Finalizada em: 10/12/2020

Capítulo Único

Quinze de novembro de dois mil e dezenove

A situação mais difícil que passei na vida foi perder alguém, principalmente por ser tão nova. Ele era tão novo. Não entendia muito bem essas histórias de porquê que coisas ruins aconteciam com pessoas boas. Não entendia e na verdade nem queria entender. Estava tão quebrada, tão machucada, que não conseguia nem pensar na mais remota possibilidade de querer alguma coisa.
Há cinco dias atrás foi o enterro. Quando eu o vi ali deitado, tive certeza que estava me enterrando junto. Tive a certeza que por mais nova que fosse, estava destruída e ia precisar de ajuda. Tive a certeza que eu morri ali, naquele momento. É impossível falar disso sem me lembrar de como tudo aconteceu.
E eu gosto de lembrar de toda a história, por mais que ela doa na minha alma.

Trinta de janeiro de dois mil e doze

- Vocês viram o aluno novo?
- O da franjinha?
- Malu, ‘cê tá doida, né? Menino esquisito!
- Ah, ele só é... levemente peculiar.
Mal a frase saiu dos lábios de Malu, o professor André entrou na sala, o que fez com que ela, Cecília e eu calássemos a boca. Cecília ainda tentava identificar a falada peculiaridade no garoto novo e eu total concordei com ela com os olhos e fingi que ele era mesmo estranho, mas na verdade olhava com interesse. Ele estava de costas para mim, duas carteiras a minha frente, então era seguro olhá-lo, pelo menos por enquanto. Ele era baixo e magro, tão magro quanto qualquer adolescente de treze anos que eu conhecia. Tinha uma franja emo que saiu de moda uns bons anos atrás, e por mais que estivesse de costas, tive um vislumbre de um olho brilhante e cheio de sarcasmo. Direitinho o tipo que ia fazer a Malu ficar correndo atrás que nem uma cadelinha por um mês todo. Ela era assim, uma paixonite diferente a cada olhada.
Antes de começar uma explicação sobre como funcionava o curso, André se apresentou para a turma. A maioria de nós já tivemos aulas com ele no ano passado, então só fiquei prestando atenção mais ou menos porque na verdade estava mais ocupada em colocar o nome, a matéria e meus dados pessoais no meu caderno novo de unicórnio, com canetas coloridas.
- Algum novo estudante que não teve aula comigo ano passado? – Só levantei o olho para observar o braço esguio do novo aluno, que jogou a franja de emo para o lado com a cabeça. Uma meia dúzia de pessoas tinha o braço levantado, mas a maioria delas já estudava naquele colégio, só que na parte da tarde. O único desconhecido era aquele menino, além de uma menina com cabelo ruivo tingido. Depois de descobrir que ela se chamava Ana Clara e gostava de assistir filmes em seu tempo livre, aparentemente somente Malu prestava mais atenção do que eu quando o menino novo levantou para se apresentar.
- Me chamo . Gosto de desenhar. E de faltar na escola. – Ele não pareceu tímido, só parecia bem entediado. E algo em seus olhos me dizia que ele odiava ficar entediado.
O professor André deu uma risadinha, que foi imitado pelos outros alunos, e se sentou novamente, dessa vez dando uma piscadinha para Malu antes de sentar.
- Ele piscou para mim! – Falou mudo, para ele não ouvir, toda alegre. Cecília revirou os olhos, colocando as mãos na mesa para apoiar a cabeça.
André falou um pouco do que iria acontecer nas aulas de matemática desse ano, e uma aula antes do sinal do intervalo bater nos separou em grupos para um trabalho de introdução, que teríamos que entregar na próxima aula. Por questão de logística e pelo fato de o trabalho ser em grupos de quatro e nós estarmos em três, ficou no nosso grupo. Malu só faltava hiperventilar de emoção e Cecília parecia pedir a Deus paciência.
- Oi, . – Falei, quando ele se juntou a nós. – Seja bem-vindo.
- É, tanto faz. – Respondeu, sorrindo. Ele debochou de mim? Perguntei com olhos para Cecília. Ela ergueu as sobrancelhas, em uma resposta óbvia “É, ele debochou de você”.
Malu aparentemente ainda estava nas nuvens.
- Meu nome é Maria Luiza. Pode me chamar de Malu.
- Vou te chamar de Maria Luiza.
Seu sorriso irônico pareceu aumentar a medida que Malu se afundava envergonhada na carteira dela. Duas de três já tinha levado uma patada. Cecilia era minha melhor aposta para lidar com engraçadinhos.
- Certo, Carlos...
- É . – Corrigiu.
Malu e eu rimos, eu tinha certeza que Ceci fez isso de propósito. E deixou isso bem claro pelo modo como respondeu.
- É, tanto faz. Vou te chamar de Carlos. – O garoto abaixou a bolinha bem rápido.
Ceci tomou a frente de como realizaríamos o trabalho dali para frente, e separou o que cada um de nós deveríamos fazer. Quando tocou o sinal do intervalo, organizamos nossas carteiras no lugar e saiu da sala sem nem olhar para trás.
- Malu? Esse menino é um escroto. – Murmurei.
Ela parecia recuperada, os olhos apaixonados agora estavam vidrados em Gabriel, que era da tarde.
- Você só pode estar brincando... – Ceci reclamou quando percebeu.
- Ninguém manda no coração, Cecilia. – Resmungou Malu, colocando um sorriso na cara e indo falar com o Gabriel.
- Pelo menos ela tirou os olhos do fulaninho. Menino mal-educado.
Cecilia revirou os olhos.
- Nem me fale, .
Já que pelo visto Malu não se juntaria a nós tão cedo, Ceci e eu fomos até o pátio da escola, onde nos encontramos com Júlio, Felipe e Thalita, que eram da sala do lado. Thalita e Ceci foram para fila da cantina e eu fiquei com os meninos já que não tinha fome. Durante nossa conversa de como foram as férias, olhei para o lado onde estava uma única vez, apenas para constatar o óbvio: metade dos meninos da minha sala estavam ao seu redor. Ele tinha o jeitinho que ia fazer amigos e inimigos bem rapidamente.
Pior que se não fosse a franja esquisita e o fato de ser alguns centímetros mais alta, ele certamente seria do tipo que eu me apaixonaria.
Espantei esse pensamento da minha cabeça bem rápido, respondendo à pergunta que Felipe me fizera e tirando o esquisitinho da minha cabeça, sei lá, pelo resto da vida.

Cinco de agosto de dois mil e treze

Jurava por Deus que se aquele garoto viesse com gracinha para o meu lado de novo eu não responderia por mim. Sentei na minha carteira de sempre com a cara mais fechada que consegui, jogando minha bolsa no chão com toda força.
- , desmancha essa carranca, vai. – Pediu Ceci, como a sensata do grupo.
- Não sei porque diabos ele resolveu me tornar um alvo imbecil.
- , não foi para tanto... – Malu tentou me consolar com um afago nos ombros. Virei-me para ela, mais brava do que antes.
- Não foi para tanto? Ele disse na frente de todo mundo que estava vendo meu absorvente. E eu nem estou menstruada!
- Então por que está dando bola?
- Porque todo mundo acreditou e ficou olhando minha bunda para conferir, Cecilia, acorda. – Falei, frustrada. As lágrimas estavam ameaçando cair, mas eu não ia dar a o gostinho de ver que fiquei chateada. – Vou ficar sentada nessa carteira pelo resto da vida.
Malu e Cecilia não sabiam bem como me deixar melhor, então só começaram a falar da nova revista que Malu tinha comprado enquanto eu me lamentava como a dramática que era. Cinco minutos depois o sinal tocou, o que significou na entrada monumental de . Ok que ele tinha crescido vários centímetros desde o ano passado e a franja horrorosa não estava mais lá, mas ele continuava com o mesmo olhar sarcástico e infantil.
- Oi, ! – Gritou, acenando para mim. Eu só queria conseguir entrar dentro da minha carteira, mas não podia, então só o encarei com ódio. – Cuidado para não manchar a cadeira. Trouxe um absorvente extra?
- Por que você não pega essa sua língua afiada e lambe o pau de alguém, hein, ? – Xinguei.
- Bem que você queria lamber o meu, né, !
Eu bem ia rebater, mas Ceci balançou a cabeça, indicando que a professora tinha voltado para sala e pedindo para eu deixar para lá. se deu por vencido, sentando-se ao lado de Ana Clara e Juliana.
Desde o ano passado me perseguia e nenhuma das minhas amigas conseguia ver o motivo. Sempre fui simpática com ele, nunca faltei com respeito e não admitia a ideia de que teria que trocar de colégio se ele continuasse me perseguindo. já cortou meu cabelo durante uma aula de artes, jogou meu estojo pela janela várias vezes, juntou pó de giz para jogar na minha cara, além de sempre esconder minha mochila quando eu ia para o intervalo, motivo pelo qual sempre levava ela comigo quando notei que se tornou frequente. Eu nunca reclamei oficialmente na secretaria do colégio, mas pensava que um garoto delinquente como ele não se calaria tão fácil. Na verdade, temia que ficasse tudo pior se eu o dedurasse.
Só mais três meses. Só mais três meses e ele iria mudar de escola, muitas pessoas mudam de escola no ensino médio. Não vejo como iria ser diferente com ele. Só mais três meses virou meu mantra pelo resto do dia, toda vez que ele falava alguma coisa para mim.
Depois da escola fui direto para casa. Descalcei meus pés, deixando o tênis na entrada, e sentei no sofá, jogando a bolsa no chão. Peguei meu celular e conectei no wifi. Chegaram várias mensagens do grupo da sala, fotos da lousa, o que tinha de lição de casa, coisas assim. E lá estava a mensagem de . É claro que ele iria me perturbar em casa também.


Cão Do Inferno
Ow, Carrie, a estranha
Olha aqui uma dica para higiene íntima
Só te dando um toque, como amigo

E tinha um link que levava a um site cuja manchete era: como evitar os odores desagradáveis durante a menstruação?
Eu. Queria. Matar. Esse. Garoto.

Cão Do Inferno
, vem cá, faz um favor pra mim, rapidinho?
É o seguinte.
Vai tomar no cu.

E bloqueei o número dele. Não era obrigada a isso, principalmente se nem sabia o motivo de ele me tratar assim.
Só mais três meses.

Três de fevereiro de dois mil e catorze

Dois dias sem no ensino médio. Só podia ser coisa boa. Naquela segunda me arrumei mais que o normal, Ceci e Malu ainda estavam viajando e não foram ao primeiro dia de aula que foi na quinta, e eu queria estar arrumada porque com toda certeza tiraríamos fotos do reencontro, se bem conheço dona Maria Luiza. Provavelmente essas foram as primeiras férias desde o terceiro ano que Malu, Ceci e eu não nos encontramos nenhum dia. Eu passei quase todo o período na casa dos meus avós no interior do estado, Malu foi rever uns parentes em Minas Gerais e Ceci ficou com a tia na casa de praia que ela tinha em Ubatuba. Comentei com elas no nosso grupo do WhatsApp que não foi para escola nem quinta e nem sexta o que significava que meu humor estava maravilhoso apesar de ser apenas sete e meia em uma segunda de manhã. Meu pai me deixou na escola atrasado, faltavam cinco minutos para o sinal bater, então corri escada acima para entrar antes da professora chegar.
A primeira coisa que notei é que tinha um rapaz que nunca vi, com o cabelo em forma de topete, arrepiado para cima. Não consegui ver o rosto dele, já que estava virado para o lado, mas deu para ver que ele praticava exercícios, tinha um corpo levemente atlético para a idade.
A segunda coisa foi Ceci e Malu nas carteiras de sempre acenando animadas para mim.
A terceira e mais importante: sem .
Fui até minhas amigas, e sem combinar nos damos um abraço grupal, matando as saudades.
- Malu, você pintou o cabelo! – Apontei para a mecha rosa no cabelo dela. Ela sorriu, enrolando a mecha colorida no dedo.
- E você tirou o aparelho! – Comentei com Ceci. – Ah, ‘tá tão lindo, deixa eu ver, sorri! – Eu já sabia que ela tinha tirado, é claro, mas era a primeira vez que eu via, tipo, ao vivo. Ceci revirou os olhos, mas mostrou um sorriso perfeito e lunático.
- E você ‘tá tão gostosa! Da onde saiu esses peitos, ? – Comentou Malu, apontando para o meu tórax.
- É só gordura, Malu. Passa um mês com a minha vó cozinhando que você também consegue um. – Falei, rindo.
- Alguém está de bom humor hoje!
- Lógico que estou, Cecilia. Um lugar sem é um lugar feliz.
- Mas, ...
- Bom dia, !
Não. Não. Eu tinha que estar imaginando essa voz atrás de mim. Ela não podia pertencer a . Lentamente, virei para frente da sala, onde o garoto do topete e levemente atlético me encarou, com um sorriso sarcástico. Ele fitou meus seios, arregalando os olhos.
- Maria Luiza está certíssima, você ‘tá mesmo gostosa.
O encarei, entediada.
- Você sabe que isso foi babaca e nojento, não sabe? Tenho nojo de você, . – Falei, sentando na minha carteira e me abaixando para retirar meu estojo e meu caderno. Quando voltei para cima, estava bem na cadeira a minha frente, me estudando.
- Escutei o que você disse. Um lugar sem é um lugar feliz. – Falou, me imitando com um falsete. – Fiquei chateado, mas tenho uma proposta, . Primeiro de tudo, me desbloqueia no whats. Não consigo falar com você se estiver bloqueado. Segundo, se fizer todos os trabalhos escolares comigo esse ano, prometo que vou te dar uma trégua. O ano todo.
- Trégua o ano todo?
- O ano todo.
- Todos os trabalhos?
- Todos. De todas as matérias. E me desbloqueia no whats.
- Ok. E se formos mal no trabalho?
- É um efeito colateral. Não interfere na trégua. Duvido muito que vá fazer o trabalho errado de propósito só para me ferrar se seu nome também vai estar na avaliação.
Cruzei os braços, me encostando na cadeira e avaliando a proposta. Teria que aturar de qualquer jeito, mas talvez essa fosse uma boa solução. Trégua. Se eu soubesse o quanto precisaria de trégua naquele dia que o conheci.
Cerrei os olhos.
- . Estou falando sério. Se você por qualquer motivo quebrar esse acordo, eu juro pelo mundo todo que você vai estar muito, muito ferrado.
Ele ergueu os braços em sinal de rendição, o sorriso sarcástico ainda brincando em seus lábios.
- Feito! Precisa que eu assine alguma coisa? Um pacto de sangue, de repente?
- Ah, vai a merda. Senta lá no seu lugar, vai. – Falei, perdendo a paciência. E com outro sorriso engraçadinho, foi para seu lugar na frente da sala.
- Está louca se acha que ele levou sua ameaça a sério. – Disse a sensata Cecilia quando me deparei com o olhar de choque em seu rosto.
- O máximo que pode acontecer é ele fazer o mesmo de sempre. Não tenho nada a perder. – Murmurei, virando para frente de novo, onde a professora já estava passando as atividades do dia.
A atividade em si não precisava ser em dupla, mas a professora nos deixou juntar as carteiras e trabalharmos dessa forma, se quiséssemos. Tínhamos até o fim da aula para responder um questionário referente a primeira aula, e a maioria estava bem perdida, principalmente Ceci e Malu que faltaram nesse dia. Ia me sentar com uma delas para passar o que tinham perdido, quando apareceu com o caderno e o sorriso sarcástico.
- Vamos nessa, parceira?
- Não pode ser a partir de amanhã?
- Não, o acordo tem efeito imediato. – Falou, sentando na mesma carteira vazia a minha frente novamente.
- A gente se vira, . – Falou Malu, juntando a carteira dela com a de Ceci.
- Vamos lá, faltei nessa aula. Estava na Bahia e voltei só ontem. Me explica o que perdi. – Pediu, pegando uma caneta e uma folha limpa no caderno.
- Você está usando o mesmo caderno do ano passado? – Perguntei, reconhecendo a capa.
- Tinha folhas em branco ainda. Por que iria comprar outro? Sou contra o desmatamento de árvores, obrigado.
Fazia sentido, mas só murmurei “garotos”, principalmente porque me senti culpada por ter comprado um caderno novo depois de ouvir seu argumento. Olhei para baixo, procurando em minhas anotações o que a professora tinha passado na aula de quinta e sucintamente tentei explicar as complicadas regras do português. No começo me irritei porque enquanto explicava ele apenas desenhava no caderno. Mas ao contrário do que imaginei, se livrou de seu personagem por uma aula inteira e fizemos o questionário verdadeiramente em dupla. Imaginei que ele era folgado e um péssimo aluno, e fiquei surpresa, quase com vergonha do meu próprio pensamento, quando se apresentou como um menino inteligente e organizado. O que eu pensei que fossem desenhos, eram na verdade charmosos gráficos, linhas do tempo e representações gráficas do que ele me ouviu dizer.
- É assim que eu aprendo. – Disse ele, me vendo encarar os desenhos.
- Eu achei incrível. Posso ver? – Perguntei, esticando as mãos.
Ele me entregou o caderno, e eu fui folheando as anotações do ano passado. A maior parte era composta de gráficos e desenhos. Parei na parte de biologia, onde tinham desenhos coloridos de animais, flores e insetos, tudo ricamente detalhados. A sensibilidade de me pegou desprevenida, jamais imaginei que ele poderia ser assim. Devolvi o caderno com um sorriso educado, me lembrando do primeiro dia de aula do oitavo ano, onde ele disse que gostava de desenhar no tempo livre.
- Achei legal.
- Que bom, Carrie. – Levantei a sobrancelha, lembrando a ele que estávamos em paz por enquanto. – Certo, trégua. Me desculpe. Acabei aqui. – Falou, estendendo as folhas do questionário que ele estava tirando a rebarba.
Entreguei o questionário para a professora e voltei para meu lugar, pensando que talvez, só talvez, a trégua iria funcionar para nós dois.

Catorze de outubro de dois mil e quinze


- Como assim, ficou com ele? Você fumou, ? – Questionou Malu na porta do banheiro onde estávamos. Espiei pela janela para ver se tinha alguém ouvindo, mas não consegui.
- Sabia que tinha algo estranho acontecendo – Foi a vez de Ceci ponderar. – Mas o ? Ele é o imbecil que te persegue desde o oitavo ano, você se lembra disso?
- Gente, eu não sei o que aconteceu. Simplesmente ficamos. Estávamos na biblioteca, ele se abaixou para me beijar, eu deixei e depois que percebi o que tinha feito vim direto para cá. – Encarei minhas amigas, absolutamente envergonhada. – Acho que vou mudar de escola. Ainda dá tempo?
Ceci sorriu, compreensiva, sentando-se na privada.
- Você... gosta dele ou algo assim?
Tinha que ser sincera com elas. Comigo mesma. Eu precisava.
- Eu gosto, Ceci. Eu não sei porque, mas eu gosto.
- Bom, de uma maneira esquisita eu acho que ele gosta de você também. – Indicou Malu. – Ele não zomba mais de você, nem te xinga, nem faz mais nenhuma maldade, além das brincadeirinhas de sempre.
- Não dê esperanças a ela, Malu. Ele pode estar simplesmente... crescendo. – Sugeriu Ceci.
- Ele não teria beijado a se não gostasse dela. – Rebateu Malu.
Não sabia em quem acreditar. Ceci poderia estar certa sobre finalmente estar amadurecendo, e Malu poderia estar certa se considerarmos o fato que ele me beijou do nada. Mas Malu sempre acha o romantismo em situações pouco românticas, então talvez devesse desconfiar de sua teoria.
- Vou falar com ele. – Falei, me enchendo de cinco segundos de coragem insana. Olhei o relógio do meu celular que indicava que faltavam cinco minutos para o intervalo acabar. – Vou falar com ele agora.
Sai do banheiro, dando de cara com e o largo sorriso sarcástico.
- Olá, .
Droga.
- Você...
- Eu ouvi tudo. – Afirmou, sem rodeios. Sentei no murinho do corredor e ele sentou ao meu lado.
- E então? – Mal passou de um sussurro.
- Acho que não deveria mudar de escola.
Sorri.
- Não essa parte. Quem está certa? Malu ou Ceci?
Ele encostou na parede, o sorriso brincando em seus lábios. Pegou minha mão, passando ela pela sua face.
- Olha, minha barba está crescendo!
Puxei minha mão com força.
- , agora não é hora disso.
- Posso mostrar pelos em outros lugares se quiser que eu... – Ele se interrompeu quando viu meu olhar assassino. – Ok, ok, certo. As duas. Já que é burra para entender, minha barba era para dizer que realmente estou crescendo, sabe. Tipo, há três anos eu era tão idiota com você e eu nem sei porque fazia aquelas coisas.
- Você acabou de me chamar de burra. – Falei. riu.
- Desprovida de inteligência. Perfeito. Vou mudar seu contato no meu celular para Desprovida de Inteligência e...
- . – Ele guardou o celular, me encarando. – Você nunca teve essa conversa com ninguém na vida, teve?
- Ah, do que você está falando, é claro que eu... – Ele suspirou. – Não. Nunca tive.
- E por que a Malu está certa, ? – Insisti.
- Eu gosto de você. Uma parte de mim jura que eu sempre gostei, mas não teria feito o que fiz se realmente gostasse. – Ele sorriu, irônico. – Não precisa dizer que gosta de mim porque eu já ouvi que sim.
Senti que corei.
- A gente pode fazer isso com mais calma, depois? – Perguntou baixinho.
- Isso o quê? Beijar? – Perguntei, confusa.
riu, de uma forma diferente. Pela primeira vez desde que o conheci, era uma risada simpática e fofa, deu até vontade de beijá-lo de novo. Não que eu fosse admitir.
- É, , beijar.
Senti o sorriso envergonhado e tímido cruzar meu rosto.
- É lógico que não, ! Você foi um idiota comigo e nem sabe o motivo. Sinto muito, arrume outra boca.
- Vou voltar a te atormentar de novo se não me beijar.
- Experimenta.
- Você que pediu.
- Ok.
- Depois não reclama, hein?
- Tudo certo. – Concordei, com um joinha super sarcástico.
balançou a cabeça como quem se diverte e se levantou do muro, estendendo a mão para me ajudar a levantar também. Escutamos o sinal bater e fomos andando juntos até a sala de aula.
- Você não vai resistir para sempre, . – Falou, enquanto andávamos.
- Estou louca para te ver implorar, .
E estava mesmo. , o mais idiota dos idiotas estava se apaixonando por mim. Nos sentamos e perdida em pensamento eu sabia que nós dois estávamos revivendo cada segundo do beijo que aconteceu na biblioteca há vinte minutos.
E que beijo.

Dezessete de dezembro de dois mil e dezesseis

E após um grande e poderoso grito dos quase cem alunos do terceiro ano, todos jogamos nossos capelos para o alto, seguido de uma salva de palma de nossos convidados. Depois de cumprimentarmos nossos pais e nos livrarmos das becas, começamos a convergir um para o outro, buscando nossos grupos de amigos. Como oradora da turma, Ceci ficou presa na mesa principal para tirar mais fotos, então, eu, Malu, e Victor, um outro garoto da nossa turma, formamos um grupinho pequeno no canto do salão. A balada começaria as nove da noite de acordo com o cronograma, então a música de fundo era baixa e calma, de modo que não estávamos precisando gritar para se fazer ouvir por enquanto.
- E aí, alguém vai para faculdade pública? – Perguntou Victor.
- Eu não passei na primeira fase de nenhuma. – Murmurei triste. – Estou contando com você, Enem!
- Ah, nem começa, você e a Ceci ainda estão esperando o resultado para a segunda fase da FUVEST, sai segunda agora.
- É, e essa sortuda passou para segunda fase da UNESP.
Malu sorriu, agradecendo os aplausos de e Victor educadamente.
- Eu vou onde essa gata for. – Disse , passando as mãos pelos meus ombros.
- Ah, querido, quem te dera, né. – Comentei, me livrando das mãos dele.
- Vocês vão assumir esse namoro quando, podemos saber? – Perguntou Victor, cruzando os braços, sendo imitado por Malu.
- Se depender de mim, nunca. – Falei, ao mesmo tempo que dissera “Daqui uns dois, três dias”.
- O que vai acontecer daqui a três dias? – Perguntou Cecilia chegando na roda.
- O e a vão assumir o namoro. – Respondeu Malu.
- Mas nunca. – Afirmei para o sorriso zombeteiro de Ceci.
- Esses dois vão se casar antes de assumirem o namoro, Malu.
e eu rimos, e ele acenou com a cabeça para o lado de fora, muito provavelmente querendo conversar comigo a sós.
- Vou ali fora explicar para o que nunca vai rolar absolutamente nada, já volto. – Falei.
- ‘Tá bom, só tenta explicar com a língua fora da boca dele, pode ser, ? – Zombou Malu, fazendo Ceci e Victor rirem. Mostrei o dedo do meio para ela sem que meus pais vissem e segui para o lado de fora.
O capelo bagunçou todo o cabelo dele, que agora estava amassado e despontando para várias direções. O cabelo de era um pouco ondulado, então na verdade ficou até charmoso. Os dentes alinhados e reluzentes, a rala barba que começava a aparecer, o sorriso sarcástico de sempre e o olhar brilhante que expulsava toda a monotonia que poderia girar em volta dele me atraíram de uma forma que não saberia nem começar a explicar. O que aprontou comigo foi há muitos anos, e éramos crianças. Ele foi bem babaca, é verdade, mas preferia focar no homem que ele estava se tornando, e não no adolescente idiota que conheci. E não era por isso que não queria começar nada sério com ele. era muito bonito, e ele sabia disso. A autoestima dele era o que tornava tudo pior. Eu sabia que ele gostava de mim, há tempos, na verdade, mas gostar de mim não era o suficiente. Ele sempre estava com uma garota nova, dizer que gostava de mim não era o bastante. Eu me sentia... bem, eu me sentia como qualquer uma das garotas dele.
E eu queria me sentir especial.
- Está linda, . – Sussurrou, encostando na parede do lado de fora do salão. Ele tinha se livrado do paletó quando foi guardar a beca e arregaçou a manga da camisa até os cotovelos. Ele estava tão lindo.
- Obrigada. – Agradeci, analisando meu vestido de festa azul escuro, a cor escolhida pela nossa sala. Era mesmo um vestido lindo, e talvez eu estivesse um pouco diferente de sempre, já que normalmente não usaria essa maquiagem tão forte.
me puxou pela cintura, fazendo com que eu me aproximasse mais dele.
- Eu fiquei a cerimônia inteira pensando em mil maneiras de tirar isso. – Disse, passando a mão pelas mangas do meu vestido. Dei risada, me aproximando do seu ouvido.
- Fecha os olhos. Imagina que acabou tudo. Estamos sozinhos, eu e você. Imaginou? – Sussurrei.
- Uhum.
- Imagina que estamos nos beijando. Muito. Muito mesmo. Você abre o zíper do meu vestido. Tira manda por manga. Beija por toda a extensão de meu ombro nu... tá imaginando?
- Tô.
- Depois de beijar meu ombro, desce o vestido. Você beija meus seios, e sem muita paciência tira todo o resto do vestido. Estou nua. Na sua frente. Para você fazer o que quiser. Está imaginando isso, ? – Sussurrei bem perto do seu ouvido.
- Porra, . Estou.
- Que bom. Porque é só aí que vai acontecer mesmo, na sua imaginação. – Falei, rindo. abriu os olhos com uma expressão de puro desejo.
- Você não fez isso, . – Ele não estava brincando. realmente queria.
- ...
Ele olhou para baixo, tentando disfarçar o volume que se formara em sua calça. Dei risada mais uma vez.
- Por que você não me quer? A gente se gosta, porque não quer ser minha namorada, ?
- Você sabe o porquê!
- Não, eu não sei! – Olhei em seus olhos e vi que ele realmente queria saber, palavra por palavra, porque eu não queria.
- Você é galinha. Cada hora pega uma. Não me sinto confiante com isso. A gente fica de vez em quando e é legal, mas me sinto em um relacionamento aberto. E certamente não me importo, porque também fico com outras pessoas.
- Fica?
Olhei para ele com reprovação.
- É claro que fico.
- Pois então pare.
- Pois então pare você primeiro!
- Ok. Se eu parar de ficar com outras pessoas, só vou beijar você. Se você fizer o mesmo, seremos namorados.
- Porque isso é tão importante para você, ? – Questionei, cruzando os braços. Ele mordeu os lábios, refletindo.
- Porque eu te...
- Não diga essa palavra. – Interrompi, o silenciando com meu dedo indicador.
- Mas eu te amo! É verdade. Pronto, falei.
Ele se endireitou, pegando minha mão.
- , eu não sei que tipo de pessoa você pensa que eu sou, mas se firmarmos um relacionamento eu jamais iria beijar outra boca que não fosse a sua, e jamais iria flertar com ninguém que não fosse você. Eu prometo. O que eu sinto é de verdade.
Dei um suspiro, trazendo-o para perto de mim. Nossas testas se tocaram e com um sussurro quase silencioso proferi as palavras que estavam entaladas dentro de mim há muito tempo.
- Eu te amo, . Eu te amo, então não faça eu me arrepender de te dizer que sim.
sorriu, me abraçando forte.
- Quando foi que eu quebrei uma promessa, ? - Disse simplesmente, segurando minha mão direita e a beijando.
Voltamos juntos para dentro do salão, onde a balada já estava prestes a começar. Nos encontramos com o nosso grupo de amigos, que tinha crescido durante a nossa ausência. E quando a música começou, eu, Ceci e Malu tiramos os saltos e nos divertimos muito e choramos também. Essas meninas estão na minha vida desde o terceiro ano, eu as vejo todos os dias há pelo menos nove anos. Uma amizade assim não se perde, mas ficamos chateadas juntas com o medo do desconhecido, Malu e Ceci provavelmente se mudariam de cidade e eu não estava conseguindo lidar com todas as emoções da noite.
Depois de um tempo, me reivindicou para os braços dele. E foi ali que passei praticamente todo o resto da noite, nos braços do meu namorado.

Dezoito de outubro de dois mil e dezessete

Não fazia a menor ideia de como daria a noticia para . Não sabia nem por onde começar a explicação. Malu estava comigo na sala de casa, e havia mandado mensagem para o há meia hora para conversarmos.
- , vai ficar tudo bem.
- Tudo bem? Malu, você conhece o !
- Exatamente! É por esse motivo que eu sei que vai ficar tudo bem. O não é do tipo que abandona.
- Eu estou ferrada, Maria Luiza! – Murmurei, secando as lágrimas que não paravam de sair do meu rosto. Escutamos a campainha, e me deu uma nova onda de pânico.
- , lava esse rosto e coloca um sorriso na cara. Ninguém morreu, vai ficar tudo bem! – Malu abandonou o posto maternal e me despachou para o banheiro, indo abrir o portão para .
De dentro do banheiro ouvi os dois se cumprimentando e perguntando das novidades, já que não se viam há um tempo.
Certo. Realmente não era o fim do mundo. Só estava preocupada com a reação de , o que era totalmente normal. Saí do banheiro ainda assustada, mas pelo menos tinha parado de chorar. Malu me deu um abraço, indo em direção a cozinha.
- Vou deixar vocês conversarem. – Falou.
Depois que saiu, um muito chateado veio até mim, segurando meus braços.
- , vim o caminho todo pensando nas piores situações que poderiam fazer eu vir correndo assim. O pior que eu pensei está me matando.
- O que poderia ser o pior de tudo? – Perguntei.
- , você vai terminar comigo?
- ... o que...? Óbvio que não! – Ele se sentou no sofá, apesar da negativa dava para notar que ainda estava tenso pelo modo como estava sentado todo ereto. – Por que pensaria uma coisa dessas? Estava tudo bem até ontem, não tenho nem motivos!
Sentei no meu sofá ao seu lado, com muito medo do que viria pela frente.
- Olha, amor. Eu sei que vai ser difícil, e que não é exatamente o sonho de todo mundo uma responsabilidade como essas aos dezoito anos.
lentamente se virou para mim.
- De que responsabilidade você está falando, exatamente?
Suspirei, demorando um pouco para responder.
- , eu... Eu estou grávida.
E para minha grande surpresa desmoronou no sofá em uma clara expressão de alívio, onde um sorriso brincava em seus lábios.
- Era só isso? Você está se martirizando por dias por causa disso?
- Bom, eu... é. Estava.
Ele sorriu, colocando as mãos em cima da minha barriga, ainda plana.
- Não vou dizer que não vai ser uma bagunça, porque vai. Meus pais vão surtar e os seus...
- Eles já sabem. – Interrompi. – Desculpa, eu precisava falar para eles!
- Ok, só termos os meus pais surtando, pelo visto.
- Ah, não conte com isso, meu pai ameaçou me expulsar de casa se não fosse a intervenção da minha mãe. Até que ontem ele me chegou com um sapatinho de crochê falando “o primeiro presente do vovô”. – e eu rimos.
- A gente nunca vai deixar o bebê usar esse sapatinho de crochê, né?
- Nunca. – Concordei, sorrindo.
- Nossas vidas vão mudar muito.
- Vão sim.
- Você poderia se casar comigo.
Dei risada.
- , eu tenho dezoito anos, não começa!
- Malu, me ajuda a levar essa moça para o altar. – Gritou para a cozinha.
- Vish, foi mais de um ano para assumir o namoro, se quiser casar com essa aí... espere sentado, ! – Foi a réplica engraçadinha de Malu.
me encarou com os olhos tão brilhantes que sempre admirei.
- Você ainda vai ser minha esposa, .

Dez de março de dois mil e dezoito

- Parabéns, meus amores! – Gritou Maria Luiza no meu ouvindo, abraçando a mim e . – Parabéns para esse neném mais lindo. – Falou com uma voz melosa acariciando minha barriga, que carregava um bebê saudável de oito meses.
- Nem acredito que vivi para ver isso! – Gritou Ceci. – e , casados! Quem diria, hein, que aquela caça de gato e rato infernal viraria essa família linda?
- Ah, Ceci, poupe as lágrimas! – Falei, para a mulher à beira do choro. Malu consolou a amiga.
- Vamos sair da fila, não podemos monopolizar os noivos, Ceci. – A ouvi falando enquanto se afastava.
e eu continuamos abraçando a agradecendo a presença de todos no evento, alguns tímidos, outros já acariciavam minha barriga sem mais nem menos, mas acreditava que até o fim da festa iria superar esses toques todos.
- Acho que já foram todos. – Murmurou , com um sorriso que não cabia em sua face. – Como se sente, Sra. ?
- Prefiro , se não se importa.
- ? - Insistiu, me fazendo rir.
- Ok. Só hoje.
Nos sentamos na mesa reservada para os noivos, tentando comer pela primeira vez, já que sempre éramos interrompidos com abraços e beijos. A lua de mel não seria bem uma lua de mel por motivos de bebês e barriga pesada demais, mas mesmo assim iriamos viajar para a praia e relaxar por um tempo. Já tinha pegado minha licença maternidade adiantado e conseguiu trocar suas férias, então emendaria tudo com a licença paternidade, já que Bernardo nasceria no mês que vem.
Não foi fácil. Minha sogra ficou meses sem olhar na minha cara. Meu sogro provavelmente sugeriu a um teste de DNA mais de uma vez. Meus pais ficaram sem falar com os pais de por um tempo por causa disso. Quando a mãe dele percebeu que seria a avó menos querida veio me pedir desculpas, e agora nos dávamos relativamente bem.
Ceci estava estudando psicologia em Coimbra, mas tinha conseguido vir para o casamento. Malu desistiu da faculdade e agora era uma digital influencer no Instagram. Nunca imaginei que minha amiga de infância iria se tornar uma subcelebridade, mas aqui temos Malu.
Foi um dia perfeito, o céu estava azul e as nuvens estavam brancas e fofinhas. O clima estava agradável e a cerimônia foi linda. Repensei toda minha história com , tudo que aconteceu nos últimos cinco anos. Sentia tanta raiva dele, mas só porque eu não o conhecia. Depois que abaixou a guarda para mim no segundo ano, quando ele sugeriu a trégua, tive que fazer todos os trabalhos com ele. Eu o conheci demais durante esse ano, porque tivemos que passar muito tempo juntos. Descobri que ele na verdade não era nada emo, que seu prato preferido era frango assado, que gostava de filmes de aventura e tinha alergia a dipirona. Descobri que seu sonho era conhecer a Itália, que não gostava muito de futebol, mas sempre acompanhava corridas de fórmula 1. Descobri também que sua família tinha dinheiro, mas que ele guardava a mesada em um cofre, pois não tinha intenção de ser bancado pela família a vida toda. Descobri em um homem forte, sincero e bem-humorado e me sentia orgulhosa da pessoa que ele resolveu se tornar, depois de ser um pré-adolescente tão péssimo, principalmente comigo. Foram nessas pequenas descobertas que descobri que tinha muito em comum com ele, e que foi isso que provavelmente nos uniu.
E foi assim que me apaixonei. No meio de uma bagunça, por uma pessoa que eu jurava odiar.
Não podia acreditar que hoje carregava o nome e um bebê do homem que estava ao meu lado. Sorri para ele, pensando que se estivéssemos em um filme, a tela se escureceria e apareceria a frase:
E viveram felizes para sempre.

Quinze de novembro de dois mil e dezenove

Mas não estávamos em um filme. Quando o filme acaba você consegue imaginar um final feliz para o casal por quem torceu durante tanto tempo.
A vida real é ruim. É imprevisível. E é dolorosa. Durante os últimos cinco dias eu mal dormi, muito menos pensei em comer alguma coisa. Ouvi meu sogro dizendo a palavra “depressão”, mas talvez fosse apenas meu luto, que muito provavelmente duraria bastante tempo. Anos, talvez?
Estava na frente do túmulo dele. Há dias não saia de lá. Não conseguia sair. E isso era ruim porque tinham pessoas que precisavam de mim e eu não conseguia ser forte por elas.
Meu bebê precisava de mim e eu não conseguia ser forte por ele.
- Meu amor, eu preciso tanto de você agora. – Sussurrei para o vazio do cemitério, onde ninguém mesmo iria me responder. Nem . – Preciso ser forte pelo nosso bebê, mas eu não consigo sem você. E você é, ironicamente, a única pessoa que não pode me ajudar agora.
Voltei a chorar pensando no quão injusta a vida era, e no quanto a morte também poderia ser. Precisava ser salva da solidão e escuridão que me cercava, mas parecia encontrar um doentio consolo diante de seu corpo velado e enterrado. Sentir saudades dele parecia ser obrigatório e não importava o quanto eu tentasse, não via esperanças para mim agora. Pelo menos não tão cedo.
Nunca era tarde para tentar, porém. Por tantas pessoas que me amavam e queriam meu bem. Levantei-me do chão, e tentei ao máximo levantar minha cabeça para que as lágrimas parassem de rolar. Iria para casa. Iria viver. Iria pelo menos tentar.
Mas eu sabia que por mais que me esforçasse para seguir em frente, o amor, principalmente meu amor por ele, era o sentimento que mais teria dificuldade para esquecer.
E eu tinha plena certeza que jamais esqueceria.





FIM.



Nota da autora: Ai, gente! Espero que quem está lendo uma história minha pela primeira vez tenha gostado, de verdade. Escrevi essa short tão rapidinho e depois me arrependi porque poderia ter desenvolvido melhor. Para quem já leu outras de minhas histórias, queria dizer que a fic é triste porque gosto de música triste que consequentemente se tornam histórias tristes. Mas eu já fiz uma meta para dar uma segurada no drama, prometo muuuuito!
Enfim, espero que gostem.
Beijos!






Nota da beta: Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.


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