Finalizada em: 14/02/2021

Capítulo Único

NOITE DO OSCAR
nove de fevereiro de dois mil e vinte
- E estamos aqui, ao vivo no tapete vermelho com . , quais são as suas expectativas para essa noite?
Sorri, de maneira educada, para Mike Evans segurando seu microfone.
- Estou sentindo um pouco a pressão, Mike.
Ele riu, jogando a cabeça para trás, o que fez uma mecha de cabelo cair em seus olhos.
- Pelo que sei você foi a única indicada para alguma categoria no seu primeiro longa, é essa a pressão?
- Ah, é, com certeza é!
- Desejamos toda sorte, ! – Despediu-se Mike, passando para a próxima pessoa.
Segui ao lado de , que me olhou com orgulho e admiração por todo o caminho. Fomos recepcionados e seguimos até a fileira onde estávamos designados, na primeira fileira, junto com alguns colegas que já estavam sentados lá: Jennifer Aniston, Dove Cameron e Luke Benwar, meu par romântico no filme.
O Segredo de Louise Simons talvez não fosse ganhar como o melhor filme da noite, até porque nem foi indicado para tal, porém ao menos fosse vencer na categoria de melhor atriz, protagonizado por... mim. Sentei-me em meu lugar, olhando ao meu redor e me sentindo extremamente orgulhosa por estar ali, e melhor: reconhecer que eu merecia estar ali.
Desde criança sempre fui acima do peso, mas foi na adolescência que tudo saiu do meu controle. Estresse, preocupação com a faculdade, bullying, tudo fez com que saísse do sobrepeso e entrasse na obesidade. Eu costumava não dar grande valor para isso, como se eu realmente não valesse nada por ser como era, quando na verdade acontecia justamente o contrário.
Foi no final do ensino médio que um grande quadro de depressão me fez mudar. Minha mãe insistiu que eu me esforçasse para participar do musical de fim de ano, que era obrigatório, e mesmo que eu realmente não me importasse, por causa do meu peso e da depressão, resolvi tentar. Não foi por mim, foi por ela. Desde que pisei meus pés no palco para o primeiro ensaio tinha em mente que estava ali para deixar minha mãe feliz, e não porque eu mesma queria. Ainda demorou umas duas semanas para reparar o bem que o teatro me fazia, e o dom natural que eu tinha para aquele trabalho. No dia da apresentação da peça me entreguei de corpo e alma, e abracei a atriz que nascia em mim de uma maneira fraternal, já que ela havia me salvado de mim mesma, sem nem me conhecer direito.
Por mais feliz que tivesse, o mercado nunca foi generoso comigo. Consegui participar de uma série de comédia com uns poucos episódios e participei de muitas peças de teatro. Os trabalhos que chegavam até minha mesa eram sempre os mesmos: gorda divertida, melhor amiga atrapalhada ou o pior de todos “queríamos fazer um filme sobre uma virada de vida. Poderíamos te ajudar a emagrecer, o que acha?”. Eu sabia que minha agente vinha com o coração partido sempre que eu pedia para repetir as mesmas coisas de sempre.
Eu cheguei a me culpar pelo simples fato de ser gorda. Cheguei a pensar que a felicidade que senti no palco era efêmera e que no fim das contas o teatro não tinha me salvado de maneira nenhuma. Provavelmente eu tinha me agarrado na única coisa na vida da qual eu não tinha desistido ainda. Eu parei, pensei, refleti e me arrependi amargamente de ter desistido da faculdade para isso. Foram quase dois meses de exercícios, tentando desesperadamente me encaixar em um padrão que não era o meu, apenas pelo capricho de mostrar que por trás de toda essa pele eu também conseguia ser desejável, ser séria, ser misteriosa. Eu só queria mostrar que conseguiria fazer qualquer coisa, porque era uma boa atriz.
Quando digo isso hoje em dia há quem julgue como drama, mas também há quem se identifique. Temos muitas famosas sob pressão para emagrecer; e outras que emagreceram tanto que ainda se comenta sobre seu peso mesmo assim, o que na minha opinião chega a ser pior.
Foi então que entrou na minha vida. O diretor de O Segredo de Louise Simons havia ido pessoalmente até minha agente, tendo me conhecido na única aparição em tela que eu fizera, a série de comédia.
O Segredo de Louise Simons era um filme com um gênero muito diferente do que sempre era proposto para mim. Era uma comédia romântica um pouco misteriosa. Louise Simons era uma detetive particular que resolvia todos os mistérios, mas nunca revelava seu rosto. Era a mais conhecida da cidade e ninguém sabia quem ela era. Até que Jack Houston (interpretado por Luke Benwar) chega a pequena cidade onde moram e acaba precisando da ajuda de Louise. Sem nunca se verem, os dois acabam se aproximando,e o filme envolve além dos mistérios: a descoberta do corpo gordo, a aceitação dele, o modo como se apaixonam, e foi nesse momento que vi a oportunidade de gritar para o cinema, sim, eu sei ser sexy também!
- Eu vi muito mistério em seus olhos, . Vi muito de Louise Simons e precisava de uma protagonista exatamente como você para dar vida a essa misteriosa mulher. – Ele dissera, me olhando com grande expectativa.
- Qual é o papel?
- É uma sedutora detetive particular.
Lembro que fiquei um tanto desconfiada, mas aquela altura eu aceitaria qualquer coisa.
- Quanto vou precisar emagrecer? – Perguntei, já conformada.
e os outros roteiristas riram, educados.
- Não precisa mudar nada em você, . Vamos conversar melhor sobre o filme, mas gostaria de saber se aceita o papel.
Eu fiquei extremamente chocada. Olhava de para minha agente mortificada, sem nem saber qual seria minha melhor reação. Eu iria protagonizar um filme, e com o corpo que eu já tinha! Recordo-me de me emocionar ao dizer que sim, e de me sentir levemente envergonhada por quase ter perdido minha essência na tentativa de mostrar quem eu era.
O som de música e aplausos educados, junto com a luz ambiente se apagando suavemente me trouxeram de volta à cerimônia. Nossa fileira estava bem cheia agora e ao meu lado segurava minha mão com carinho.
- Fico feliz por você estar aqui, . Você merece. – Sussurrou bem próximo ao meu ouvido para que eu ouvisse, devido ao som energético de palmas que ecoavam pelo salão.
- Eu não estaria aqui se não fosse por você, . – Sussurrei de volta. – Sabe disso.
Ele riu, aplaudindo a abertura, não sem antes responder.
- Nenhum de nós estaríamos aqui se não fosse você. – Corrigiu, apontando para todos os integrantes da fileira. Eles não tinham como ter ouvido o que me disse, mas todos sorriram com simpatia.
Tinham muitos nomes naquela fileira, mas protagonizar um filme onde Jennifer Aniston foi coadjuvante era demais até para mim. Como eram poucas suas cenas, não nos aproximamos do tipo que faria ela me convidar para uma festa de fim de ano. Quem sabe se eu ganhasse um Oscar. Dei risada da minha própria piada, prestando atenção na cerimônia.
Os indicados eram anunciados, o frio na barriga aparecia e logo em seguida muitos aplausos educados eram distribuídos. Os artistas convidados cantavam, outros divertiam os presentes, e eu estava amando tanto fazer parte desse momento que por um momento fiquei triste ao pensar que ano que vem provavelmente nem seria convidada.
Foi quando Bong Joon Ho subiu ao palco, pela terceira vez na noite, a fim de receber seu prêmio pela melhor direção do ano que, enquanto gritava e aplaudia, pensei que talvez esse pudesse ser o ano das mudanças. Nunca um filme estrangeiro fizera tanto sucesso no Oscar antes. Talvez atrizes gordas também pudessem ganhar. Talvez eu não estivesse tão nas nuvens assim pensando nessa possibilidade.
Percebi que nesse meio tempo já haviam indicado o ator vencedor, o super merecido prêmio para Joaquin Phoenix, e quando o vi descendo do palco após seu discurso, soube que era minha vez.
Iriam anunciar o prêmio de Melhor Atriz a qualquer momento. E tão rápido pensei nisso, a voz do apresentador anunciou a entrada de Rami Malek. Estava chegando a hora. segurou minha mão mais forte e meu coração parecia que iria sair pela boca.
- É uma grande honra e privilégio estar celebrando a performance dessas cinco nomeadas. Essas mulheres são poderosas e profundas e desenvolveram nossos filmes preferidos os marcando em nossos corações.
No telão apareceu algumas cenas dos filmes de nós, as nomeadas. Vi um trecho de História De Um Casamento, Harriet, Adoráveis Mulheres, O Escândalo e por fim, O segredo de Louise Simons. Meus colegas de trabalho aplaudiram e me sacudiram amigavelmente quando passei no telão.
- E as nomeadas são: Cynthia Erivo, por Harriet – Anunciou, sendo acompanhado de aplausos a cada nome proferido. – Scarlett Johansson, por História de Um Casamento. Saoirse Ronan, por Adoráveis Mulheres. Charlize Theron, por O Escândalo. , por O Segredo de Louise Simons.
Não consegui fingir costume quando aplausos e ovações após meu nome ser mencionado. Me vi pelo telão, rindo como uma boba, mas não me importei. Sorri educadamente, agradecendo os cumprimentos.
- E o Oscar vai para... – Começou Rami Malek, abrindo o envelope. Deu uma olhada para o telão onde as cinco nomeadas aguardavam o resultado, ansiosas. – .
Minha vida continuou como se eu não fizesse mais parte dela, tamanho o meu choque. me abraçou forte, beijando meus lábios com força, o que acabou apertando as pedrarias do vestido em meus ombros, mas não me importei, o beijei de volta. Jennifer Aniston e Dove Cameron apertaram minhas mãos, já que estavam mais afastadas e tive que lutar uma, duas, três vezes com as lágrimas de alegria que insistiram em cair.
Como já estava na primeira fileira, andei com elegância até os degraus, onde senti pela primeira vez em toda minha vida que havia feito algo certo.
Cumprimentei Rami Malek no palco, no qual segurei pela primeira vez, meu prêmio de melhor atriz. Era de um Oscar que a gente estava falando. Oscar! Rami Malek passou para o lado, me dando a chance de usar o microfone para meus agradecimentos.
Eu tinha um discurso ensaiado. Todo mundo tinha, até mesmo as quatro nomeadas que não levaram o prêmio. Mas quando segurei o microfone com a mão livre, olhei a multidão que sorria de uma maneira simpática, e principalmente quando vi bem na minha frente, decidi que aquele discurso não valia mais. Eu tinha várias coisas para falar, e essa era minha oportunidade de ser ouvida.
- Bem, primeiramente quero agradecer à Academia, pela oportunidade de ser parte desse momento. Quero agradecer a todos que viram meu trabalho e me acharam merecedora de um destaque. E também quero agradecer a pela aventura inenarrável que foi vestir a pele de Louise Simons. – Declarei, sorrindo. – Minha vida profissional não foi fácil. Não era bacana ouvir um “não”. Não era bacana ouvir que não tinha o “perfil” para o papel. Nunca foi legal ouvir que a gente precisa emagrecer para conseguir alguma coisa. Certamente alguém deve, algum dia, ter me falado que eu jamais ganharia um Oscar sendo gorda. – Discursei, levantando a estatueta. As lágrimas já faziam parte de mim, e notei uma solitária caindo também pelo rosto de . – Louise Simons não é somente uma personagem para mim. Ela sou eu, e provavelmente por esse motivo me dediquei tanto para viver o que ela viveu, amar o que ela amou e ser feliz à sua maneira. Louise me ensinou mais coisas sobre mim do que eu achava ser possível. Me ensinou que sou forte, sou elegante, sou tímida, sou feliz! Foi quando me peguei pensando: Ei, essa é a minha vida! Eu não vou me sentar nas margens esperando ela passar. Eu vou deixar o meu legado, minha marca e vou fazer isso direito! Já chega de me esconder, de me machucar. Então eu disse sim ao , porque queria quebrar esse estereótipo. Louise Simons é uma mulher séria, sexy e misteriosa, e esse prêmio me mostrou que você pode ser tudo que você quiser.
Algumas pessoas aplaudiram, enquanto eu enxugava as lágrimas com o dedo mindinho.
- Esse prêmio não é só meu. Esse prêmio é para todas as atrizes plus size que em algum momento de sua carreira se sentiram indesejadas, substituíveis ou incapazes. Meninas, esse prêmio é nosso!
Muitos aplausos me seguiram enquanto eu descia do palco para ir até meu lugar. me olhava com um orgulho tremendo e eu acreditei em mim mesma mais do que nunca.
- O discurso novo é bem melhor que o original. – Disse, aplaudindo forte e beijando minha bochecha.
Sentei-me em minha cadeira, abraçando meu prêmio. Nunca em um milhão de anos a de dezessete anos acreditaria no que estava acontecendo. Nunca em um milhão de anos a de quinze minutos atrás acreditaria nisso.
O fato de ser cogitada para vários papéis, mas apenas emagrecer definiu boa parte da minha carreira. A questão não era mais romantizar a obesidade. Sempre comentava sobre isso no Instagram, que nunca havia nada de romântico em ser obesa. Sempre mostrava as consequências do que eu sou, simplesmente por ser gorda. O problema no body positive é quando você não tem outra opção a não ser conviver com quem você é. O problema não é ser gordo, o problema é querer ser magro para agradar alguém que não é você mesmo. Então eu decidi me escolher.
Com a premiação de melhor atriz pelo filme O Segredo de Louise Simons, eu havia dado um passo importantíssimo em minha carreira, que tendia a ser maravilhosa dali para frente.
Mas foi interpretando Louise Simons no cinema que aprendi a lição mais importante de todas: me amar, levantando todas as minhas barreiras contra os estereótipos e nunca, jamais, desistir sem lutar.




Fim.



Nota da autora: Espero que tenham feito uma boa leitura, meninas! Essa oneshot é muito especial para mim, por isso é importante que tenham gostado!



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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