11. Papel Amassado

Capítulo Único

Divórcio nunca foi o que eu esperava. Nunca foi o que eu verdadeiramente queria para meu casamento. Não era por falta de amor, ou por traição. Nenhum de nós dois erramos. Foi só a rotina, o desgaste. E então ela tomou a temida decisão: O divórcio.
Eu nunca esperei receber um maldito papel enquanto atendia uma serie de pacientes da emergência. Um maldito papel que acabou com todo meu dia. Um papel que parecia jogar todos aqueles votos no lixo.
Aprendi que a gente escolhe se vive momentos especiais tentando recomeçar ou se os perde para evitar o sofrimento. Tudo é questão de escolha. Acontece que poucos sabem que não há como viver grandes amores sem assumir o risco. Eu entendia o porquê dela ter pedido o divórcio. Só não entendia o porquê de – não tentar – O porquê de não recomeçar. Metade de mim parecia querer ser abrigo a chegar em casa. E a outra metade era medo. – Mas isso ninguém precisa saber. Nesse momento eu respiro fundo antes de entrar em casa. O silêncio e o céu são meus melhores amigos. Me ecoando a sensação de que eu entraria e faria de tudo pra mudar, ou a perderia. Simplesmente.
E ela estava sentada no sofá, encarando a porta em silencio. E ao me ver suspirou. Ela sabia que eu tinha recebido o maldito papel. Ela sabia que eu tinha descoberto que ela queria colocar um fim no que prometemos ser pra sempre.
- Por que? – Eu soltei a única pergunta que me engasgava. Não engasgos típicos. Me engasgava a alma. O peito. Parecia explodir. Tudo parecia sem sentido.
- Medo.
- A gente perde muito tempo com medo. Perdemos amores, sensações únicas, sorrisos únicos e, por achar que, sei lá, não sei, não consegue. Se perde em saudades, que por sua vez, também serão únicas.
- Eu sei de tudo isso, . Mas eu sei que chegamos a um nível de desgaste. Que não faz sentido continuar tentando. Nosso amor pede um fim.
- Nosso amor pede uma solução, .
- Que tipo de solução.
- Três dias.
- Três dias pra que, ? – Ela me encarou com suplica.
- Pra eu te mostrar que sair da minha vida não é uma solução cabível. E que seu coração não quer isso.
- Três dias, .
Era daquilo que eu precisava. Três dias que relembrariam de tudo que prometemos quando nos casamos. Eu precisava de mostra a ela, que nosso amor valia a pena.

Dia 1 >>>>>

Encarei a estante em minha frente enquanto via a poeira no fundo dos livros onde raramente pegávamos. O amor que habitava entre nós dois era como um livro que juntava poeira no canto da estante. Pouco líamos durante um tempo. Quando sozinho. – Como agora. – No silêncio da minha presença eu o encontrava e pegava-o e lhe dava atenção merecida. A rotina tinha acabado com nosso casamento. O amor não respirava durante muito tempo e nós precisávamos disso. Ar.
Precisávamos de alguns dias. Longe da rotina. E por esse motivo eu me ausentei da urgência do meu próprio hospital e pedi para que ela arquivasse alguns casos durante alguns dias. Íamos viajar em menos de duas horas. E deixar o amor respirar.

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Tinha acabado de colocar as duas malas no carro. E entrei no banco do motorista e encarei ela sentar-se no banco passageiro um pouco mais tensa do que eu previa. O que na verdade, me machucava mais do que ela imaginava. Éramos casados e ela estava tensa de sair comigo?
- Tudo bem? – Eu perguntei e vi ela sorrir minimamente.
- Sim.
- Eu te conheço, .
- Só um pouco... – Ela parou um segundo e suspirou. – Curiosa, pra saber o que vai acontecer nesses outros seis dias.
- Não confia em mim?
- Confio. Só que por outro lado, também sei que, nosso casamento está por um fio. Isso não te deixa nervoso?
- De forma alguma. – Menti e sorri de forma leve. Fazendo com que ela risse também. Eu precisava conseguir reatar nosso relacionando e transformar aquele divorcio em só mais um papel amassado.

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O CD do Matheus e Kauan tocou repetidamente durante a viagem e ela cantarolava alguns trechos. Tinha me esquecido o quanto eu amava a voz dela. Uma das coisas que não mudava em nós dois, era o gosto por sertanejo. Nos conhecemos em um show, dançamos a maior parte da noite juntos, ficamos e trocamos telefone. E agora estávamos aqui. Nesse patamar da vida. Eu nunca diria que isso aconteceria. Eu nunca imaginei que fosse me casar, no entanto, imagine me separar? Observei a placa de Viçosa se aproximar e nós estávamos chegando ao nosso destino. Uma casa de campo que é dos meus pais, mas que me “emprestaram” pra esses dias. Ficava a bons quilômetros de qualquer área residencial, ou que tivessem outras pessoas além de nós mesmos. Entrei na estrada de terra e vi seu olhar percorrer o local.
- Onde nós estamos?
- É a casa de campo dos meus pais.
- Por que é que nunca viemos aqui? – Ela perguntou e eu pensei um pouco. Não tinha uma justificativa, só não tínhamos tempo pra isso. Focados demais na rotina e deixando o amor sem ar. – São esses detalhes que evitariam que tivéssemos chegado até esse pedido de divórcio, .
- Mas agora eu estou disposto a recuperar todo aquele tempo. O nosso amor ainda pode ser um dos melhores amores – Cantarolei e a vi sorrir e me surpreendi ao vê-la continuar.
- Nem passa na cabeça te esquecer. Entenda que nem tudo são flores.
- Preocupa não. – Pisquei pra ela e foquei em estacionar o carro. Ela não esperou nada pra descer e analisar o campo ao redor. Ela amava campo, fazenda ou qualquer coisa afastada da cidade que vivíamos todos os dias. De todas aquelas pessoas que viviam demais no individual. Ela continuou caminhando até a entrada e me encarou esperando que eu abrisse a porta. A casa não era luxuosa. De longe. Era em meio a um grande campo. Na sala tinham alguns sofás de couro pretos e um carpete marrom escuro. Dando continuidade com uma televisão de 32 polegadas. Um pouco mais a frente tinha uma cozinha pequena que fazia divisão com a copa. E uma mesa de jantar de madeira de quatro lugares. Uma escada levava ao segundo lugar e continham três quartos lá. Um deles estava trancado e os outros dois abertos. Ri ao ver que meu pai tinha mandado que arrumassem o quarto de casal e ele tinham as orquídeas na cabeceira. A cama de casal centralizava o quarto e não tinha televisão. Ou qualquer coisa do gênero que atrapalhasse o barulho de paz que tinha naquele lugar.
- Você gostou?
- Eu amei. – Ela riu e continuou caminhando pelo quarto e tinham duas portas. Uma levava a um banheiro consideravelmente grande e a outra a uma mínima varanda que possuía uma rede.
- Eu vou tomar um banho e se quiser se acomodar...
- Tudo bem, . – Ela deu ombros e voltou pra sua mala que estava no corredor. Enquanto eu entrei no chuveiro e deixei que todo aquele clima de cidade saísse de mim. E que a única coisa que eu focasse naqueles dias. Era recuperar meu casamento.

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Horas mais tarde, e eu já tínhamos conversado por um tempo consideravelmente bom. Mas sem falar sobre toda essa confusão que nos tornamos. Parecíamos aquele casal inicial que se conhecia e tentava aproveitar o tempo descobrindo um pouco do outro. Ela subiu em alguma parte do dia pra tomar banho e aproveitar a vista da varanda. Pelo o que ela disse e eu aproveitei pra fazer algo para o jantar. Fiz um omelete com bacon, muçarela e presunto de peru. E os complementei com arroz e feijão. Não tinha o porquê de ser luxuoso naquele lugar. Não tinha por que ser luxuoso em lugar algum. Eu detestava todas essas comidas de rico. Que pareciam se achar melhor do que os outros. Gostava do básico. Gostava da famigerada coca cola gelada e ela também e por esse motivo desceu as escadas sentindo o cheiro de comida.
- Tinha me esquecido o quanto sua comida cheirava bem.
- Eu também. – Ri e me lembrei que vivia de comida congelada. Nenhum dos dois tinha tempo pra isso. – Mas aposto que o gosto está bem melhor.
- Não duvido disso. – Ela sentou-se na mesa e parou alguns segundos e logo em seguida fez o gesto de pai, filho e espírito santo. E começou a se servir e eu logo em seguida. Saboreou a primeira colher e fechou os olhos. – Meu Deus, está cada vez melhor.
- E ainda vai melhorar. – Respondi sua frase com um sentido diferente e vi ela trocar olhares comigo.
- Espero não ter que duvidar disso também. – Ela deu ombros e continuou comendo.
- Esquenta não. – Eu repeti seu gesto e terminamos de comer trocando alguns comentários sobre a casa e o lugar. Não tínhamos chegado na fase de dormirmos em camas diferentes. Então não foi difícil subirmos e nos acomodarmos na cama de casal que tinha ali. Eu me deitei virado pra cima e vi que ela repetiu o gesto.
- Nós dormíamos tão “grudados” antigamente. Era engraçado.
- Era ótimo, e ainda pode ser, não sei por que paramos.
- Nem eu, só que eu chegava depois de você ou você depois de mim. Então não pensávamos nisso, só no cansaço. – Deixei o silencio apossar-se do quarto e vi sua respiração ficar mais leve e estendi meu braço. E ela entendeu o recado. Me encarou como se pensasse se deveria fazer isso. E então finalmente se encaixou no meu abraço e não disse mais palavra alguma. Simplesmente dormiu.

Dia 2 >>>>>>>

Acordar com no meu abraço não era algo que eu não fosse acostumado. Mas era algo que eu não tinha há algum tempo e agora ela estava ali. Dormindo serena ao meu lado. Todas as nossas preocupações tinham ido por ralo abaixo. Tudo parecia outro mundo e eu não reclamava por isso. Eu estava com fome e queria me levantar. Mas eu sabia que a mocinha ao meu lado só acordaria dali a duas horas. Então simplesmente a abracei mais forte e dormi novamente. Eu só queria aproveitar esses dias com ela.
Uma hora e quarenta minutos depois senti uma movimentação na cama e vi ela abrir os olhos levemente e me encarar notando que estávamos consideravelmente enroscados. E sem pensar muito, lhe dei um selinho mordendo seu lábio inferior. Ela fechou os olhos e não respondeu nada, mas ao contrário do que imaginei me puxou pra perto novamente e voltou a me beijar. Dessa vez deixando de ser só um selinho. Segurei em sua cintura e a trouxe pra mais perto de mim e suas mãos envolveram meu cabelo. Tínhamos criado nossa bolha ali. E nada parecia ser capaz de quebra-la. A não ser nós mesmos. Ela se afastou e respirou de novo.
- Eu estava com saudade disso. – Resmungou baixo.
- Por que parou então?
- Nós não estamos em um mar de flores, .
- Mas estamos caminhando pra ele. Deixa essa insegurança de lado e vem pra cá.
- Não acho que seja a hora de voltarmos a “agarração” ainda. – Ela bufou e saiu da cama.
Maravilha.

Dia 3

Acordar no dia seguinte não foi como no segundo dia. Ela estava virada completamente para o lado oposto. E eu até tentava me aproximar, mas ela sempre se afastava e pela manhã. As nove da manhã ela já estava longe da cama preparando um café no andar de baixo. O último dia que estaríamos ali. O último dia que dormiríamos juntos. Encontrei ela no andar de baixo encarando a xícara em sua frente na varanda enquanto o vento batia em seu rosto.
- Nós podemos conversar?
- Não sei se existe alguma coisa pra conversarmos.
- , viemos aqui pra conversar.
- Tem um louco preso de mim, bate tanto e chega a machucar. Eu tento ficar calada, mas isso parece uma espécie de covardia. – Ela deu uma pausa e se virou pra mim. – Eu sinto como se eu quisesse recuperar tudo, mas eu tenho medo. Medo de que tudo que aconteceu nesses três dias acabe quando chegarmos em Belo Horizonte. Eu tenho medo de me deixar levar pela vontade que eu sinto de te abraçar aqui. Eu sei que eu não sou capaz de sair da vida que criamos. E no fundo eu sei disso.
- Então deixa aquele papel pra lá, . Deixa esse fim pra lá, nós não precisamos de um fim. Nós precisamos de um recomeço, de botar em pratica tudo que fizemos aqui. De parar de tratar o trabalho como prioridade. Nosso casamento é prioridade. Liga pro seu advogado, que você entendeu errado e que a gente tá voltando outra vez. – Ela fechou os olhos como se aceitasse pra si mesma tudo que tivesse acabado de ouvir. E se aproximou de mim.
- Não deixa eu me arrepender de tudo isso. Não deixa que a decisão de ficar seja errada. – E eu a beijei. Ela tinha me dado um recomeço. E o maldito papel, havia virado um papel amassado.




Fim.



Nota da autora: Sem nota.



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