhando e eu nunca havia desenhado ou pintado uma sereia!
Sorri de canto enquanto eu voltava a fitar o mar.
- Hey! – senti a moça me cutucar com o cotovelo – Você vai olhar, ou não?
Fitei-a novamente nos olhos castanhos, e continuei sorrindo.
- Pode ir lá mergulhar, suas coisas estão seguras comigo, senhorita... - dei brecha para que ela pudesse me dizer seu nome.
- .
Ela levantou-se, deixando o par de chinelos azuis ao meu lado. Observei a bela morena caminhar – quase correr- de encontro ao mar, e a observei por longos segundos enquanto minha mente agitada pensava em várias formas de desenhá-la em todas as minhas folhas em branco. Meu Deus, como ela era linda!
Engoli seco, enquanto começava o rascunho do desenho. Comecei com a cauda, que provavelmente seria dourada porque era aquela cor que definitivamente combinava com ela. Pra desenhar o rosto, eu precisaria estar mais perto, observar cada detalhe. E eu não me importaria de analisar cada milímetro daquele rosto lindo.
A cauda estava quase pronta quando ouvi-a me agradecer, então me virei para finalmente poder observar aquele rosto.
- O que foi? – deu de ombros. – O que está fazendo ai com esse caderno? Não vai surfar?
- Preciso terminar uma coisa antes. E preciso de você para terminar.
- De mim? Nem nos conhecemos.
Ela ergueu uma sobrancelha.
- Sou . Prazer, .
Entrei em seu joguinho e também lhe disse somente meu sobrenome.
- Prazer! – ela segurou minha mão. – Precisa de mim para que mocinho?
- Para finalizar esse desenho.
Virei meu caderno em sua direção, e ela fez uma expressão de espanto.
- Uau! Fantástico! Posso ver mais de perto?
Entreguei a ela meu caderno, ela dedilhou o desenho como se pudesse sentir as escamas, e eu sorri.
- Parece real, acredita?
- Mesmo? – me aproximei mais dela, limpando minhas mãos no short que vestia logo em seguida. – Quero que ela tenha o seu rosto.
Ela começou a gargalhar, o que me deu mais vontade ainda de que aquela sereia tivesse o seu rosto, voz, cheiro, cor...
- Você quer que eu pose para você, é isso?
- É exatamente isso.
- E o que eu ganharia? – ela ergue uma sobrancelha.
Abrir minha boca para lhe dizer que ela não ganharia nada, além do desenho, mas ela me interrompeu.
- To brincando! Escuta, pode ser aqui na praia mesmo? Por que a gente não se senta ali naquele bar, conversa, se conhece primeiro e aí sim eu decido se vou ou não posar para você?
- Eu topo. Até porque eu não vou aceitar um não como resposta. Essa sereia precisa ter o seu rosto.
Ela gargalhou mais uma vez enquanto eu me levantava, e eu sorri.
Tomara que o jogo vire para o meu lado.

***


“The earth can pull you down with all its gravity, and the measure of your worth is sometimes hard to see. So just hold on, when the night is done, like the sun...”


- . – eu estendi a mão em sua direção depois que nos sentamos.
- . – ela sorriu e apertou minha mão com firmeza. – E o que você faz da vida além de desenhos de desconhecidas na praia?
Eu sorri sem mostrar os dentes para , eu sabia que ela estava desconfiada de mim. Quem não estaria. Um cara que você nunca viu na vida, de repente fala que precisa desenhar uma sereia com o seu rosto.
- Eu vivo apenas da minha arte, senhorita . Pinto telas, faço trabalhos com madeira. Essas coisas.
- Ah, então você é hippie.
Revirei os olhos, rezando para que ela não notasse, então respirei fundo e comecei a explicar:
- Não sou hippie, sou artesão. Eu tenho moradia fixa, eu uso roupas normais, eu tomo banho e não uso maconha. Aliás, eu detesto aquele cheiro e a vibe é horrível.
- Uau. – ela gargalhou enquanto tomava o cardápio das minhas mãos. – Um artesão. Não precisa ter preconceito com os hippies.
- Eu não tenho. Sou amigo de vários que já passaram por aqui. Inclusive já trabalhei com alguns. São muito honestos. Eu só estou dizendo a verdade, eu não sou hippie. Apesar de o meu pai afirmar com toda a segurança do mundo que sou, e que abandonei a família para viver como nativo em uma ilha porque eu simplesmente não queria fazer faculdade e trabalhar. Trabalhar que nem gente normal. O meu pai sim é preconceituoso.
- Pelo visto vocês não tem uma boa relação. E sua mãe?
Engoli seco ao ouvir aquela pergunta: E a minha mãe?
- Quero fazê-la orgulhosa de mim algum dia. – dei de ombros enquanto batucava na mesa com as pontas dos dedos.
- Ela pensa como o seu pai? – aprofundou a conversa.
Droga, era tão difícil falar sobre ela.
- Não. – respondi apenas.
assentiu com a cabeça e depositou o cardápio sobre a mesa.
- E você? Está sozinha? Onde estão seus amigos?
- Todos em São Paulo. E minha família também.
- Veio passear sozinha? Já sei! Terminou o namoro de anos, quis conhecer lugares novos para esquecer-se das decepções, e resolveu vir sozinha para colocar a cabeça no lugar.
Pisquei e nós dois rimos.
- Não! Eu fui transferida para cá. Sou bancária, recém-formada em ciências contábeis. Eu era estagiária, meu contrato havia acabado, e para ser efetivada eu tive que largar tudo lá para ser transferida para o único banco que tinha vaga.
- Muito corajosa você. – sorri.
- Olha só quem fala! Você fez o mesmo! E sem o apoio da sua família.
Ficamos nos encarando por alguns segundos, e então eu passei meus olhos por todo seu rosto, tentando decorar os mínimos detalhes para depois passar pro papel, mas minha mente não conseguia decorar nada porque outras coisas ficavam se passando por ela...
- Você trouxe algum desenho? Fiquei curiosa. Só pela cauda da sereia eu vi que seu trabalho deve ser incrível.
Fui interrompido pela voz suave dela, me tirando dos meus devaneios.
- Não tenho nada aqui. Mas se quiser, podemos marcar mais tarde, aqui na praia para eu te mostrar minhas coisas. Eu tenho que montar a barraca já, já mesmo.
- Pode ser. Vou adorar.
- Você não conhece ninguém por aqui? – me atrevi a perguntar.
- Só você. Meu único amigo por enquanto.
Eu sorri, e arqueei uma das sobrancelhas:
- E se eu for um assassino?
- Contanto que não me mate, tudo bem! – gargalhamos e o garçom chegou me cumprimentando com um toque de mãos.
Fizemos nossos pedidos, e conversamos um pouco mais sobre nossas vidas. Não contei a ela sobre minha mãe, e reparei que ela quase não falou da família. Achei estranho, mas perguntaria depois.
Engraçado como parecia que já nos conhecíamos há anos. Senti que éramos como amigos de infância que não se viam há anos.
Mais tarde, eu já estava com a barraca montada, finalizando alguns desenhos já começados eu a vi vindo em minha direção lá de longe.
Quando ela se aproximou de mim, tirou os óculos de sol do rosto e sorriu.
- Cadê seus cartõezinhos para eu começar a distribuir para o pessoal?
- Oi? – eu gargalhei. – Como assim? Eu não tenho cartões. – dei de ombros.
- Você não está sendo empreendedor, ! Como vai fazer propaganda da sua arte se nem cartões com seu telefone de contato você tem? E uma página no facebook? Perfil no instagram? Site?
Balancei a cabeça negativamente, me sentindo ridículo.
- Já vendeu quantas peças? – balancei a cabeça. – Nenhuma? , arruma suas coisas ai, vamos para sua casa. Precisamos fazer seu site, sua página no facebook, seu perfil no instagram e seus cartões.
- Ei. Calma. Você nem deu uma olhada nos produtos ainda.
- Vou ter muito tempo para olhar enquanto tiramos fotos deles. Vou te ajudar a desmontar, anda.
Caminhamos conversando e rindo até a minha casa, que não ficava muito longe da praia, e quando acomodei tudo dentro do cômodo onde ficavam meus produtos, eu vi observando o quadro que eu havia pintado de minha mãe, a partir de uma foto de quando ela era adolescente.
Senti meus olhos marejarem e eu já sofria por antecedência pensando no que falar caso ela perguntasse algo relacionado ao quadro.
Fechei meus olhos enquanto me virei para fingir que observava qualquer outra coisa no recinto, e então ela perguntou:
- Não sei como esse quadro não vendeu ainda. Tão sutil. Que mulher bonita. De onde veio a inspiração para pintá-la? Aliás, o seu pai já viu alguma das suas obras? Ele sabe o quão talentoso você é?
Joguei os ombros para baixo como se assim toda a energia ruim que estivesse pairando sobre nós pudesse ir embora, tomei coragem e encarei :
- Obrigada. Faz tempo que não ouço coisas desse gênero. – cocei a cabeça, levemente incomodado porém realmente muito feliz de ouvir aquilo de . – Meu pai nunca viu nada do que você está vendo. A cabeça dele é muito pequena para entender que talvez isso seja um talento.
- Posso começar tirando uma foto desse quadro?
- Não. Desse não, ele tem valor sentimental. Não está a venda. – engoli seco.
observou o quadro por mais alguns segundos.
- É sua avó quando mais nova?
Meu coração acelerou, e eu neguei com a cabeça, meus olhos marejados deixaram enfim as lágrimas descerem pelo meu rosto e eu me virei de costas novamente tapando o rosto com as mãos.
Me senti vulnerável demais naquele momento. A morte de minha mãe era uma coisa tão guardada dentro de mim. Eu não gostava de falar sobre o assunto com ninguém, me trazia muita dor.
Senti uma das mãos de apertar meu ombro direito, e eu chorei com ainda mais força.
- Vou deixar você sozinho. Chore o tempo que for necessário, quando sair eu vou estar lhe esperando na sala, ok?
Assenti com a cabeça enquanto limpava inutilmente minhas lágrimas.

***


“So even when your bones feel like weights and it's hard to lift the smile on your perfect face,you can still find a peaceful place. Close your eyes until you're floating up in outer space, it'll be alright, they're just jealous of your highs. So they can knock you down, but...”


Saí do quarto com a tela em minhas mãos e posicionei o mesmo em frente a :
- Pode tirar a foto. – minha voz ainda estava falha, eu ainda tinha vontade de chorar.
se levantou, pegou o quadro com delicadeza de minhas mãos e colocou-o no sofá.
- Você sabe que quanto mais guardar para você, pior vai ficando. Você mora sozinho, não conversa com seus pais, não tem amigos. Acha que isso é saudável?
Fechei meus olhos, sentindo minhas têmporas latejarem a cada palavra que saía da boca dela.
- Reparou que somos parecidos? Só tenho você aqui, e você só tem a mim no momento.
- Aquela do quadro é minha mãe quando era jovem.
- Não conversa com sua mãe há quanto tempo?
- Eu converso com ela todos os dias.
ficou em silêncio, e eu continuei.
- Minha mãe morreu de leucemia aos 42 anos. Hoje fazem quatro anos.
Senti como se alguém me desse uma marretada, então eu caí sentado no sofá, com em pé bem em frente a mim.
- Eu perdi meu pai. Há seis anos atrás. Um acidente de trabalho. Ele trabalhava em obras, e um dos prédios desabou matando ele e mais um monte de colegas de trabalho. Fiz terapia durante três anos e me ajudou bastante. Já pensou em procurar um psicólogo?
Fiz que não com a cabeça, e ela se sentou ao meu lado.
- Então pode conversar comigo. Todo o dia se quiser. Sei exatamente como é a dor que está sentindo.
Umedeci meus lábios e senti as mãos dela sobre as minhas, então a fitei dentro dos olhos, e senti que podia confiar nela.
- Como conseguiu superar? Porque sinceramente, eu me sinto tão vulnerável quando o assunto é esse. Já se passaram quatro anos, e ainda dói como se fosse o primeiro dia sem ela. E não há um dia sequer que eu não me lembre. E falar sobre isso faz doer ainda mais.
Minha garganta arranhava por sentir vontade de chorar outra vez, então eu balancei a cabeça outra vez.
- Eu superei quando eu finalmente entendi o que a morte significava, . Você só não tem a presença física da sua mãe. Mas ela vive em você. E você mesmo me disse que conversa com ela todos os dias.
- Mas é diferente. Eu... – suspirei e balancei a cabeça em negativa. – Dói muito, .
- Eu sei. Eu demorei muito tempo para falar sobre o meu pai sem chorar.
- Sem ela eu não tenho ninguém. Eu estou sozinho.
Ela segurou meu rosto entre as mãos.
- Não pense assim, ela ficaria muito chateada. Aliás, ela deve estar.
Olhamo-nos durante algum tempo, e eu me senti seguro, eu me senti vivo.
- O psicólogo realmente te ajudou? – questionei.
- Muito. Porque eu não tinha com quem conversar. Minha mãe não queria falar sobre o assunto porque ficou pior que eu. Eu tinha de ajudá-la, e para ajudá-la eu precisava me fortalecer.
Assenti com a cabeça.
- Sua mãe foi sua maior motivação.
- Consegue entender agora o que eu quero dizer? Falar a respeito vai te fazer se acostumar, vai te fazer entender, vai te dar forças. Guardar para você só vai fazer doer ainda mais. Outra coisa, não pense na morte dela todos os dias. Isso é uma tortura, acredite sei do que estou falando. E jamais, jamais perca a sua fé.
Assenti com a cabeça e vi se ajoelhou entre meio minhas pernas.
- Promete que vai pelo menos tentar? Por mim.
Eu sorri de canto, e assenti mais uma vez com a cabeça. Depositei um beijo demorado na testa dela.
- O que você quer fazer primeiro? Terminar sua sereia ou organizar as suas coisas para que eu possa tirar as fotos e montar seu marketing?
- Vamos começar logo isso, porque vai dar muito trabalho.
Nós dois nos levantamos e voltamos para o cômodo onde ficavam minhas peças.
- . – ela me chamou enquanto adentrava.
- Sim...
- Você é mais forte do que acha. E vai descobrir isso.
Fiquei encarando seus olhos castanhos, enquanto me perguntava se ela seria algum anjo enviado pela minha mãe para cuidar de mim ou algo gênero. Parecia loucura ela conseguir me acalmar daquele jeito, ela me trouxe a inspiração que eu havia perdido.

***


“Like the air you can rise from the rubble with your mind, you can hover. You can rise like the tide, like the heat it in the summer, yes, I know there are those who will wanna bring you down, but you can rise with your mind and make your higher power proud.”


Passamos o restante da tarde e da noite tirando fotos, montando as páginas de facebook e instagram, o site e todas as coisas que quis. Eu a deixei tomar conta de tudo, ela estava mais empolgada e parecia gostar do que estava fazendo. E preciso dizer que ficou tudo tão caprichado, ela fez com tanto empenho.
Deixei-a em seu hotel e nós nos despedimos com um abraço bem apertado que me fez ter vontade de nunca mais lavar a camiseta que usava, o cheiro dela estava impregnado lá. Aliás, o cheiro dela estava por toda a minha casa.
Droga! Eu mal a conhecia! Isso é ridículo, ela está apenas sendo solidária comigo, tentando me ajudar. Não vou misturar as coisas, vamos dar tempo ao tempo, certo?
Errado, eu acordei no meio na noite pensando nela. Levantei-me e acendi as luzes da casa, sentei-me no sofá com meu caderno, e voltei a dar vida á minha sereia.
Quando o dia amanheceu eu basicamente estava acordado já, eu mal havia dormido.
Quando sai para ir á praia montar minha barraca, acenava para mim enquanto corria afobada em minha direção, o que me fez rir.
- Bom dia, ! – ela depositou um beijo em minha bochecha e disparou. – Passei na gráfica e já imprimi seus cartões! Monte rápido essa barraca que eu já vou começar a entregar! Você trouxe as peças que combinamos não é? Se você tiver se esquecido do que combinamos vou ficar muito brava.
- Calma, . – eu ri enquanto a segurava pelo ombro. – Eu trouxe as peças combinadas, trouxe os cartazes com as promoções, eu trouxe tudo e inclusive trouxe um presente para você.
- Para mim? Ai meu Deus, o quê? – ela sorriu fazendo a praia se iluminar ainda mais.
- Primeiro vá distribuir os cartões, e no final do expediente eu lhe dou.
- Como você é malvado!
Ela me deu uma cotovelada de leve fingido estar indignada e ainda insistiu mais um pouco antes de se afastar. Montei a barraca e fiquei por pelo menos 10 minutos sentado enquanto as pessoas passavam, olhavam, elogiavam e iam. Até que uma senhora parou lá perguntando se eu era o , e eu disse que sim:
- Você trabalha com encomendas?
- Sim, senhora. Do que precisa?
- Preciso que você faça um desenho para mim. Tome, esta foto.
Ela me entregou uma foto daquelas antigas em preto e branco e eu observei o casal da foto, de mãos dadas se olhando com afeto.
- Para quando a senhora precisa? – questionei.
- Ah, meu querido, não tenho pressa. Para quando puder me entregar. Eu moro aqui. Eu era muito amiga de sua mãe, sou a dona da mercearia onde ela fazia as compras de vocês.
Engoli em seco, e então lembrei-me de e tudo o que ela havia me ensinado ontem, inclusive da promessa que eu havia feito a ela.
- Mesmo? Ela era uma mulher incrível, sabe?
- Ah, eu sei! Ela sempre deixava nosso entregador ficar com o troco quando podia. Ela falava tanto de você. Falava dos seus trabalhos, do quão talentoso você era com suas coisas. Do quanto cuidava dela e do quanto você era tudo o que ela tinha.
Sorri, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas, mas não chorei. Eu estava feliz em ouvir aquilo.
- A senhora prefere um desenho emoldurado, ou um quadro pintado a tinta?
- Quero o desenho em uma moldura linda. A mais linda que você tiver. Esse ai da foto é o meu marido. Quero fazer uma surpresa á ele.
- Vou caprichar. Pode me deixar seu telefone para eu lhe telefonar quando estiver pronto?
- Claro que sim.
Eu faria aquele desenho bem bonito, eu sabia que se contasse a minha mãe que ela havia me pedido um desenho minha mãe diria: “Faça o melhor desenho que puder filho, ela precisa ver o quão talentoso você é.” Era isso que ela me falava todos os dias.
Logo mais algumas pessoas começaram a se aproximar da barraca, com os cartões que havia feito em mãos, e eu mal pude acreditar. O efeito era rápido.
Eu mal estava conseguindo atender as pessoas e logo se aproximavam mais. Eu estava começando a fica atônito, então chegou já atendendo o restante das pessoas. Eu precisava agradecê-la por estar fazendo todos esses milagres.
Algumas horas mais tarde e eu já havia vendido quase todas as minhas mercadorias, e nós estávamos sentados na areia, exaustos.
Ela deitou a cabeça em meu ombro, e eu deitei a cabeça sobre a dela.
- Você precisa descansar, amanhã é seu primeiro dia no trabalho.
- Eu estou bem. Aliás, eu estou ótima! Foi tão divertido ajudar você aqui!
- Preciso te contar uma coisa que aconteceu um pouquinho antes de você chegar.
- O quê?
- Uma senhora que conhecia minha mãe veio até a barraca para me encomendar um desenho. E ela falou sobre a minha mãe.
- Como foi sua reação?
- Eu pensei em tudo o que você me falou, e lembrei que prometi a você que ia tentar. Foi difícil, mas eu não chorei.
- Você é forte, . Muito forte. E hoje sabe disso, eu aposto.
- Graças a você. Você é real mesmo?
Levantei minha cabeça e ela fez o mesmo. O rosto dela estava muito próximo, e isso era perigoso demais. Não posso fazer nenhuma besteira, preciso me controlar.
Ela assentiu a cabeça enquanto seu olhar descia para minha boca, e eu fiz o mesmo. Ah, droga, aquela boca! Umedeci meus lábios e senti a mão dela invadir minha nuca e então nossas testas estavam coladas, a boca dela se encostou a minha e eu cedi, dando inicio a um beijo lento que pareceu me tirar do chão, eu estava flutuando.
Foi como se de repente eu estivesse em chamas. As mãos dela puxavam levemente meus cabelos e eu a segurava pelo rosto, aprofundando o beijo desejando ela nunca me soltasse.
Mas ela me soltou, e eu não sabia aonde enfiar a cara, então me levantei e comecei a juntar algumas coisas. Ela fez o mesmo.
Quando já estava tudo guardado e pronto para irmos embora, eu me lembrei da sereia.
- . – chamei. – Eu terminei o seu desenho.
- Jura? Era esse o meu presente? – eu assenti e ela sorriu de orelha a orelha.
Retirei o papel com muito cuidado da minha pasta, e entreguei a ela esperando que ela realmente gostasse daquele desenho, porque para mim ele significada muito mais que um simples desenho. Mas ela ficou observando o mesmo durante alguns segundos sem esboçar nenhuma reação.
- Ficou tão ruim assim?
- É a coisa mais linda que eu já vi na minha vida! O melhor presente que eu pude ganhar! Marca como nos conhecemos!
- Você veio para mudar minha vida. Espero que possamos continuar nos vendo.
- E eu espero que possamos continuar nos beijando.
Olhei-a, e então nos beijamos novamente.

***


“Like the air you can rise... Rise!”
3 meses depois...

- Você sabe que não precisa fazer isso, não é? Pode ir para casa, eu dou conta.
Segurei-a pela cintura enquanto nós selávamos os lábios rapidamente.
- Não, senhor. Você sabe que eu amo ajudar você. Se eu pudesse... – eu a interrompi.
- Já conversamos sobre isso. Você não vai sair do banco para ficar me ajudando aqui. Você também ama o banco.
- Não vamos falar sobre isso, eu tenho que te ajudar.
A barraca tinha algumas pessoas, mas nada que eu não conseguisse sozinho. Mas a senhoria era teimosa.
As coisas estavam indo de vento em poupa, eu estava fazendo terapia, indo a igreja, fazendo meus artesanatos, até havia parado de brigar com o meu pai. A luz no fim do túnel que eu achei que nunca ia encontrar estava mais próxima de mim do que eu imaginava. Eu só precisei que abrisse meus olhos. E junto com essa luz, veio o amor, muito amor.
- . – ela se aproximou de mim e sussurrou no meu ouvido. – Sua mãe com certeza deve estar cada dia mais orgulhosa de você. E eu também!
Olhei o céu azul, e me coração começou a bater rápido. Eu sabia que de onde ela estivesse, estaria olhando por mim, então eu sorri para ela.


Fim.



Nota da autora: YEEEEEEEEEY! Sei que essa fic não é tão amorzinho como as que vocês devem gostar, o romance é pouco (a interação como casal dos pp's) mas meu objetivo aqui não foi exatamente esse! Na verdade tudo veio a calhar, pois essa fic foi inspirada no acontecido com o Louis Tomlinson! Eu só quis mostrar que existe uma luz no final do túnel e ela pode ser o amor!



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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