Última atualização: Fanfic Finalizada

Há alguns anos, sem algum motivo aparente, a Terra parou seus movimentos de rotação e translação durante um fenômeno raro, o eclipse solar. Pesquisadores do mundo inteiro rapidamente foram convocados para realizarem pesquisas sobre as causas, obtendo apenas resultados infrutíferos. A contribuição que puderam oferecer foi a implantação de um sistema que, utilizando os vários satélites artificiais, poderia imitar as variações de dia-noite no planeta, permitindo uma adaptação social durante aquele processo inexplicável. Além disso, os governos de todos os países dispuseram os melhores profissionais para que pudessem controlar os fenômenos naturais que explodiam a todo momento por causa da estagnação da Terra. Atualmente, a Terra depende de tecnologias de ponta para manutenção das vidas que residem ali.


Ato I.



When the palm of my two hands hold each other
That feels different
From when your hands are in mine
That's just the way it is



se deu conta de que estava num lugar diferente. Onde se encontrava assemelhava-se a um grande salão, construído com uma parte circular e outra quadrada; as paredes eram pintadas em tons de branco e cinza claro e, na intersecção como teto, as sancas alvas eram decoradas com lindas flores de traçados finíssimos e que brilhavam, conforme a luz fraca penetrava pelas janelas enormes, que se espalhavam pelas paredes. Na parte quadrada, uma cama de dossel se encostava sob uma das vidraças largas, totalmente envolta num tecido branco esvoaçante; uma penteadeira se encostava a poucos metros da cama, junto a dois cabideiros de ferro, onde cabides se debruçavam e se misturavam numa confusão de cores. Ela estava dentro de uma banheira de alvenaria redonda, feita no chão e nivelada a este, de frente para uma porta de vidro, que permitia a luz lunar refletir sua imagem molhada nos vidros, ainda que estes estivessem embaçados pela água quente.
Deveria sentir vergonha ou desconforto de estar tão exposta assim, onde qualquer um pudesse vê-la, mas aquele lugar trazia uma sensação de familiaridade que não poderia explicar. Apenas se sentia confortável naquele lugar, relaxando sob a água perfeitamente quente. Olhou para baixo, para a água quase imóvel — salvo pelas pequenas ondinhas ao seu redor — e fitou sua imagem, descobrindo seu rosto quase feliz. A lua também era refletida naquele espelho de água, e isso a intrigou, fazendo-a olhar para as janelas. Saiu da água e projetou o corpo sobre a beirada da banheira, esticando os dedos para o vidro, esfregando-os para reduzir a imagem baça da lua. Parecia tão linda!
Deixou a banheira e abriu a porta dupla de vidro, sentindo o vento frio tocar sua pele úmida, arrepiar cada parte do seu corpo. Só queria contemplar a lua, pois era parecia tão palpável, tão real! Se encontrava na fase cheia e carregava um brilho amarelado; parecia tão perto. expirou profundamente, sentindo-se encantada pela imagem. Quando satisfeita, voltou para a água, deixando as portas abertas e ficou ali, imersa, encarando o satélite de forma amorosa. Não era capaz de explicar sua fixação por ela.
Um barulho a despertou alguns momentos depois. Ela se sobressaltou ao ouvir o destravar do fecho de uma porta e rapidamente olhou para as duas largas portas de madeira na parte mais distal do quarto, percebendo que se entreabriam. Um homem adentrou o ambiente e fechou as portas atrás de si. Ela não conseguia ver seu rosto, mas era perfeitamente capaz de avistar suas roupas brancas, os símbolos de devoção e suas patentes presas sobre o lado esquerdo de seu peito. Mesmo que não conseguisse ver claramente os olhos, sabia que ele a fitava e, sem saber o porquê, ficou em pé, sentindo os filetes de água escorrerem por sua pele. O homem se aproximou com passos silenciosos e isso, de alguma maneira, pareceu desencadear uma reação estranha em . O coração dela passou a bater rápido demais em seu peito e sua respiração ficou pesada, fazendo-a expirar pela boca. Uma vontade súbita de suspirar surgiu e um deles escapou antes mesmo que percebesse; suas mãos pareciam tremer, assim como suas pernas, e um arrepio quente escorregou por toda sua espinha, derretendo qualquer resistência que deveria apresentar. Umedeceu os lábios com a ponta da língua e, sem querer, sorriu. Quem era aquele rapaz que causava aquilo nela? Queria ver seu rosto, tocá-lo, sentir sua textura.
Saiu da banheira, sem vergonha da própria nudez. A água pingou sobre o chão de mármore frio e ela não se importou, pois apenas queria se aproximar daquele homem. Mesmo perto, não conseguia lembrar-se do rosto e parecia que este ficava encoberto por sombras baças, ainda que se aproximasse. Ele também andou, mas na direção de um espelho, esticando a mão para ela num convite mudo. Parecia um convite tão tentador, apesar de não haver nada mais que gestos que, se negasse, sentia que seria estúpida. Foi na direção dele, como se atraída por uma força gravitacional, e seu corpo foi refletido no espelho de moldura composta por arabescos prateados: visualizou as curvas suaves, a pele homogênea, os seios cujos mamilos se projetavam de frio e de excitação. Visualizou também o rapaz atrás de si, bons centímetros de diferença, e observou o delineado de seu corpo coberto pelas roupas nobres, observando seu peitoral largo, as pernas esguias.
As mãos dele se apoiaram em sua cintura: ele usava luvas também brancas, que cobriam apenas seus dedos, deixando o dorso descoberto. O toque a arrepiou e se empinou um pouco. Sentiu uma das mãos subirem pelas costas, o indicador delineou sua coluna até alcançar a nuca, onde tocou os fios compridos. Empurrou-os para o lado, deixando o local nu. A garota mordiscou o lábio quando sentiu o toque macio dos lábios, o roçar suave da ponta do nariz e a respiração ritmada e delicada na pele úmida e perfumada.
A outra mão a empurrou para trás, contra o peito dele, antes de cobrir um dos seios, massageando de leve a carne enrijecida, o mamilo intumescido que, às vezes, se projetava entre os dedos daquele desconhecido. Ela suspirou, antes de colocar a sua mão sobre a dele, pedindo um pouco mais de força, ainda que a aspereza do tecido de sua luva pudesse arranhar a maciez sensível. Aquele homem a deixava excitada, mas não sabia o porquê. Na verdade, sequer sabia quem ele era, só que sabia que existia uma ligação entre eles. Fechou os olhos por um momento, jogou a cabeça para trás e sentiu a mordida em seu pescoço. Sentiu seu sussurro, apesar de não tê-lo ouvido: o mundo parecia estar mudo para ela. Contudo, era capaz de descrever com exatidão o timbre grave, rouco e lento com que ele falava, mesmo que não o escutasse. Sorriu por causa disso, porque aquilo era reconfortante.
A mão em seus cabelos agora descia para o outro seio e ele a puxava ainda mais contra seu corpo, deixando-a deitada sobre peitoral largo. Ele enfiou uma das pernas entre as dela, dando suporte aos quadris e ainda permitindo que sentisse a ereção dele em suas nádegas. Remexeu os quadris num movimento lento e, novamente, sentiu a voz dele. Parecia agressiva e, também, sem saber como, sabia que ele sorria daquele jeito que fazia seus ossos virarem gelatina. Aquele sorriso que deixaria qualquer uma encharcada.
A barba baixa arranhou seu pescoço, seu ombro e a pele era coberta por beijos. As mãos a apertavam, alisavam, puxavam e beliscavam seus seios, mas não era suficiente, ambos sabiam. Ele trilhou um caminho mais ao sul, um trajeto tortuoso e demorado, enquanto a distraía com seus beijos molhados na mandíbula tensa e suas mordidas leves, ainda excitante. já se desmanchava antes mesmo que ele alcançasse lá, mas ainda assim, estava curiosa: sentia seus toques e seus estímulos a faziam respirar irregularmente, porém, por que não era capaz de vê-lo? Queria saber quem era aquele cavalheiro misterioso.
O questionamento beirou seus lábios, mas se perdeu quando sentiu o toque entre suas coxas: foi preciso e ela soltou um suspiro sôfrego. O tecido da luva não era tão macio quanto deveria ser a pele dele, mas a aspereza do tecido carregava consigo novas sensações e não demorou a estar remexendo os quadris sobre as pontas dos dedos e deixando o pedaço do pano úmido com sua própria excitação. De alguma maneira, sabia que ele a adorava e que ela correspondia aos sentimentos dele, mesmo não sabendo quem era ele.
A mão livre dele pousou sobre sua mandíbula e arrastou com delicadeza seu queixo para que se olhasse no espelho e encontrasse a própria face rubra, os lábios mais molhados do que imaginara e seus cabelos caindo desajeitados sobre o rosto. Ainda incapaz de reconhecer o rosto dele, mas se tornou incapaz de reconhecer ela mesma, diante das mudanças visuais que o prazer que ele a dava geravam em seu rosto. Era delicioso sentir a mão dele estimulando-a em locais certos e arrancando fagulhas de prazer, mas ainda era mais se podia se ver ali, totalmente submissa aos movimentos dele.
Fechou os olhos e pensou no rosto dele: sabia que era o mais bonito que encontrara. Queria vê-lo, mas quando abriu os olhos, tudo parecia nublado. Queria continuar ali, só que sabia o que iria acontecer. Estava gostoso demais para que isso acabasse. Seus olhos se fecharam num instante, sentindo o ápice se avolumar em seu ventre. Resfolegou, juntando seus dedos aos deles, auxiliando-o, guiando-o. Ele cobriu a visão dela com a palma da mão livre, mas estava bastante cônscia da proximidade da respiração, do hálito quente sobre seus lábios e o prazer iminente entre suas pernas que reverberava por cada célula até alcançar-lhe as partes mais distantes. Cada vez mais perto da boca dele, do beijo dele. Cada vez mais próximo seu orgasmo...

Acordou sobressaltada, enrolada em edredons como se tivesse um sono agitado. Seu coração estava completamente desenfreado em seu peito e uma fina camada de suor recobria sua pele, fazendo a blusa fina grudar em seu corpo. suspirou pesadamente, voltando a deitar sobre os travesseiros, olhando para o teto branco tão diferente do seu sonho. Levantou as mãos no alto, observando a pele ser iluminada pelos feixes solares e entrelaçou os próprios dedos. Era uma sensação diferente da que se recordava do sonho: era solitária e gelada.
Mordeu a boca, seus lábios ressequidos, e então pegou uma garrafa de água ao lado, virando o conteúdo até o final de olhos fechados por um instante. Voltou a abri-los e expirou profundamente: estava incomodada demais. Seus seios estavam inchados e os mamilos se projetavam através do tecido e úmido; não conseguia parar de juntar as coxas, apertá-las, e franzia a testa. Fechou os olhos e quase pôde vê-lo novamente. Seu príncipe misterioso. Quase era capaz de sentir a aura deliciosa que ele transportava consigo. Imaginou as mãos dele em sua nuca, puxando os cabelos e depois descendo lentamente, apertando os seios da maneira que gostava. Suas próprias mãos traçaram aquele caminho e um suspiro chegou aos lábios dela quando tocou o tecido rijo, inchado e sensível. Escorregou as mãos pela barriga, pressionando as coxas mais uma vez, até que por fim, seus dedos deslizaram por sua virilha, apalpando a carne e, aos poucos, deixou seus dedos explorarem aquelas partes delicadas, tocando-as, provando a sensação que traziam. Imaginava que era ele e que eram os dedos fortes que estavam ali no lugar dos seus, apertando, manipulando aquelas áreas. Não era suficiente. Deixou os dedos deslizarem por sua cavidade encharcada e seu corpo se arqueou, seus movimentos mais rápidos, inconstantes. Sua respiração irregular e pesada se queixava, enquanto não demorava para que ela atingisse seu ápice. Tinha sido rápido, constatou, mas já estava extremamente sensibilizada por causa daquele sonho. Suspirou novamente: não era a primeira vez que acordava assim, desejosa. Fazia mais de um mês que tinha sonhos com aquele cavalheiro desconhecido e sempre acordava assim: molhada, excitada e sozinha. Bem, na maioria das vezes.
Rolou para o lado, vendo a luz entrar por pequenas frestas da cortina espessa e seu gato branco, Mr. White, dormir enrolado ao pé da cama. Olhou o relógio sobre o criado mudo e viu que ainda era cedo. Afastou as cobertas e saiu da cama, caminhando para o banheiro e desfazendo das únicas duas peças que vestia para entrar no chuveiro de água quentinha, perdendo longos minutos ali. Ainda estava encucada com a imagem daquela pessoa em seus sonhos. Não era dessas que tinha por crença acreditar em sinais que apareciam nos sonhos, mas aquilo se repetir toda noite já estava sendo demais. Mas o que estranhava mais era o fato de que a cada vez que se lembrava da imagem dele, ainda que apenas seu corpo esguio, sentia a sensação de intimidade. Conhecia-o, só não sabia de onde.
Bufou, fechando o chuveiro e sentindo-se mais uma vez frustrada. Se enrolou na toalha e passou a secar os cabelos na frente do espelho. Quando terminou, encarou seu reflexo e levou os dedos ao espelho gelado. Seus cabelos e seus olhos eram as coisas que mais gostava por causa de suas cores: seus fios eram naturalmente platinados e seus olhos possuíam a cor de chumbo derretido. Achou que, naquele dia, os tons estavam mais fortes que o usual, entretanto, deveria ser somente impressão. Deixou os pensamentos de lado, trançando os fios rapidamente e passou um batom de cor leve, antes de sair do banheiro para vestir os jeans escuros, a camiseta estampada com uma frase do Pequeno Príncipe e um moletom que jogou por cima. Pegou a mochila de lona com os cadernos da faculdade, calçou os tênis e deixou o pequeno apartamento onde vivia sozinha. Montou sua bicicleta laranja e se encaminhou para o centro da cidade onde morava, parando numa senhora que vendia bolinhos caseiros numa barraquinha e comprando alguns para levá-los a livraria onde trabalhava.
— Bom dia, . — cumprimentou Alexandra (ou para os íntimos, Alex). — Bolos de milho? — questionou, já vasculhando a sacola de plástico na mão da garota.
— E de mirtilo. — ela riu com a dancinha de vitória feita por Alex. — Hoje deve encher, é início de mês. — disse, olhando ao redor, observando alguns faxineiros limparem o local antes da abertura da loja. Se pôs atrás do balcão, mordiscando um bolinho com sua fiel xícara de café do lado e observou algumas pessoas entrarem ali, olhando as prateleiras repletas de livros. No fim, era um trabalho bastante tranquilo, além de ser num ambiente bastante calmo e com um salário razoável. Abriu o sistema de registro no computador, além do email e percebeu haver um de sua mãe.
era filha adotiva. Tinha sido incluída na família ainda bastante nova, de maneira que não se recordava muito. Na realidade, não lembrava muito de sua infância, além de alguns fragmentos, mas não se importava. Sabia que era amada e retribuía efusivamente aquele amor da maneira que podia, tanto que ficava triste de ter que ver seus pais quase não a encontravam, uma vez que viajavam bastante num projeto pessoal de conhecer todos os países que pudessem. Eles ajudavam a pagar sua faculdade e seu apartamento e, principalmente sua mãe, mandava emails constantemente para saber se ela estava passando bem e precisava de algo. Também dizia como eles estavam e enviava fotos dos locais onde visitavam, reclamando sempre que deveria estar com eles.
O email daquele dia falava sobre como a Turquia era linda e como ela deveria visitar aquele lugar em algum momento. sorriu com a foto dos pais numa bela construção lindamente colorida e se pôs a responder o texto, além dos questionamentos de sempre, mas se interrompeu para fazer o registro de duas vendas de uma garota jovem, acompanhada do namorado. Quando voltou, releu o texto de sua mãe e arqueou a sobrancelha: havia uma nota dizendo que eles estariam ali para o aniversário de 24 anos dela, que seria dali a duas semanas, aproximadamente. nem lembrava deste fato e acabou respondendo de modo entusiástico, sugerindo que saíssem para comer bolo naquele dia. Enviou o email e sorriu quando sentiu Alex atrás de si, fofocando sobre o conteúdo do email.
— Vamos beber no dia do seu aniversário. — comentou ela, antes de beijar a bochecha de . — E arranjaremos um cara super gostoso para você... — fez um gesto com as mãos, arrancando uma gargalhada gostosa de .
— Já entendi, Alex, mas por enquanto, vá atender àqueles clientes.

*


O dia terminava tranquilo para . Às 16h, ela já fechava todos os registros de venda do dia para que Alex — a pessoa que ocupava seu lugar quando ela estava na faculdade — não tivesse tanto trabalho. Cerca de meia hora depois, se despediu dos funcionários, subiu em sua bicicleta e rumou para a faculdade, chegando a tempo de comprar algo para comer antes da sua aula. Compenetrada no ato de abrir o saquinho de chips, esbarrou em alguém que segurou em seus braços, assustando-a.
— Ah, Julio, é você. — resfolegou, vendo o rapaz de cabelos negros sorrir para ela e seu piercing labial brilhar a luz do corredor.
— É sempre um prazer de vê-la também, . — deu uma piscadela com um daqueles maravilhosos olhos verdes que sempre faziam a garota suspirar. — Ansiosa para a aula de Mecânica Quântica de hoje? — ela gargalhou de deboche. Ambos faziam faculdade de Astronomia e tinham entrado no mesmo período, apesar de cursarem apenas duas matérias juntos. Era um curso bastante difícil, principalmente pela quantidade de disciplinas que envolviam Física, mas gostava do desafio. Tinha notas bem próximas a média, mas se orgulhava de dizer que tinha reprovado apenas três matérias — uma vitória pessoal, uma vez que era clássico que os alunos tivessem, a essa altura do campeonato, ao menos oito reprovações, em média.
— Quase morro de excitação quando o professor começa a desenvolver aquelas fórmulas impossíveis no quadro. — comentou ela, enquanto andavam em direção a sala. O rapaz sorriu.
— Você não se arrepende de ter escolhido esse curso? — questionou, se acomodando numa mesa ao lado da dela. olhou através do vidro da janela ao seu lado, observando o início do pôr do sol.
— Apesar das dificuldades, não. — ela sorriu para o sol e para as outras estrelas pequeninas que garantiam seu espaço naquela mescla de cores entre laranja e azul. — Acho que não poderia ter algo que eu gostasse mais do que estudar o Universo. — Julio pareceu aceitar sua resposta, ou apenas ficou impressionado com o encanto que aquela garota bonita apresentava pelos céus. Ele sorriu, mesmo que ela não pudesse ver, e deitou a cabeça sobre a mesa, enquanto o professor chegava pontualmente e cumprimentava os alunos.


A aula de três horas pareceu uma eternidade para . Ao final, parecia que seu cérebro tinha tido estuprado depois de tantas fórmulas e contas complicadas descritas em detalhes no quadro. Ela soltou um suspiro pesado e acenou para Julio, que apresentava a cara amassada depois de dormir por pelo menos metade da aula, antes de deixar a sala e se encaminhar um andar abaixo, entrando na sala de Estudos sobre a Evolução do Universo, se acomodando numa cadeira ao fundo da sala. Por ser uma aula de um período a frente, seus amigos não cursavam, apenas um ou outro veterano que falavam com ela.
— Esbarrei num cara maravilhoso ali na escada, ainda há pouco! — comentava uma garota ao seu lado com a amiga. — Ele parecia ter saído de um filme, mas era real!
— Não tenho essa sorte. — lamuriou-se a outra. — Poderíamos ter um professor assim. Ia ser um incentivo a assistir aulas. — rolou os olhos, colocou os fones de ouvido e deitou a cabeça sobre os braços, fechando os olhos, apenas para esperar o professor chegar.

O céu parecia se abrir para ela, enquanto deitada na relva fresca e úmida do sereno. Seu vestido de tecidos muito finos se umedecia, mas ela não se importava porque se sentia mais perto que nunca da sua própria natureza. lambeu os lábios, sentindo o gosto da Lua neles e sorriu, satisfeita. Olhou ao arredor e não sabia onde estava, mas gostou dali imediatamente, porque sentia que fazia parte daquele lugar.
Uma sombra se fez presente e ela olhou para cima, percebendo a silhueta do homem. Era o mesmo príncipe misterioso de sempre, mas ainda sim era surpreendente encontrá-lo. Algo parecia diferente, constatou. Ele estendeu a mão para ela e aceitou seu aperto, sentindo a delicadeza da luva dele tocar sua pele, antes de entrelaçar os dedos aos dele. Sabia que ele estava sorrindo, apesar de ainda ser incapaz de vê-lo.
Kay'o.
Pela primeira vez, não sentiu apenas a voz dele. Pôde escutá-la: era grave e rouca; arrepiava-a. Ela sentou e viu ele se ajoelhar a sua frente, próximo a suas pernas. Estendeu a mão para tocá-lo...
.

O toque a fez acordar, sentindo a luz fluorescente da sala de aula. Os sons sussurrados de seu sonho deram lugar ao arrastar das cadeiras, o que a fez levantar para observar as pessoas indo embora e para a sombra ao seu lado. Era uma veterana sua — Shaya, se não se enganava.
— A aula já acabou, . — ela sorriu ternamente. — Perdeu o super gato que veio dar aula.
— Que droga. Por que mudaram o professor? — comentou, alisando os olhos pois o inchaço a incomodava. — Ele passou muita matéria?
— Não sei. Eu meio que estava hipnotizada por ele e não prestei atenção em muita coisa. — as duas gargalharam baixinho e recolheu suas coisas. — Mas ele disse que havia tudo num livro de referência. — a garota assentiu e agradeceu, se despedindo da colega ao ir em direção ao bicicletário para resgatar sua bicicleta.
A noite estava tão fresca que resolveu tomar o caminho mais longo para casa, pegando uma avenida onde haviam várias árvores cujas folhas enfeitavam as ruas com suas cores vibrantes. Ela passou pela extensão larga da avenida, olhando distraidamente para as construções da rua e cumprimentando algumas pessoas pela rua. Um local chamou sua atenção e ela freou bem em frente da área. Era um templo e jurava que tinha sido construído de um dia para o outro, pois não se recordava de tê-lo visto em obras. Mas gostou da casa larga e do altar que havia ao fundo e as árvores traziam certo movimento a sensação de imobilidade que aquele local apresentava. Pensou em entrar, mas viu no seu relógio de pulso que já era muito tarde, então desistiu, voltando a pedalar. Mas não sem antes dar uma última olhada no lugar.

*


Os dias se passaram sem muita diferença para . A única coisa que a intrigava ainda eram os rumores sobre o novo professor bonitão que aparecera na faculdade, mas ela ainda não tivera a sorte de encontrá-lo pelos corredores. Não faria muita diferença, uma vez que naquela sexta ela teria novamente aula de Evolução do Universo e poderia, talvez, ver a pessoa em carne e osso. Saiu do trabalho atrasada para a primeira aula, pois a loja estava muito cheia e não podia deixar seus amigos na mão, de modo que já estava escuro quando se aproximou do bicicletário para deixar seu veículo ali. Estava tão embaraçada com seu próprio atraso que, quando se abaixou para prender o cadeado, deixou que a mochila de lona caísse no chão e, por estar mal fechada, seus cadernos se espalharam pelo chão, o que a fez soltar alguns xingamentos, enquanto os recolhia, desajeitada.
— Olá, gracinha, precisa de alguma ajuda? — olhou por cima do ombro, visualizando dois rapazes com idade próxima da dela chegando por trás. Pareciam estar alterados e um deles carregava uma lata de cerveja. Ainda era cedo, mas algumas pessoas gostavam de começar a noite mais cedo que outras.
— Não, obrigada. — forçou um sorriso, antes de expirar profundamente e ficar em pé. Acenou para os rapazes e deu um passo, antes de ser interrompida por um deles que agarrou seu braço.
— Que tal fazer companhia para gente, gracinha? Aposto que poderíamos te entreter bastante. — o hálito de álcool invadiu as narinas dela e se sentiu nauseada. Estava escuro naquele local e aquilo deixou mais temerosa.
— Por favor, me deixem em paz. — implorou, baixinho, tentando soltar o braço do forte aperto.
— Mas só estamos conversando, gracinha, que mal há?
— Os dois estão incomodando a senhorita? — uma voz reverberou pela área e o som de passos se fez presente. foi rapidamente solta, ao passo que o homem segurava o rapaz pelo colarinho e o afastava dela. — Acho melhor irem embora, antes de serem denunciados. Ou antes que eu os espanque. — os caras fitaram o homem com ódio no olhar, mas se afastaram, deixando-os a sós. — Você está bem? — a meia luz, já sabia que ele era bonito. E que havia algo nele que a fazia se sentir intimidada e, ao mesmo tempo, familiarizada. Ela se encolheu, pressionando o local onde tinha sido apertada e suspirou. — Deveria entrar logo no prédio e passar na enfermaria. — e, sem cerimônias, ele a deixou sozinha. Mesmo que por um minuto, antes que resolvesse entrar no prédio.
Seguiu o conselho dele, visitando a enfermaria da faculdade, onde passaram uma pomada para reduzir o hematoma do apertão e enfaixaram cuidadosamente, antes de liberarem-na. Já eram 20:15h quando se aproximava a passos rápidos da sala onde teria Evolução. A porta estava fechada quando alcançou seu destino: inspirou o máximo de ar que pôde e deu três batidas na porta, esperando ouvir a liberação a sua entrada. O som da porta sendo aberta enrubesceu e piorou quando percebeu que quem abria era o cara que a tinha ajudado antes.
— A senhorita dormiu na aula passada e agora chega vinte minutos atrasada. — abriu ainda mais a porta, consentindo sua entrada. — Está deixando uma ótima impressão. — deu uma piscadela divertida na direção dela, enquanto esperava sua entrada antes de fechar novamente a sala. Envergonhada, ela se sentou na primeira cadeira livre que viu — que infelizmente era na frente da mesa do professor. — Estávamos discutindo sobre A Origem e eu adoraria ouvir sua opinião acerca do assunto. — ele se acomodou na beira da mesa, bem em frente a ela.
— Em qual aspecto o senhor prefere que discuta? — murmurou, ainda sem encará-lo.
— Não me importo. Pode ser físico ou metafísico. Só fale alto, por favor. — respirou e se tranquilizou, antes de erguer a cabeça e fitar os olhos do homem.
— Stephen Hawking escreveu um texto bastante interessante acerca da origem do Universo, onde discorre sobre um mito que escutou na África sobre uma entidade que teria vomitado nossas estrelas e satélites conhecidos e que assim seria formado o Universo. Depois, introduz Aristóteles e o conceito de infinitude do Universo: ele sempre existiu e sempre existirá, independente da nossa presença aqui. Depois, começa a dispor alguns fatos, como a relação tempo-espaço de Einstein e a descoberta de Hubble sobre a expansão do Universo, além de colocar suas próprias descobertas em pauta. Fisicamente, ainda não conseguimos obter fatos que permitam esclarecer como surgimos e de onde surgimos. Será que uma implosão térmica teria sido capaz de criar o que conhecemos como essa galáxia que vivemos? O Big Bang apresenta pontos fortes, mas ainda é capaz de explicar como essa temperatura ridiculamente alta poderia se encontrar? Não somos capazes, ainda na nossa insignificância, em obter dados de como o Universo era antes para justificássemos que esse seria o seu depois. Apenas podemos projetar e coletar dados para tentar criar uma teoria satisfatória.
— Esse é seu ponto de vista?
— Esse é meu ponto de vista racional. Se me permite explorar o âmbito filosófico da nossa origem, diria que não surgimos do nada. Reações químicas acontecem a todo tempo e ainda não fomos capaz de criar um humano desse jeito. Não podemos simplesmente juntar um monte de partículas, comprimi-las e reagi-las para que se tornem humanos, muito menos criar um Universo inteiro. Em alguma parte, pode haver a explicação da nossa origem, que acredito ser mais profunda que apenas a evolução de seres até que chegassem a nós. Além disso, se incluirmos aqui a teoria evolucionista como um modelo perfeito, temos que presumir que estamos numa dinâmica de evolução que, no futuro, humanos não serão "um grupo superior", e sim mais uma fase de um processo muito maior o qual somos incapazes de compreender. — sustentou o olhar dele se sentindo nervosa com isso. Aqueles olhos, de tão distinto tom alaranjado, pareciam ler cada linha e entrelinha dela, e isso trazia um arrepio delicioso em seus pelos, assim como fazia seu coração bater rápido sem qualquer motivo.
— É um bom ponto de vista. — comentou, sorrindo, e se virou para o restante da turma, continuando a aula. Neste momento, expirou, se perguntando quando prendera a respiração. Relaxou na cadeira e olhou através da janela. Havia uma lua brilhante e amarelada contra o céu escuro, mas não a animava nem de longe como aquela que aparecia em seus sonhos.
Sentiu uma cutucada em seu ombro e se virou, percebendo que estava sendo observada pelo professor e ficou enrubescida, apesar de não haver qualquer julgamento nos olhos dele. Tentou se focar em seu caderno e em rabiscar algumas anotações sobre o que ele falava e se impressionou com o conhecimento e profundidade com que aquele homem falava, mal percebendo o tempo passar. Ficou surpresa quando ele olhou o relógio no seu pulso e disse que sua aula tinha passado até mesmo do horário. Guardou suas coisas e jogou a mochila sobre o ombro, se encaminhando para fora da sala, porém, ao chegar na porta, ouviu algo como um zumbido, uma vibração no ar muito tênue e ela olhou para trás, avistando o professor parado de frente para a janela, focado em olhar o céu.
— Como está seu braço, senhorita? — se sentiu novamente intimidada quando ele se virou na direção dela.
— Está melhor. Obrigada pela ajuda antes.
— Não por isso, mas deveria tomar mais cuidado. — o professor sorriu, pegando suas coisas sobre a mesa. — A propósito, gostei da sua resposta perspicaz. — sorriu por um instante.
— Qual seu nome? — questionou mais rápido do que pôde processar.
.

Ela assentiu, observando os passos largos dele que o fariam se aproximar dela, mesmo que fosse apenas para chegar a porta da sala. Parecia que a mesma vibração que sentira antes se tornava mais intensa a cada centímetro que reduzido entre eles até o momento que a alcançou e tocou-a no antebraço ferido. Os dedos dele eram delicados, mas ela recuou porque parecia que um choque surgira onde a pele de ambos se encontrara. Por um momento, uma imagem um pouco distorcida ocupou a visão de , mas se extinguiu rapidamente. arfou e olhou o homem à pequena distância dela.
Ele era bons centímetros mais alto que ela e parecia ser, pelo menos, dez anos mais velho. Possuía um rosto quadrado, com traços fortes e maxilar pronunciado, onde uma barba cerrada e bem aparada recobria a pele meio bronzeada; seus cabelos eram compridos, alcançando o queixo e possuíam uma coloração ruiva natural, onde as mechas variavam entre cobre e laranja. E essa cor também tingia sua barba e, quando olhou com mais atenção, também pigmentava os olhos dele: olhos alaranjados, com ar de deboche e nobreza que a faziam resfolegar sem perceber. Príncipe, pensou a garota. — Eu te machuquei? — foi um comentário baixinho e, mesmo que ele ainda estivesse parado a sua frente, sentiu como se falasse no seu ouvido.
— N-não. — ele assentiu, antes de ir embora.


Bem mais tarde, se encontrava deitada em sua cama, observando o olhar azul e tranquilo de Snow. Ainda repassava os fatos do dia e, a cada vez que fechava os olhos, ainda aparecia a imagem de em sua cabeça. O que a incomodava não era a atração física que surgiu porque isso era passível de explicação. O que a perturbava era o fato que ela parecia conhecê-lo. Era uma teoria ridícula, mas era como se já tivessem se encontrado antes e aquilo era inexplicável porque se recordaria de alguém como ele. Só que era impossível negar que seu coração batia diferente a cada vez que ele deixava o olhar repousar sobre ela ou cada vez que ele sorria aquele sorriso de lado, meio contido. E, o pior de tudo para , era como seu corpo reagia a voz dele: era como se a tivesse ouvido antes, aquela sonoridade grave, profunda, que parecia rasgar cada palavra e fazê-la penetrar seu corpo e sua alma. Era como se ela pudesse se afogar naqueles tons que trazia consigo arrepios deliciosos em sua coluna. Ela não sabia seu sobrenome, sua idade ou qualquer coisa de sua vida. Apenas sabia que o desejava como nunca desejou algo ou alguém. E se sentia estúpida com isso.



Ato II.



And when my voice is screaming out to my own ears
That feels different
From when I hear yours



estava nos jardins que haviam na parte externa do salão. A festa de máscaras que acontecia lá dentro era incrível e ela estava deliciada com as pessoas que encontrara em seu caminho, principalmente porque toda a reverência que geralmente davam a ela podia ser deixada de lado, uma vez que sua máscara dificultava o reconhecimento de seu rosto. Naquela noite, era apenas mais uma dama dentre várias.
Ela se sentou com seu vestido de seda num banco de pedra esculpido no meio do jardim. Os raios lunares a cobriam por inteiro, parecendo renová-la e apreciou um momento de tranquilidade, antes de ouvir a grama ser pisada e o farfalhar de roupas, que a fez abrir os olhos e fitar seus arredores. Um jovem caminhava para perto dela. Ele usava uma roupa elegante, condizente com a festa, e uma máscara dourada que escondia a parte superior de seu rosto e seu nariz. Ela era relativamente simples, mas parecia cair bem para seu dono.
— A luz reflete bem em sua pele, senhorita. — sorriu.
— Obrigada pela cortesia. — voltou a olhar para o céu. — Deveria estar aproveitando a festa, não?
— Como posso tirar para dançar a dama que olhei a noite inteira se ela foge do salão? — ele se pôs a sua frente e ajoelhou-se. — Conceda-me a dança, senhorita? — o rapaz estendeu a mão enluvada para . Ela manteve seu sorriso de compostura até encontrar o rosto dele. Seus olhos cinzentos surpresos encontraram os alaranjados que pediam que ela respondesse a ele. Sem pensar, esticou a mão e deixou-se levar pela força que ele fazia para carregá-la. E quando percebeu, estavam girando ao som de uma sinfonia qualquer e ela não conseguia afastar os olhos dos dele, acreditando que vira aquela coloração distinta em algum lugar. E ele sorria diante do encantamento dela, segurando-a firmemente contra seu corpo, sem deixá-la cair. subiu a mão do ombro até o rosto dele e tocou a beirada da máscara dele, mas o rapaz virou o rosto e beijou a mão dela.
— Não tire minha máscara, por favor, porque, nesse momento, eu posso ser quem eu quiser. — assentiu, sorrindo.
— E quem é você?
— Alguém entre muitos. — pressionou os lábios contra a bochecha dela. — Assim como você. — ela gostou do atrevimento dele e continuou a ser embalada pelos movimentos sutis do corpo dela, a bochecha dele repousando sobre a sua, a respiração quente fazendo-a se encolher volta e meia com ligeiras cócegas. A música parou, mas eles continuaram até um último giro dela, onde ele segurou a mão delicada da garota e tocou o dorso com os lábios. — Boa noite... Kay'o. — a pronuncia daquela palavra a arrepiou e ela apenas observou enquanto ele se afastava, pedindo que ficasse num olhar que ele seria incapaz de enxergar no momento.

*


Naquele dia, após o trabalho, não estava a fim de assistir a aula e resolveu matá-la. Passou direto pela faculdade e continuou pedalando, sem rumo, até se encontrar de frente para o templo que tinha visto noutro dia. Ela olhou a placa que havia na frente e decidiu entrar para fazer uma prece. O local era bem espaçoso, com bonsais de diversos tamanhos espalhados pelo jardim, assim como outras espécies que davam um bonito colorido ali.
deixou sua bicicleta encostada numa das árvores e subiu as escadas que davam ao altar e deixou uma doação na caixa respectiva. Silenciosamente, pediu uma resposta a explicação daqueles sonhos que vinha tendo e também pediu por bons fluidos para seu aniversário. Fitou o fundo do altar por mais um momento e soltou um suspiro, antes de se afastar. Ao olhar para frente, procurando onde deixara a bicicleta, encontrou sentado sobre um beiral de mármore, olhando para o céu. Ela reprimiu um grito de susto e levou a mão ao peito, sentindo o coração bater acelerado.
— Não quis atrapalhar sua prece. — explicou ele, vendo a surpresa dela. — Peço desculpas pelo susto.
— Sem problemas, professor. — o ruivo sorriu e voltou a encarar o céu. — O que faz aqui?
— Me chame de ... E eu quem deveria perguntar isso: você não deveria estar em aula?
— Não estava com vontade de ir. — baixou os olhos por um instante, ligeiramente surpreso pela resposta sincera. — Por que está sempre olhando para o céu?
— Faz muitas perguntas. A resposta para primeira é: eu estou morando na casa da sacerdotisa deste templo. Ela é uma conhecida da família e permitiu minha estadia. — suspirou, em meio a um sorriso. — E você não deveria fazer essa pergunta se também sempre está olhando para ele.
— Nossos motivos podem ser diferentes.
— Sente-se, senhorita. — bateu ao lado dele, oferecendo um lugar.
em vez de senhorita. — retrucou, acomodando-se.
— Tão teimosa, bela. — o adjetivo pareceu despertar algo em , só não recordava o que. — Eu sempre estou olhando para o céu procurando algo de real nele.
— Você sabe que esse céu não é real. — comentou, olhando para cima também. — É só uma projeção criada para fingir que nosso planeta não entrou em completa e inexplicável estagnação.
— Tem alguma teoria mirabolante para esse evento?
— Não exatamente. Ao menos, não científica. — replicou, embolando seus dedos uns nos outros. — Talvez, por algum motivo desconhecido, tenhamos gerado um desequilíbrio no Universo e somente quando ele se reestabelecer novamente, tudo volte ao normal. — pousou o olhar sobre ela, ligeiramente surpreso.
— Por acaso se lembra de como era o céu verdadeiro?
— Não me recordo. — confessou , sentindo um nervosismo brotar no fundo de seu peito ao encontrar aquelas orbes alaranjadas. — Eu já era adolescente quando isso aconteceu, mas por algum motivo, não consigo lembrar como era o céu antes. Sei como é por causa das imagens que observamos nos laboratórios de prática e dos vídeos antigos, mas não consigo resgatar lembranças minhas.
— Acho que estuda Astronomia só para descobrir o que aconteceu... Só um palpite. E acho sua teoria interessante. — estavam tão próximos e podia ver seu sorriso de quem esconde algo e os olhos de um sábio. Ele parecia, naquele momento, mais velho do que realmente era. Tinha a impressão que tinha visto aquela expressão alguma vez e queria tocá-la, porque sabia que seus dedos reconheceriam cada curva. Um toque e seria suficiente. — O que foi? — cedeu a sua vonta e deixou que seus dedos alisassem os traços bem definidos daquele homem a sua frente. Um choque parecia percorrer-lhe a espinha ao sentir a barba aparada e macia contra sua pele, a fina cicatriz que se escondia por seus pelos, o contorno de seu rosto, as pequenas rugas ao redor de seus olhos, a pele macia dos lábios dele. Ela tremia por inteiro quando fechou os olhos e uma memória difusa martelou no fundo de sua mente. — Não faça isso, bela, não é justo. — novamente o adjetivo, constatou ao encará-lo. Novamente aquela entonação grave, o olhar sério e que implorava a ela algo que não sabia.
Como se despertasse de um transe, ela percebeu o que fazia. Murmurando desculpas, afastou-se dele e correu para sua bicicleta, montando-a desajeitada para pedalar com todas as forças que havia em suas pernas. Não se importou com o caderno que estava na cesta e caiu no chão. Pedalou e pedalou até se ver bastante longe do templo. Parou no meio da ciclovia, esbaforida: suas pernas tremiam, assim como suas mãos. Sua respiração era irregular e seu coração batia desenfreado e ela sabia que era por causa dele. Estava ficando louca, era a única explicação! E mesmo assim... Olhou para suas mãos e lembrou de cada detalhe que experimentou e do tipo de sentimento que havia naquelas orbes alaranjadas! Se lembrou da proximidade de ambos... Absurdamente intenso e pessoal. Era como se já tivesse feito aquilo várias vezes, mas era impossível, não era? E por que bela parecia soar mais que um simples adjetivo?! Por que aquele homem parecia despertar algo dentro dela que sequer conhecia?

*


Em seu próprio quarto, olhava o caderno em suas mãos. Folheou cada página, observando os rabiscos dos desenhos, cada mínimo traço do corpo e das roupas, o sombreamento feito com delicadeza. Apenas o rosto não era vísivel. Era a única parte que não havia qualquer tipo de representação gráfica ali, apenas uma característica ou outra, onde os detalhes da face não era desenhados, deixando apenas uma sombra de grafite escuro. Era como se ela não soubesse representar aquele rosto. soltou um suspiro sôfrego, carregado de dor e resignação. Levou os dedos aos lábios, a impressão dos dedos dela na carne macia ainda era suficiente para conseguir fazê-lo sentir saudades.
— Sua dor está chegando ao fim, . — a voz suave interrompeu seus pensamentos e ele olhou para a porta, encontrando a senhora vestida em suas roupas de sacerdotisa.
— Não sei se está. — um sorriso amargo se formou. — Mas ao menos o esquecimento... — sua amiga sorriu. — Obrigado por tomar conta de tudo, .
— Estou aqui para servir. — fez uma reverência, antes de deixá-lo sozinho.

*

Já tinha estado naquele quarto antes, mas agora tudo estava quebrado. As coisas na penteadeira se espalhavam pelo chão — vidros de perfume, suas jóias e acessórios. Se virou para o espelho e encontrou-o rachado de cima a baixo, deformando sua imagem. Mas era melhor do que ver toda sua dor refletida ali, mesmo que aquele sentimento estivesse presente em cada lágrima que escorria por seu rosto inchado e ruborizado. Estava sozinha agora.
. — ela se virou e encontrou um rapaz alto, de longos cabelos prateados, tão semelhantes aos seus. Ele se aproximou e tomou-a num abraço, acariciando os fios enquanto ela desatava a chorar em seus ombros.
— Por que dói tanto?! — murmurou contra o tecido macio que compunha o vestuário do homem.
— Me desculpe. — não entendia porque ele se desculpava, porque sabia que não era sua culpa. Sentiu o afago em seus cabelos e um cantarolar harmonioso que ia acalmando-a aos poucos. — Me desculpe. — disse novamente. Então ele sussurrou algumas palavras e sua voz parecia se afastar cada vez mais...

Naquela manhã, tomada por uma dor que desconhecia, acordou chorando.

*


A semana que precedeu o aniversário de foi, no mínimo, exaustiva. A maioria de suas provas coincidiram e ela era obrigada a virar noites estudando porque não tinha horário pela manhã. E, para piorar, as três horas que reservava para dormir antes do despertador tocar eram perturbadas cada vez mais por sonhos indecifráveis. Acordava mais cansada do que antes e percebia isso pelo modo como seus cabelos pareciam sem vida, assim como seus olhos rodeados de escuras manchas. Então, algumas vezes, apenas ficava sentada no seu canto de leitura, olhando para a janela, às vezes rabiscando um novo caderno de desenho que comprara em substituição ao perdido; às vezes apenas encarando o céu irreal, questionando-se o motivo daquilo tudo.
Naquela noite, estudava Evolução do Universo. Era capaz de ouvir a voz melodiosa de tão próximo a seu ouvido que se pegava se arrepiando sem querer. Queria que ele estivesse ali porque ele a acalmava. Sua presença parecia fazer seu coração ficar mais leve. Mas desde aquele dia no templo, não o encontrara mais. Simplesmente se ausentara na segunda feira e não esbarrara em nenhum momento com o Príncipe — maneira como o acabava chamando em seus pensamentos, talvez porque ele possuía aquele ar de realeza, meio rude, meio arrogante e completamente sexy.
Ela sorriu diante do pensamento tosco e olhou novamente para suas anotações, descobrindo que em meio aos devaneios, começara a traçar linhas que formavam olhos felinos. Passou o indicador sobre o grafite e borrou o desenho sem querer. Pensar nele fazia seu coração disparar sem motivo. Doía pensar nele e, ao mesmo tempo, era tão bom que sentia-se ridícula.
Algo quente escorreu pelo seu rosto e ela descobriu que algumas lágrimas fugiam. Secou-as e deixou o estudo de lado, abrindo a janela e observando a escuridão da madrugada. Era noite de lua nova e apenas as estrelas refulgiam. Descansou a cabeça na parede e fitou a infinitude do Universo e, sem querer, caiu no sono.

*

— Casamento deve ser por amor e não por obrigação. — se ouviu dizendo, sua voz ecoando no quarto espaçoso.
— Sabe que concordo com você, mas são leis que regem nosso mundo, querida. — o homem parou a sua frente e ela praticamente se viu espelhada nele. Sua altura podia ser diferente, já que ele era centímetros maior, além de ser mais esguio, porém, os cabelos eram inconfundivelmente dos tons dos seus, assim como seus olhos cinzentos e brilhantes.
Irmão. — Deve escolher alguém dentre os que se candidatarem.
— É injusto! Ainda tenho dezessete anos! — esbravejou, vendo a expressão paciente do rapaz. Ele não deveria ter mais que 20 anos. — Não quero comprometer minha felicidade assim! — ela ameaçou sair do local, mas sentiu-se puxada para os braços do rapaz. Ele beijou seus cabelos prateados e afagou suas costas.
— Prometo dar um jeito, mas até lá... Precisamos cumprir o que nos foi deixado. — ela se agarrou as roupas dele. — Por favor. — pediu baixinho, daquele jeito que ele sabia que a faria confiar nele. assentiu.

*


Era véspera de seu aniversário. Passaria a noite numa boate junto a Alex e alguns outros amigos, mais por vontade deles do que sua porque estava exausta. A cacofonia de seus amigos na sala fazia sua cabeça doer mais ainda e sequer conseguia reler suas anotações de tão desconcentrada que estava. Seus olhos pesavam e ela pensou seriamente em se recostar na parede e tirar um cochilo, mas naquele momento, entrou na sala com um maço de folhas, começando a distribuir rapidamente para os presentes. Assim que pegou a sua e leu as questões, pensou em apenas anotar seu nome e entregá-la em branco porque parecia que não sabia nada daquilo. Expirou pesadamente e se concentrou, começando a rascunhar algumas coisas, sem muita certeza do que estava escrevendo.
Seu sono estava atrapalhando sua capacidade de raciocínio e, dado instante, ela levantou o olhar para que a forte luz da sala a acordasse. Seu olhar encontrou o de : ele parecia preocupado e mal parecia piscar enquanto a encarava. enrubesceu, alisando os cabelos sem graça, antes de voltar para a prova. Agora, consciente que ele não desviava o olhar, sentia-se uma presa acuada, ficando cada vez mais perto da mesa para evitar aquelas orbes hipnotizantes.

estava no topo da escadaria que dava para os extensos jardins. O vento frio arrepiava seus pelos e o sereno contribuía para que sentisse frio, mas também não queria entrar porque era irritante ficar junto de todos aqueles pretendentes que a enchiam com conversas vazias e desnecessárias. Começou a descer as escadas, mas em algum momento, vacilou ao pisar o degrau seguinte e fechou os olhos, já prevendo a dor do baque.
Mas o que sentiu foi o aperto forte de mãos em seus braços e um cheiro amadeirado delicioso a permear suas narinas. Quando abriu os olhos, a primeira coisa que encontrou foi um olhar cheio de preocupação. Um olhar forte, felino e cujo tom alaranjado seria impossível de esquecer.

O balançar em seu ombro se fez presente e acordou sobressaltada. Olhou para cima, encontrando e uma sala completamente vazia. Viu a hora, percebendo que a prova chegara ao fim e ela mal tinha escrito algumas coisas em sua prova, deixando-a praticamente em branco.
— Me desculpe. — murmurou, entregando o documento para ele.
— Pode continuar fazendo, se quiser. Não respondeu praticamente nada. — negou com a cabeça e balbuciou alguns argumentos inúteis sobre não fazê-la. — Você não está bem.
— É apenas cansaço. — guardou suas coisas na mochila sob a desconfiança dele. — Na próxima prova, eu estudo e descanso mais, Príncipe. — o adjetivo saiu antes mesmo que ela pudesse filtrá-lo e a vergonha brotou mediatamente no seu rosto.
— Do que me chamou? — a voz dele portava seriedade e certa dúvida.
— Nada, professor. — ele segurou seu braço e a puxou para bem próximo de seu corpo.
— Por favor, repita isso. — a palma da mão dele se apoiou na face dela, o polegar roçando sobre seus lábios. — Por que me chama assim?
— Não me obrigue a isso. — tudo nele era irresistível demais para . Sentia-se envergonhada por falar assim o apelido que pusera nele e também pela maneira com que ele a encarava: era íntima, quente e a fazia desejar muito mais do que apenas só ser olhada. — Por que me chama de bela? — ele expirou profundamente e acarinhou a bochecha macia.
— Você não entenderia.
— Então você admite que existe algo entre nós que, pelo menos eu, sou incapaz de explicar. — baixou o rosto, sua mão se afastando da face dela e de seu olhar cheio de dúvidas. — Faz apenas duas semanas que te conheci, , mas sua presença me perturba. — a garota segurou o rosto dele em suas mãos. — Eu sei que soa como se eu fosse uma tola apaixonada por um professor bonito, só que vai além disso. — eram olhos laranjas nos cinzentos. Mal perceberam que se aproximaram e que se encaixaram um nos braços dos outros. Aquela atração quase gravitacional que os juntava era tão ridiculamente certa e aconchegante que apenas queria se encostar nele e desprender um pouco do peso que carregava nas costas. De alguma forma, parecia que seu cansaço desaparecia apenas com aquele contato. — Eu só não sei explicar o que é o além. Só sei que me machuca. — disse, numa voz débil, fraca demais diante da intensidade no olhar dele. As mãos fortes a seguravam pela cintura, apertando-se em volta de sua carne como se não quisesse perdê-la. — Fale algo.
— Talvez sua teoria mirabolante esteja mais certa do que imagina. — encostou a testa na dela e franziu o cenho. — Preciso que vá ao templo hoje, bela.
— Por que? — ela levantou ligeiramente o rosto, deixando que seus narizes se roçassem, a respiração morna se misturando.
— Só vá. — pediu com um sorriso fraco e, contrário a sua vontade, se afastou de . Pegou suas coisas, mas antes de deixar a sala, mostrou um objeto a distância para a garota. — Deixou isso cair outro dia.
Quando pegou o caderno de desenho, algo caiu de seu interior: era um cordão cujo pingente possuía a forma de uma lua crescente. Se tivesse olhado a última página, também teria visto que um de seus desenhos agora estava completo.

*


A música alta latejava nos ouvidos de e sua percepção de mundo já ficava levemente alterada por causa das bebidas coloridas que consumia junto a Alex. Encostada no balcão do bar, sentia alguns olhares pararem sobre si por alguns instantes e isso a fazia sorrir: sentia-se bonita com seus longos cabelos caindo pelas costas e pela maquiagem que parecia realçar a cor de seus olhos e cabelos e até estava mais confortável no vestido justo azul que Alex dera de presente (e a obrigara a usar naquela noite). Entretanto, apesar do sorriso, uma pequena dor de cabeça já se insinuava e ela sentia-se realmente sonolenta.
— Quanta animação. — comentou Alex, acompanhada de Julio. — Nem parece que está fazendo 24 anos.
— Corpinho de 24 anos e sono de 60. — respondeu, terminando seu drink. — São que horas?
— Cedo demais para ir embora. — respondeu Alex, mas a garota percebeu no olhar de que ela realmente não estava tão bem. — Você quer ir embora não é?
— Minha cabeça está me matando e estou me sentindo um pouco fraca. — sussurrou para a amiga.
— Eu te levo em casa.
— Por favor, Alex, aproveite a festa. — deu um sorriso malicioso. — Aguardarei ansiosamente sua ligação com direito a todos os detalhes sórdidos! — gargalharam baixinho e se despediu dos amigos, saiu da boate e teve sorte de um táxi vago estar parado bem a frente. Assim que forneceu o endereço, sua cabeça latejou intensamente, parecendo que iria explodir. O relógio marcava 23:50.

*


permanecia sentado a beira do chafariz que existia no templo. Percebia-se a apreensão de longe e, a cada minuto que passava, esse desconforto piorava e ele se questionava de como ainda era capaz de estar parado. Faltava muito pouco para bater meia-noite e isso poderia ser perigoso durante a transição. Passou os dedos nos cabelos, bagunçando o rabo de cavalo curto que fizera e deixando que mechas caíssem sobre seu rosto.
Olhou mais uma vez o relógio. 23:58.
— Merda, , onde você está?! — bradou, ouvindo o eco de sua voz enraivecida vagar pelo local. Não demorou mais que um minuto e percebeu um carro estacionar a frente do templo. andou rápido até ele.
— Essas jovens que bebem demais. — resmungava o motorista, olhando para trás e observando a garota desacordada. — Se eu fosse uma pessoa má. — murmurou, ameaçando sair do carro, quando o ruivo chegou.
— Boa noite. — pagou a viagem dela e, com cuidado, retirou-a do carro e levou-a para dentro do templo, depositando-a sobre a cama. Remexeu no criado mudo e tirou um pequeno vidro âmbar, virando seu conteúdo na boca de . Então, acariciou o rosto dela, observando como estava bonita, apesar de preferi-la sem os artifícios da maquiagem. Descobriu que usava o cordão e sorriu sozinho, tocando o objeto com as pontas dos dedos. — Já volto. — murmurou, antes de deixar o quarto.

sentiu o frio tocar sua pele e se encolheu sob o abraço firme que lhe prendia a cintura. O perfume delicioso invadia suas narinas e ela sorria apenas por saber que ele estava entranhado em sua pele, em cada pedacinho que tinha sido explorado por ele. Entrelaçou os dedos nos dele e soltou um suspiro suave, sendo acompanhada por seu cavalheiro, cuja respiração morna se enfurnou dentre os fios de seus cabelos platinados.
— Acordou, é? — murmurou, se virando no abraço e ficando de frente para ele.
— Quer dizer que não é um sonho tê-la nos meus braços? — sussurrou, roçando o nariz contra a bochecha dela, antes de sorrir de olhos fechados. — Se eu abrir os olhos, você não vai desaparecer? — alisou as pálpebras delicadamente e pensou que poderia acordar com aquele sorriso dele para sempre.
— É mais real do que pensa.
Então ele a olhou. poderia se embebedar na paixão que aqueles maravilhosos olhos alaranjados destilavam. E percebeu que sentia-se da mesma maneira. Que estava perdidamente apaixonada por
.

Ela despertou se sentindo zonza. As luzes amarelas que incidiam fracamente sobre as paredes era um alívio para sua cabeça que ainda latejava. Olhou o quarto ao redor e não o reconheceu de imediato, o que a fez ficar em pé e inspecionar o local. Lembrava até o momento que entrara no táxi e pedira que a deixasse no templo. Também recordava-se da dor de cabeça lancinante e da vontade de gritar porque parecia que iria explodir a qualquer instante. Levou os dedos a têmpora e fechou os olhos: a cena do sonho voltou a sua mente.
— Melhor? — se virou na direção da porta e encontrou escorado no batente. Tinha acabado de tomar banho e a água escorria de seus cabelos sobre o peito nu. A única coisa que vestia era uma calça moletom gasta que pendia sobre os ossos de seus quadris. Isso a fez perder a fala. — Algum problema? — ele carregava um sorriso sacana, mas seus olhos pareciam realmente preocupados. — Você me perturba. — respondeu, após algum tempo.
— É a segunda vez que diz isso hoje. — ele cruzou os braços e seus músculos ficaram tensionados, de maneira que teve que reter um suspiro. — Fale logo o que você falar, .
— Eu te conheço. — afirmou ela, também cruzando os braços. — Eu não sei de onde, como ou por quê, mas eu venho sonhando com você há quase dois meses. — arqueou as sobrancelhas e sorriu, dando alguns passos na direção dela. — Antes, eu não conseguia ver seu rosto nem escutar sua voz.
— E agora?
— A primeira vez que ouvi sua voz você me chamou de Kay'o. A segunda, nós conversamos numa festa... E dançamos juntos.
— Poderia ser qualquer um com a minha voz. — o andar lento ao seu redor fazia-a se sentir uma presa encurralada por um caçador.
— Seus olhos são alaranjados e tão bonitos quanto os dos meus sonhos.
— Isso seria uma cantada? — parou bem a sua frente e sorriu de lado, daquele jeito sacana que a faria ficar molhada num instante.
— Sabe que estou falando sério, . Não são sonhos, não é? São memórias. — ele tocou o rosto dela.
— Você poderia apenas estar projetando o seu tesão por um professor bonito nos seus sonhos.
— De fato. — foi a vez de sorrir. — Mas você era mais jovem nas minhas lembranças e eu não teria como projetar isso sem ver alguma imagem antiga sua. — mordeu os lábios, parecendo estar satisfeito.
— Eu já disse uma vez, mas não custa repetir: gosto das suas respostas perspicazes. — seus dedos escorregaram para o pescoço dela e se enfiaram na base dos cabelos dela. — Digamos que está certa em algumas coisas.
— Por que não fala tudo de uma vez e simplifica a nossa vida?
— Porque eu não posso. Estou sob o selo de um juramento e, se eu romper, sofrerei graves consequências.
— Como? — acarinhou o rosto dela. — Por que?
— Só falta mais um pouco para que saiba de tudo, ... É o tempo até você realmente completar vinte e quatro anos, contados a partir da hora do seu nascimento.
— E o que acontece quando o relógio marcar 3:19 da manhã?
— Você vai saber quando chegar a hora. — encostou a testa na dela e os olhares se encontraram. Os corações deles batiam desesperados, mas se encaravam com tanta paciência que pareciam ignorar a febre que surgia em seus corpos. Mas não queria esperar porque ele simplesmente parecia acender algo nela que outros não faziam. Era o cheiro da pele dele e o jeito como a barba roçava suavemente em sua pele macia.
— Então faz meu corpo lembrar quem é você, Príncipe. — sussurrou, elevando o rosto até que sua boca roçasse suavemente na dele conforme gesticulava. — Porque eu sei que quando você segura minhas mãos é diferente. — entrelaçou os dedos nos deles e expirou lentamente contra os lábios entreabertos de , antes de lhe puxar o lábio inferior com os dentes e escutar um grunhido quase inaudível. — Porque a minha voz sozinha não é tão interessante quanto as nossas juntas.
— Tem certeza? — questionou, puxando os cabelos dela e observando o ronronar deliciado que ela soltou. Puxou o rosto dela contra o seu, restringindo-se ao mínimo de espaço para beijá-la. — Quer sucumbir a cada detalhe sórdido que estou pensando desde que te vi de novo?
— Você não sabe quantas vezes eu acordei no meio da noite, subindo pelas paredes de tanto tesão. — ela sussurrou, um sorriso sacana entortando seus lábios. — Quantas vezes eu acordei molhada e tive que me saciar... Sozinha. — observou os olhos deles, aquele mar laranja delicioso escurecendo e a respiração dele ficar um pouco mais ofegante. Aquilo a divertia porque estava fazendo-o pensar no que poderia fazer com ela. — Quantas vezes você ocupou minha mente e eu gozei pensando em como seria bom ser fodida por você. — a frase pairou no ar por um instante, o suficiente para que absorvesse. O suficiente para que ela lambesse os lábios dele com a ponta da língua e que ele reagisse agressiva e possessivamente, num daqueles beijos sem ritmo e que transbordava intensidade. Os dedos enfiados em seu cabelos puxaram os fios, trazendo aquela dorzinha que a fez cravar as unhas nele e sentir seu grunhido satisfeito. E então ele a afastou, apenas para beijar seu pescoço e distribuir mordidas na pele fina, enquanto descia as mãos pela cintura, alcançando os glúteos e apertando, antes de enfiar os dedos sob o tecido e trazer o vestido para cima, deixando-a apenas com a calcinha ridiculamente pequena.
jogou o vestido de lado e deu um passo para trás. Quando o olhar de encontrou o dele, ela quase chegou a sentir vergonha de sua nudez porque a maneira como ele a olhava era invasiva e perversa. Ele literalmente a comia com os olhos e, ao mesmo tempo que desejava cobrir por inteiro, também desejava continuar, sendo objeto de admiração daquele homem. O rubor tomou conta de sua face e o calor também se espalhou por entre as pernas, fazendo apertar uma coxa a outra. E isso fez abrir um sorriso sacana.
— Deita. — naquele tom de voz rouco e baixo, reconheceu que não era um pedido: era uma ordem que ela atendeu quase de imediato. Ele ficou parado ao seu lado, como se estivesse pronto para atacá-la. — Mostre como você fazia para se aliviar. — ela observou-o por um minuto inteiro e levou os dedos aos lábios, umedecendo as pontas, antes de descê-los para seus seios, acariciando-os, sentindo seu intumescimento e o formigamento delicioso que aquilo dava. Então continuou o trajeto, escorregando os dedos pelo ventre até que chegou a intimidade úmida, alcançando os pontos sensíveis e estimulando-os. Por um momento, fechou os olhos, mas tornou a abrir logo porque aquilo não parecia fazer sentido se não o encarasse. Se não percebesse os olhos laranjas destilando cada vez mais desejo por ela e aquilo a movia. Aquilo a fazia continuar, os movimentos cada vez mais rápidos, os mais profundos que poderia conseguir. Suas pernas tremiam e uma fina camada de suor se espalhava por sua pele. Gemidos enrouquecidos escapavam sem que quisesse, naquela melodia que apenas a luxúria conseguia coordenar.
. — sussurrou em meio a um resfôlego e ele sorriu ainda mais, antes de dobrar o joelho sobre a cama e posicionar o corpo sobre o dela. Encostou a testa à dela, olhos tão próximos que poderia ver os minúsculos pontinhos negros que brilhavam contra o alaranjado. — Por favor. — suplicou, sentindo o toque suave dos lábios dele sobre os seus.
— É claro. — a mão dele ocupou a dela e logo ele a masturbava com os dedos fortes escorregando para dentro dela, tamanha sua excitação. não deixava de olhá-la, mesmo descendo o rosto na altura do busto e lambendo toda a forma arredondada, onde deixava as marcas vermelhas das mordidas que a faziam arquear minimamente. Seu polegar estimulava o clitóris da mulher, vendo-a se contorcer e tudo aquilo dava uma certa sensação de nostalgia. não lembrava o quanto estava envolvida com , mas ele sim. E estar ali, naquele momento, tocando-a, revivendo as melhores expressões de prazer, ouvindo aqueles sons deliciosos que escapavam meio estrangulados num tom de voz que lhe dava tanta saudade era o suficiente para deixá-lo duro. Descia cada vez mais seus beijos, suas lambidas até chegar a intimidade dela. Seus dedos pararam apenas para chamar a atenção dela. Só para ele ver no rosto dela aquela ansiedade que antecipa o toque, a premeditação do desejo em seus olhos de chumbo. Sorriu aquele tipo de sorriso que sabia que a provocava, que a deixava mais excitada, antes de lambê-la devagar, cuidadoso, segurando as coxas que tremiam e tentavam sem fechar. Ela mordeu os próprios lábios, suas mãos se fechando nos lençóis da cama. — Você pode não lembrar quem eu sou, . — sussurrou, antes de afastar os grandes lábios dela com os dentes. — Mas seu corpo nunca vai me esquecer. Sabe o por quê? — deu um beijo estalado que a fez se sobressaltar ligeiramente. — Porque eu conheço o melhor do que ninguém.

Quando ele começou a chupá-la, não teve mais dúvidas que ele talvez a conhecesse melhor do que ela própria. Porque ele conhecia cada ponto e como estimulá-lo. Seus dedos pareciam entrar em sintonia com sua língua, seus lábios e seus dentes e, sem perceber, grunhidos rasgavam sua garganta e suas costas se arqueavam, dada a intensidade que ele colocava em seus toques. Tão certeiro, tão fácil a maneira como ele a guiava que não demorou a gozar. Seus músculos tremiam, sua respiração afobada assim como o coração que batia impiedosamente forte contra sua caixa torácica. Todos os seus pelos arrepiados e ela mordia o dorso da mão, envergonhada com os choramingos que deixava escapar, apertando as coxas, tentando aproveitar mais daquela sensação. se inclinou sobre ela, beijando-lhe o rosto e sentindo a respiração pesada acariciando sua bochecha.
— Está gostando das lembranças? — sussurrou, ao pé do ouvido nela, mordiscando a cartilagem. — Quer lembrar a posição como eu gostava de te pegar? — a aquiescência veio num gemido quase mudo, o que fez o homem sorrir. Ele se afastou e jogou a calça num canto, percebendo o olhar curioso e safado da garota. O gesto que fez com a mão a fez arquear a sobrancelha. — Por bem ou por mal? — Por mal. — grunhiu ela, lançando aquele olhar desafiador para . Ele não hesitou: as mãos se prenderam aos quadris dela e a fez virar de bruço.
— De joelho. — rosnou , empurrando um pouco as costas dela para baixo com uma das mãos, antes de penetrá-la fundo e arrancar um gemido rouco da garota. Deslizou a mão por toda a nudez dela das costas e enfiou os dedos nos cabelos, fazendo-a arquear-se por completo, antes de desferir um tapa na nádega. mordia os lábios, seus olhos se fechando a cada tapa que ardia em sua pele, a cada puxada, a cada estocada profunda que quase chegava a doer e a fazia querer mais. Ele a puxou para cima, o torso colado as costas dela, uma das mãos sobre os seios e a outra masturbando-a, fazendo-a rebolar de maneira incerta. — Você gosta assim? — sussurrou no ouvido dela. Como responder a ele se era incapaz de competir com tamanha intensidade? Estava completamente rendida aos toques, a força, a dominação que ele exercia de maneira brutal sobre ela.
— Oh Deus! — conseguiu dizer quando um ponto mais sensível fora tocado.
— Blasfemar é pecado. — disse , dando outro tapa. — Vai ser castigada por isso.
— Porra! — exclamou, porque o pensamento de ser castigada por ele era violento demais e parecia excitá-la ainda mais.
— Acho que está gostando da ideia do castigo. — lambeu lascivamente a orelha dela. — Por que? Está gostando de foder com alguém que conhece cada ponto seu? — os dedos se tornaram mais rápidos sobre seu clitóris e um beliscão dolorido em seu mamilo a fez apertar os olhos; ele mordia forte sua nuca e seus ombros, o nariz passeando pela pele salgada, que cheirava ao perfume dele e a sexo. talvez não entendesse, mas queria comê-la por inteiro. Queria sentir, cheirar, provar e tocar cada parte minúscula dela. Cada parte que sentira saudade por tantos anos que fora obrigado a ser afastado. — Me deixa ver você. — falou, a boca contra a pele dela. — Quero olhar nos olhos quando você gozar de novo. — soltou um gemido frustrado quando se afastou.

Ele sentou encostado a cabeceira da cama e a chamou com um gesto e a garota sentou sobre o colo dele. As mãos grandes se posicionaram sobre os quadris e conduziram os movimentos inicialmente, mas logo tomava conta da situação, o corpo flexível inclinado para trás, os quadris indo para frente e trás cada vez mais rápidos, os lábios entreabertos e os sons escapando sem vergonha e escrúpulos. olhava-a fascinado: era tanta saudade do corpo dela, e de seus gemidos-quase-gritos. Saudade da intimidade, da entrega e do amor que era comum a ambos. Porque o sexo entre eles era contato, calor, sons. Era íntimo, fácil e orgástico. Eles tinham timing e dessa maneira, ele sabia como ela quase estava gozando. Era a maneira como ela o apertava mais forte e sua necessidade ficava mais urgente. Era quando a fala se perdia, presa em meio a sua garganta e a sua respiração descoordenada e o modo como o encarava pelos olhos cerrados, não querendo fechar os olhos para não perdê-lo como se a própria visão dele a estimulasse ainda mais.
Então chegava o ponto que a voz se encontrava, numa entonação grave, rasgada e selvagem. A pulsação disparava, competindo com a respiração para saber quem se acelerava mais e o corpo dela se retesava por segundos, antes de relaxar completamente naquela névoa embriagante que o orgasmo trazia. E Ainda sentiu seu próprio ápice se aproximar violento após ver o corpo da garota tomado naquele transe, então a abraçou e investiu algumas vezes, sentindo o prazer se concentrar num único ponto até que ele gozasse dentro dela. Era como se ela fizesse o tempo parar por um instante apenas para que os dois pudessem aproveitar.
encostou a testa na dele, os cabelos úmidos colando-se aos rostos dois dois, a respiração agora fraca e superficial. Olhos nos olhos, as pupilas dilatadas pelo prazer remanescente, pela vontade de ficar ali, observando o outro. Os braços o envolveram e levou a mão ao rosto dela, trazendo-a para si apenas para beijá-la. Foi daqueles beijos molhados e lentos, de mordidas e lambidas nos lábios antes que se aventurasse a uma carícia mais profunda, mais explorativa, como se quisesse desvendar cada segredo que ela possuía e, que não conseguindo, continuava de novo e de novo, fazendo-a se desmanchar em meio ao aperto das mãos fortes que a sustentavam e a apertavam, comprimindo-a contra ele. Era o beijo de quem queria matar saudade, de quem sentira falta e de quem estava completa. E, sem que soubesse o motivo, lágrimas escorreram pelo rosto dela e se sentia idiota porque, diante de , sentia-se inteira, de um jeito que nunca sentira antes. E o gosto salgado intenso o fez quebrar o beijo e olhá-la carinhosa e duvidosamente, levando-a a esconder o rosto no pescoço dele apenas para confessar baixinho, mais para si mesma do que para ele.
— Eu não sou capaz de lembrar quem é você, mas a única certeza que tenho é que eu sou mais sua do que sou capaz de lembrar. — o aperto em sua cintura se fez mais forte e o coração de se preencheu com um sentimento de esperança que pareceu se espalhar, aquecendo cada pedacinho de si. Então, obrigou-a que olhasse nos olhos dele, naquele mar laranja onde ela queria se afogar para sempre.
— Se você não lembrar, eu continuar tentando e tentando até que você lembre o quão seu eu sou.

*


observava o sono de com uma expressão afável. Ela dormia nua, encolhida num canto da cama, junto aos lençóis, ressonando tranquilamente com o que parecia um sorriso tranquilo. Como não se apaixonar cada vez mais? Ele não precisava olhar o relógio para saber que a hora que poderia determinar sua felicidade estava se aproximando: bastava ver os cabelos da garota escurecendo e sua pele se tornar cada vez mais pálida. A energia dela estava chegando ao fim e mesmo o que tônico que dera a ela não seria capaz de segurá-la por tanto tempo. Precisavam retornar. De súbito, sentiu como se o olhassem e levantou o olhar da cama para janela, encontrando o felino branco parado sobre a beirada de madeira. Os intensos olhos azuis demonstravam claramente o quão desgostoso era o encontro de ambos e aquilo fez rir, diante do ciúme e possessividade do animal.
— Acredito que esteja na hora. — sussurrou, vendo o ar orgulhoso do felino. — Veja por um lado bom, Sh'ro: pode voltar a sua forma original. — o gato apenas deu as costas a ele e suspirou, antes de enrolar nos lençóis e segurá-la em seu colo. Levou-a para o jardim, encontrando Sh'ro parado em frente ao carvalho centenário. O ruivo olhou para o céu, avistando a lua nova e sentiu o sereno gelado tocar seu rosto, o mesmo perfume que sentia quando cheirava a pele de . — Espero que sejam rápidos. — o gato se encolheu quando uma luz forte queimou seus olhos, mas ao se acostumar, avançou contra ela, sendo seguido por . Era como ser dragado pela força de um rio e ele não podia lutar contra essa força, apenas esperá-la passar. Então, quando aconteceu e o solo pareceu firme sob seus pés, abriu os olhos.
— Faz alguns anos que não nos vemos, . — o homem a sua frente, apesar do corpo forte e esguio, possuía os mesmos detalhes de cabelo da mulher que repousava em seu colo, ainda adormecida. Eram as características da linhagem daquela família que há tanto tempo governava aquele Reino. Eram os genes da família Tsuki, os últimos descendentes de Mizuki Tsuki, sacerdotisa devota a Divindade da Lua.



Ato III.



And I thought the world would move on
I thought the world would move on
Without us, without us, without us



— Vocês não podem ficar juntos. — sussurrou o rapaz que a abraçava.
— Por que? — questionou, chorando contra o peito dele. — Por que não posso ser feliz?
— Porque é contra as leis do mundo.

despertou, assustada com o sonho. Seu coração estava apertado e, quando percebeu, seu rosto estava úmido de choro. Apenas quando secou as lágrimas que turvavam seus olhos, pôde perceber que não era o quarto onde dormira. Já estivera nele... Em seus sonhos. Ela franziu o cenho, questionando se estava num sonho dentro de um sono e, após se enrolar no lençol, começou a vagar pelo enorme salão que era o quarto, reconhecendo a banheira de alvenaria no chão, a penteadeira organizada, o espelho com moldura de arabescos. se aproximou da enorme porta de vidro, tocando o material gelado que a deixava ver a luz da lua e foi tomada por uma nostalgia desconhecida. O que era aquele lugar? Por que a deixava tão melancólica?
Um rosnado se fez presente e ela se virou, segurando sabe-se lá como o grito em sua garganta ao avistar um enorme tigre branco parado a poucos metros dela. Seu corpo inteiro tremeu de medo e um pedido de socorro bem baixo foi proferido, antes que ela caísse no chão e o felino se aproximasse, em passos como se cautelosos. olhou os olhos azuis e quase pôde ler a mágoa neles... Como se aquele enorme felino quisesse ser reconhecido.
— Meu Deus, meu Deus.... — sussurrava, vendo as passadas largas e macias do tigre até que ele parasse a sua frente e sentasse sobre as patas traseiras, o rabo balançando de um lado a outro... Como seu gato, Snow, a esperava quando pedia carinho. — Meu Deus... Snow? — murmurou, ouvindo o ronronar satisfeito do felino, que se inclinou na direção dela, fazendo-a se encolher. Após alguns segundos, percebeu que ele não a atacaria e esticou a mão, afagando os espetados pêlos brancos do animal, vendo-o se deitar no chão sob o toque afável. — Que merda está acontecendo? — questionou, sobressaltada com o fato que ele realmente era Snow, apesar de não saber como ele havia evoluído de gato para tigre.
— Ele prefere ser chamado de Sh'ro. — o olhar cinzento encontrou uma mulher na porta, reconhecendo-a imediatamente. Ela abriu os braços e ficou em pé num instante, indo de encontro a ela. — querida, que saudade!
— Mamãe! — exclamou, à beira das lágrimas. — Onde estamos? Por que meu gato magicamente virou um tigre? — a senhora se afastou e sorriu.
— Minha querida, é melhor que se vista e me acompanhe. — afagou o rosto da mais nova. — Tudo será devidamente explicado a seu tempo.

A mãe de escolheu um vestido de alças finas que caía até os pés da garota e a ajudou a vestir para, em seguida, limpar a maquiagem de seu rosto e trançar os longos cabelos embaraçados, deixando-a mais apresentável. Deu a mão a garota, como se guiasse uma criança, e ambas começaram a caminhar pelo extenso corredor, onde várias pinturas se distribuiam entre portas fechadas, assim como estatuetas e bustos que não reconhecia se espalhavam aqui e ali numa decoração antiga, mas delicada e elegante. Depois de virarem a esquerda e caminharem mais, pararam frente a uma porta de ferro, com um vitral em estilo antigo, bastante colorido. A senhora empurrou a porta dupla, revelando um enorme salão, onde longas mesas complementadas por bancos se alinhavam paralalemente ao tapete branco, com linhas douradas e vermelhas que se estendia ao centro e guiava até uma elevação, onde repousavam dois tronos. Um deles estava ocupado por um homem que, quando se aproximou o suficiente pra enxergar os detalhes de seu rosto e corpo, fez o coração de disparar.
— Vossa senhoria, aqui está .

se encolheu ao vê-lo ficar em pé e que, com ajuda de outro rapaz (cuja metade do rosto estava coberta por uma elegante máscara laranja), desceu os degraus até parar perto dela. Ele usava uma calça de tecido nobre e regata branca que deixava a mostra os ombros largos e postura impecável. Seu rosto era fino, com certos traços delicados, como os lábios e nariz finos; todavia, não podia dizer como era seus olhos, pois estes estava cobertos por voltas de atadura. Ela já o tinha visto num dos seus sonhos... Mas não se recordava da atadura. Lembrava que, no lugar, haviam olhos cinzas e idênticos aos seus, assim com os longos cabelos que ele ainda possuía e que caíam, alinhados, por suas costas retas.
? — sussurrou ele, a voz cheia de sentimentos indecifráveis a garota. — Onde está você? Venha aqui. — ele estendeu os braços e, com um incentivo de , avançou os centímetros restantes e sentiu o abraço dele. E, como se movida a sensação de familiaridade e carinho, também o abraçou, apertado, sentindo um perfume que não se lembrava qual era, mas que era conhecido. — Oh meu Deus, que saudade de você! — exclamou contra os cabelos dela, beijando-lhe os fios a cada palavra, fazendo-a sorrir. Porém, momentos depois, palavras num dialeto desconhecido para ela interromperam o carinho do homem e ele se afastou, olhando na direção da voz por reflexo. também o fez: era . Ele usava o que parecia a farda de um dos seus sonhos, mas esta era preta, com todos os detalhes em laranja: desde as patentes, até a bainha da espada presa ao quadril. Os cabelos estavam ajeitados para trás e a barba estava aparada. — ?
— É inapropriado interromper o reencontro de vocês, Yuuto, mas precisamos conversar. — o olhar dele era grave. — Não temos tempo até que... — o som de passos pesados, assim como o de portas batidas, se fez presente. Não demorou para o que parecia um cortejo de homens armados com espada entrasse pela mesma porta de vitral e parasse, ao comando de uma voz estrondosa. O dono da voz caminhou por entre os homens, parando a frente deles de modo que os outros no salão fossem capazes de vê-lo. Talvez fosse impressão de , mas o senhor era estranhamente familiar a : quem sabe pelo porte ou por seus intensos cabelos ruivos.Mas a maneira como o senhor a olhou, com tamanho desprezo e nojo, a fez se sentir inferiorizada e querer se esconder atrás de Yuuto. — Tarde demais. — comentou , se virando para o senhor.
— Deveria estar feliz em me ver, ingrato.
— Como poderia, se a cada vez que te vejo, recebo uma notícia infeliz. — replicou com o mesmo desdém. — O que faz aqui tão cedo?
— Estou aguardando esse dia há muito tempo, . — ele se aproximou do mais novo e franziu o cenho ao ver tantas semelhanças físicas entre eles. — Que você deixe essa loucura de lado e volte ao seu posto. Seu Reino espera por você e sua dama também. — a pontada no coração de a fez perder o ar por um instante. Dama?
— Não volto enquanto não a aceitar como minha futura esposa. — então olhou para a garota e sorriu. — Yuuto... O selo. — o de cabelos platinados assentiu e se virou para , segurando o queixo dela com as pontas dos dedos, obrigando-a a olhar para as ataduras.
— Feche os olhos. — pediu, segurando o rosto dela com ambas as mãos e então proferiu palavras numa linguagem estranha, mas que, inconscientemente, ela compreendeu o significado. — Todo o sol que se põe deve nascer, assom como tudo que está adormecido deve acordar. — os lábios deles se juntaram e, por um segundo, foi como se tudo que ela havia perdido se encontrasse novamente. Várias imagens passaram pelos olhos se numa corrente infindável de lembranças desconectadas, numa torrente incontrolável e desastrosa.

estava vestida em suas roupas mais formais. Sentada em seu trono, observava com um olhar cansado todos os candidatos a marido, que a observavam com olhares de pura ganância e luxúria, que a deixava sinceramente enojada. Não queria cumprir a tradição de seu reino e se casar por motivos esdrúxulos e Yuuto estava bastante cônscio daquilo, apesar de insistir em organizar aqueles tipos de eventos. Parecia que fazia aquilo somente para irritá-la, mas a garota também sabia que aquilo era dever de seu irmão mais velho: o Reino de Prata, como era comumemente chamado pelos não-descendentes, era uma sociedade matriarcal e para cada mulher nascida da linhagem Tsuki, havia um papel político diferente. Mas era a única filha e última descendente direta e tinha de obedecer aos Velhos Costumes. Assim, somente poderia ocupar seu papel de governanta plena na noite em que completasse 24 anos e, até lá, seu irmão deveria governar temporariamente, algo que também não o agradava.
— Sei que não está feliz com isso, mas faça uma cara melhor. — pediu o irmão, com uma voz doce. Ela olhou Yuuto e, mesmo com raiva pela situação, ainda o adorava. Adorava a maneira doce como ele a encarava e o afago carinhoso em seus cabelos tão iguais aos dele. Era seu último familiar sanguíneo e a única pessoa a quem confiava sua vida. — É impossível que ninguém a tenha... — gesticulou de maneira que não precisasse de palavras e suspirou.
— Não quero isso para mim. — Yuuto entrelaçou os dedos ao dela.
— Vai dar tudo certo, então se acalme, princesa. — beijou a testa da irmã antes de se afastar, permitindo aos outros que se aproximassem.
Rapazes a tiraram para dançar algumas vezes e ela não recusou, sorrindo com cortesia a cada um, apesar do olhar taciturno que carregava. Existia alguém que ela queria. Uma única pessoa que desconhecia o rosto, mas que lembrava perfeitamente da cor de seus olhos sinceros e de sua voz grave e melodiosa. Aquele que a tirara para dançar naquele baile de máscaras era alguém que realmente balançara seu coração. E, meses depois, ela ainda não o vira novamente. Mas a esperança, a maldita esperança!, não a deixava. Ficava ali, em seu coração, bem escondidinha, esperando por olhos alaranjados para que despertasse.
Ela suspirou e tencionou se afastar da pista de dança, mas um puxão bruto em seu braço a assustou e, logo, estava nos braços de um influente de um reino associado ao seu, bem mais velho do que ela e com um ar maníaco assustador. Ela o conhecia de vista, observando de longe as reuniões sobre o comércio interreinos, mas era o tipo de pessoa que fazia se esquivar.
— Acho que não fomos apresentados direito, princesa. — comentou ele, beijando-lhe a bochecha de maneira imprudente. — Mas se concordar, podemos deixar a informalidade de lado e... — o tom indecente que ele havia adotado estava enojando-a, assim com o aperto demasiado forte em suas costas, que parecia descer pouco a pouco. Ela olhou para o lado, desviando de uma tentativa invasiva de aproximação e buscou seu irmão com o olhar desesperado, pulando de cabeça em cabeça sem achá-lo. O aperto se tornava mais e mais forte e estava sentindo a condução dele tentar tirá-la da pista. Num gesto rápido, pisou no pé do homem com maior força que pôde, utlizando seu salto e foi largada, vendo-o lançar um olhar de raiva, enquanto secava as lágrimas de dor. Empertigou-se e caminhou em direção ao seu trono, recusando todos os convites de dança e só não cancelando aquele evento estúpido por respeito a Yuuto que, por sinal, parecia alheio a pequena confusão causada, isolando-se na ponta mais extrema do salão, próximo a porta. atravessou todos os convidados, evitando esbarrões aqui e ali até que alcançou o irmão.
— Yuuto! — exclamou, pondo-se ao lado dele. Rapidamente, seu olhar recaiu sobre o indivíduo ajoelhado, de cabeça baixa, que se postava a frente de Yuuto. As roupas dele pareciam bastante esfarrapadas, mas os olhos precisos de reconheceram que era um tecido de origem nobre, ainda que rasgado e sujo. Tinha cabelos curtos, desgrenhados e numa cor um tanto indecisa, entre vermelho e laranja, dependendo de como a luz incidisse. — Quem é este? — questionou, se ajoelhando a frente dele. Tocou, com delicadeza, o queixo dele e, quando os olhares se encontraram, houve um reconhecimento mútuo e um brilho indecifrável nos olhos alaranjados. Desviaram os olhares, meio envergonhados e então percebeu que havia um corte profundo na bochecha dele, que parecia mal cicatrizado. — Ele veio pedir abrigo aqui. Disse que pode trabalhar para pagar o abrigo. Talvez nas cozinhas ou auxiliando na caça...
— Deixe que ele seja meu guardião. — pediu , encarando Yuuto com seu ar mais pedinte. — Alguém da minha Guarda Pessoal.
— Não sabemos quem ele é direito. — replicou, arqueando a sobrancelha, observando a irmã abaixar a cabeça e assentir. — Mas talvez possamos deixá-lo sob supervisão do chefe da Guarda. Ele vai saber o que fazer com ele. — se virou para o rapaz. — Qual seu nome?
, senhor. — disse, com um sorriso.
Esse sorriso, descobriria , seria capaz de fazê-la sorrir nas noites mais tempestuosas.


Ela piscou, olhando para Yuuto. As mãos dele a apertavam forte, pois era ele quem a mantinha em pé. As pontadas intermitentes em sua cabeça eram tão intensas que quase via estrelas a cada vez que sentia uma: era informação demais para processar naquele momento.
! — a voz de seu irmão parecia distante. — Foque na minha voz. Foque no que está ao seu redor. — ela assentiu, ainda incerta. Respirou profundamente, fechando os olhos por longos instantes antes de abrir e encontrar mais perto que antes. Via a preocupação na expressão dele e era como se ele quisesse estar ali para segurá-la quando caísse.

O estalido de metais se chocando preenchia o ambiente, assim como as respirações ofegantes, os passos pesados e descuidados, enquanto ambos ensaiavam os passos daquela dança mais uma vez. sorria a cada vez que via os golpes de sua espada de metal leve serem interrompidas pela espada enferrujada de . Gostava da graciosidade quase felina com que ele se movia, repelindo os ataques dela apenas porque não queria terminar aquilo. Fazia algumas semanas que ele estava morando ali, com eles, e já ganhara a simpatia de alguns e a admiração de todos da Guarda, incluindo o chefe, que ficava bastante satisfeito ao ver quão bom cavaleiro ele era.
Quase não se falavam. a acompanhava a todos os lados, supervisionando-a, entretanto, não era de muitas palavras até o dia que ela foi vista treinando com Yuuto, apenas por diversão. Ele parecera tão fascinado que o irmão o convidou para um duelo breve, onde perdeu por pouco, apenas porque tinha um arsenal de técnicas ofensivas maior do que as de Yuuto. Desde aquele dia, quando encontrava um tempo vago entre os afazeres do dia, convidava-o para uma justa breve como aquela.
Ela deu uma escapulida para o lado diante de um golpe mais incisivo de e acabou se enrolando num de seus floreios, deixando a espada cair no chão. Sorriu, erguendo as mãos em claro sinal de rendição. Entretanto, surpreendeu-se ao sentir a rasteira que ele havia se preparado para dar, fazendo-a perder totalmente o equilíbrio e que, se não fosse por ele enlaçando sua cintura e segurando-a, cairia feio.
— Eu já estava desarmada. — comentou, olhando para o lado para desviar do olhar penetrante dele. Às vezes, esquecia-se como ele aparentava ser tão... Ferino.
— Eu sei. — ele afastou uma mecha que escapava de sua trança e caía pelo seu rosto. O toque dele era suave e cálido e, quase sem querer, ela voltou a encará-lo. O corte em seu rosto havia sarado e apenas uma linha branca restara como lembrança. Ela tocou a cicatriz, vendo-o engolir em seco. Se afastou receosa pois, apesar de conviverem juntos por muitas horas do dia, praticamente não se falavam. Mesmo sendo o maior desejo dela. — Mas eu não podia perder mais uma chance... Kay'o. — a palavra despertou a memória da primeira noite que havia encontrado aquele par de olhos. — O que significa isso? — arqueou as sobrancelhas. — Kay'o, digo. — ele a pôs em pé direito e escondeu as mãos nos bolsos.
— Vem da língua nativa dos reinos descendentes de Haru Tayou, guerreiro consagrado pelo deus do Sol por suas virtudes e sacrifício em seu nome. A palavra mais próxima de seu significado seria... Bela. É um adjetivo relativo a beleza, mas num grau de profundidade muito maior, muito mais único.
— Por que usa comigo?
— Ora... Porque é bastante digno de alguém como você.. — sorriu, abaixando a cabeça, um pouco envergonhada. Isso fez sorrir e afagar os cabelos dela gentilmente. Porém, observou pelo canto dos olhos que Yuuto se aproximava silenciosamente, e isso o levou a se afastar. Quando o irmão chegou, o saudou de maneira rígida e formal, antes de deixá-los a sós, consciente dos olhares do príncipe sobre ele.
Yuuto se virou para e ela constatou mais uma vez como eles eram parecidos fisicamente — apesar de achar seu irmão mais bonito, talvez pelo constante ar doce e pensativo que carregava em seus traços. Ele prendeu o queixo dela com o indicador e polegar, erguendo seu rosto.
— Não sei de onde você o conhece, , mas está apaixonada por ele, não está? — o rosto dela se ruborizou de imediato.
— É-é claro que não, Yuuto! — ele sorriu.
— Vamos fingir que você não está e e que eu acredito. — fechou os olhos por um instante. — é uma ótima pessoa, só que algo nele... Me intriga. — soltou o rosto da irmão e se virou para direção dos raios solares. Conhecia bem o irmão: ele estava escondendo algo, só que não contaria a ela, mesmo que implorasse. — Sei que é impossível controlar isso, mas não se apegue demais, . Acho que ele não ficará muito mais tempo sob nossa proteção. — não entendendo o que ele queria dizer, apenas assentiu e o abraçou.

— Está tudo confuso. — sussurrou, enquanto se sentava na beira de um dos degraus da escada, esquecendo qualquer gentileza ou postura de princesa. — Eu não consigo entender bem o que está acontecendo.
— Acalme-se. — pediu , ajoelhando-se nos degraus mais baixos, olhando-a nos olhos. — Yuuto pôs um selo em sua memória há alguns anos e este selo teve de ser quebrado pois completou 24 anos, ou seja, a maioridade do seu reino. É comum que leve um tempo para conseguir resgatar e distinguir lembranças com clareza.
— Por que selaram minha memória? — ele engoliu em seco e segurou as mãos dela.
— Me desculpe. — sussurrou, abaixando o rosto. — Foi por minha culpa.
— Como assim?

Já passava da meia noite e caminhava a passos leves pelos corredores, passando veloz por corredores e por quartos habitados por alguns visitantes. Não queria ser pega, enquanto se dirigia para o quarto de numa das torres do castelo. Há duas semanas que eles haviam consumado o relacionamento e ela desacostumara a dormir sozinha, mesmo que ainda acordasse pois não podiam ser vistos juntos com tamanha intimidade, ainda que tivesse ultrapassado todas as barreiras físicas para aquilo.
Quando chegou ao local e empurrou um pouco a porta, escutou a voz de seu irmão. Era bastante tarde para discutirem os projetos de guarnição do castelo, então, se encolheu, encostando o ouvido na porta.
— Seu sobrenome não é . — dizia ele e franziu a testa.
— Por que diz isso, senhor?
— Sei que está mentindo sobre sua identidade desde que chegou aqui, . — a garota arregalou os olhos, prendendo o suspiro de exclamação. — Só o aceitei por saber que não é uma pessoa má, mas...
— Mas isso não o impediu de procurar sobre mim. — proferiu o outro. Um instante de silêncio.
— Já tinha a impressão de ter visto seu rosto e não sabia o por quê. E, neste noite, lendo um livro de genealogias, encontrei uma linhagem bastante interessante e que me remeteu a uma data antiga, quando eu ainda era bem criança. Lembro de ter visitado o Reino de Sol para cumprimentar seus pais pelo nascimento de Akemi. — mais um instante de silêncio. — Você era o irmão mais velho dela, postado ao lado do rei e rainha.
— Tem uma memória boa, senhor. — ambos riram, fraquinho.
— Não o suficiente. Seus traços são bastante característicos da sua família.
— É verdade.
— O quanto está envolvido com minha irmã, ?
— Mais do que pode imaginar. — o coração de pulou no peito e ela queria fazer uma dancinha de felicidade, mas conseguiu se conter. — Ela é tudo para mim e eu quero ca... — Yuuto o interrompeu. — Esse tipo de união não é permitida pelas leis que regem o Universo, . — o irmão suspirou. — , entre, por favor. — sobressaltada, não sabia o que fazer, acatando o pedido. Ao entrar, encontrou em pé, encostado na janela, enquanto Yuuto se encontrava na beira da cama de metal. — São reinos de deuses opostos. — disse olhando os dois.
— E o que quer que eu faça? — esbravejou o ruivo, puxando para seus braços. — Que nos separemos?
— É o correto. — o homem de cabelos platinados suspirou. — Mas parece inviável pedir isso a vocês agora. — se ergueu da cama e dirigiu-se para a porta. — Vamos pensar em algo.

Dois dias passaram desde aquela conversa, lembrou a garota. Dois últimos dias de felicidade abundante antes que o castelo fosse invadido pelo exército pertencente ao Reino do Sol, liderados pelo homem que estava ali ao pé da escada, olhando a todos com ar de deboche.
— Você lembrou, não foi? — ela assentiu. — Era o ano que eu deveria me casar e assumir o reino como real herdeiro.
— Era seu dever. — sussurrou. Lembrou-se de um dos sonhos onde chorava compulsivamente sobre o ombro de Yuuto. Fazia uma semana que tinha dado as costas a ela e ido embora, cercado pelo exército de seu pai. Não antes que tivesse sua vida, a de seu irmão e de todo o reino ameaçada pelo líder do exército.
— Sabe que foi por sua segurança.
— Por que o selo? — questionou a Yuuto. — Não vejo a necessidade. — ele se aproximou, sendo guiado pelo garoto de máscara.
— Por dois motivos. O mais óbvio era porque você estava sofrendo, . Por uma semana, você apenas chorou e eu temi por sua saúde. E o segundo motivo... — ele suspirou. — Fiz um acordo com o líder Tayou, pai dele. governaria sem se casar até sua maioridade e, quando você tivesse plenos poderes políticos, poderiam decidir que rumo sua relação tomaria. O segundo motivo por ter feito isso é porque esperava que o esquecimento temporário pudesse diluir os sentimentos que tem por ele, , e pudesse ver como essa relação torna tudo muito instável. — se virou para Yuuto, olhando-o surpresa e um pouco enojada. — Foi errado da minha parte, , mas eu precisava tentar. Por isso te mandei para a Terra sob os cuidados de . Eu esperava que talvez você pudesse se apaixonar de novo por alguém que não tornasse as coisas complicadas. — o silêncio pairou entre eles. — Me desculpe, . — ela fez menção de gesticular algo para calá-lo, mas segurou a mão com gentileza e sorriu para acalmá-la.
— Só que houveram alguns detalhes que seu irmão não previu. — disse , se pronunciando pela primeira vez. — O mais importante é que sua energia vital tem um limite. Os descendentes de Tsuki renovam suas energias de acordo com os ciclos lunares, , mas a transição para a maioridade requer muito mais do que estava disponível para você na Terra. comentou comigo que a cor dos seus olhos e dos seus cabelos estavam mudando e que parecia meio doente... Seu corpo já estava dando sinais que precisaria retornar imediatamente para completar o seu ciclo de maturidade. Por sua sorte, a presença de pareceu retardar esse processo até que a Lua se encontrasse na mesma localização espacial do dia que você foi para a Terra e pudesse abrir a passagem para sua volta. — olhou de para o ruivo e expirou, cansada. — Contudo, ao mesmo tempo que ele te fortalecia, o selo se enfraquecia. Isso já era esperado pela proximidade do seu aniversário, mas acelerou o enfraquecimento do selo.
— Por isso os sonhos mais frequentes. — disse ela, vendo o assentir da senhora. — O que eu tenho que fazer agora?
— Você assumiu a idade que pode governar o reino. — disse Yuuto. — Mas...
— Mas eu preciso me casar para assumir o papel legal. — o irmão aquiesceu. — E no que essa escolha interfere no reino dele?
— Garota, qual a parte de união instável você não compreendeu?! — esbravejou o líder Tayou. — Não se pode casar pessoas regidas por deuses opostos! É contra a lei do Universo. Sol e Lua só ficam juntos numa situação apenas.
— Num eclipse solar. — completou . Então tudo ficou mais claro na cabeça dela e ela desatou a rir. Gargalhou alto, o som ecoando pelo salão e, antes que percebesse, as lágrimas escorriam espessas por seu rosto. Ela finalmente compreendera. — Não podemos ficar juntos, . — disse, abrindo um sorriso triste para ele. — É por isso que a Terra está parada num eclipse solar, não é? É o mesmo tempo em que nossos sentimentos permaneceram selados, esperando uma decisão. — o ruivo anuiu. — Para que tudo volte ao normal...
— Nós não podemos existir.

expirou profundamente e ficou em pé. Desceu as escadas, sabendo ser observada por todos e se encaminhou para as portas principais que davam para os jardins. Fechou as portas atrás de si e sentiu a solidão acalmar sua mente. A brisa noturna tocou sua face quente pelo choro e ela desejou fugir de tudo. Sua cabeça estava a mil e ela se sentia sinceramente perdida com tantas descobertas e decisões que deveria tomar. Sem querer, seu inconsciente a levou até o santuário onde costumava fazer suas preces quando jovem. Tudo pareceu tão silencioso e sagrado que sentia seus pelos eriçarem de nervosismo.
— O que eu devo fazer? — perguntou baixinho, ouvindo seu questionamento ecoar aqui e ali. — Por que me fizeram sucumbir a isso? — tornou a chorar.
. — a jovem se virou, encontrando . — Posso? — questionou, apesar de já se aproximar dela e se ajoelhar, a seu nível, da mesma maneira que uma mãe faz com seu filho. — Eu era a sacerdotisa desse templo antes dessa reviravolta acontecer. — comentou, olhando para os objetos ao redor por um instante. — Você não perguntou uma coisa importante, . — afirmou, secando as lágrimas dela.
— O que?
— O motivo do enfraquecimento do selo. — a jovem encarou a senhora com seus olhos chorosos. — , sabe como um selo desses é feito? — diante da negação, a senhora suspirou. — Apenas sangue do seu sangue pode fazer uma magia como essa e isso requer um sacrifício. — apertou o ombro da garota. — Seu irmão ofereceu a visão dele aos deuses em troca do selamento.
— E o que isso tem a ver?
, magia de sangue é poderosa porque envolve sentimentos puros e só algo semelhante poderia vir a enfraquecer ou até mesmo quebrar o selo. — a mais velha afagou os cabelos platinados da garota. — Se o selo fosse quebrado por alguém que não ele, a cegueira permaneceria até a morte dele. Apesar disso, ele arriscou e, acredite, Yuuto não fez isso porque queria você longe daqui. Ele só não queria que você sofresse, enquanto ele procurava alguma maneira de contornar os problemas de sua relação com .
— Ele conseguiu?
— Existe uma maneira, . — a voz do irmão penetrou seus ouvidos, assim como os passos mansos até que ele alcançasse ela. se virou e viu seus olhos cinzentos refletirem nos dele. — Mas se você aceitar, é provável que não possamos nos ver nunca mais. — acariciou os cabelos da irmã e secou a umidade do rosto dela com os polegares. — Apesar de querer que você fique ao meu lado, aqui em nossa casa, talvez você não seja feliz. E eu não poderia suportar isso. — se inclinou e sussurrou, como se fosse um segredo, o que deveria ser feito, antes de encará-la novamente e esperar a resposta. meditou por um instante, mas ambos sabiam a resposta antes mesmo dela balançar a cabeça num gesto afirmativo.
Se abraçaram pelo que, provavelmente, seria a última vez.



Ato IV.



The laws of the world never stopped us once
Cause together we got plenty superpower



A manhã daquele dia era exuberante demais para que pudesse descrever em palavras. Observar o nascer do Sol e sentir os raios solares quentes tocarem sua pele, assim como a pele que a aquecia num abraço tornava as coisas mais fáceis para lidar. Mas, ainda sim, não podia deixar que certa tristeza a abatesse, como naquele momento.
— O que foi? — questionou ao pé do seu ouvido.
— O que fizemos foi certo? — se virou para ele, observando-o.

Três anos que aquela noite havia se encerrado. 1095 dias que haviam sido mandados para Terra, uma vez que renunciaram ao sangue e às suas ascendências reais. 26280 horas que não encontrava seu irmão ou qualquer um que fosse do Reino de Prata e o mesmo se destinava a . Não era mais ou Tsuki: seu sobrenome oficial era . Seus cabelos não eram mais platinados: agora escorriam por suas costas naqueles tons comuns (e que ela achava até um pouco sem graça); apesar disso, seus olhos permaneceram da mesma cor como vestígio de sua real linhagem. A cada vez que se olhava no espelho, imaginava como estava Yuuto e fazia uma prece para que ele estivesse bem.
Ela terminou a faculdade de Astronomia e sua monografia era acerca da retomada dos movimentos originais da Terra. Agora, sua linha de mestrado sugeriam teorias mirabolantes para o reequilíbrio do Universo, algo que fazia e ela se divertirem bastante. A propósito, ele ainda continuava ruivo e com olhos alaranjados, fazendo-a se apaixonar todos os dias, a cada vez que o fitava.
— A pergunta que deveria ser feita é: tudo está bem? — replicou ele, apoiando a mão sobre a barriga protuberante de seis meses e sentindo o chute dos gêmeos (ou das gêmeas. Queriam uma surpresa no nascimento e não viram o sexo, o que os corroía de curiosidade por dentro). apoiou a mão sobre a dele, entrelaçando os dedos. — Eu pensei que poderia viver sem você. Que nossos mundos seguiriam em frente... — parou a frase a meio caminho e ela levou as mãos dele aos lábios. Ele pôde ler nos olhos dela as palavras não ditas: tough love e sorriu. Haviam deixado para trás histórias individuais apenas para fazer uma única que envolvia a ambos, independente dos sacrifícios. Mas não se arrependia: como poderia, se agora ela podia estar ali com ele?
. — chamou.
— Hm? — ela o envolveu num abraço.
— Tudo está bem agora.



Fim



Nota de autora (23/11/2014): Olá para você que conseguiu chegar até aqui! Dois meses escrevendo essa short (de 40 páginas. A beta me dará um tapa na cara, apenas) e eu consegui estragar o final. Assim, eu ia matar todo mundo e fazer que nem Romeu e Julieta, mas Shakespeare já passou a minha frente e usou esse final (e também porque se eu matar os personagens, eu quem serei morta no fim). Então, fica esse final cagado mesmo e eu conserto daqui a dois anos, falou? Para quem é físico, engenheiro, astrônomo e tá lendo isso: sou da Saúde e mal compreendo as leis de Newton, então perdoem todos os meus erros boçais referentes a isso! Por último, qualquer semelhança com Sailor Moon não é mera coincidência: eu estava assistindo um episódio da nova temporada quando a ideia nasceu (me julgue por estar assistindo SM Crystal, eu não me importo). Até por isso que, na minha cabeça, a história se passa no Japão e o próprio enredo carrega diversos elementos japoneses, assim, para quem tiver interessado sobre os significados dos nomes japoneses pergunta aqui embaixo e eu respondo com o maior prazer! Acho que é só. Beijo (e se gostarem, dá a moral para a autora. Dá um puta ânimo ler as opiniões de vocês, sabe?)!


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