Capítulo Único
NOVEMBRO DE 2013
Dancing With Myself do Billy Idol tocava em seus fones de ouvido, quando a aeromoça parada no meio do corredor lhe chamou a atenção.
— Dentro de instantes, estaremos pousando no Aeroporto de LaGuardia. Mantenham os encostos da poltrona na posição vertical e apertem os cintos. Sejam bem vindos a Nova Iorque!
Já era quase noite, as luzes da grande cidade começavam a se acender abaixo. sorriu eufórica, olhando pela pequena janela do avião. Ali em cima, sentiu que toda a Nova Iorque brilhava para ela.
Ansiosa, apertou a mão de , que dormia na poltrona ao lado.
— Ei, chegamos.
Os seus olhos se abriram lentamente, revelando a vermelhidão de quem tinha adormecido por horas a fio. Ele também sorriu, compartilhando da mesma excitação da namorada. Era o começo de uma nova vida para eles. Haviam se mudado de Hastings, na Inglaterra, para Nova Iorque com o objetivo de decolar a carreira de como ator.
Pegaram um táxi na porta do aeroporto, tendo que usar o porta malas e um pequeno espaço do banco traseiro para acomodar todas as malas. Foram cerca de vinte minutos do LaGuardia até Kingsbridge, que ficava na parte noroeste do Bronx. Um primo de tinha um apartamento lá e alugou para o casal por um preço bacana.
observava a paisagem pela janela do táxi com atenção, admirando tudo que via, ainda nem tinha visitado Manhattan, mas só a sensação de estar fora da cidade em que crescera já era reconfortante. Se sentia animada para poder tornar aquele novo lugar o seu lar.
O apartamento na verdade era um grande cômodo que dividia a cozinha e a sala, um quarto em que só cabia uma cama de casal e um banheiro apertado. Mas pouco importava, e estavam tão felizes que podiam dormir embaixo da Estátua da Liberdade e não iriam reclamar.
*
Arrumar a casa não era a tarefa favorita de , mas ela e estavam exultantes demais para descansar e rapidamente organizaram tudo com a ajuda de boa música e um engradado clandestino de cerveja. Cool Cat do Queen tocava no aparelho de som que Tristan, irmão mais velho de , tinha lhe dado de presente pela mudança. a agarrou pela cintura, iniciando um dois-pra-lá, dois-pra-cá desengonçado, os fazendo gargalhar. A garota sempre o dizia que ele tinha que aprender a dançar melhor, pois um ator fazia de tudo um pouco.
— Isso é tudo que eu poderia querer — ele confessou, a boca próxima ao ouvido dela, a mão firme em sua cintura. — Nova Iorque, nós, e uma esperança para o futuro…
— Você é tudo que eu poderia querer — respondeu, encostando a cabeça em seu peito, apreciando o som de seus batimentos acelerados.
— Nós vamos ser muito felizes aqui.
— Promete?
se afastou para poder olhá-la nos olhos antes de responder:
— Eu prometo, meu amor.
FEVEREIRO DE 2018
adorava banhos quentes. Do tipo que deixam a pele vermelha e enrugada em poucos minutos e o banheiro coberto por uma densa nuvem de vapor. Banhos quentes a consolavam, era quase como um abraço para ela, que passava tanto tempo sozinha nos últimos meses. A música em volume baixo, as luzes apagadas e a água quente eram uma ótima companhia. Mas, ao desligar o chuveiro, se enrolar na toalha e voltar ao quarto gélido e vazio, toda a boa sensação descia pelo ralo junto à água em que se lavava no banho. Passou a mão pela cama e se sentou, levou as mãos até a cabeça, os dedos afundando no couro cabeludo e um suspiro pesado saindo de seus lábios.
O celular vibrou, o nome de piscando na tela:
Não esqueça de assistir a entrevista :)
Ela praguejou baixo, tentando conter as lágrimas irritantes que insistiam em cair. Se trocou e desceu as escadas do grande apartamento que estava morando há pouco menos de oito meses. Encheu uma taça de vinho e ligou a TV, observando o namorado gargalhar sendo entrevistado por Ellen DeGeneres.
— Filho da puta! — xingou.
e estavam juntos há quase sete anos, mas fazia alguns meses que o namoro não ia bem. Ele integrava o elenco de uma das séries teen mais famosas da atualidade e por isso estava sempre ocupado com as gravações, entrevistas, ensaios fotográficos e viagens de divulgação. E enquanto viajava pelo mundo realizando seu sonho, ficava no apartamento que dividiam, se contentando apenas com chamadas de vídeo esporádicas e ligações não atendidas. No começo, ela tentava acompanhar a nova rotina dele, mas quando a faculdade voltou das férias de inverno e ela teve que focar nos estudos e no estágio, tudo ficou mais difícil.
Ela se abraçou, apertando as mãos ao redor dos braços, deixando cair as lágrimas que tanto segurava. Nem as manhãs mais frias da Inglaterra a faziam sentir tanto frio como a solidão que vivenciava naquele momento.
DEZEMBRO DE 2014
Frio, chuva e luzes piscando por todos os lugares. Era véspera de Natal e, diferente do que os filmes mostram, não estava nevando em Nova Iorque. terminava de decorar a pequena árvore que ela e tinham escolhido juntos, estava tão entretida decidindo onde colocar o que, que levou um susto quando mãos fortes a seguraram pelos ombros.
— Você disse que ia me esperar para terminarmos de decorar a árvore juntos — reclamou, pousando o queixo em cima da cabeça da namorada.
— Você está todo molhado! — Ela se soltou dele, batendo as mãos pelo pijama que usava. — Vai trocar de roupa, pelo amor de Deus.
riu e tirou o casaco molhado, o pendurando no mancebo de madeira, em seguida chutou os tênis para longe.
— Como foi o teste?
— Incrível. — Ele sorriu, irônico. — Vou ser o substituto do duende, caso o duende principal fique doente.
Ela o olhou com compaixão, sabia o quanto o namorado estava se esforçando para conseguir um papel relevante em alguma peça, filme ou seriado. Mas já fazia um ano que estavam em Nova Iorque e até agora o papel mais importante que ele conseguiu foi num comercial de pasta de dentes.
— Bom, então é melhor começarmos a procurar o endereço dele. — Sorriu travessa, tentando o animar. — Sabe lá o que pode acontecer na véspera de Natal, não é? Uma dor de barriga, uma queda repentina… É melhor ficarmos de olho.
gargalhou, jogando a cabeça para trás e a abraçou pela cintura, ela circulou os braços ao redor do pescoço dele e os dois permaneceram rindo por alguns minutos, e quando a graça acabou, ele suspirou pesado.
— Se você não estivesse aqui, eu nem sei o que faria.
Uma memória iluminou sua mente, de quando estavam deitados no sofá, assistindo uma reprise de Grey's Anatomy no canal Sony e o rosto de surgiu na tela, escovando os dentes e falando os benefícios da pasta de dente. gritou tão alto que a vizinha da frente bateu na porta deles, perguntando se estava tudo bem.
— Provavelmente estaria comprando uma quentinha na padaria para passar o Natal assistindo O Grinch.
MARÇO DE 2018
— Em dois dias embarcamos para Los Angeles, temos as filmagens do episódio especial, eu espero que esteja tudo certo — Natalie tagarelava, andando à frente de com um tablet nas mãos, ditando cada passo seu.
— Mal posso esperar. — Ele sorriu de lábios fechados e a ruiva parou, colocando as mãos na cintura.
— Você está muito engraçadinho para o meu gosto. Se estiver pensando em desistir e voltar a fazer comerciais de TV, é só me avisar, te substituo assim. — Ela estalou os dedos, sorrindo de lábios fechados como ele tinha feito um minuto antes.
tinha conhecido Natalie há dois anos, quando estava fazendo um teste para um comercial de cuecas. Ela estava à procura de novos talentos e assim que bateu os olhos nele, o chamou para tomar um café e conversar sobre negócios. Poucos meses depois, estava sendo chamado para protagonizar o piloto de uma série teen, que rapidamente se tornou uma das mais assistidas no mundo todo.
— Já posso ir?
Assim que Natalie assentiu, entrou no carro, pedindo para o motorista levá-lo para casa o mais rápido possível.
Morar em Manhattan ainda era algo surreal para ele, era a realização de um sonho que por muito tempo pareceu distante de acontecer. Foi quando se mudou de Kingsbridge para o Upper East Side que tudo fez sentido em sua cabeça e ele pôde respirar aliviado, tinha alcançado seu objetivo após longos anos de persistência.
O apartamento que comprou ficava próximo ao Central Park e quando o visitou a primeira vez com , a intenção era que pudessem caminhar no parque todos os dias pela manhã, mas já fazia quase oito meses da mudança e ele ainda não tinha conseguido caminhar com ela sequer uma vez.
Ao abrir a porta de casa, seus olhos avistaram dormindo tranquila no sofá, com um monte de livros espalhados pela mesinha de centro e o notebook posicionado em cima da barriga.
Ele sorriu, sentindo a famosa calmaria que emanava dela se espalhar por seu peito, aquecendo-o. Meu Deus, como sentiu sua falta!
Ele caminhou silenciosamente até o sofá e retirou o notebook de sua barriga. Assim que colocou o eletrônico na mesinha de centro, abriu os olhos, espantada.
— Porra, ! Que susto!
tentou segurar a risada, mas ao encará-la com a mão no coração, os cabelos escapando do rabo de cavalo e indo para todos os lados e a boca entreaberta pelo susto, ele gargalhou.
— Não tem graça nenhuma, você quase me matou do coração! — Ela respirou fundo e se sentou. ainda ria de sua cara e antes que ela pudesse perceber, estava rindo junto a ele. — Quando você chegou?
— Hoje de manhã. Tive alguns compromissos na emissora, mas vim pra casa o mais rápido que pude.
levantou as sobrancelhas em desconfiança.
— O quê? — perguntou, ficando levemente irritado. Sempre que ele chegava de uma viagem longa, lhe lançava olhares desconfiados e fuçava seu celular a procura de algo que indicasse que ele estava mentindo.
— Não é nada. — Ela baixou os olhos e entrelaçou os próprios dedos. a conhecia bem demais para saber que ela estava triste e não queria falar sobre. Ele se sentou ao lado dela no sofá e passou os dedos por seus cabelos, arrumando os fios bagunçados.
— Eu só… senti sua falta — ela admitiu.
— Eu também, amor.
inclinou o rosto na altura dos lábios de , encarando-os como quem pede permissão, numa pergunta silenciosa: “Você ainda está brava comigo?” E o sorriso que ela lhe deu foi resposta suficiente para que ele iniciasse um beijo, mas, antes de encostarem os lábios, segurou seus braços, impedindo-o.
Ela ergueu a mão, subindo e descendo os dedos por entre os pelos eriçados dos braços dele, suas mãos subiram para seu rosto, percorrendo seu queixo, suas bochechas, suas sobrancelhas, até pararem em seus lábios, contornando-os.
— Eu realmente senti sua falta — sussurrou, contra os lábios dele.
As mãos de pressionaram o quadril dela, alcançando sua cintura, sua boca atravessando o caminho até a boca de numa velocidade que a deixou zonza por um segundo, antes que ela agarrasse seu pescoço, correspondendo ao beijo.
MAIO DE 2016
O sol quente brilhava, indicando o fim da primavera, o verão finalmente começando a dar os primeiros sinais de que estava chegando. estava sentada no chão do pequeno terraço do prédio, aproveitando o sol do verão americano, que era tão raro na Inglaterra.
estava com as pernas encaixadas em volta das coxas dela, penteando os fios da namorada enquanto dividiam uma garrafa de vinho. Pentear os cabelos de era uma das coisas favoritas de sobre a relação dos dois, ele fazia isso desde quando eram somente amigos e era um momento de paz para ambos.
— Está ansioso? — perguntou, inclinando a cabeça para trás enquanto ele passava a escova nas pontas dos cabelos dela.
— Muito — disse, um pouco baixo. — Mas você me acalma.
depositou um beijo no topo da cabeça da namorada, abraçando-a pelos braços, puxando-a para mais perto.
Ele tinha feito um teste para um possível papel importante numa série e estava aguardando resposta há pouco mais de uma semana. Nos primeiros dias, ele mal dormiu, passava o tempo todo andando em círculos pelo apartamento, com reclamando: “Você vai abrir uma rachadura no chão de tanto pisar para lá e pra cá”.
— Eles vão ligar — ela afirmou, entrelaçando os dedos nos dele.
E como se o universo tivesse ouvido e aprovado o que a garota disse, o celular de tocou e se virou rapidamente. Eles se encararam, sorrindo ansiosos um para o outro e pegou o celular, entregando-o para .
Ele ficou tão nervoso que de repente suas pernas começaram a formigar, irradiando para o resto de seu corpo. Ele permaneceu sentado, com medo de tentar levantar e cair no chão como um lençol que é derrubado do varal pelo vento.
atendeu o telefonema e foram os vinte minutos mais demorados da existência de , em que ela roeu as unhas e se levantou, andando em círculos como estava fazendo uma semana atrás.
— E então? — questionou, tentando decifrar qual teria sido a resposta da ligação pela expressão no rosto dele.
correu até ela, pegando-a no colo e girando-a. gargalhou, colando suas pernas em volta da cintura dele.
— O papel é meu!
O grito agudo que deu em seu ouvido só o fez se sentir mais exultante do que já estava. Ele era grato àquela mulher em seus braços e sabia que sem ela ao seu lado lhe dando apoio, talvez ele jamais estivesse vivendo esse momento: estar recebendo seu primeiro papel como ator.
MARÇO DE 2018
— Você é perfeita — sussurrava, entre um beijo e outro. — Eu não canso de te admirar.
Para , era como se não o beijasse por toda uma vida. Não que tivesse esquecido da sensação dos lábios macios e quentes dele nos seus, de como ele pedia passagem lentamente com a língua, torturando-a com sua quase constante calma. Ela jamais esqueceria como era beijar na mesma medida que sentia uma sensação reconfortante e eufórica no peito, como se estivesse sempre revivendo o primeiro beijo deles.
Para , beijar era como alcançar o paraíso, ele tinha esperado muito tempo antes de beijá-la pela primeira vez, os dois foram só amigos por um período longo demais, torturante demais, doído demais… Mas mesmo depois de tanto tempo, ela ainda era a única que conseguia lhe fazer sentir tantas coisas em apenas um beijo.
Sempre que seus lábios encostavam um no outro, era como um encontro. Um encontro silencioso, quente, úmido e apaixonante.
De repente, a sala era pequena demais para a saudade que sentiam um do outro. desceu os beijos para o pescoço de , beijando toda a pele que não estava coberta pelo moletom e ela fechou os olhos, suspirando a cada vez que os lábios úmidos dele encostava em sua pele, deixando um rastro quente.
Ela desceu os dedos para a costura da camiseta que ele usava, a fim de tirá-la, mas ele a interditou, segurando suas mãos e colocando-as em seu pescoço, ele passou os braços por volta das pernas dela e a levantou. gargalhou e segurou firme em sua nuca, enquanto ele os conduzia para cima e, com um chute desengonçado — que quase derrubou os dois no chão —, ele abriu a porta do quarto deles.
Ele só percebeu como sentiu falta de casa e principalmente de quando adentrou o quarto e o cheiro dela invadiu suas narinas. Para ele, tinha cheiro de lar.
observou o quarto vazio por alguns segundos, antes de a colocar delicadamente em cima da cama, seus olhos marejados pela sensação de estar na companhia dele.
— Tudo bem? — ele perguntou. A expressão preocupada em seu rosto quase fez chorar.
— Sim — respondeu. No fundo, ela não sabia se estava realmente tudo bem, mas decidiu ignorar o turbilhão de sentimentos que fazia sua cabeça rodar.
Ele se encolheu em um sorriso e o coração de errou uma batida, era sempre assim quando ele sorria daquela forma, com aquela expressão de alívio por saber que ela estava bem.
— Eu quero você.
Ela pediu, puxando-o pelo cós da calça jeans, enroscando as pernas firmemente em volta de sua cintura. As mãos dele descendo automaticamente para as coxas dela, apertando-as, enquanto ela se movia, fazendo seus quadris se chocarem.
Ele subiu as mãos para sua cintura, aprofundando-as por dentro do moletom, subindo-o e tocando suas costas nuas. impulsionou seu corpo para cima, ajudando-o a tirar a peça de roupa.
Uma a uma, as peças de roupa que cobriam seus corpos foram sendo jogadas pelo chão do quarto, que para nunca esteve tão quente como naquele momento. Os beijos prementes que trocavam, o jeito que exploravam os corpos um do outro, todas as sensações que os dedos gélidos dele causavam em sua pele e maiormente em seu coração.
Os sons que saíam de suas gargantas tornavam-se um só, fazendo-os sentirem como se morassem um dentro do outro e talvez morassem mesmo. Naquela tarde, seus corpos conversaram e ali foram reveladas todas as reticências que tentavam esconder.
JULHO DE 2013
A viagem de Hastings para Londres durou cerca de 2h. Era a primeira vez que eles visitavam a cidade juntos, tinha trabalhado alguns meses como garçom em uma lanchonete e tinha dado aulas particulares de literatura para economizarem.
— Eu queria tanto ir aos pontos turísticos com você! — murmurou, chorosa.
— O show começa em algumas horas — respondeu, olhando o relógio no pulso. — Acho melhor descansarmos no hotel.
— Checou se os ingressos estão com você?
— Mais de quinze vezes desde que saímos de casa, ! — Ele revirou os olhos e ela riu.
O casal ia assistir ao show de uma de suas bandas favoritas Edward Sharpe and The Magnetic Zeros, eles acompanhavam a banda desde que tinham 14 anos e estavam muito animados para vê-los tocando ao vivo pela primeira vez.
Após algumas horas de descanso no hotel, e se encaminharam para o Somerset House, onde aconteceria o tão esperado show.
Entraram no local e conseguiram um bom lugar, próximo ao palco. Em pouco tempo, as luzes se apagaram, num aviso de que o show iria começar. , que estava abraçando pela cintura, viu a namorada pular, gritar e assobiar em expectativa. Ele gargalhou, pulando junto a ela e as pessoas próximas o imitaram, logo toda a plateia estava pulando e gritando o nome da banda.
— Meu Deus, é a Jade!
— E o Alex! — berrou , em resposta.
A banda cantou a maioria das músicas favoritas do casal e eles pularam, cantaram, dançaram e riram tanto que, ao final do show, estavam suados e mortos de cansados.
— Eu acho que ficou faltando uma música, você não acha, Alex? — Jade, uma das vocalistas da banda, disse.
— Meu Deus! — berrou em resposta, já sabendo de qual música se tratava.
— E pra encerrar essa noite tão especial, essa é Home — Alex gritou no microfone.
Os assobios da música iniciaram e os olhos de marejaram, as lágrimas se formando no canto dos olhos e depois descendo pelas bochechas. a abraçou forte e eles cantaram a plenos pulmões cada estrofe da música.
Oh, home, let me come home
Oh casa, deixe-me ir para casa
Home is wherever I'm with you
Casa é qualquer lugar que eu esteja com você
Era assim que se sentiam, eles eram o lar um do outro e não importava onde um estivesse, se o outro estivesse ao lado, sempre estariam em casa. virou para trás e ficou na ponta dos pés para alcançar os lábios de num beijo singelo. O coração dele bateu forte contra as costelas, causando um misto de calmaria e excitação que o fazia querer gritar aos quatro ventos que ela era dele.
Ele não sabia se iriam realizar o sonho de morar em Nova Iorque juntos, não sabia se conseguiriam as carreiras que tanto almejavam, mas estar ao lado dela independente de qualquer coisa era sem dúvidas o que mais queria.
*
No dia seguinte, enquanto voltavam para casa, admirava pelo canto do olho, ora desviando os olhos para a estrada e ora observando ela dançar no banco do carona, ao som de This Is The Day do The The. Os cabelos estavam esvoaçantes com o vento e o movimento que ela fazia com a cabeça também contribuía com a bagunça dos fios.
This is the day
Este é o dia
Your life will surely change
Sua vida com certeza vai mudar
This is the day
Este é o dia
When things fall into place
Quando as coisas se encaixam
Ela cantava a plenos pulmões, batendo palmas e rindo.
— Você é linda! — ele gritou, por causa do som alto. gargalhou, jogando a cabeça para trás. Logo depois encostou a cabeça no ombro do namorado, entrelaçando seus braços.
MARÇO DE 2018
O quarto estava escuro quando acordou.
O estômago roncando alto, denunciando as horas que estava sem comer. Sentia as pernas de entrelaçadas às suas, mas seu rosto estava virado para o outro lado. Ele levantou com cuidado para não a acordar e desceu as escadas rumo à cozinha.
estava envolvida em um sono profundo que foi interrompido pelo som estridente do celular de soando por todo o quarto. Ela levantou cambaleante e tateou as mãos pelo chão até achar o celular no bolso da calça que ele usava.
Quando chegou até o aparelho, ele parou de tocar e a barra de notificações mostrou várias mensagens de Natalie, coçou os olhos antes de lê-las.
Atende.
, cadê você?
A imobiliária acabou de entregar as chaves da casa em LA, animado?
Pequenas gotas d'água molharam olhos de e ela teve que enxugar as pequenas lágrimas que se formaram embaixo de seus olhos para continuar a ler.
Conversou com ela?
É sério, preciso que você atenda!
Me liga assim que ler essas mensagens!
Todo seu corpo tremeu e ela teve que se sentar, pois de repente suas pernas perderam a capacidade de se manterem em pé.
Ele a estava traindo com a assessora? Ele tinha comprado uma casa em Los Angeles? Ele ia se mudar? Ele ia morar com ela?
Eram muitas perguntas a serem respondidas e ela tinha pressa em descobrir as respostas. Entrou no banheiro e lavou o rosto, tentando se acalmar um pouco antes de descer as escadas para confrontar o namorado.
estava na cozinha, o cheiro de ovos fritos, feijão, bacon e pão torrado exalava por todo o ambiente e parou por um segundo para observá-lo, entretido cozinhando.
Eles tinham 10 anos de história, sendo 7 deles de um namoro. Ele não seria capaz de fazer isso com ela, seria?
— Ei, você acordou! — Ele se virou, com a frigideira nas mãos e um sorriso no rosto. — Está com fome?
não respondeu. Continuou olhando para ele, pensando em todos os momentos que tinham vivido juntos, todos os momentos que os levaram até ali.
— ? — chamou, colocando o utensílio de volta no fogão e indo até ela. Ela deu dois passos para trás.
— Você está me assustando, amor.
As mãos de se fecharam, as unhas afundando na pele das palmas das mãos.
— Você tem algo para me contar?
viu quando seus olhos ficaram anuviados e como suas pernas vacilaram quando ele caminhou mais uma vez até ela.
— Natalie te ligou — ela pressionou.
— Não é o que você está imaginando — ele respondeu, soando quase revoltado.
— E o que é então, ?
Ele passou as mãos furiosamente pelos cabelos, respirando fundo.
— Eu preciso me mudar para Los Angeles.
— Você precisa? O que isso quer dizer?
— A emissora vai transferir o estúdio da série para lá e Natalie conseguiu alguns trabalhos paralelos para mim e…
— Quando você ia me contar? — ela o interrompeu, aumentando o tom de voz.
— Eu ia te contar, só não deu tempo.
— Você teve todo o tempo do mundo, ! Há quanto tempo você sabe?
— Há dois meses — respondeu, num fio de voz, abaixando a cabeça.
— E há quanto tempo você está com a Natalie?
— O quê? — Ele riu, descrente. — ! Eu jamais faria isso com você!
— Você vai se mudar — ela gritou, sentindo o rosto esquentar — com ela!
— Natalie praticamente mora em LA, você sabe disso.
segurou a mão da namorada, olhando-a nos olhos.
— Eu nunca traí você, eu nunca faria isso.
soltou a mão, como se ele fosse um estranho. E naquele momento ele era. Se ele mentia em pequenas coisas, por que não mentir em coisas significantes? Ela não podia confiar.
— Você traiu minha confiança, omitiu coisas de mim, como posso confiar em você?
Ela sentiu a mágoa tomar conta de cada pedaço do seu corpo, o choro subindo pela garganta, as pernas cambaleando… então buscou toda a raiva que vinha guardando pelos meses que ficava sozinha naquele apartamento, pelas mensagens que nunca eram respondidas, pelas ligações que eram interrompidas, ela tinha que mascarar a dor com raiva.
— Por acaso eu estou convidada para essa mudança?
— Você está convidada para qualquer passo que eu der na vida, , sabe disso.
— Então por que você escondeu isso de mim?
— Eu viajei por meses e não queria te contar por chamada de vídeo ou algo parecido — murmurou baixo. — Não era para você ficar sabendo dessa forma.
— Eu estou me perguntando se era para eu saber de qualquer forma!
— — ele se aproximou, colocando as mãos em suas bochechas e fechou os olhos —, eu não estou mentindo para você. Eu não estou traindo você. Sei que sou um cuzão sobre muitas coisas, mas não sobre isso.
Ela sentiu os braços dele passarem por sua cintura, em um abraço quase urgente. Os braços dela permaneceram abaixados por alguns segundos antes que ela o abraçasse de volta, colando os braços em suas costas.
— Me desculpe — ele pediu. — Eu devia ter te contado no momento em que soube.
Ela não conseguiu responder, estava afundada em seus questionamentos e inseguranças. Ela não estava bem. Não estava feliz.
Eles permaneceram abraçados por alguns minutos, até o cheiro de bacon queimado irritar suas narinas e correr até a frigideira.
— Vamos ter que pedir pizza.
O coração de doeu ao olhar para , toda a mágoa que escondeu com a raiva agora se transformando em saudade. Ele nem tinha ido ainda e ela já sentia sua falta.
As sobrancelhas dele se franziram em preocupação e ela lhe deu um sorriso leve, tentando disfarçar a tristeza que sentia naquele instante.
Ele caminhou até o aparelho de som e logo a voz de Marvin Gaye soou no famoso “Listen, baby” de Ain’t No Mountain High.
Ela sorriu profundamente ao ser pega pela cintura por , que girou com ela nos braços. Ele não era mais tão desengonçado, tinha feito aulas de dança por meses porque seu personagem na série era um dançarino.
Suas risadas preencheram o ambiente, seus passos de um lado para o outro, os pés deslizando juntos enquanto dublava Tammi Terrell.
Quando a música acabou, eles não se moveram, continuaram risonhos, suados e arfantes, com os corpos grudados e com um pedido silencioso de que aquele momento nunca acabasse.
*
passou a noite acordada.
Enquanto dormia tranquilamente ao seu lado, os pensamentos martelavam em sua mente, as dúvidas e inseguranças impedindo-a de fechar os olhos.
Horas antes, quando se deitaram para dormir, tinha dito algo que não saía de sua cabeça.
— Você vai comigo, não é?
Ele estava cheio de esperança nos olhos e o coração de afundou-se.
— Los Angeles vai ser pequena para nós dois, como Nova Iorque foi.
Uma parte dela queria dizer que sim, ela iria com ele, não só para Los Angeles, mas para qualquer lugar que ele pedisse. Mas algo a impediu de responder, então ela beijou-lhe a testa e disse:
— Conversaremos melhor sobre isso amanhã.
Quando os raios fracos do sol invadiram as frestas da janela e o relógio ao lado da cama marcou quase 6h00 da manhã, ela desceu as escadas e preparou chá verde com leite e bolachas.
Enquanto comia, tudo que mais desejava era ter um botão para que pudesse desligar seus pensamentos. Eram tantas perguntas sem respostas, tantas memórias, tantos questionamentos sobre o futuro...
Para , não era apenas parte de sua vida, ele era toda sua história. Tinham se conhecido com apenas 13 anos e desde então nunca ficaram longe um do outro, principalmente depois que começaram a namorar, aos 16.
Por outro lado, pensar em largar a faculdade e o estágio que sofreu tanto para conseguir e acompanhar para Los Angeles fazia seu peito mergulhar em melancolia, e ela sentia que não deveria se sentir assim.
Sarah Lawrence era uma grande conquista, ela estava estudando Ciências e estagiando em uma das indústrias farmacêuticas mais famosas de Nova Iorque.
tinha corrido atrás dos sonhos dele, tinha conquistado um por um, por que ela deveria abrir mão dos dela para segui-lo?
De repente, se deu conta de que a mudança não era o maior problema que tinham. tinha se afastado dela muito antes de Los Angeles ser sequer um plano em suas vidas. Doía admitir, mas eles estavam quebrados, distantes e talvez até mesmo irreconhecíveis um para o outro.
As lágrimas desceram por seus olhos involuntariamente, uma dor que não parecia só emocional espalhando por todo seu corpo, o ar parecendo faltar.
Ela precisava por aquilo para fora.
Abriu uma das gavetas do armário, pegou um bloco de notas e uma caneta e sentou-se novamente.
Teve que respirar fundo várias vezes antes de começar a escrever, as lágrimas molhando o papel e a caneta firme em seus dedos, sendo portadora e confidente de tudo que sentia.
“Você sabia que nós temos entre 500 mil e 1,2 milhão de palavras na língua inglesa? Eu aprendi na escola.
São tantas palavras e mesmo assim é difícil escolher quais delas eu vou colocar nessa carta.
, eu te amo. Profunda e sinceramente, eu te amo. E não sei se vou conseguir seguir em frente, sabendo que tive que te deixar para trás.
Você foi, é e sempre será meu primeiro amor, a pessoa que me fez entender o que é se sentir amado e desejado e que me fez sentir capaz de amar incondicionalmente outro ser humano.
Eu estou me perguntando como serão as noites em que acordarei de madrugada e não te acharei do meu lado na cama, não vou poder fechar os outros e agradecer ao universo por você estar ali ou como serão minhas manhãs sem você para preparar feijão, ovos e bacon exatamente do jeito que minha mãe faz e os finais de tarde depois de um dia cansativo sem você para passar os dedos pelo meu cabelo e sussurrar baixinho que tudo ficará bem.
Eu queria poder ir com você, sabe que sim! Mas eu estaria provando minha lealdade a você somente para ser desleal comigo mesma, não é correto e você também sabe disso.
Desde pequena, eu nunca senti que houvesse um lugar para mim, um lugar onde eu pudesse ser eu mesma, mas quando te conheci, isso mudou. Eu podia rir de maneira estranha, vestir minhas roupas que não combinavam e compartilhar meu gosto musical sem me sentir deslocada, podia ser de verdade.
Meu maior medo, , é de que eu não consiga ser eu mesma sem você ao meu lado e eu percebi que esse sentimento é errado. Eu não devo me sentir assim.
É por isso que decidi que não vou com você para Los Angeles e isso não quer dizer que nossa história acabou aqui porque eu sei que ela é muito maior que a distância, mas ao mesmo tempo… Eu sinto que nos perdemos um do outro e precisamos nos encontrar como seres individuais para quem sabe algum dia voltarmos a ser a do e o da .
Eu sei que nós teremos a sorte e o privilégio de nos encontrarmos outra vez e enquanto isso não acontece, eu quero que você fique bem e lembre-se que você é forte e vai continuar conquistando o mundo, porque você merece.
Eu te amo. E isso nunca vai mudar.”
Ela chorou por mais alguns minutos, abraçada ao papel — que significava uma reviravolta em sua vida — antes de subir as escadas e voltar ao quarto.
ainda dormia profundamente quando ela sorrateiramente pegou uma mala de mão, colocando roupas suficientes para alguns dias, os materiais de estudo e outros pertences como itens de higiene.
deixou a carta ao lado da cômoda e se inclinou, depositando um selinho nos lábios de , ele sorriu levemente e virou para o outro lado da cama. Enquanto ele dormia sereno, ela teve que juntar todas as suas forças para deixar o quarto. Deu uma última olhada nele e fechou a porta, rumo a uma nova vida.
SETEMBRO DE 2018
Seis meses haviam passado e ainda relia as mensagens que tinha enviado para ela quando acordou e leu a carta.
Foram dias e dias de ligações dele, de sua família e até mesmo de Natalie. Todos queriam saber o que estava acontecendo e se tinha perdido a sanidade mental.
Quando ela atendeu às ligações, sua mãe gritou com ela horas a fio, tentando entender o que tinha levado à separação dos dois. Seu irmão a apoiou, dizendo que tudo ficaria bem e seu pai pediu para que ela voltasse à Inglaterra.
Ela ficou num hotel próximo ao prédio onde morava até ter certeza de que tinha voltado para LA e pudesse buscar o resto de seus pertences.
Ainda doía toda vez que ela passava pelo Upper East Side, em frente ao prédio que moravam ou quando caminhava pelo Central Park e imaginava como poderiam ter sido os passeios matinais que planejou e que nunca aconteceram.
Às vezes ela colocava mais um prato na mesa ou gritava pelo nome dele, pedindo para ele pegar papel higiênico para ela ou discava o número dele quando algo bom acontecia. Eram comportamentos automáticos, mas que acabavam com seu dia, fazendo-a abrir um vinho e chorar ouvindo músicas que lembravam dele.
Mas a vida seguiu, ela tinha se mudado para o Bronxville e estava dividindo um quarto com uma amiga no alojamento universitário da Sarah Lawrence e estava trabalhando numa pesquisa científica importante para a área farmacêutica.
A vida sem era comum, contudo, ela não podia dizer que era ruim. Sentia sua falta todos os dias, algo sempre a fazia lembrar dele, mas ela guardava a saudade no fundo do peito e seguia.
O celular vibrou no bolso da calça, indicando uma mensagem de Olivia, a amiga com quem dividia o alojamento.
Estou te esperando na plataforma do metrô.
Enquanto passava pela Times Square, rumo ao Times Sq - 42 St , as gotas de água batendo fortemente contra o guarda chuvas, de repente passou os olhos por um dos telões e avistou o sorriso de em uma foto promocional da nova temporada da série.
estava cada dia mais famoso, então ela sempre via fotos suas no Twitter e no Instagram. Quando isso acontecia, fechava a rede social em questão e não entrava mais por uma semana.
Vê-lo naquele outdoor, tão sorridente e cheio de confiança, por um lado a fez sentir vontade de correr para casa, se enfiar debaixo dos cobertores e chorar até desidratar, mas por outro lado a fez sentir uma gratidão enorme por ter conhecido aquele garotinho de 13 anos no balanço da escola e por terem vivido tantas coisas juntos
Em seus fones de ouvidos, a música Don’t You (Forget About Me) do Simple Minds começou a tocar aleatoriamente e naquele momento ela desejou que toda aquela distância entre eles não existisse. Fechou os olhos e por alguns segundos voltou ao apartamento em que moravam em Kingsbridge, aquele cubículo apertado em que foram tão felizes.
Don't you forget about me
Não se esqueça de mim
Don't, don't, don't, don't
Não, não, não, não
Don't you forget about me
Não se esqueça de mim
Enquanto Jim Kerr cantava o refrão da música, tinha convicção de que jamais sairia de seu coração e de seus pensamentos, e não precisava viver entre lembrar e esquecer, ela podia cessar aquela guerra constante dentro de si.
levantou os olhos novamente para o outdoor e sorriu, antes de dar as costas e descer as escadas que a levariam até o metrô.
Dancing With Myself do Billy Idol tocava em seus fones de ouvido, quando a aeromoça parada no meio do corredor lhe chamou a atenção.
— Dentro de instantes, estaremos pousando no Aeroporto de LaGuardia. Mantenham os encostos da poltrona na posição vertical e apertem os cintos. Sejam bem vindos a Nova Iorque!
Já era quase noite, as luzes da grande cidade começavam a se acender abaixo. sorriu eufórica, olhando pela pequena janela do avião. Ali em cima, sentiu que toda a Nova Iorque brilhava para ela.
Ansiosa, apertou a mão de , que dormia na poltrona ao lado.
— Ei, chegamos.
Os seus olhos se abriram lentamente, revelando a vermelhidão de quem tinha adormecido por horas a fio. Ele também sorriu, compartilhando da mesma excitação da namorada. Era o começo de uma nova vida para eles. Haviam se mudado de Hastings, na Inglaterra, para Nova Iorque com o objetivo de decolar a carreira de como ator.
Pegaram um táxi na porta do aeroporto, tendo que usar o porta malas e um pequeno espaço do banco traseiro para acomodar todas as malas. Foram cerca de vinte minutos do LaGuardia até Kingsbridge, que ficava na parte noroeste do Bronx. Um primo de tinha um apartamento lá e alugou para o casal por um preço bacana.
observava a paisagem pela janela do táxi com atenção, admirando tudo que via, ainda nem tinha visitado Manhattan, mas só a sensação de estar fora da cidade em que crescera já era reconfortante. Se sentia animada para poder tornar aquele novo lugar o seu lar.
O apartamento na verdade era um grande cômodo que dividia a cozinha e a sala, um quarto em que só cabia uma cama de casal e um banheiro apertado. Mas pouco importava, e estavam tão felizes que podiam dormir embaixo da Estátua da Liberdade e não iriam reclamar.
Arrumar a casa não era a tarefa favorita de , mas ela e estavam exultantes demais para descansar e rapidamente organizaram tudo com a ajuda de boa música e um engradado clandestino de cerveja. Cool Cat do Queen tocava no aparelho de som que Tristan, irmão mais velho de , tinha lhe dado de presente pela mudança. a agarrou pela cintura, iniciando um dois-pra-lá, dois-pra-cá desengonçado, os fazendo gargalhar. A garota sempre o dizia que ele tinha que aprender a dançar melhor, pois um ator fazia de tudo um pouco.
— Isso é tudo que eu poderia querer — ele confessou, a boca próxima ao ouvido dela, a mão firme em sua cintura. — Nova Iorque, nós, e uma esperança para o futuro…
— Você é tudo que eu poderia querer — respondeu, encostando a cabeça em seu peito, apreciando o som de seus batimentos acelerados.
— Nós vamos ser muito felizes aqui.
— Promete?
se afastou para poder olhá-la nos olhos antes de responder:
— Eu prometo, meu amor.
FEVEREIRO DE 2018
adorava banhos quentes. Do tipo que deixam a pele vermelha e enrugada em poucos minutos e o banheiro coberto por uma densa nuvem de vapor. Banhos quentes a consolavam, era quase como um abraço para ela, que passava tanto tempo sozinha nos últimos meses. A música em volume baixo, as luzes apagadas e a água quente eram uma ótima companhia. Mas, ao desligar o chuveiro, se enrolar na toalha e voltar ao quarto gélido e vazio, toda a boa sensação descia pelo ralo junto à água em que se lavava no banho. Passou a mão pela cama e se sentou, levou as mãos até a cabeça, os dedos afundando no couro cabeludo e um suspiro pesado saindo de seus lábios.
O celular vibrou, o nome de piscando na tela:
Não esqueça de assistir a entrevista :)
Ela praguejou baixo, tentando conter as lágrimas irritantes que insistiam em cair. Se trocou e desceu as escadas do grande apartamento que estava morando há pouco menos de oito meses. Encheu uma taça de vinho e ligou a TV, observando o namorado gargalhar sendo entrevistado por Ellen DeGeneres.
— Filho da puta! — xingou.
e estavam juntos há quase sete anos, mas fazia alguns meses que o namoro não ia bem. Ele integrava o elenco de uma das séries teen mais famosas da atualidade e por isso estava sempre ocupado com as gravações, entrevistas, ensaios fotográficos e viagens de divulgação. E enquanto viajava pelo mundo realizando seu sonho, ficava no apartamento que dividiam, se contentando apenas com chamadas de vídeo esporádicas e ligações não atendidas. No começo, ela tentava acompanhar a nova rotina dele, mas quando a faculdade voltou das férias de inverno e ela teve que focar nos estudos e no estágio, tudo ficou mais difícil.
Ela se abraçou, apertando as mãos ao redor dos braços, deixando cair as lágrimas que tanto segurava. Nem as manhãs mais frias da Inglaterra a faziam sentir tanto frio como a solidão que vivenciava naquele momento.
DEZEMBRO DE 2014
Frio, chuva e luzes piscando por todos os lugares. Era véspera de Natal e, diferente do que os filmes mostram, não estava nevando em Nova Iorque. terminava de decorar a pequena árvore que ela e tinham escolhido juntos, estava tão entretida decidindo onde colocar o que, que levou um susto quando mãos fortes a seguraram pelos ombros.
— Você disse que ia me esperar para terminarmos de decorar a árvore juntos — reclamou, pousando o queixo em cima da cabeça da namorada.
— Você está todo molhado! — Ela se soltou dele, batendo as mãos pelo pijama que usava. — Vai trocar de roupa, pelo amor de Deus.
riu e tirou o casaco molhado, o pendurando no mancebo de madeira, em seguida chutou os tênis para longe.
— Como foi o teste?
— Incrível. — Ele sorriu, irônico. — Vou ser o substituto do duende, caso o duende principal fique doente.
Ela o olhou com compaixão, sabia o quanto o namorado estava se esforçando para conseguir um papel relevante em alguma peça, filme ou seriado. Mas já fazia um ano que estavam em Nova Iorque e até agora o papel mais importante que ele conseguiu foi num comercial de pasta de dentes.
— Bom, então é melhor começarmos a procurar o endereço dele. — Sorriu travessa, tentando o animar. — Sabe lá o que pode acontecer na véspera de Natal, não é? Uma dor de barriga, uma queda repentina… É melhor ficarmos de olho.
gargalhou, jogando a cabeça para trás e a abraçou pela cintura, ela circulou os braços ao redor do pescoço dele e os dois permaneceram rindo por alguns minutos, e quando a graça acabou, ele suspirou pesado.
— Se você não estivesse aqui, eu nem sei o que faria.
Uma memória iluminou sua mente, de quando estavam deitados no sofá, assistindo uma reprise de Grey's Anatomy no canal Sony e o rosto de surgiu na tela, escovando os dentes e falando os benefícios da pasta de dente. gritou tão alto que a vizinha da frente bateu na porta deles, perguntando se estava tudo bem.
— Provavelmente estaria comprando uma quentinha na padaria para passar o Natal assistindo O Grinch.
MARÇO DE 2018
— Em dois dias embarcamos para Los Angeles, temos as filmagens do episódio especial, eu espero que esteja tudo certo — Natalie tagarelava, andando à frente de com um tablet nas mãos, ditando cada passo seu.
— Mal posso esperar. — Ele sorriu de lábios fechados e a ruiva parou, colocando as mãos na cintura.
— Você está muito engraçadinho para o meu gosto. Se estiver pensando em desistir e voltar a fazer comerciais de TV, é só me avisar, te substituo assim. — Ela estalou os dedos, sorrindo de lábios fechados como ele tinha feito um minuto antes.
tinha conhecido Natalie há dois anos, quando estava fazendo um teste para um comercial de cuecas. Ela estava à procura de novos talentos e assim que bateu os olhos nele, o chamou para tomar um café e conversar sobre negócios. Poucos meses depois, estava sendo chamado para protagonizar o piloto de uma série teen, que rapidamente se tornou uma das mais assistidas no mundo todo.
— Já posso ir?
Assim que Natalie assentiu, entrou no carro, pedindo para o motorista levá-lo para casa o mais rápido possível.
Morar em Manhattan ainda era algo surreal para ele, era a realização de um sonho que por muito tempo pareceu distante de acontecer. Foi quando se mudou de Kingsbridge para o Upper East Side que tudo fez sentido em sua cabeça e ele pôde respirar aliviado, tinha alcançado seu objetivo após longos anos de persistência.
O apartamento que comprou ficava próximo ao Central Park e quando o visitou a primeira vez com , a intenção era que pudessem caminhar no parque todos os dias pela manhã, mas já fazia quase oito meses da mudança e ele ainda não tinha conseguido caminhar com ela sequer uma vez.
Ao abrir a porta de casa, seus olhos avistaram dormindo tranquila no sofá, com um monte de livros espalhados pela mesinha de centro e o notebook posicionado em cima da barriga.
Ele sorriu, sentindo a famosa calmaria que emanava dela se espalhar por seu peito, aquecendo-o. Meu Deus, como sentiu sua falta!
Ele caminhou silenciosamente até o sofá e retirou o notebook de sua barriga. Assim que colocou o eletrônico na mesinha de centro, abriu os olhos, espantada.
— Porra, ! Que susto!
tentou segurar a risada, mas ao encará-la com a mão no coração, os cabelos escapando do rabo de cavalo e indo para todos os lados e a boca entreaberta pelo susto, ele gargalhou.
— Não tem graça nenhuma, você quase me matou do coração! — Ela respirou fundo e se sentou. ainda ria de sua cara e antes que ela pudesse perceber, estava rindo junto a ele. — Quando você chegou?
— Hoje de manhã. Tive alguns compromissos na emissora, mas vim pra casa o mais rápido que pude.
levantou as sobrancelhas em desconfiança.
— O quê? — perguntou, ficando levemente irritado. Sempre que ele chegava de uma viagem longa, lhe lançava olhares desconfiados e fuçava seu celular a procura de algo que indicasse que ele estava mentindo.
— Não é nada. — Ela baixou os olhos e entrelaçou os próprios dedos. a conhecia bem demais para saber que ela estava triste e não queria falar sobre. Ele se sentou ao lado dela no sofá e passou os dedos por seus cabelos, arrumando os fios bagunçados.
— Eu só… senti sua falta — ela admitiu.
— Eu também, amor.
inclinou o rosto na altura dos lábios de , encarando-os como quem pede permissão, numa pergunta silenciosa: “Você ainda está brava comigo?” E o sorriso que ela lhe deu foi resposta suficiente para que ele iniciasse um beijo, mas, antes de encostarem os lábios, segurou seus braços, impedindo-o.
Ela ergueu a mão, subindo e descendo os dedos por entre os pelos eriçados dos braços dele, suas mãos subiram para seu rosto, percorrendo seu queixo, suas bochechas, suas sobrancelhas, até pararem em seus lábios, contornando-os.
— Eu realmente senti sua falta — sussurrou, contra os lábios dele.
As mãos de pressionaram o quadril dela, alcançando sua cintura, sua boca atravessando o caminho até a boca de numa velocidade que a deixou zonza por um segundo, antes que ela agarrasse seu pescoço, correspondendo ao beijo.
MAIO DE 2016
O sol quente brilhava, indicando o fim da primavera, o verão finalmente começando a dar os primeiros sinais de que estava chegando. estava sentada no chão do pequeno terraço do prédio, aproveitando o sol do verão americano, que era tão raro na Inglaterra.
estava com as pernas encaixadas em volta das coxas dela, penteando os fios da namorada enquanto dividiam uma garrafa de vinho. Pentear os cabelos de era uma das coisas favoritas de sobre a relação dos dois, ele fazia isso desde quando eram somente amigos e era um momento de paz para ambos.
— Está ansioso? — perguntou, inclinando a cabeça para trás enquanto ele passava a escova nas pontas dos cabelos dela.
— Muito — disse, um pouco baixo. — Mas você me acalma.
depositou um beijo no topo da cabeça da namorada, abraçando-a pelos braços, puxando-a para mais perto.
Ele tinha feito um teste para um possível papel importante numa série e estava aguardando resposta há pouco mais de uma semana. Nos primeiros dias, ele mal dormiu, passava o tempo todo andando em círculos pelo apartamento, com reclamando: “Você vai abrir uma rachadura no chão de tanto pisar para lá e pra cá”.
— Eles vão ligar — ela afirmou, entrelaçando os dedos nos dele.
E como se o universo tivesse ouvido e aprovado o que a garota disse, o celular de tocou e se virou rapidamente. Eles se encararam, sorrindo ansiosos um para o outro e pegou o celular, entregando-o para .
Ele ficou tão nervoso que de repente suas pernas começaram a formigar, irradiando para o resto de seu corpo. Ele permaneceu sentado, com medo de tentar levantar e cair no chão como um lençol que é derrubado do varal pelo vento.
atendeu o telefonema e foram os vinte minutos mais demorados da existência de , em que ela roeu as unhas e se levantou, andando em círculos como estava fazendo uma semana atrás.
— E então? — questionou, tentando decifrar qual teria sido a resposta da ligação pela expressão no rosto dele.
correu até ela, pegando-a no colo e girando-a. gargalhou, colando suas pernas em volta da cintura dele.
— O papel é meu!
O grito agudo que deu em seu ouvido só o fez se sentir mais exultante do que já estava. Ele era grato àquela mulher em seus braços e sabia que sem ela ao seu lado lhe dando apoio, talvez ele jamais estivesse vivendo esse momento: estar recebendo seu primeiro papel como ator.
MARÇO DE 2018
— Você é perfeita — sussurrava, entre um beijo e outro. — Eu não canso de te admirar.
Para , era como se não o beijasse por toda uma vida. Não que tivesse esquecido da sensação dos lábios macios e quentes dele nos seus, de como ele pedia passagem lentamente com a língua, torturando-a com sua quase constante calma. Ela jamais esqueceria como era beijar na mesma medida que sentia uma sensação reconfortante e eufórica no peito, como se estivesse sempre revivendo o primeiro beijo deles.
Para , beijar era como alcançar o paraíso, ele tinha esperado muito tempo antes de beijá-la pela primeira vez, os dois foram só amigos por um período longo demais, torturante demais, doído demais… Mas mesmo depois de tanto tempo, ela ainda era a única que conseguia lhe fazer sentir tantas coisas em apenas um beijo.
Sempre que seus lábios encostavam um no outro, era como um encontro. Um encontro silencioso, quente, úmido e apaixonante.
De repente, a sala era pequena demais para a saudade que sentiam um do outro. desceu os beijos para o pescoço de , beijando toda a pele que não estava coberta pelo moletom e ela fechou os olhos, suspirando a cada vez que os lábios úmidos dele encostava em sua pele, deixando um rastro quente.
Ela desceu os dedos para a costura da camiseta que ele usava, a fim de tirá-la, mas ele a interditou, segurando suas mãos e colocando-as em seu pescoço, ele passou os braços por volta das pernas dela e a levantou. gargalhou e segurou firme em sua nuca, enquanto ele os conduzia para cima e, com um chute desengonçado — que quase derrubou os dois no chão —, ele abriu a porta do quarto deles.
Ele só percebeu como sentiu falta de casa e principalmente de quando adentrou o quarto e o cheiro dela invadiu suas narinas. Para ele, tinha cheiro de lar.
observou o quarto vazio por alguns segundos, antes de a colocar delicadamente em cima da cama, seus olhos marejados pela sensação de estar na companhia dele.
— Tudo bem? — ele perguntou. A expressão preocupada em seu rosto quase fez chorar.
— Sim — respondeu. No fundo, ela não sabia se estava realmente tudo bem, mas decidiu ignorar o turbilhão de sentimentos que fazia sua cabeça rodar.
Ele se encolheu em um sorriso e o coração de errou uma batida, era sempre assim quando ele sorria daquela forma, com aquela expressão de alívio por saber que ela estava bem.
— Eu quero você.
Ela pediu, puxando-o pelo cós da calça jeans, enroscando as pernas firmemente em volta de sua cintura. As mãos dele descendo automaticamente para as coxas dela, apertando-as, enquanto ela se movia, fazendo seus quadris se chocarem.
Ele subiu as mãos para sua cintura, aprofundando-as por dentro do moletom, subindo-o e tocando suas costas nuas. impulsionou seu corpo para cima, ajudando-o a tirar a peça de roupa.
Uma a uma, as peças de roupa que cobriam seus corpos foram sendo jogadas pelo chão do quarto, que para nunca esteve tão quente como naquele momento. Os beijos prementes que trocavam, o jeito que exploravam os corpos um do outro, todas as sensações que os dedos gélidos dele causavam em sua pele e maiormente em seu coração.
Os sons que saíam de suas gargantas tornavam-se um só, fazendo-os sentirem como se morassem um dentro do outro e talvez morassem mesmo. Naquela tarde, seus corpos conversaram e ali foram reveladas todas as reticências que tentavam esconder.
JULHO DE 2013
A viagem de Hastings para Londres durou cerca de 2h. Era a primeira vez que eles visitavam a cidade juntos, tinha trabalhado alguns meses como garçom em uma lanchonete e tinha dado aulas particulares de literatura para economizarem.
— Eu queria tanto ir aos pontos turísticos com você! — murmurou, chorosa.
— O show começa em algumas horas — respondeu, olhando o relógio no pulso. — Acho melhor descansarmos no hotel.
— Checou se os ingressos estão com você?
— Mais de quinze vezes desde que saímos de casa, ! — Ele revirou os olhos e ela riu.
O casal ia assistir ao show de uma de suas bandas favoritas Edward Sharpe and The Magnetic Zeros, eles acompanhavam a banda desde que tinham 14 anos e estavam muito animados para vê-los tocando ao vivo pela primeira vez.
Após algumas horas de descanso no hotel, e se encaminharam para o Somerset House, onde aconteceria o tão esperado show.
Entraram no local e conseguiram um bom lugar, próximo ao palco. Em pouco tempo, as luzes se apagaram, num aviso de que o show iria começar. , que estava abraçando pela cintura, viu a namorada pular, gritar e assobiar em expectativa. Ele gargalhou, pulando junto a ela e as pessoas próximas o imitaram, logo toda a plateia estava pulando e gritando o nome da banda.
— Meu Deus, é a Jade!
— E o Alex! — berrou , em resposta.
A banda cantou a maioria das músicas favoritas do casal e eles pularam, cantaram, dançaram e riram tanto que, ao final do show, estavam suados e mortos de cansados.
— Eu acho que ficou faltando uma música, você não acha, Alex? — Jade, uma das vocalistas da banda, disse.
— Meu Deus! — berrou em resposta, já sabendo de qual música se tratava.
— E pra encerrar essa noite tão especial, essa é Home — Alex gritou no microfone.
Os assobios da música iniciaram e os olhos de marejaram, as lágrimas se formando no canto dos olhos e depois descendo pelas bochechas. a abraçou forte e eles cantaram a plenos pulmões cada estrofe da música.
Oh, home, let me come home
Oh casa, deixe-me ir para casa
Home is wherever I'm with you
Casa é qualquer lugar que eu esteja com você
Era assim que se sentiam, eles eram o lar um do outro e não importava onde um estivesse, se o outro estivesse ao lado, sempre estariam em casa. virou para trás e ficou na ponta dos pés para alcançar os lábios de num beijo singelo. O coração dele bateu forte contra as costelas, causando um misto de calmaria e excitação que o fazia querer gritar aos quatro ventos que ela era dele.
Ele não sabia se iriam realizar o sonho de morar em Nova Iorque juntos, não sabia se conseguiriam as carreiras que tanto almejavam, mas estar ao lado dela independente de qualquer coisa era sem dúvidas o que mais queria.
No dia seguinte, enquanto voltavam para casa, admirava pelo canto do olho, ora desviando os olhos para a estrada e ora observando ela dançar no banco do carona, ao som de This Is The Day do The The. Os cabelos estavam esvoaçantes com o vento e o movimento que ela fazia com a cabeça também contribuía com a bagunça dos fios.
This is the day
Este é o dia
Your life will surely change
Sua vida com certeza vai mudar
This is the day
Este é o dia
When things fall into place
Quando as coisas se encaixam
Ela cantava a plenos pulmões, batendo palmas e rindo.
— Você é linda! — ele gritou, por causa do som alto. gargalhou, jogando a cabeça para trás. Logo depois encostou a cabeça no ombro do namorado, entrelaçando seus braços.
MARÇO DE 2018
O quarto estava escuro quando acordou.
O estômago roncando alto, denunciando as horas que estava sem comer. Sentia as pernas de entrelaçadas às suas, mas seu rosto estava virado para o outro lado. Ele levantou com cuidado para não a acordar e desceu as escadas rumo à cozinha.
estava envolvida em um sono profundo que foi interrompido pelo som estridente do celular de soando por todo o quarto. Ela levantou cambaleante e tateou as mãos pelo chão até achar o celular no bolso da calça que ele usava.
Quando chegou até o aparelho, ele parou de tocar e a barra de notificações mostrou várias mensagens de Natalie, coçou os olhos antes de lê-las.
Atende.
, cadê você?
A imobiliária acabou de entregar as chaves da casa em LA, animado?
Pequenas gotas d'água molharam olhos de e ela teve que enxugar as pequenas lágrimas que se formaram embaixo de seus olhos para continuar a ler.
Conversou com ela?
É sério, preciso que você atenda!
Me liga assim que ler essas mensagens!
Todo seu corpo tremeu e ela teve que se sentar, pois de repente suas pernas perderam a capacidade de se manterem em pé.
Ele a estava traindo com a assessora? Ele tinha comprado uma casa em Los Angeles? Ele ia se mudar? Ele ia morar com ela?
Eram muitas perguntas a serem respondidas e ela tinha pressa em descobrir as respostas. Entrou no banheiro e lavou o rosto, tentando se acalmar um pouco antes de descer as escadas para confrontar o namorado.
estava na cozinha, o cheiro de ovos fritos, feijão, bacon e pão torrado exalava por todo o ambiente e parou por um segundo para observá-lo, entretido cozinhando.
Eles tinham 10 anos de história, sendo 7 deles de um namoro. Ele não seria capaz de fazer isso com ela, seria?
— Ei, você acordou! — Ele se virou, com a frigideira nas mãos e um sorriso no rosto. — Está com fome?
não respondeu. Continuou olhando para ele, pensando em todos os momentos que tinham vivido juntos, todos os momentos que os levaram até ali.
— ? — chamou, colocando o utensílio de volta no fogão e indo até ela. Ela deu dois passos para trás.
— Você está me assustando, amor.
As mãos de se fecharam, as unhas afundando na pele das palmas das mãos.
— Você tem algo para me contar?
viu quando seus olhos ficaram anuviados e como suas pernas vacilaram quando ele caminhou mais uma vez até ela.
— Natalie te ligou — ela pressionou.
— Não é o que você está imaginando — ele respondeu, soando quase revoltado.
— E o que é então, ?
Ele passou as mãos furiosamente pelos cabelos, respirando fundo.
— Eu preciso me mudar para Los Angeles.
— Você precisa? O que isso quer dizer?
— A emissora vai transferir o estúdio da série para lá e Natalie conseguiu alguns trabalhos paralelos para mim e…
— Quando você ia me contar? — ela o interrompeu, aumentando o tom de voz.
— Eu ia te contar, só não deu tempo.
— Você teve todo o tempo do mundo, ! Há quanto tempo você sabe?
— Há dois meses — respondeu, num fio de voz, abaixando a cabeça.
— E há quanto tempo você está com a Natalie?
— O quê? — Ele riu, descrente. — ! Eu jamais faria isso com você!
— Você vai se mudar — ela gritou, sentindo o rosto esquentar — com ela!
— Natalie praticamente mora em LA, você sabe disso.
segurou a mão da namorada, olhando-a nos olhos.
— Eu nunca traí você, eu nunca faria isso.
soltou a mão, como se ele fosse um estranho. E naquele momento ele era. Se ele mentia em pequenas coisas, por que não mentir em coisas significantes? Ela não podia confiar.
— Você traiu minha confiança, omitiu coisas de mim, como posso confiar em você?
Ela sentiu a mágoa tomar conta de cada pedaço do seu corpo, o choro subindo pela garganta, as pernas cambaleando… então buscou toda a raiva que vinha guardando pelos meses que ficava sozinha naquele apartamento, pelas mensagens que nunca eram respondidas, pelas ligações que eram interrompidas, ela tinha que mascarar a dor com raiva.
— Por acaso eu estou convidada para essa mudança?
— Você está convidada para qualquer passo que eu der na vida, , sabe disso.
— Então por que você escondeu isso de mim?
— Eu viajei por meses e não queria te contar por chamada de vídeo ou algo parecido — murmurou baixo. — Não era para você ficar sabendo dessa forma.
— Eu estou me perguntando se era para eu saber de qualquer forma!
— — ele se aproximou, colocando as mãos em suas bochechas e fechou os olhos —, eu não estou mentindo para você. Eu não estou traindo você. Sei que sou um cuzão sobre muitas coisas, mas não sobre isso.
Ela sentiu os braços dele passarem por sua cintura, em um abraço quase urgente. Os braços dela permaneceram abaixados por alguns segundos antes que ela o abraçasse de volta, colando os braços em suas costas.
— Me desculpe — ele pediu. — Eu devia ter te contado no momento em que soube.
Ela não conseguiu responder, estava afundada em seus questionamentos e inseguranças. Ela não estava bem. Não estava feliz.
Eles permaneceram abraçados por alguns minutos, até o cheiro de bacon queimado irritar suas narinas e correr até a frigideira.
— Vamos ter que pedir pizza.
O coração de doeu ao olhar para , toda a mágoa que escondeu com a raiva agora se transformando em saudade. Ele nem tinha ido ainda e ela já sentia sua falta.
As sobrancelhas dele se franziram em preocupação e ela lhe deu um sorriso leve, tentando disfarçar a tristeza que sentia naquele instante.
Ele caminhou até o aparelho de som e logo a voz de Marvin Gaye soou no famoso “Listen, baby” de Ain’t No Mountain High.
Ela sorriu profundamente ao ser pega pela cintura por , que girou com ela nos braços. Ele não era mais tão desengonçado, tinha feito aulas de dança por meses porque seu personagem na série era um dançarino.
Suas risadas preencheram o ambiente, seus passos de um lado para o outro, os pés deslizando juntos enquanto dublava Tammi Terrell.
Quando a música acabou, eles não se moveram, continuaram risonhos, suados e arfantes, com os corpos grudados e com um pedido silencioso de que aquele momento nunca acabasse.
passou a noite acordada.
Enquanto dormia tranquilamente ao seu lado, os pensamentos martelavam em sua mente, as dúvidas e inseguranças impedindo-a de fechar os olhos.
Horas antes, quando se deitaram para dormir, tinha dito algo que não saía de sua cabeça.
— Você vai comigo, não é?
Ele estava cheio de esperança nos olhos e o coração de afundou-se.
— Los Angeles vai ser pequena para nós dois, como Nova Iorque foi.
Uma parte dela queria dizer que sim, ela iria com ele, não só para Los Angeles, mas para qualquer lugar que ele pedisse. Mas algo a impediu de responder, então ela beijou-lhe a testa e disse:
— Conversaremos melhor sobre isso amanhã.
Quando os raios fracos do sol invadiram as frestas da janela e o relógio ao lado da cama marcou quase 6h00 da manhã, ela desceu as escadas e preparou chá verde com leite e bolachas.
Enquanto comia, tudo que mais desejava era ter um botão para que pudesse desligar seus pensamentos. Eram tantas perguntas sem respostas, tantas memórias, tantos questionamentos sobre o futuro...
Para , não era apenas parte de sua vida, ele era toda sua história. Tinham se conhecido com apenas 13 anos e desde então nunca ficaram longe um do outro, principalmente depois que começaram a namorar, aos 16.
Por outro lado, pensar em largar a faculdade e o estágio que sofreu tanto para conseguir e acompanhar para Los Angeles fazia seu peito mergulhar em melancolia, e ela sentia que não deveria se sentir assim.
Sarah Lawrence era uma grande conquista, ela estava estudando Ciências e estagiando em uma das indústrias farmacêuticas mais famosas de Nova Iorque.
tinha corrido atrás dos sonhos dele, tinha conquistado um por um, por que ela deveria abrir mão dos dela para segui-lo?
De repente, se deu conta de que a mudança não era o maior problema que tinham. tinha se afastado dela muito antes de Los Angeles ser sequer um plano em suas vidas. Doía admitir, mas eles estavam quebrados, distantes e talvez até mesmo irreconhecíveis um para o outro.
As lágrimas desceram por seus olhos involuntariamente, uma dor que não parecia só emocional espalhando por todo seu corpo, o ar parecendo faltar.
Ela precisava por aquilo para fora.
Abriu uma das gavetas do armário, pegou um bloco de notas e uma caneta e sentou-se novamente.
Teve que respirar fundo várias vezes antes de começar a escrever, as lágrimas molhando o papel e a caneta firme em seus dedos, sendo portadora e confidente de tudo que sentia.
“Você sabia que nós temos entre 500 mil e 1,2 milhão de palavras na língua inglesa? Eu aprendi na escola.
São tantas palavras e mesmo assim é difícil escolher quais delas eu vou colocar nessa carta.
, eu te amo. Profunda e sinceramente, eu te amo. E não sei se vou conseguir seguir em frente, sabendo que tive que te deixar para trás.
Você foi, é e sempre será meu primeiro amor, a pessoa que me fez entender o que é se sentir amado e desejado e que me fez sentir capaz de amar incondicionalmente outro ser humano.
Eu estou me perguntando como serão as noites em que acordarei de madrugada e não te acharei do meu lado na cama, não vou poder fechar os outros e agradecer ao universo por você estar ali ou como serão minhas manhãs sem você para preparar feijão, ovos e bacon exatamente do jeito que minha mãe faz e os finais de tarde depois de um dia cansativo sem você para passar os dedos pelo meu cabelo e sussurrar baixinho que tudo ficará bem.
Eu queria poder ir com você, sabe que sim! Mas eu estaria provando minha lealdade a você somente para ser desleal comigo mesma, não é correto e você também sabe disso.
Desde pequena, eu nunca senti que houvesse um lugar para mim, um lugar onde eu pudesse ser eu mesma, mas quando te conheci, isso mudou. Eu podia rir de maneira estranha, vestir minhas roupas que não combinavam e compartilhar meu gosto musical sem me sentir deslocada, podia ser de verdade.
Meu maior medo, , é de que eu não consiga ser eu mesma sem você ao meu lado e eu percebi que esse sentimento é errado. Eu não devo me sentir assim.
É por isso que decidi que não vou com você para Los Angeles e isso não quer dizer que nossa história acabou aqui porque eu sei que ela é muito maior que a distância, mas ao mesmo tempo… Eu sinto que nos perdemos um do outro e precisamos nos encontrar como seres individuais para quem sabe algum dia voltarmos a ser a do e o da .
Eu sei que nós teremos a sorte e o privilégio de nos encontrarmos outra vez e enquanto isso não acontece, eu quero que você fique bem e lembre-se que você é forte e vai continuar conquistando o mundo, porque você merece.
Eu te amo. E isso nunca vai mudar.”
Ela chorou por mais alguns minutos, abraçada ao papel — que significava uma reviravolta em sua vida — antes de subir as escadas e voltar ao quarto.
ainda dormia profundamente quando ela sorrateiramente pegou uma mala de mão, colocando roupas suficientes para alguns dias, os materiais de estudo e outros pertences como itens de higiene.
deixou a carta ao lado da cômoda e se inclinou, depositando um selinho nos lábios de , ele sorriu levemente e virou para o outro lado da cama. Enquanto ele dormia sereno, ela teve que juntar todas as suas forças para deixar o quarto. Deu uma última olhada nele e fechou a porta, rumo a uma nova vida.
SETEMBRO DE 2018
Seis meses haviam passado e ainda relia as mensagens que tinha enviado para ela quando acordou e leu a carta.
Foram dias e dias de ligações dele, de sua família e até mesmo de Natalie. Todos queriam saber o que estava acontecendo e se tinha perdido a sanidade mental.
Quando ela atendeu às ligações, sua mãe gritou com ela horas a fio, tentando entender o que tinha levado à separação dos dois. Seu irmão a apoiou, dizendo que tudo ficaria bem e seu pai pediu para que ela voltasse à Inglaterra.
Ela ficou num hotel próximo ao prédio onde morava até ter certeza de que tinha voltado para LA e pudesse buscar o resto de seus pertences.
Ainda doía toda vez que ela passava pelo Upper East Side, em frente ao prédio que moravam ou quando caminhava pelo Central Park e imaginava como poderiam ter sido os passeios matinais que planejou e que nunca aconteceram.
Às vezes ela colocava mais um prato na mesa ou gritava pelo nome dele, pedindo para ele pegar papel higiênico para ela ou discava o número dele quando algo bom acontecia. Eram comportamentos automáticos, mas que acabavam com seu dia, fazendo-a abrir um vinho e chorar ouvindo músicas que lembravam dele.
Mas a vida seguiu, ela tinha se mudado para o Bronxville e estava dividindo um quarto com uma amiga no alojamento universitário da Sarah Lawrence e estava trabalhando numa pesquisa científica importante para a área farmacêutica.
A vida sem era comum, contudo, ela não podia dizer que era ruim. Sentia sua falta todos os dias, algo sempre a fazia lembrar dele, mas ela guardava a saudade no fundo do peito e seguia.
O celular vibrou no bolso da calça, indicando uma mensagem de Olivia, a amiga com quem dividia o alojamento.
Estou te esperando na plataforma do metrô.
Enquanto passava pela Times Square, rumo ao Times Sq - 42 St , as gotas de água batendo fortemente contra o guarda chuvas, de repente passou os olhos por um dos telões e avistou o sorriso de em uma foto promocional da nova temporada da série.
estava cada dia mais famoso, então ela sempre via fotos suas no Twitter e no Instagram. Quando isso acontecia, fechava a rede social em questão e não entrava mais por uma semana.
Vê-lo naquele outdoor, tão sorridente e cheio de confiança, por um lado a fez sentir vontade de correr para casa, se enfiar debaixo dos cobertores e chorar até desidratar, mas por outro lado a fez sentir uma gratidão enorme por ter conhecido aquele garotinho de 13 anos no balanço da escola e por terem vivido tantas coisas juntos
Em seus fones de ouvidos, a música Don’t You (Forget About Me) do Simple Minds começou a tocar aleatoriamente e naquele momento ela desejou que toda aquela distância entre eles não existisse. Fechou os olhos e por alguns segundos voltou ao apartamento em que moravam em Kingsbridge, aquele cubículo apertado em que foram tão felizes.
Don't you forget about me
Não se esqueça de mim
Don't, don't, don't, don't
Não, não, não, não
Don't you forget about me
Não se esqueça de mim
Enquanto Jim Kerr cantava o refrão da música, tinha convicção de que jamais sairia de seu coração e de seus pensamentos, e não precisava viver entre lembrar e esquecer, ela podia cessar aquela guerra constante dentro de si.
levantou os olhos novamente para o outdoor e sorriu, antes de dar as costas e descer as escadas que a levariam até o metrô.
FIM
Nota da autora: Essa é minha primeira Ficstape postada no FFOBS e vocês não fazem ideia de como estou animada em compartilhá-la com vocês! Eu me dediquei em cada etapa de escrita: na ambientação das cenas, na personalidade dos personagens, em seus pensamentos e estou tão feliz com o resultado, espero que vocês tenham gostado de conhecer a história desse casal que é tão importante para mim.
Quero fazer um agradecimento especial à minha amiga Rebeca Olívia Vinserô, que esteve comigo desde o primeiro parágrafo da história, desde que era somente um rascunho... Ela me ajudou com as ideias, com a revisão, foi minha leitora beta! Sem ela talvez essa história nem estivesse sendo publicada. Obrigada, Bex, eu amo você!
E obrigada a todos que leram e gostaram da história, convido vocês a me acompanharem no Instagram: @gabswritting, onde posto novidades sobre o que estou escrevendo. Quem sabe não sai uma parte 2 sobre esse casal? Hahaha. Também deixarei o link da Playlist de Attention disponível por lá.
Até mais!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Quero fazer um agradecimento especial à minha amiga Rebeca Olívia Vinserô, que esteve comigo desde o primeiro parágrafo da história, desde que era somente um rascunho... Ela me ajudou com as ideias, com a revisão, foi minha leitora beta! Sem ela talvez essa história nem estivesse sendo publicada. Obrigada, Bex, eu amo você!
E obrigada a todos que leram e gostaram da história, convido vocês a me acompanharem no Instagram: @gabswritting, onde posto novidades sobre o que estou escrevendo. Quem sabe não sai uma parte 2 sobre esse casal? Hahaha. Também deixarei o link da Playlist de Attention disponível por lá.
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