Última atualização: 18/07/2017

Love In The Ice

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Aquele contabilizava mais um dia de fracasso e decepção em minha vida, estava escorado no sofá, com uma garrafa de Soju nas mãos olhando para a televisão e trocando de canal pela milionésima vez. Já tinha desistido de tudo na minha vida, só faltava desistir da minha própria vida, eu não servia para mais nada mesmo, só estava no mundo para tirar o oxigênio dos outros.

Tomei o último gole do Soju que estava na garrafa e desliguei a tv, coloquei a garrafa na mesa de centro em frente o sofá e inclinei meu corpo para trás novamente, apoiei minha cabeça no encosto do sofá e fechei os olhos. Estava me preparando para ficar naquela posição por muito tempo, quem sabe para sempre, foi quando ouvi a porta de entrada do apartamento se abrir.

. — disse a voz que não me deixava seguir sozinho em minha depressão — ?! Você realmente está querendo morrer de cirrose ou coma alcoólico?
— Talvez, não é má ideia. — abri os olhos e o olhei — O que você quer ?
— Vim saber se meu amigo ainda vive, você não sai mais de casa. — explicou ele — Estamos todos preocupados com você.
— Não precisa, estou vivendo a vida que quero.
— Bebendo o dia todo? Tem certeza? — ele suspirou, seu olhar era visivelmente de preocupação — Meu amigo, você precisa superar tudo, até quando vai continuar afundando sua vida assim?
— Até chegar no núcleo da terra. — respondi de forma desanimada — Não tenho mais motivos para tentar alguma coisa.
— Pensei que o esporte seria um motivo para se levantar. — retrucou ele — Ela gostaria que você tentasse novamente, mesmo que não fosse para competir.
— Quero ficar sozinho. — disse desviando meu olhar para a janela.
— Trouxe um pedaço de torta que a Nalla fez, vou deixar aqui em cima da mesa, tente comer pelo menos. — disse ele ainda num tom amigável — Ah, não sei se sabe, mas hoje vai passar um documentário sobre patinação no gelo na tv, veja tenho certeza que vai ser bom para você.

Eu resmunguei um pouco do sofá, instantes depois ouvi o barulho da porta se fechando. Talvez meu amigo entenda o que eu estou sentindo, mas mesmo assim ele jamais conseguiria sentir a intensidade da minha dor. Já se fazia cinco anos do acidente em que minha esposa havia falecido, foi um desafortunado instante de desatenção, que sofri uma batida em meu carro de um caminhão, que vinha desgovernadamente na contramão.

O erro do acidente foi do condutor do caminhão que havia dormido ao volante, mas eu ainda me senti culpado por ter deixado de olhar para frente por um instante para ver o sorriso de minha esposa mostrando o batom novo que tinha passado em seus lábios. Essa dor de ter visto os paramédicos colocando seu corpo em um saco preto, jamais iria sair de dentro de mim, eu jamais me esqueceria daquela noite.

O caminhão havia batido no lado que minha doce Jessye estava, causando sua morte imediata, em todo esse tempo eu me pergunto por que eu não a deixei dirigir aquele dia, assim ela teria sobrevivido. Fechei os olhos e fiquei pensando em tudo que tinha ocorrido no dia do acidente, no motorista do caminhão que mesmo imprudente, tinha seus motivos para não querer descansar na estrada e querer fazer o máximo de entregas por dia, para dar sustento a sua família.

Era doloroso, mas não conseguia culpar aquele homem, eu o havia perdoado, e culpá-lo não iria trazer minha Jessye de volta. As horas foram se passando e após o horário do jantar, me levantei do sofá e peguei a sacola com os pedaços de torta que tinha deixado, era de frango, minha preferida. Estava grato por ter amigos como eles, se não fosse a amizade de ambos eu teria morrido na primeira semana sem a Jessye.

Caminhei até a cozinha e preparei um chá para comer com a torta, após meu lanche voltei para a sala com outra garrafa de Soju, acho que já tinha juntado umas oito em cima da mesa de centro. Me sentei no sofá e ao abrir a garrafa, me lembrei que tinha mencionado sobre um documentário de patinação no gelo, eu poderia escolher assistir e ter uma distração, ou continuar bebendo e me afundando ainda mais na minha dor.

Desde o acidente, eu não tinha tido mais contato com a patinação, cinco anos atrás eu era o melhor da minha geração e estava o auge da minha carreira, com muitas vitórias em torneios no currículo. Entretanto, além de me levar Jessye, aquele acidente também me deixou sequelas, levando a única coisa que poderia me dar vontade de viver, minha possibilidade de patinar.

Diagnosticado com uma ruptura do ligamento cruzado, além de duas costelas quebradas e escoriações pelo corpo, eu consegui andar depois de duas cirurgias e sessões de fisioterapia, porém não poderia patinar novamente e jamais andaria normalmente. Aquilo foi a gota que faltava para que eu desabasse de vez, apesar de não ter chegado ao chão graças a e Nalla.

— Bem, minha vida não está mesmo boa, pior não vai ficar se eu ver isso. — disse a mim mesmo ligando a tv — Vamos ver se eles falarão do homem que um dia eu fui.

O documentário já estava passando, e justamente estava na parte sobre minha vida, pelo menos uma boa coisa naquele dia, pude ver Jessye e seu sorriso novamente. O tempo foi se passando e eu estava prestes a desligar a televisão quando o narrador do documentário anunciou a última e mais notável de todas as patinadoras que já havia aparecido. Eu fiquei um tempo estático olhando para a televisão, ela parecia um anjo de tão leve em seus movimentos, giros perfeitos, saltos com precisão e suavidade no olhar, aquela garota era perfeita.

Sem perceber tombei a cabeça, enquanto via sua sequência de saltos loop de forma impecável, aquela garota nem parecia real de tanta perfeição em seus movimentos estritamente sincronizados com a música e o tempo de execução. Após mostrarem sua performance no torneio de dois anos atrás, o narrador anunciou que aquele prodígio em forma de patinadora tinha deixado o esporte por motivos pessoais.

Eu não conseguia acreditar que tanto talento estava desperdiçado longe da pista de patinação, o que me deixava ainda mais irritado por não poder patinar. Ela era um diamante bruto que ainda poderia ser bem mais lapidado, mas que havia se perdido por motivos pessoais.

Lewis. — sussurrei o nome da patinadora prodígio com certa amargura — Por que parou, por que?

Por um breve momento, eu tinha até me esquecido da minha companheira depressão, só conseguia pensar naquela garota patinando de forma maravilhosa. Adormeci no sofá com a garrafa de Soju nas mãos, quando acordei, dei de cara com Nalla e no meu apartamento, ele juntando as garrafas de cima da mesinha de centro e ela cantarolando na cozinha.

— Posso entender? — disse tentando manter meus olhos abertos.
— Claro. — riu pegando a garrafa da minha mão — Hoje é domingo e viemos almoçar com você.
— Mas, eu não tenho nada nos… — retruquei.
— Não se preocupe, trouxemos a comida. — disse Nalla aparecendo da porta da cozinha — A propósito, bom dia.
— Bom dia. — respondi.
— Eu te aconselho a tomar um banho, Nalla deve estar terminando de fazer o almoço. — aconselhou jogando a garrafa no saco de lixo.
— Tudo bem, se insistir.

Eu estava cansado demais para discutir ou mesmo expulsar eles dali, só assenti e fui tomar uma ducha quente. Troquei de roupa, achando as últimas peças que estavam limpas no guarda-roupa, assim que voltei para sala, o lugar parecia outro, estava arrumado e limpo, além de perfumado.

— O que andaram jogando em minha sala? — perguntei.
— Aromatizante. — respondeu rindo ao sair da cozinha — Digamos que esse cheiro é bem melhor do que o anterior.
— Porque ainda insistem em mim? — perguntei.
— Porque você é meu melhor amigo e primo da minha esposa. — respondeu ele rindo — Não queremos te ver nesse poço de lama que se jogou.
— Verdade. — concordou Nalla saindo da cozinha — E o almoço está pronto.
— Você foi mais rápida hoje. — comentei achando estranho, ela sempre costumava demorar na cozinha.
— Estou testando minha agilidade para participar do MasterChef. — brincou ela vindo até mim e me puxando para a cozinha — Agora vamos comer.

Seguimos para a cozinha e nos acomodamos na pequena mesa de quatro cadeiras, às vezes aquilo me trazia certa tristeza, pois a cadeira que sobrava pertencia a uma pessoa que jamais sentaria novamente. Me mantive a maior parte do tempo em silêncio, ouvindo as novidades de Nalla sobre ter entrado para o curso de desenho e pintura da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Tóquio.

— Nós vimos o documentário ontem, e você? Se viu na televisão? — perguntou .
— Sim, só vi porque sabia que a Jessye apareceria também. — respondi num tom baixo.

Eles falaram outras coisas, ou fizeram outras perguntas, mas eu não estava atento a isso, logo que falou desse documentário, minha mente se transportou para a apresentação daquela patinadora. Eu estava mais uma vez com aquela sensação estática de impotência, diante de um talento desperdiçado.

— Me arrependo de ter visto. — disse num tom frustrado.
— Por que? — perguntou Nalla.
— Acabei vendo alguém no mesmo nível que eu, jogando sua carreira fora. — respondi mantendo meu olhar no prato — Não sou o único, mas no meu caso não foi porque quis.
— Está falando da Lewis?! — perguntou Nalla.
— Sim.
— Ah, ela é realmente muito boa. — concordou — Mas até hoje ninguém sabe o motivo mesmo da sua saída, acho que tem a ver com o treinador, ou o parceiro que fazia dupla com ela.
— Estou imaginando agora, como seria uma apresentação dela com você . — comentou Nalla — Ambos de alto nível, seria algo maravilhoso.

“O destino brinca com você,
(E mesmo que machuque o seu coração),
Ao fim daquelas lágrimas,
Um raio de luz (Mergulha na escuridão),
Nós podemos sentir.”
- Love In The Ice (Japanese) / TVXQ (Dong Bang Shin Ki)

Ficamos em silêncio por um breve momento, eu estava sim pensando em como seria uma apresentação comigo e ela, poderia dizer que seria algo mais próximo da perfeição.

— Hum, você nunca pensou em ser técnico não? — perguntou .
— De quem? — eu o olhei — Nenhuma pessoa conseguiria chegar ao meu nível de exigência.
— Talvez, uma pessoa conseguiria. — sibilou ele.
— Aquela patinadora? — eu dei uma risada — Ela desistiu, se lembra?!

Eu me levantei da mesa assim que terminei de comer, me espreguicei um pouco.

— Eu acho que preciso caminhar um pouco. — disse indo em direção a porta.
— Está mesmo, há dias não sai deste apartamento. — concordou Nalla — Pode deixar que trancamos a porta.
— Agradeço.

Segui em direção a porta e saí sem a menor preocupação, não era a primeira vez que eu os deixava em minha casa e saia sem rumo, sentia que precisava respirar um pouco de ar puro e ficar longe daquele lugar cheio de recordações. Caminhei pelas ruas sem direção, até que cheguei na estação Ochanomizu, me sentei em um banco e fiquei olhando para a vegetação que tinha em volta.

As tardes de domingo de Tóquio naquele lugar eram calmas, no passado eu sempre ia aquela estação para treinar, me sentia inspirado ali, Jessye sempre me acompanhava. Enquanto respirava o ar puro da vegetação próxima e olhava o céu gradativamente ficar escuro com o passar do tempo, continuava a pensar na pergunta de sobre eu ser um treinador.

Era um fato que, até aquele momento eu nunca tinha visto alguém despertar minha fascinação e interesse, e em apenas alguns segundos vendo a performance dela, eu tinha sentido algo que sempre sentia quando estava patinando. E se eu realmente me tornasse um treinador? A única pessoa, que seria capaz de me fazer voltar a ativa e deixar minha depressão, seria essa desconhecida.

Me levantei do banco e voltei para casa, quando cheguei os dois já tinham ido embora, fui até a cozinha e olhando de relance para a pequena área de lavanderia, percebi que minhas roupas sujas estavam todas estendidas no varal. De certo aquilo era obra de Nalla, minha prima era bem mais do que somente minha amiga, ela às vezes me tratava como se fosse minha irmã mais velha.

Passei dois dias com aquela ideia absurda em minha mente. Como um homem em profunda depressão, poderia chegar para uma desconhecida, se oferecendo para ser seu treinador? Eu nem tinha mais uma autoestima que a convenceria que eu era capaz, acho que talvez deveria esquecer.

? — disse entrando com uma sacola na mão.
— O que é isso?! — perguntei saindo da cozinha com uma caneca nas mãos.
— Ah, seu jantar. — disse ele esticando a sacola — Que milagre você não estar com uma garrafa de Soju em sua mão.
— Acontece. — brinquei um pouco — Estou tentando me manter sóbrio um pouco.
— Isso é bom, a que se deve essa atitude? — perguntou ele meio surpreso.
— Suas palavras sobre eu ser um treinador, fiquei refletindo sobre isso. — expliquei tomando um gole do chá que estava em minha caneca.
— Hum, sério? E você vai mesmo seguir meu conselho?
— Não. — direto e preciso.
— Yah , porquê? — ele se irritou um pouco — Seria uma chance de você sair desse estado depressivo que está te matando aos poucos, deveria se agarrar a esse pensamento e se levantar desse poço que se enfiou.
— Não posso atravessar o mundo e tentar encontrar alguém, que nem sei se quer tentar também. — era plausível meu argumento — Afinal, ela também já desistiu.
— Nossa, está mesmo obcecado com a tal patinadora? Não pode ser outra?
— Não. — novamente direto e preciso — Ela é a única que estaria à altura do que acho ser o melhor.
— Mesmo longe da patinação, continua sendo o mesmo exigente de sempre. — reclamou ele.
— Eu já fui o melhor, não quero treinar ninguém que seja menos do que isso. — suspirei fraco — Já que é para fazer algo, sabe que sou perfeccionista o bastante para fazer chegar a perfeição.

Tinha que admitir que aquela era uma qualidade/defeito que mais fazia com as pessoas brigassem comigo, eu era muito perfeccionista, até mesmo em minha fase depressiva.

— Então, por que não vai até ela? — perguntou .
— O que? — eu o olhei — Qual é a parte em que eu disse que não iria atravessar o mundo para ir atrás de alguém que desistiu de si mesmo.
— Você também desistiu. — retrucou ele.
— No meu caso é diferente.
— Nós dois sabemos que há outras maneiras de continuar fazendo o que ama, mesmo no seu estado físico. — insistiu ele — E você não sabe o que aconteceu com essa garota, não pode julgá-la assim.
— Ok, digamos que você esteja certo.
— Eu estou certo. — confirmou ele segurando o riso.
— Digamos que você esteja certo. — repeti de forma teimosa — Como acha que eu devo chegar lá? Oi, quero ser seu treinador?!
— Não seria uma má ideia. — ele riu um pouco.
— Yah, você não está me ajudando.
— Se ela era patinadora, certamente deve te conhecer, você era um ícone. — disse ele — Seu nome sempre era citado nos mundiais, tenho certeza que não será complicado assim convencer ela.
— A culpa disso tudo é sua. — bufei um pouco.
— Por que? O que eu fiz agora?
— Me deixou obcecado por uma garota que nunca vi na vida, só porque ela patina bem. — eu o olhei ainda confuso com tudo aquilo — Quando me disse para ver aquele documentário, sabia que ela apareceria?
— Não, para ser sincero nem sabia que essa garota existia, também fiquei surpreso e encantado quando a vi no documentário. — respondeu ele — Desde que você se afastou da patinação, eu não tenho dado tanta atenção assim para isso, além do mais ela não ganhou o torneio daquela apresentação.
— Eu não sei mais o que fazer. — sussurrei desviando meu olhar para a mesa de centro — Sinto que através dela tenho a chance de voltar a fazer o que gosto, mas ao mesmo tempo me sinto sem forças pra isso.
— Meu amigo, você está a cinco anos afundado neste apartamento, o que de pior pode acontecer se você tentar? Com o perdão da palavra, mas sua vida já está no fundo do poço mesmo, a única direção que você tem agora é subir ao topo novamente.

em tese estava certo, não tinha mais nada de ruim para acontecer em minha vida, nesta linha de pensamento só poderia acontecer duas coisas: ou ela aceitaria voltar a patinação ou ela rejeitaria minha oferta, não tinha nada a perder.

Minha decisão já estava tomada, após algumas ligações para velhos amigos do meio e descobrir o endereço dela, arrumei minha malas e segui viagem rumo ao sul do Brasil, em Florianópolis. Eu não era muito bom em português, meu inglês era uma negação, mas estava torcendo para que ela conseguisse me entender.

Assim que desembarquei no aeroporto internacional de Florianópolis, segui de táxi direto para o endereço que tinham me passado, ela morava um pouco distante do centro comercial. Assim que chegamos, pedi ao taxista para me esperar, desci do carro e comecei a perguntar de forma básica onde era a casa que procurava.

O número pertencia a uma marcenaria, fiquei confuso no início, mas depois descobri que ao lado tinha um velho portão que levava as pequenas casas de aluguel. Passei pelo estreito corredor até chegar em um pequeno círculo, que parecia vagamente uma área externa, onde se encontrava a porta das casas de aluguel. Parecia uma construção mal projetada, de dois andares com três casas em baixo e duas no segundo andar.

Para meu azar, ela morava na casa do segundo andar, e eu tive que subir uma escada de ferro meio bamba para chegar lá, difícil imaginar que alguém poderia morar pior do que eu, mas estava descobrindo isso. Me coloquei diante da porta e bati algumas vezes, após um tempo, uma garotinha abriu.

— Sim?! — disse ela com um olhar assustado e um jeitinho tímido.
Lewis? — perguntei.
— Mamãe! — disse ela ao se virar e gritar.

Logo uma senhora se aproximou e abriu um pouco mais a porta.

— Em que posso ajudá-lo senhor? — perguntou ela.
— Procuro Lewis. — repeti.
— Minha filha não está. — respondeu ela, parecia me entender mesmo com meu sotaque horrível — O que deseja com ela?
— Bem, eu…
— Mãe?! — disse uma voz feminina vindo de trás de mim.
— Oh, . — a senhora desviou seu olhar para ela — Este senhor veio te procurar.
— Quem é você? — perguntou ela num tom meio rude.

A olhei superficialmente e estava vestindo um uniforme que remetia a essas garçonetes de lanchonete, com um boné em sua cabeça e uma mochila nas costas.

— Meu nome é Cho , espero que já tenha ouvido falar de mim. — comecei.
— Sim, e já imagino o que veio fazer, a resposta é não. — disse ela passando por mim e entrando, assim fechando a porta na minha cara.

Eu fiquei estático por um longo tempo, tentando absorver o que tinha acontecido. Ela nem tinha me ouvido e já estava com uma resposta feita.

— O que? — sussurrei para mim mesmo — A resposta é não?!

Eu poderia até assenti e desistir, voltar para o fundo em que me encontrava e fingir que não tinha acontecido nada. Mas dentro de mim uma revolta estava crescendo, eu não queria aceitar que aquele diamante bruto estava virando as costa para mim, justo para mim, quem poderia transformá-la na perfeição.

Respirei fundo e voltei para a rua, pedi ao taxista que esperasse um pouco mais, tinha que pensar no que poderia fazer para ter uma chance de falar com ela. Assim que me virei novamente em direção ao portão, ela saiu, estava com uma roupa diferente, um conjunto de moletom preto, all star e uma touca cinza, além daquela mochila novamente.

. — disse a parando — Por favor, me escute somente.
— Estou atrasada, não posso. — ela deu mais um passo.
— Por favor. — segurei de leve em seu braço.
— Algum problema? — perguntou um homem que estava na porta da marcenaria — Esse gringo está te incomodando ?
— Não. — ela se soltou de mim — Ele já está de saída.

Ela se afastou de mim, acenando para uma pequena van que passava no momento. Eu não desistiria, não sem que antes ela me ouvisse, entrei no táxi e pedi para que o homem seguisse a van. Minutos depois, vi ela descendo do veículo e caminhando mais um pouco até chegar em um prédio aparentemente sendo reformado, ela cumprimentou algumas pessoas e entrou.

Estava um pouco curioso para saber que lugar ela aquele, olhei para o céu e já estava escuro, nem tinha percebido a hora passar. Comecei a sentir fome e voltei para o albergue em que tinha me hospedado, eu não estava recuando e desistindo, só iria recarregar as energias, para continuar insistindo no dia seguinte.

Adormeci logo depois de comer, meu corpo estava mesmo cansado, na manhã seguinte acordei um pouco mais disposto. Para minha surpresa estava um pouco frio, então tive que me agasalhar um pouco mais depois do banho quente que tomei, a dona do albergue me serviu o café da manhã com sorriso e gentilezas, uma senhora muito simpática.

Já tinha combinado com o mesmo taxista para me pegar novamente, e na hora combinada ele estava na frente do albergue me esperando. Seguimos para o endereço dela, eu não desistiria, era umas sete da manhã e estava acompanhando sua irmã até a escola, eu tinha um plano, seguiria seus passos o dia todo, para entender como era sua vida.

"Não é culpa sua que aquelas mãos sejam frias,
Suportando as mágoas do passado, você carrega as cicatrizes,
[...]
Você finge não ver o que realmente importa"
- Love In The Ice (Japanese) / TVXQ (Dong Bang Shin Ki)



I Won't

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Eu já estava irritada com aquela sensação de estar sendo seguida, e mais irritada ainda por saber que aquela pessoa louca estava me perseguindo. Era difícil para mim acreditar que quem eu mais admirava estava na porta da minha casa procurando por mim, Cho era o melhor patinador que eu já tinha visto em minha vida, ele era minha segunda inspiração.

Respirei fundo, sentia meu corpo tão cansado e ainda estava limpando a primeira vidraça, eu odiava a sexta-feira, porque sempre tinha que lavar todas as vidraças daquela galeria. Tinha que encarar sem reclamar e pedir a Deus para a gerente não achar defeitos, pelo menos tinha a dona Carmem para dividir aquela tarefa comigo e me contar piadas sem graça, que me faziam rir.

Depois que quatro horas naquele expediente, tomei um café reforçado que dona Carmem quase me obrigou, peguei minha mochila e fui correndo para meu segundo emprego, passaria mais umas seis horas naquela lanchonete. Aquela era a pior parte do meu dia, ficar servindo as mesas e forçar um sorriso que não queria, tudo que meu psicológico não precisava.

— Boa tarde, deseja… — disse ao me aproximar de uma mesa, parei no mesmo instante ao ver quem estava sentado.
, podemos conversar?!
— Deseja alguma coisa senhor? — perguntei respirando fundo.

Por mais que eu o admirasse, eu sabia o que ele queria, e não queria voltar para aquele mundo que me fez tão mal no passado.

— Desejo uma oportunidade para falar. — disse ele, seu olhar parecia um pedido profundo de misericórdia.
— Já minha resposta, se não quer nada do cardápio. — respondi.
— Um café. — disse ele desviando seu olhar para a rua.

Anotei seu pedido e entreguei no balcão.

Os dias foram passando e insistentemente ele me seguia nos meus três empregos, pedia um café que nem tomava na lanchonete e me parava no portão pedindo para conversar comigo. Depois de quinze dias com essa mesma rotina, algo estranho aconteceu, ele parou de me seguir e não apareceu na lanchonete naquele décimo sexto dia, o que me deixou intrigada.

Não sabia se estava aliviada por ele ter aparentemente desistido, ou triste por não ter mais ele me seguindo. Após sair do meu terceiro emprego, o estúdio de arte onde eu dava aula de ballet para adultos, fui para casa tranquilamente como todos os dias, o táxi de todos os dias não estava parado na porta, o que significava que ele tinha mesmo desistido. Dei um suspiro fraco, parecia de frustração, algo estranho para mim que estava rejeitando ele desde o início.

Tirei a mochila do ombro, a carregando na mão e passei por aquele estreito corredor, assim que abri a porta de casa e entrei, meu corpo paralisou. estava sentado no velho sofá, meio estático olhando para mim, minha mãe estava perto do fogão esquentando alguma coisa, enquanto minha irmã estava sentada no chão brincando.

— Boa noite. — foi a única coisa que consegui soltar em meio a um sussurro.
— Oi. — disse ele — Bem, achei melhor vir até sua casa e pedir somente uma chance para que possa me ouvir, me desculpe por ter agido mal e te seguido todos esses dias.
— Hum?! — eu estava meio confusa ainda.
, ele veio se desculpar. — disse minha mãe revirando a água que estava esquentando na chaleira.
. — Mel se levantou do chão e veio me abraçar — Trouxe alguma coisa para mim hoje?
— Claro. — retribui o abraço dela e retirei um bombom do bolso da calça, e ao piscar de leve dei para ela — Mas só coma depois do jantar.
— Tudo bem. — ela pegou o bombom sorrindo e correu para o quarto.

Eu olhei para ele, ainda estava sem saber o que fazer, desviei meu olhar para minha mãe, era como se eu quisesse um conselho dela. Suavemente ela assentiu com a face e virou seu olhar para a chaleira, acho que ela sabia mais do que eu, o que eu realmente queria, minha mãe também sabia quem era.

— Acho melhor conversarmos lá fora. — disse me virando para a porta.
— Como quiser. — assentiu ele vindo atrás de mim.

Assim que descemos as escadas de ferro, demos alguns passos até o banco de alvenaria que tinha ao lado da entrada para o corredor, nos sentamos lá e ficamos alguns instantes em silêncio.

— Sua mãe me contou algumas coisas, sobre o seu pai e como ele te incentivou a patinar no passado. — pronunciou ele.
— Sim. — assenti — Olha, nada do que disser vai me fazer voltar atrás em minha decisão, não me vejo patinando novamente.
— Por que? Por causa do seu pai? — perguntou ele — Lamento que o tenha perdido.
— Não é só pelo meu pai, ao contrário, é por mim. — disse de forma superficial.
— Não gosta mais de patinar? — insistiu ele.
— Eu amo patinar, mas…
— Mas?
— Foi por causa disso que perdi meu pai. — segurei uma ponta de lágrima que me formava no canto dos meus olhos — Não quero correr o risco de perder minha mãe ou a Mel.
— Serei bem sincero com você, eu também perdi uma pessoa, há muito tempo...
— Eu sei, sua esposa. — o interrompi.
— Sim. — assentiu ele — Ela era a que mais me motivava a patinar, mas não foi só ela que pedir, mas também a chance de voltar à pista de gelo. — ele suspirou fraco — Quando vi você, senti que pudesse fazer de novo, mas através de você, por isso estou aqui.
— Eu não posso, me desculpe. — eu me levantei limpando a primeira lágrima que escorria do meu olho e subi as escadas correndo.

Senti que ele veio atrás de mim, mas continuei até chegar ao quarto. Aquela casa era mais do que simplesmente pequena, ela era apertada e só tinha três cômodos, o quarto, o banheiro e a sala que tinha que comportar o fogão e a geladeira também. Além de tudo, as paredes eram finas e se podia ouvir quase tudo que falava na sala, do quarto.

Sentada na cama, pude ouvir a porta da entrada se abrindo, certamente era ele. Mel estava no quarto também, ela se sentou ao meu lado e tomando o corpo, encostou sua cabeça no meu colo.

— Eu não entendi. — disse ele.
— Eu sei. — minha mãe estava com uma voz mais suave, sua voz de sempre — Você não é o primeiro que vem atrás dela, porém foi o primeiro que insistiu por mais de dois dias.
— O que aconteceu?! — perguntou ele com um tom confuso.
— Eu não sei, não quis me contar tudo, só diz que a culpa é dela e que meu marido se foi por causa disso. — ela parou por um momento — É complicado me lembrar disso sem me emocionar, meu marido era um homem maravilhoso que sempre apoiou ela desde criança.
— Soube que ele era bailarino profissional. — comentou .
— Sim. — assentiu minha mãe — O melhor de sua geração, como você e ela, meu marido era formado pelo Teatro Bolshoi da Rússia, eu o conheci quando ele veio para o Brasil dar aulas no Bolshoi daqui.
— Me parece que ela herdou o talento do pai e a beleza da mãe. — comentou ele — Com todo respeito.
— Sim. — minha mãe deu um riso curto — Dimitri era encantador e maravilhoso quando dançava, ele sempre me dizia que tinha se apaixonado por mim na primeira vez que me viu, mesmo com sua família contra por eu ser negra, não desistimos do nosso amor, nos casamos e tivemos as meninas. Quando fez dois anos, Dimitri viu que ela tinha algo especial, que ela tinha um talento para arte, então ela começou a estudar no Bolshoi também.
— Ela é um talento natural mesmo. — concordou ele.
— Ela é sim, quando fez sete anos ela te viu na tv pela primeira vez, patinando na sua primeira competição mundial. — continuou ela.
— Eu tinha dezessete anos naquela época. — disse ele — Ela viu minha primeira apresentação?
— Sim, e depois disso, tudo para ela era ser patinadora, ser tão boa quanto você. — confirmou minha mãe — Foi então que ela deixou o Bolshoi e entrou para a escola de patinação Equilibri, esperamos até que completasse doze anos para nos mudar para os Estados Unidos, Dimitri queria que ela se especializasse em apresentações solo.

Minha mãe parou de falar por um momento, parecia estar segurando as lágrimas.

— E o que aconteceu? — perguntou ele.
— Tínhamos um bom patrimônio, conseguimos nos manter e Dimitri a colocou em uma academia de patinação, como ela tinha boas referências do Bolshoi e do Equilibri, conseguiu meio bolsa. — ela suspirou fraco — Mas foi há dois anos, depois da sua primeira e única apresentação no torneio regional de Boston, meu marido sofreu um acidente e ela parou de patinar. As coisas ficaram um pouco complicadas, por causa da sua decisão, o treinador junto com os patrocinadores nos processaram e acabamos perdendo tudo, então voltamos para o Brasil.
— Eu lamento. — disse ele.
— Agradeço, eles nem esperaram que eu enterrasse meu marido para nos tirar tudo que tínhamos.

Do quarto eu conseguia sentir que minha mãe estava chorando, ela já tinha sofrido muito por causa de tudo aquilo, e estava chorando novamente ao se lembrar do passado.

— A senhora…
— Estou, eu estou bem, o pior já passou. — ela suspirou um pouco — Estou feliz que esteja aqui, apesar de tudo que aconteceu, tenho certeza que patinar é o que minha filha mais ama fazer, fico grata por não ter desistido.
— Mas eu desisti, mãe. — disse aparecendo da porta.
— Não querida, seus olhos não me dizem isso. — ela caminhou até mim — Esta é a verdadeira oportunidade que você precisava ter, sei que seu pai iria te incentivar, a vida que está levando não é a que sonhávamos para você.

Segurei minhas lágrimas e assenti com um leve sorriso, mesmo não sabendo meus motivos, minha mãe me conhecia muito bem.

— Como acha que vamos conseguir? — perguntei para ele.
— Eu fui o melhor da minha geração, você é claramente a melhor da sua geração, ainda duvida de algo?
— Eu não patino há dois anos e você está afastado a cinco, como acha que podemos chegar a algum lugar?
— Se eu tiver que vender minha casa para investir em você, eu farei, tenho certeza de que não vou me arrepender, basta aceitar.
— Não posso deixar minha família. — disse relutante em aceitar o que mais queria.
— Quem disse que ela não podem vir também? — ele me olhou de forma séria — Diga o que você quer dizer, sem colocar mais nenhum obstáculo.
— Aceito. — disse quase em sussurro, sentindo meu corpo gelar.

“Eu tenho o meu orgulho, a minha autoestima,
Preciso de mais nada, quero nada menos,
Porque tudo o que eu tenho, deve ser suficiente para fazer funcionar.”
- I Won't / Little Mix,

nos ajudou a organizar nossas coisas, não tínhamos muito e o que não pudéssemos levar para Tóquio, venderíamos. Foram três dias nos preparando e organizando as passagens e validando os nossos passaportes, estava sempre ligando para algumas pessoas, não perguntava muito, mas parecia que eram pessoas bem próximas dele.

Após o último detalhe ser ajustado, embarcamos para Tóquio, estava estava um pouco ansiosa e nervosa, principalmente por estar em um país do outro lado do mundo. As primeiras pessoas que conhecemos, foi a prima dele e seu marido, aparentemente ficaríamos na casa deles.

— Eu nem sei como agradecer a gentileza. — disse minha mãe com um sorriso meigo, entregando sua mala para .
— Não precisa agradecer, nós que estamos felizes em ajudar. — ele subiu as escadas com duas malas na mão e subiu com mais duas.
— Não vamos mesmo incomodar? — perguntei.
— Claro não. — Nalla sorriu — Para nós foi uma boa notícia você ter aceitado, tenho certeza que esta não é uma segunda chance só para você, mas para também.
— Mamãe, eles tem um jardim. — disse Mel olhando pela janela.
— Claro que temos, você vai adorar, tem muito espaço para correr e brincar. — disse Nalla.
— Eu posso ir lá? — perguntou Mel.
— Que isso, mal chegou e já quer sair correndo por aí?! — repreendeu minha mãe.
— Não brigue com ela, é claro que pode. — Nalla olhou para minha mãe — Por que a senhora não vai até o jardim com ela, tenho certeza que vai gostar.
— Tudo bem, já que insisti. — minha mãe pegou na mão da Mel e saiu pela porta lateral indo para o jardim.
— Obrigada, é difícil ter paciência com a Mel, às vezes ele pede algumas coisas bem difíceis. — disse me encolhendo um pouco.
— Eu imagino. — disse ela respirando fundo — Venham comigo, me ajude a preparar o lanche.
— Claro.

Nalla era uma pessoa super simpática e gostava de falar muito, além de uma excelente cozinheira, ela tinha me contado que estava empolgada com esse recomeço na vida de , e que estava feliz em saber que faria bem para mim também voltar a patinação. Eles nos instalaram no quarto de hóspedes, era um lugar amplo e espaçoso, minha mãe dormiria na cama de solteiro separada, enquanto eu e Mel dormiríamos em uma beliche, claro que Mel reivindicou a cama de cima para ela.

— Está preparada para recomeçar? — disse minha mãe ao entramos no quarto.
— Não sei, só vou saber amanhã. — eu ainda tinha um certo trauma da pista de patinação, mas iria enfrentar meus medos.
— Querida, apenas deixe seu coração te guiar. — minha mãe me abraçou forte — Faça isso pelo seu pai.
— sim. — assenti com a face.

Na manhã seguinte às sete da manhã, já estava na sala daquela casa me esperando.

— Já até tinha me esquecido que você consegue acordar cedo. — brincou Nalla colocando alguns pratos na mesa.
— Muito engraçado. — disse ele num tom sério me olhando descer a escada.
— Bom dia. — disse meio sussurrando.
— Bom dia. — disse ele.
— Olha, eu não vou deixar vocês dois saírem sem o café. — disse Nalla — Então, tratem de sentar.
— Acho que um café da manhã não mata ninguém. — concordou descendo atrás de mim.
— Claro. — assenti indo me sentar.

se manteve calado e sentou ao meu lado. Eu evitava olhar para ele, depois que minha mãe tinha tido que eu admirava ele desde criança, estava envergonhada por isso. Após tomarmos o café, saímos para correr um pouco pelas ruas do bairro, segundo seria bom para nossa digestão, além de que eu tinha que voltar a minha boa condição física. Fiquei meio impressionada por ele conseguir correr também, já que segundo ele seu joelho direito não era mais o mesmo.

Eu não poderia começar de imediato em uma pista de patinação, afinal já tinha dois anos que meus músculos estavam parados e meu corpo fora de forma. Inicialmente, nossos três primeiros meses de treino eu iria melhorar minha condição física, sincronizar meus passos com minha respiração e voltar a praticar ballet de forma intensiva, o que me lembrou um pouco meus treinos com meu pai. conseguia ser mais exigente que ele.

Mesmo dormindo em uma boa cama, me alimentando bem, tendo oito horas de sono e descansando de forma prudente, meu corpo estava mal acostumado com os treinos. Apesar de ter trabalhado em três empregos por dois anos, não era a mesma coisa que enfrentar um treino físico puxado, além de ter que me preparar mentalmente para isso.

— Podemos fazer uma pausa. — disse parando de correr — Estou me sentindo cansada.
— Você só tem dezoito anos, imagine como é para mim que tenho dez anos a mais. — disse ele parando o cronômetro do celular — Era para seu corpo já está acostumado.
— Não é tão fácil assim. — retruquei.
— Eu não sei, ao mesmo tempo que você parece se empenhar, sinto que não está se esforçando ao máximo. — reclamou ele.
— Olha, pode até ser fácil para você, mas para mim não é. te. — eu respirei fundo — Não digo fisicamente, mas mentalmente.
— O que é então? Você ainda tem algo contra voltar a patinar? — perguntou ele.
— Sim e não. — respondi — Não é fácil esquecer o que aconteceu comigo, eu abri mão de muita coisa. Acha mesmo que eu queria ter parado? Acha mesmo que eu quis sair da escola aos dezesseis e começar a trabalhar, porque minha mãe estava doente e minha irmã com fome?
— Estou vendo que não, mas se não me dizer o que aconteceu, jamais vamos passar dessa fase. — sua voz estava firme, mas tinha traços de serenidade — Me deixe te ajudar a superar isso.
— Eu sinto que foi minha culpa, a morte do meu pai. — desabafei sentindo as lágrimas voltarem aos meus olhos.
— Por que? Pode me dizer, se quiser mantenho em segredo. — ele tocou em meu ombro — O que quer que seja, me diga.
— Por ser bolsista, eu era sempre a última ser chamada para as apresentações, eu só participei daquele torneio porque meu pagou por todas as despesas. Só depois que obtive a maior nota, o treinador disse que daria uma chance e colocaria meu nome na lista da patinadoras que iria disputar as nacionais, mas para isso…

Parei por um momento, sentia minha garganta queimar, as lágrimas rolaram pelo meu rosto.

— O que ele queria? — perguntou .
— Queria que eu saísse com ele. — respondi sentindo minha voz falhar, abaixei minha face desviando meu olhar para baixo, vi que ele tinha fechados seus punhos — Eu saí correndo da arena, nem mesmo fiquei para receber o prêmio, quando meus pais chegaram em casa, depois de mim, meu pai me perguntou o que tinha acontecido. — respirei fundo tentando conter minhas lágrimas — Relutei em contar a ele, mas assim que disse, ele saiu com raiva, certamente foi tirar satisfações com o treinador, depois de algumas horas ligaram pra gente, dizendo que ele tinha sofrido um acidente.

Fechei meus olhos, não conseguia mais conter minha dor. Logo senti a mão dele segurar a minha, ele me puxou para mais perto e me abraçou e forma acolhedora, pela primeira vez depois que meu pai morreu, consegui me sentir segura e confortável em um abraço.

— Eu estou aqui, não vou deixar que isso aconteça com você novamente. — sussurrou ele.
— Não quero que minha mãe saiba disso, ela ficou doente após a morte do meu pai. — sussurrei de volta — por minha causa.
— Não diga isso, você não teve culpa nenhuma. — ele acariciou de leve meus cabelos — Seu estava te protegendo, pense que ele iria se orgulhar de você neste momento, apenas siga seu coração e faça isso por ele.

Assenti com a face, sentindo mais algumas lágrimas escorrerem em minha face. tocou de leve meu rosto o levantando, ele sorriu gentilmente e segurando minha mão, começou a correr me puxando junto. Ele me levou até a estação Ochanomizu, segundo ele, era o melhor lugar de Tóquio para se inspirar e praticar, ele sentou em um banco que tinha no lugar e colocando uma música para tocar em seu celular, me disse para seguir o ritmo e dançar.

Bolero, acho que esse era o nome da música. Fechei meus olhos e senti a leve brisa tocar meu corpo, lentamente comecei a mover seu corpo de forma delicada e precisa, como nas aulas de ballet quando era criança. Em alguns momentos até me imaginava dançando com meu pai, em três meses e treino era a primeira vez que me divertia.

Parei por um momento e me voltei para , seu olhar estava fixo em mim, ele mantinha um sorriso discreto em seu rosto, seu olhar de fascinação por mim era semelhante ao meu por ele.

— Acho que está pronta para o próximo nível. — disse ele se levantando do banco.
— Próximo nível?! — estava meio confusa, nem imaginava que tinha níveis nosso treino.

Saídos da estação e seguimos por um caminho desconhecido, assim chegamos em frente um velho prédio, pediu que eu esperasse na portaria. Ele demorou um pouco para voltar, mas assim que apareceu, estava com uma caixa em sua mão.

— Para você, vamos começar do básico, até você voltar a ser o que era. — disse ele esticando a caixa.
— O que é? — peguei perguntando.
— Abra e veja. — respondeu ele.

Abri a caixa, tinha um parte de patins roller clássicos, o olhei surpresa.

— São…
— Se não couber, podemos trocar amanhã. — assentiu ele sorrindo de canto.
— Obrigada. — tentei não demonstrar, mas minha emoção era visível.

Tinha jogado fora todos os meus patins quando voltamos para o Brasil há dois anos, aqueles eram meus primeiros após a morte do meu pai. A partir daquele momento, estávamos iniciando uma nova fase do meu treinamento, eu iria me concentrar em buscar meu equilíbrio usando os patins.

Primeiro seria com o roller clássico e quando achasse que eu estaria pronta, mudaria para o profissional.

 

";E eu não vou deixar que ninguém me diga não,
Eu não vou aceitar nada garantido,
Porque eu sei que nada de bom vem fácil,
Se o fizesse, não seria eu,
Deixe pra lá e me deixe fazer isso porque,
[...]
Eu tenho o meu coração, minha cabeça erguida,
Eu estarei de pé, eu vou sobreviver,
Porque toda a mágoa será lavada com a verdade,
E tudo o que nós aprendemos será suficiente para brilhar novamente.";
- I Won't / Little Mix



Bolero

-

Ninguém disse que seria fácil, menos ainda rápido. Estávamos completando um ano de treinamento, eu tinha dado aquele final de semana de folga para , afinal não se fazia dezenove anos todos os dias. Nalla e a senhora Mary estavam empolgadas e animada em fazer uma pequena festa para ela, tive que concordar e participar da surpresa.

Após o almoço, levei e Mel ao parque. Um pouco de diversão não fazia mal a ninguém e Mel, ela estava mais do que empolgada para ver as flores da sakura no início da primavera. Nos divertimos bastante.

— Sua irmã está bem mais empolgada que você, parece até que o aniversário é dela. — eu ri um pouco.
— Ela sempre foi assim, minha parte alegre da vida. — disse ela mantendo seu olhar em sua irmã, que brincava com as flores da árvore.
— Você é totalmente diferente quando patina, é como sua irmã com as flores da primavera, delicada, suave e inocente. — disse de forma expressiva.
— Você consegue ver tudo isso quando patino? — ela me olhou surpresa.
— Sim. — assenti com a face — Consigo ver bem mais.

Ela desviou o olhar, sempre fazia isso quando eu a olhava fixamente, talvez por timidez ou vergonha, ainda era louco até para mim pensar que ela tinha seguido para a patinação por minha causa. Ironicamente, estava mais uma vez patinando por minha causa, porque eu a incentivei a voltar.

Ficamos até o final de tarde no parque, me mandou uma mensagem dizendo que estava tudo pronto. Voltamos para casa deles, assim que entramos, os três disseram surpresa juntos, ficou meio paralisada ao ver um pequeno bolo nas mãos de sua mãe.

— Meus Deus. — ela disse colocando a mão na boca.
— Feliz dia querida. — disse sua mãe — Sopre as velas e faça um desejo.
— Tudo bem. — assentiu fechando os olhos e depois assoprou as velas.
— Estou curiosa, qual foi o seu desejo? — perguntou Nalla.
— Ela não pode contar. — disse segurando o riso — Se não, o desejo não se realiza.
— Ah. — Nalla me olhou chateada.
— Melhor ela não contar então. — concordou .
— Feliz dia . — disse Mel a abraçando.
— Obrigada querida. — ela retribuiu o abraço da irmã.
— Para quem você vai dar o primeiro pedaço? — perguntou Mel.
— Para você, a melhor irmã do mundo.
— Viva! — ela pulou empolgada.

Isso fez com que todos rissem um pouco, Nalla ajudou a senhora Mary a partir o bolo e nos servir, estava muito bom, bolo de coco com recheio de morango e cobertura de chocolate, uma combinação perfeita que Nalla adorava fazer nos aniversários da família. Seu aniversário era um dia especial, em 365 dias de treino sem folga, estava tendo um momento de descontração.

Algumas horas depois, eu discretamente desapareci com . A levei ao Citizen Ice Skate Rink, uma pista de patinação no gelo, que um amigo meu trabalhava, tinha uma surpresa ainda maior para fazer a ela. Assim que chegamos, ela ficou meio receosa pelo fato do lugar estar vazio, meu amigo trabalhava no turno da noite e me devia alguns favores, então ele me deixaria usar o lugar á noite após encerrarem o expediente do lugar.

Ao entrarmos eu a conduzi até a pista, bem ao centro tinha uma caixa.

— Feliz aniversário. — disse a ela mantendo meu olhar na caixa.
— O que é? — perguntou ela.
— Seu presente.
— Hum?! — ela parecia bem mais surpresa agora.
— Vai pegar. — disse segurando o riso.
— Assim? De tênis?
— Sim. — assenti.

Ela se afastou de mim e entrou na pista, dando passos curtos e cautelosos, foi seguindo até a caixa. Assim que chegou em frente, ela pegou e a caixa e a abriu, em um piscar de olhos foi ao chão se ajoelhando de imediato, certamente a emoção era grande, pois dentro da caixa havia um parte de patins de gelo. O que significava que ela estava pronta para nossa última fase.

Eu a deixei ali caída por alguns minutos, então fui até ela.

— Não que deveria experimentar? — perguntei.
— Não novas, tenho que amaciá-las. — respondeu.
— Sim, e você terá muito tempo para isso, começando de agora.
— Você disse que eu teria uma folga no meu aniversário. — ela se levantou me olhando confusa.
— Pelo que eu soube, você nasceu pela manhã, então seu aniversário já passou. — brinquei rindo um pouco dela.
— Isso não é justo. — disse ela.
— Eu sei. — concordei rindo mais um pouco — Venha, preciso saber se eles te servem.

Ela assentiu com a face me seguindo pela pista até chegarmos na parte externa, assim ela se sentou numa cadeira que estava ao lado da entrada da pista e retirando os tênis, colocou os patins. Eu a ajudei a se levantar e voltar para a pista, aquele era oficialmente o seu retorno a patinação artística no gelo, mesmo com sua face um pouco sério, eu conseguia ver seu olhos brilhando.

— Eu ainda me sinto meio sem equilíbrio. — disse ela num tom inseguro enquanto deslizava pelo gelo.
— Não se preocupe, é sua primeira vez depois de três anos. — disse de forma segura e firme — Acredite, você está indo bem.

Assim que eu fechei minha boca, ela se desequilibrou e caiu. Eu respirei fundo e fui até ela, a ajudando a se levantar.

— Está tudo bem? Se machucou?
— Eu estou bem, só não me sinto preparada para isso. — disse ela se apoiando em mim para se levantar — Por mais que já tenha superado o passado.
— Você está muito insegura, precisa manter sua confiança em você. — a aconselhei — Apenas feche os olhos e sinta o gelo, sinta seus patins deslizando sobre ele.
— Tudo bem. — ela respirou fundo e fechando os olhos, começou a deslizar sobre o gelo novamente.

Eu fiquei ali parado no meio da pista a olhando, ainda seria mais alguns meses de preparação até que ela obtivesse o máximo de sua confiança para voltar às competições, mas eu estaria ali ao seu lado.

Mais quatros meses se passaram com nossos treinos noturnos no Citizen Ice Skate Rink, por mais que eu estivesse sempre ao centro da pista de patinação, observando de perto seus movimentos, ainda parecia limitada e desconfortável. Seus movimentos quase sempre rígidos e frios, sem sentimento, mesmo tendo uma impecável execução, era como se a emoção que ela tinha, tivesse a deixado por completo.

— Eu preciso de uma pausa. — disse ela após fazer uma sequência de loops e flips.
— Só se passou quinze minutos desde a última pausa. — reclamei bufando um pouco — O que está acontecendo com você?
— Só estou cansada. — respondeu ela num tom de irritação.
. — disse a olhando ir até a entrada da pista — .
— O que? — ela olhou para trás.
— Está mesmo só cansada? — perguntei.
— Sim. — assentiu ela.
— Não é o que me parece. — caminhei pelo gelo atrás dela — Olha, eu juro que tento te entender, mas tem horas que não dá.
— O que mais você quer de mim? — ela me olhou — O que mais quer que eu faça? Treino o dia todo com você, passo a noite aqui patinando, o que mais você quer?
— Eu quero que você coloque seu coração nisso. — gritei para ela, num tom de chateação.
— Eu não consigo. — ela também alterou seu tom de voz.
— Como assim não consegue? — parei em sua frente, não sabia se estava mais irritado ou com raiva.
— Não consigo fazer sozinha, não mais. — explicou ela voltando a abaixar o tom da voz, conseguia ver a sinceridade no seu olhar — Juro que tentei, mas não consigo.
— E o que vamos fazer agora? — perguntei.
— Eu não sei. — sussurrou ela.

retirou os patins e se sentou na cadeira que tinha perto, eu respirei fundo e dei alguns passos até ela, me sentando na cadeira ao lado. Passamos um longo tempo em silêncio, ouvindo o leve barulho da chuva que tinha começado do lado de fora, estava tentando encontrar alguma forma de entender o que estava acontecendo com ela.

— Me desculpe. — disse num tom mais brando.
— O que?
— Me desculpe por ter me alterado com você. — disse de forma mais esclarecedora.
— Sem problemas, sei que está tentando, há mais de um ano e já gastou muito comigo e minha família.
— Não quero que pense no dinheiro, isso está fazendo bem para mim também. — retruquei.
— Mas não estamos avançando. — sussurrou ela.
— Claro que estamos, você já chegou ao patins de gelo. — brinquei um pouco, respirei fundo e a olhei — Só gostaria de poder fazer bem mais.
— Você está fazendo.
— O que te motivava a patinar? — perguntei — Naquela sua apresentação, você… Era como se não existisse nada em sua volta, a forma como você se movia era incrível.
— Meu pai, eu sabia que ele estava me vendo, e… — ela respirou fundo — Você, quando eu patinava, imaginava que estava em um dueto com você.

Suas palavras tinham me deixado sem reação, apesar de saber que ela me admirava como um profissional.

— Mas sabe que não posso. — disse a ela.
— Por que? — ela me olhou — Porque há seis anos os médicos disseram que não podia e você desistiu?
— Do que está falando? — a olhei meio confuso — Você não acha mesmo que poderíamos patinar juntos, acha?!
— Acho. — sua ingenuidade bateu em mim como uma paulada.
, eu não posso mais patinar. — repeti para ela o que vinha se repetindo em minha mente todos aqueles anos.
— Você nem tentou. — insistiu ela — Simplesmente aceitou essa realidade e se afundou nela.

Ela estava certa de alguma forma, eu nunca havia pensado na possibilidade de voltar a patinar, ou de pelo menos tentar, mesmo com os médicos dizendo não. Talvez aqueles anos parado meu corpo tenha voltado ao eixo, não, eu não iria criar falsa expectativa.

— Não tentei e nem vou tentar. — me levantei da cadeira — Melhor não criarmos falsas esperanças, essa é a minha condição física atualmente, eu nunca vou voltar a patinar.
— Isso não seria estar com medo? — ela se levantou e me encarou.
— O que?
— É, isso mesmo, você diz que tenho que viver com meu coração, mas e você? Se esconde atrás do seu medo de tentar, acha que através de mim pode continuar na patinação, mas não, você não pode. — ela respirou fundo — Essa é minha vida, sou eu que estou com os patins, não você, fala de mim, mas quem não está vivendo verdadeiramente aqui é você, porque viver com medo é viver pela metade.

Ela jogou os patins que estava em sua mão no chão e saiu correndo. Eu dei um impulso para ir atrás dela, mas parei e fiquei no mesmo lugar, peguei seus patins respirando fundo e tentando refletir sobre o que estava acontecendo. Não conseguia deixar de pensar que, talvez ela estivesse mesmo certa.

— Viver com medo é viver pela metade. — sussurrei para mim mesmo.

Passei mais algum tempo ali, até que liguei para casa de e me certifiquei que tinha chegado em segurança, juntei as coisas e fui diretamente para minha casa, não sabia mais o que fazer, o que pensar. Quando cheguei em casa joguei as coisas em cima do sofá, caminhei até a cozinha e abri a geladeira tirando uma garrafa de Soju, já fazia um longo tempo que eu não bebia.

Abri a garrafa e quando encostei na boca, não consegui deixar de pensar em patinando, ela invadindo meus pensamentos já estava se tornando ainda mais frequente ao longo do tempo. Abaixei minha mão e coloquei a garrafa na bancada da pia, saí da cozinha e caminhei até o quarto, tirei a roupa e me sequei um pouco por causa da chuva que tinha pega ao sair do táxi.

Coloquei roupas quentes e confortáveis e me joguei na cama, acho que precisava de algumas horas de sono, além de poder descansar minha mente que fervia de pensamentos e questionamentos. Eu precisava ter certeza de uma coisa, resolver aquilo de uma vez por todas e parar de me questionar se estava ou não com medo.

Na manhã seguinte, desviei meu caminho da casa de para o hospital, precisava falar com um especialista, as palavras de um profissional iria definir meu futuro ou não. Passei o dia naquele lugar, fiz testes e mais testes para que o médico reumatologista pudesse ter um diagnóstico mais preciso, tinha que admitir que estava um pouco nervoso com o resultado.

— Estavam todos preocupados. — disse ao chegar de repente — Você só mandou uma mensagem, dizendo que ficaria o dia todo ocupado.
— Como sabia que eu estava aqui? — disse me referindo ao Citizen Ice Skate Rink.
— Não sabia, eu só pensei em vir patinar um pouco. — explicou ela mostrando os patins — Está tudo bem com você?
— Ele não disse que sim, mas também não disse que não. — disse de forma enigmática.
— Está falando do que? — perguntou ela.
— O médico, você estava certa, eu estava com medo. — assumi o que sentia de forma natural — Mas também não quero viver pela metade.
— Então?! — ela ainda parecia confusa.
— Meu corpo está em ótimo condicionamento, mas meu joelho direito ainda tem suas limitações, precisarei colocar todo o peso do impacto na minha perna esquerda, não posso me forçar muito em um solo masculino, mas posso ter esperanças com alguém ao meu lado.
— Então, isso quer dizer que… — uma ponta de brilho surgiu em seu olhar.
— Você ainda quer um dueto comigo? — perguntei meio sem jeito.

"Eu sonhei com você dançando no palco,
Da flutuante escuridão da lua.
[...]
Não tente carregar a carga de todas as profundas,
Profundas feridas do seu peito sozinha.
Ninguém pode te culpar, tudo bem se você for você mesma."
- Bolero / TVXQ (Dong Bang Shin Ki)

A sensação de ser treinador dela era um pouco diferente, agora como seu parceiro, eu estava bem mais próximo, não somente fisicamente, mas eu tinha que entendê-la como um todo para que meus movimentos e meu corpo ficassem em harmonia com o dela. Nossa meta era estarmos equilibrados e sincronizados, tanto fisicamente, quanto mentalmente.

Porém isso começou a desenvolver outro tipo de sincronia e harmonia, a sentimental.

— Me desculpa. — disse ela ao me derrubar mais uma vez — Isso está ficando um pouco complicado para mim.
— Foi você quem insistiu na ideia de um dueto. — eu ri me levantando.
— Não imaginava que teríamos que aprender a dançar juntos também. — retrucou ela.
— A patinação em dupla não é tão ligada a dança como a Ice Dancing, mas temos que aprender a manter a sincronia em nossos movimentos, nada melhor que aulas de dança para isso. — disse segurando o riso.
— Ainda não estou convencida. — ela cruzou os braços — Temos outro fator.
— Qual?
— Sua perna. — disse ela — Eu não sei se sou tão precisa assim no meu lado esquerdo, terei que manter um certo equilíbrio na minha perna esquerda, quando for combinar movimentos com você.
— Não se preocupe com isso agora, ainda nem chegamos nessa parte.
— Mas e quando chegarmos? — ela cruzou os braços.
— O mais complicado aconteceu, eu tenho uma chance de fazer dar certo e voltar a patinar, tenho certeza que você vai conseguir. — eu sorri de leve para ela e a abracei um pouco — Além do mais, temos uma nova meta.
— Qual? — sussurrou ela.
— Vamos participar da Challenger Series desse ano?
— O que? — ela se afastou de mim, me olhando assustada — Como assim? A Challenger? Tipo competir em todos os torneios de patinação?
— Sim. — assenti tranquilamente — Começaremos pelo Autumn Classic International, no Canadá.
— Mas… E o torneio de Tóquio?
— Só iremos fazer uma breve e significativa apresentação especial, para mostrar a todos que estamos de volta, e você como uma profissional sênior. — expliquei — Então, vamos voltar a praticar?
— Eu tenho outra escolha?! — perguntou ela de forma irônica.
— Não. — eu ri um pouco a puxando para mais perto e começando a me mover suavemente.

Iríamos sim, lutar contra o tempo e as nossas limitações, principalmente as minhas, porém estávamos juntos e decididos, nosso foco era fazer história na Challenger Series e chegar ao Campeonato Mundial, porém tínhamos que enfrentar a primeira barreira. A apresentação especial do Torneio de Tóquio, seria para nós o dia que definiria se estávamos ou não no caminho certo.

Meu problema maior não era físico, mas sim mental, eu tinha que me desprender de todo pensamento negativo que pudesse me deixar sem confiança. Não iria decepcionar , eu era o motivo dela ter começado a patinar, era o motivo dela ter voltado a patinar, agora eu a faria meu motivo para voltar a ser o melhor, melhor ainda do que um dia eu fui.

— O que faz aqui tão cedo? — perguntou Nalla ao me ver sentado no sofá da sua sala — Não veio arrastar a para mais um de seus treinos mercenários, não é?!
— Pare com esse olhar fuzilador. — eu ri — Não vim buscar a , hoje é nosso dia de folga.
— Ele veio me buscar. — disse descendo as escadas.
— O que? — Nalla olhou para ele e depois para mim — Não vai levar meu marido para lugares errados, né?!
— Claro que não, que pensamento você tem de mim? Achei que eu fosse seu primo querido.
— E você é. — retrucou ela cruzando os braços.
— Nós vamos jogar um pouco. — levantou a bola de basquete que estava em suas mãos.
— Jogar? Às seis da manhã? — retrucou ela.
— Seis e meia. — corrigiu ele — Melhor horário, o vento, o frio, os músculos do corpo adoram isso.
— Sei. — ela olhou desconfiada para ele.
— Acredite, vamos mesmo jogar. — disse a ela me levantando do sofá — Eu preciso melhorar, isso vai me ajudar.
— Está mesmo empenhado. — disse ela — Fico feliz que esteja se dando uma chance.
— Devo isso a ela. — disse me referindo a .
— Mas não se esqueça que hoje é sua folga também, seu corpo agradece um pouco de descanso. — alertou Nalla.
— Não se preocupe prima linda, vou para casa descansar depois do jogo.
— Vamos , antes que eu desista de te ajudar.

Eu segui e saí pela porta rindo dele. Precisava mesmo fazer aquilo, jogar basquete com ele seria bem mais que uma simples atividade para melhorar meu condicionamento físico. A cada salto ou arremesso, eu aprenderia e treinaria meu corpo a se posicionar de forma, em que meu peso se voltasse para minha perna esquerda.

Após uma hora de jogando direto com , pedi uma pausa, estava sentindo algumas dores nas minha costas.

— Já desistiu. — disse ele rindo de mim.
— Estou ficando velho. — expliquei pegando a garrafa de água dentro da mochila.
— Estou vendo. — ele se sentou no chão e esticou a mão para que eu dar a garrafa para ele.

Me sentei ao seu lado e entreguei a garrafa, voltei minha atenção para o céu, estava claro e inspirador.

— Eu e Nalla, ficamos mesmo surpresos com sua decisão. — disse ele.
— Sobre?
— Voltar a patinar. — explicou ele — Nos deixou preocupados também, por você não conseguir e voltar a depressão.
— Isso não vai acontecer. — disse a ele com confiança — Mesmo se não conseguir, eu vou superar.
— Eu acredito. — disse ele — Foi por causa da , não foi?
— Voltar a patinar? — eu o olhei.
— Sim.
— Talvez. — suspirei fraco voltando a olhar para o céu — A forma que ela se inspira em mim, a intensidade disso, me fez me inspirar nela também.
— Então um se tornou a inspiração do outro. — concluiu ele.
— Basicamente. — assenti.
— E é só isso?
— O que mais seria? — eu o olhei novamente confuso.
— O que mais seria? — ele riu — , todos nós já percebemos como vocês se olham, essa garota te admira desde os sete anos, tenho certeza que você foi o primeiro amor dela.
— Pare de dizer besteiras. — desviei meu olhar para frente — Admiração é algo totalmente diferente do que está insinuando.
— Besteira?! — ele riu de novo — A quanto tempo está sozinho? Vai me dizer que nunca olhou para ela com outros olhos?
— O que isso tem a ver? — eu o olhei — Eu fui o treinador dela e agora somos parceiros profissionais, nada além disso.
— Não foi isso que perguntei. — disse num tom provocativo.
— Pare de pensar besteiras, já disse. — desviei da conversa e me levantei — Vou para casa.
— Você está fugindo. — ele se levantou também — Basicamente o que fez quando começou a gostar da Jessye, você continua o mesmo meu amigo. — ele riu me entregando a garrafa — Pode até enganar a si mesmo, mas nós dois sabemos, você está apaixonado por ela.
— Isso não muda nada. — retruquei pegando a garrafa.
— Muda sim, se você quiser. — ele pegou sua mochila do chão — Você pode ser cem por cento feliz, ou invés de só a metade.

saiu na frente. Joguei a garrafa de água dentro da minha mochila e fui para casa, assim que cheguei, tomei uma ducha quente e me joguei na cama de toalha e tudo, meu corpo estava mesmo cansado. Foram algumas horas de cochilo até que acordei com um barulho vindo da sala, me levantei me espreguiçando e fui ver o que era, certamente seria Nalla ou .

?! — disse ao vê-la.
— Oi. — ela se virou e ficou meio estática de imediato — Você…
— O que? — eu não entendi de início, mas depois me lembrei que estava só de toalha.

Voltei para o quarto e vesti uma roupa, claro que aquilo era um encontro casual orquestrado pelos cupidos da minha família. nunca havia entrado em meu apartamento até aquele momento.

— Me desculpe. — disse ao retornar a sala.
— Eu que peço desculpas, deveria ter ligado antes. — disse ela desviando seu olhar de mim, estava com uma sacola nas mãos — Mas Nalla disse que não teria problema se eu entrasse sem avisar.
— Claro que disso. — concordei já entendendo a discreta armação de Nalla — O que tem na sacola?
— Ah, trouxe seu almoço. — respondeu ela.
— Obrigado. — peguei a sacola da sua mão e caminhei até a cozinha — Me faz companhia?
— Claro. — ela me seguiu até a cozinha e se sentou na cadeira.
— Agradeço, não estou mais acostumado a comer sozinho. — expliquei me sentando e abrindo a marmita que ela tinha levado.
— Você era muito sozinho, não é? — indagou ela.
— Um pouco. — respirei fundo sentindo o cheiro maravilhoso da comido — Em geral, e Nalla não me deixavam muito tempo sozinho, tinham medo que eu pudesse tentar o suicídio.
— Entendo. — ela ficou um tempo me observando comer — Você não fala muito dela.
— Jessye?
— Sim. — assentiu ela.
— Talvez antes eu até falaria, mas agora, sinto que já superei toda perda que deveria. — eu a olhei — Graças a você.
— A mim? Eu não fiz nada.
— Tem certeza? — eu a olhei — Viver com medo é viver pela metade.
— O que tem?
— Descobri que também tinha medo de superar a morte de Jessye, e não ficar mais nenhum sentimento para ter depois, nem mesmo a dor. — suspire fraco — Então você apareceu, quando te vi pela primeira vez, por um breve momento, eu me esqueci da dor, esqueci de tudo e só fiquei parado olhando sua apresentação.
— Nossa, nunca imaginei que isso pudesse acontecer. — disse ela surpresa.
— Nem eu, nunca imaginei que alguém pudesse fazer meu coração bater de novo, mas você fez.
— Eu, não entendi. — disse ela.

Eu me levantei da cadeira e pegando em sua mão, a levantei também, eu não sabia se deveria ou não fazer aquilo, mas não viveria mais com medo. Deixei meu corpo mais próximo ao dela e tocando de forma suave em sua cintura, a beijei levemente. Acho que nenhum de nós esperávamos aquilo, tanto que após o beijo ela saiu correndo e eu não consegui ter reação para ir atrás dela, só estava em choque com o que tinha feito.

Os meses foram passando, eu não tinha tocado no assunto do beijo e ela fingia do seu jeito que nada tinha acontecido, mas dava para perceber que estava meio envergonhada. Porém não deixamos que essa distração atrapalhasse nossos treinos, e no meu caso, tinha também as partes formais e burocráticas para me preocupar.

Felizmente estava me ajudando, na teoria ele seria nosso técnico, apesar de na prática não precisarmos de um, por que eu faria esse papel, porém os competidores precisavam apresentar um treinador, e era aí que meu primo entrava. Graças ao meu nome e antigo prestígio no esporte, o convite para a apresentação especial já havia sido confirmado, esse seria nosso evento de retorno a patinação artística.

Logo o dia do evento chegou, mantivemos todos os detalhes da nossa apresentação em segredo, nem mesmo nossa família tinha visto, não era só oficialmente, mas no geral, a primeira vez que viriam eu e ela patinando juntos. Estávamos próximo ao hall exclusivos dos atletas participantes, do Tokyo Dome Roller Skate Arena e estava nos acompanhando, fazendo seu trivial papel de treinador.

, quando soube que retornaria duvidei um pouco, mas te vendo agora, confesso que estou surpreso. — disse um homem grisalho trajando um terno de gala.
— Quem é ele. — perguntei a ela.
— Meu antigo treinador. — respondeu ela num tom baixo.

Eu não me contive, a história que tinha me contado sobre ele veio em minha mente com força e quando dei por mim, eu já tinha socado sua cara o mandando no chão. As pessoas em nossa volta estavam assustadas e surpresas com minha reação, que supostamente era responsável por nós, se colocou no meio e interviu na repercussão do acontecido.

— Acho que já deve saber o motivo. — disse ao antigo treinador que ainda estava caído no chão — Nunca mais chegue perto dela.

Segurei na mão de e a guiei até a concentração, onde estava os outros casais que iriam se apresentar naquela noite.

— Não sei se deveria agradecer, mas obrigada pelo soco. — disse ela num tom baixo ao chegarmos.
— É claro que deveria. — eu sorri de leve para ela.

Ela assentiu com a face sorrindo também, era raro os momentos em que ela sorria assim, me fazia lembrar a primeira vez que a vi na televisão. Ficamos um tempo ali na concentração esperando os competidores se apresentarem, eu tentei esvaziar a minha mente o máximo que podia e certamente a também.

Assim que entramos na pista em meio aos aplausos da plateia, nos posicionamos no centro, certamente todos estavam surpresos de nos ver ali, considerados os melhores de duas gerações distintas, a inexperiente e o veterano. Eu respirei fundo, pouco antes da música começar a tocar, deixei meus olhos fixos nos olhos dela, era estranho, mas olhar para ela me dava forças.

Ao som de Bolero, a música que ela tinha escolhido, iniciou os primeiros movimentos de nossa coreografia, naquele instante foi como se tudo ao nosso redor tivesse deixado de existir, como na primeira vez que a vi patinar, porém desta vez melhor. Desta vez, eu estava ali com ela, seguindo seus movimentos e a fazendo seguir os meus.

Uma harmonia suave entre nossa coreografia musical e técnica, deixando com que os detalhados movimentos que eram exigidos fossem executados da forma mais suave e sublime. Nossos corpos em perfeita sincronia, trazendo toda leveza ao ritmo da apresentação, em todo aquele momento meu olhar estava somente nela.

Aquele sorriso que me encantou estava lá, ela sempre sorria com naturalidade enquanto patinava, o que fez meu coração acelerar um pouco. Assim que chegamos aos últimos movimentos, eu já tinha percebido que aquela apresentação tinha chegado ao nível de perfeição que eu tanto ansiava.

Foi neste momento que confirmei o que estava claro, era o encaixe perfeito que faltava em minha vida, era a única que me completaria em todos os sentidos. Assim que a canção se aproximou dos segundos finais e nos preparamos para terminar a coreografia, eu improvisei, deixando todos surpresos ao beijar a de surpresa.

— Você… — sussurrou ela ao se afastar de mim.

Eu a olhei de relance e desviei minha atenção para o público que nos aplaudia de pé.

— Este é o lugar a qual você pertence, nós pertencemos. — disse a ela, fazendo-a se atentar ao público.
— Obrigada. — sussurrou ela com seus olhos brilhando.
— Não, eu que agradeço, hoje foi você quem me inspirou a patinar. — eu sorri de leve e a beijei novamente, arrancando ainda mais aplausos e gritos do público.

 

"Para sempre, eu continuarei brilhando em você,
Eu estarei observando o seu futuro brilhante,
Onde quer que você vá, eu continuo na esperança,
Eu te protegerei,
[...]
Esse é o lugar ao qual você pertence.";
- Bolero / TVXQ (Dong Bang Shin Ki)

 

 

| Gala Campeonato Euro 2016 - Apresentação Referência |


Fim.



Nota da autora: Hello, olha a autora loka aqui de novo, tenho que confessar que demorei uns três dias para escrever a parte final dessa fic,
porém aqui está, não desisti dela, entrei nesse ficstape aos 45 do segundo tempo, claro pra não perder o costume, kkkkkk... sempre faço isso. Espero que tenham gostado, críticas, sugestões e elogios são sempre bem vindo. *-* Me desculpem qualquer erro de ortografia que tenha passado por meus olhos!!!




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