Postado: 05/10/2017

Capítulo Único

, por favor, me deixa entrar. — A chuva caía cada vez mais forte e, apesar de estar no terraço, o vento ainda fazia de questão de tocar sua pele com pingos gélidos. Bateu mais três vezes na porta, lembrando o quão desconfortável ele ficava quando eram só dois toques, e deixou mais uma lágrima escorrer. O frio era excruciante, mas ela sabia que apelar para isso era maldade, e ela não podia machucá-lo. Não mais uma vez.

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Era uma tarde quente de outono, algo extremamente raro naquele local. Quase tão raro quanto o que viria a acontecer em poucos minutos, na antepenúltima mesa da terceira fileira daquele refeitório. esperava pacientemente o relógio bater 13:33 para começar a se servir quando, um pouco antes do horário previsto, ela apareceu. Seis minutos antes, para ser exato, que, por ser múltiplo de três, não gerou desconforto no jovem.
, esse era o nome dela. Todos os dias ele a via, todas as quartas eles conversavam rapidamente – caso o dia fosse par, ela escolhia o assunto; caso fosse ímpar, era a vez dele, e isso mantinha as coisas interessantes. Para ele, estar com ela era mais do que especial – era indescritível. Só de captá-la no campo de visão, todos os tiques e imagens repetidas e pensamentos negativos e o ranger de dentes, tudo desaparecia. As únicas coisas que pareciam existir eram os lábios dela, róseos, e a suave curva que eles sempre apresentavam. Ela se aproximou dele e sorriu, seguindo para a mesma mesa de sempre.
Alguns minutos depois, apareceu e se sentou no lugar de praxe. Ele a olhou em silêncio, tentando não ligar tanto para aquele cílio caído na bochecha esquerda, inutilmente, pois segundos depois não se conteve e o retirou – era altamente desconcertante observar um pelo quebrar a simetria das maçãs daquele rosto. Então, após resolver, sorriu.
— Quarta-feira, dia 11, minha vez. Como foi a aula de análise de linguagem corporal?
— Tanta coisa interessante para falar e você escolhe isso? — Ela riu.
— Não acordei criativo no dia de hoje, mas vai, trato é trato. — Deu de ombros.
— Ok. — Estirou a língua — Foi absurdamente entediante, mas de um modo legal. Você não tem noção do quanto suas sobrancelhas podem dizer sobre você, e também não tem noção do quanto pode ser chato aprender isso. — Então ela sorriu, fazendo-o se envergonhar de chamar a curva ladina dos próprios lábios de sorriso. Certo, não era para tanto, mas aquilo sim era um sorriso. Todos os dentes a mostra, impecáveis, impedindo a visão plena do nó alegre daquela garganta.
Ao ver a cena, o jovem sabia o que tinha que fazer, então, tomado por uma coragem sobre-humana, o fez – tentando ao máximo não parecer muito ridículo. Encarou o prato dela por três longos segundos e disparou. Ele a chamou para sair seis vezes em trinta segundos, mesmo que ela tenha aceito logo após a terceira.
Era o que parecia certo, e o que foi.

E, mesmo depois de tudo, ele não se arrependeu, pois tudo era amarelo.


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Escorada na porta há mais de quarenta minutos, suspirou e pensou mais uma vez em desistir e ir para casa – e, mais uma vez, foi impedida por uma acelerada no peito. Ela sabia que ele estava lá, ela sentia, com uma certeza que a iluminava tanto quanto aquela pequena luz na janela, aquela que sempre estava ali desde que tudo aconteceu.
... — Ao ouvir a tão conhecida voz, ela não conseguiu impedir o pulo que seu corpo deu em reflexo. "", ela realmente não esperava. Seu cérebro seguiu o som e constatou o que antes era só uma suposição esperançosa da mente da garota: ele estava ali o tempo todo, escorado na parte de dentro da placa de madeira envernizada, provavelmente com os pensamentos nos mesmos lugares.
— Oi, ... — A voz pareceu trêmula para ele.
— Você está com frio? — Tal sussurro soou como uma brisa de verão, quente e fria ao mesmo tempo. Ela ponderou por alguns segundos e decidiu responder não por si, mas por ele. Pelos dois.
— Não. — Mesmo congelando, ela negou. Ele não estava pronto para deixá-la entrar, não ainda, mas não suportaria a ideia de fazer mal a alguém, então ela negou. Alguns segundos depois, um sussurro foi audível, uma única palavra que reconheceu aquele esforço, que sabia que era mentira, uma palavra mais próxima da porta se abrir.
— Obrigado.

Tudo que estava preto, agora era azul.

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— Me desculpa por, bom, aquilo — gesticulou em direção ao restaurante no qual eles jantaram, por mais que estivessem a quatro quarteirões de distância. Eles estavam na frente da porta da garota, chegaram lá depois de alguns minutos caminhando lado a lado, e ela desejava internamente morar apenas um pouquinho mais longe.
— Não tem problema, eu achei fofo. — Ela sorriu para o chão. O fato é que ele havia passado a maior parte do tão esperado encontro separando a comida por cor, mais tempo inclusive do que passou falando com ela. — E eu entendo. É uma doença, , não tem do que se envergonhar. — Ela o olhou e enrugou o nariz numa pequena risada. Não porque achava engraçada a situação, mas porque não conseguia conter a felicidade que crescia em si, de modo tão rápido que não havia tempo de esconder. E ele percebeu. Havia inúmeros jeitos de levar a situação pelo pior lado possível, e com certeza seu cérebro iria fazer isso, mas dessa vez foi diferente, então ele riu de volta.
Não é como se ela o curasse, longe disso – ele continuara com todas as suas "esquisitices". Ela não era mais um remédio, mais uma medida paleativa. Ela era conforto, era segurança, o dava a liberdade de ser ele mesmo, e por isso ele faria qualquer coisa.
— Então... — colocou as mãos nos bolsos e mordeu o canto direito do lábio inferior. Ela mexeu a ponta do nariz, o que sempre fazia quando tinha uma ideia, e se aproximou dele. — Obrigado pela noi... — Ela o beijou, de modo súbito e inesperado, fazendo inclusive com que o garoto demorasse alguns instantes para processar a ideia e finalmente fechar os olhos. Era diferente. Diferente de todos os beijos que dera até ali. Ele paulatinamente se fez parte atuante da situação, segurando levemente as laterais do corpo dela. — ...te. — Após se separarem, ele sorriu.
— Por nada. — Ela não fazia nenhuma menção de vontade de sair dos braços dele naquele momento.
— Então... — Desviou o olhar dela. — Eu meio que preciso... te beijar mais algumas vezes. No mínimo duas, para ser específico. Recomendações médicas, sabe como é. — Ele sorriu debochado, porém um pouco envergonhado pelo fato de infelizmente ser a verdade e não só uma cantada, e foi seguido por outro sorriso.
— Questão de saúde, quem sou eu para negar. — Então eles se beijaram.

E tudo que era amarelo, se tornou laranja.


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— Você espirrou? — A chuva caía cada vez mais forte e sem a mínima previsão de parada. — Diz para mim que isso não foi um espirro, . — Nada foi dito, ela só espirrou mais uma vez. Podia ouvi-lo se levantar, bufando, do local onde estava escorado na porta.
A maçaneta girou rapidamente três vezes e o apoio da garota sumiu do nada, fazendo-a deitar no chão involuntariamente. Então ela o viu, com o casaco laranja que tinha o dado e um olhar nada amigável.
— Foi só um espirro.
— Não, não foi. Você está ensopada, provavelmente com um resfriado. Devia ter me avisado, . — Suspirou, ainda bravo — Levanta e vai tomar um banho quente, tudo ainda está no mesmo lugar. Eu vou separar um moletom meu para você, já que não tem mais nenhuma roupa sua nessa casa, e depois a gente conversa. — Ele estendeu a mão para ela, com um semblante irônico.
Eles iriam conversar.
Depois de todo esse tempo.

Tudo deixara de ser azul e se tornara roxo.
Roxo escuro, porém ainda sim roxo.

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Dois anos, nove meses e três dias se passaram desde aquela noite, desde aquele primeiro beijo. A realidade deles mudou de uma maneira absurda, coisas maravilhosas e terríveis aconteceram nesse meio tempo, porém o mais importante é que os dois permaneceram juntos. A faculdade havia acabado, os empregos vieram, nem todos muito bons pelo caminho, mas deu tudo certo no final — inclusive decidiram morar junto depois de um ano e meio de namoro (e isso pareceu a melhor escolha possível). Claro, havia discussões homéricas entre os dois, mas nunca chegaram a dormir brigados. Eles tinham acordos secretos, que nunca realmente foram falados, porém que faziam tudo funcionar, e isso sim era amor: saber que ia lavar a louça em um domingo frio à noite e não reclamar, porque sabe que, com isso, evitava lavar o banheiro.
Nesse momento, numa manhã de sábado, o céu parecia mais azul do que nunca. Apesar de cansada depois de uma semana exaustiva de trabalho, acordou relativamente cedo e organizou a cozinha para poder preparar algo para o almoço, já que ela era um real desastre com panelas. Estava terminando de secar a última leva de pratos quando sentiu um par de braços circundando sua cintura, do modo mais confortável possível.
— Bom dia, amor. — Ela ouviu uma voz rouca e sonolenta, que arrepiou todos os pelos do seu corpo, mas prosseguiu com seu trabalho.
— Bom dia, amor. — Tentou conter, sem sucesso, o sorriso que dominava o seu rosto quando dizia isso.
— Feliz aniversário. — Ele beijou o pescoço dela, sussurrou, e depositou mais dois beijos. Era mais um dia de aniversário de namoro, porém esse era especial. então se virou, ficando cara a cara com ele, sendo beijada antes mesmo de poder falar algo.
— Eu te amo. — ela disse, olhando-o profundamente nos olhos, e os cantos dos seus lábios se curvaram levemente em um sorriso tímido.
— Eu te amo. — falou, sério, e a beijou na bochecha direita, fazendo-a fechar os olhos. — Eu te amo. — Sorriu e a beijou no nariz, que enrugou levemente em seguida, do mesmo modo que fazia quando sua dona tinha um plano — Eu te amo. — Caiu na gargalhada e a beijou diversas vezes nos lábios, fazendo cócegas na mesma.
— Para, ! — Ela conseguiu finalmente falar algo em meio às lágrimas.
— Você é muito fresca. — O homem mostrou a língua para ela, num ato completamente infantil, mas altamente fofo. — Deixa que eu termino de secar essa louça pra você, vai tomar um banho que eu vou te levar em um lugar.
— Vai me deixar tomar banho antes? — sorriu, ladina.
— Cada dia uma quebra diferente de rotina. Olhando pelo lado bom, não vou ter que esperar tanto para você se arrumar. — Ele riu, recebeu um beijo e a viu sumir no corredor. A doença não havia desaparecido, mas definitivamente tinha diminuído a proporções quilométricas. Todos os tratamentos e medicações realmente fizeram efeito, diminuíram as reações e quase anularam as crises. Vez ou outra acontecia algum incidente, porém não havia melhor pessoa para ajuda-lo do que a que acordava ao seu lado todos os dias. — Coloca o vestido laranja, te deixa linda no sol.
— Depois que as toneladas de protetor solar secam, você quer dizer. — Ela gargalhou enquanto entrava no chuveiro. Menos de quarenta minutos depois os dois estavam no carro e dirigia rumo ao lugar mais especial que podia pensar, seguindo à risca a programação que mentalizou. Após vinte minutos, chegaram ao local: uma espécie de colina, com grama tão verde que parecia falsa, e apenas um carvalho enorme.
— Eu sei que isso é o plano mais clichê da história de todos os aniversários de namoro já comemorados por todas as pessoas no planeta, mas é especial para mim. — Ele abria a porta dela enquanto explicava, já ela mal pôde falar algo quando se deparou com a vista.
— Isso é... lindo, . — Abraçou-o, no maior ato de inocência possível, quase derrubando a cesta que ele carregava. Olhou para a mesma e então para ele. — Clichê. — Os dois riram e seguiram, sentando-se abaixo da árvore. O vento era frio, o sol era morno, a cidade parecia tão pequena e as pessoas mal podiam ser vistas. Eram só eles. Então, ela começou a gargalhar.
— O que foi? — Ele sorriu, olhando-a, curioso.
— Tudo isso é tão romântico e tão bonito, mas tudo que passa pela minha cabeça agora são as cenas que serial killers atacam casais em mirantes, e isso é muito imbecil e inapropriado, mas eu não consigo parar. — Agora os dois gargalhavam — Desculpa, amor. — disse, ainda rindo — Por que esse lugar é especial pra você?
— Com certeza não é pela cena propícia a serial killers. — Riu — Quando eu tinha nove anos, meus pais me trouxeram aqui. Eu não fazia ideia de que eles iam sofrer o acidente poucos meses depois... — Fez uma pausa — ... mas sabia que era um momento especial, lá dentro do coração. Eles estavam me contando uma das partes mais importantes da história deles. Eles se viram pela primeira vez aqui, aos dezessete anos, em um acampamento beneficente. Eles foram voluntários juntos e, depois que se conheceram, passavam as noites bem aqui conversando sobre a cidade, e como ela era pequena vista de longe, assim como todas as coisas que consideramos imensas. Todo o barulho virava ruído baixo dessa distância, e era assim que eles concordavam em ver os problemas. Pequenos. Contanto que estivessem um ao lado do outro. — Ele encarava o horizonte e ela a ele, atenta. — Todo ano eles voltavam aqui e passavam uma tarde sentados, diziam que os fazia lembrar de quem eram. Eu nunca entendi, sabe? Para mim, era só um mirante. Então, naquele dia, eu senti, eu percebi. Os anos se passaram, e eu nunca senti aquilo de novo, até conhecer você. Eu devo parecer um babaca falando toda essa baboseira, mas é tudo verdade. Eu sei que a gente não se conheceu aos dezessete anos, nem temos uma árvore especial, nem uma história dessas, porém eu sei que você é a minha pessoa. Assim como a minha mãe foi, e é, a do meu pai. Eu sei que seus pais tiveram o pior tipo de relacionamentos possível e que você tem todas essas barreiras, mas eu sei que lá no fundo nós somos assim. Se eu tenho algo para me arrepender a seu respeito ,são as 72 horas entre nosso primeiro beijo e a primeira vez que te chamei de minha, 33 meses atrás. É por isso que te amo tanto assim, e nada, nunca, vai mudar isso. — Ele a olhou nos olhos, e o silêncio pairou no ar por alguns momentos.
— Eu te odeio. — Ela riu, com o rosto ensopado de lágrimas, e socou levemente o peito dele. — Como que você faz uma coisa dessas comigo? — Ele gargalhou — Para!
— Parar com o quê? — Segurou o rosto dela carinhosamente, ainda rindo.
— Eu não sei o que falar e você fica rindo!
— Só me beijar e estamos quites. — Sorriu e a beijou.
— Foi a coisa mais linda que já fizeram por mim, na minha vida inteira. Obrigada, de verdade. Quando eu conseguir pensar em algo legal assim, eu retribuo, juro!
— Você já me retribui todos os dias. — Juntou seus lábios novamente — E eu precisava fazer alguma coisa romântica depois desse tempo todo.
— Até porque refrigerante com meu nome no nosso aniversário de dois anos não foi lá muito romântico.
— Mas foi de coração. — Riram e ela o beijou mais uma vez, dessa vez completamente certa de que nada, em um longo período de tempo, iria fazê-la tão feliz assim.

E tudo era o mais vermelho que poderia ser.


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saiu do chuveiro e encontrou em cima do balcão do banheiro o moletom mais feio que poderia existir. Era o moletom de Natal que fizeram juntos; ficou absurdamente ridículo, mas era completamente deles, e também o favorito dela. Riu levemente enquanto o vestia, lembrando-se da situação. Respirou profundamente e decidiu parar de pensar tanto, o que fez veementemente durante cada segundo do banho, girando a maçaneta e saindo do cômodo em seguida. O caminho até à sala parecia uma escalada colossal de tão pesados que os membros da garota pareciam, até que aquele cheiro invadiu suas narinas e ela precisou olhar de perto. Rumou em passos silenciosos à cozinha apenas para se deparar com a melhor cena possível naquele momento.
— Espero que ainda seja seu favorito. — Ele sentiu a presença dela.
— É sim. — sussurrou. Chocolate quente com menta. Ela amava quando ele fazia para ela, e lá ele estava. Por instinto, checou a porta e viu que a mesma estava bem trancada novamente. Do lado de fora, começava a trovejar, e ela agradecia em pensamento por estar seca e quente.
— 9 graus lá fora, . Ainda não acredito que não me avisou que estava molhada e sem agasalho. Por mais que você não queira, ou não goste, ainda me preocupo com você. — bufou, ainda de costas para ela.
— Desculpa. — Encarou os pés, mesmo sem ser observada — Essa casa ainda parece o lugar mais seguro da terra, sabia? — falou quase em um sussurro. — Independentemente do que aconteça, acho que sempre vou me sentir a salvo aqui dentro.
— Uhum... — murmurou sem nem mesmo prestar atenção enquanto lavava as mãos pela terceira vez.
— Quando nós dois nos mudamos... — A voz da menina fraquejou, como se, ao dizer isso, todas as lágrimas contidas estivessem fazendo questão de sair naquele instante. — ... eu sentia que ninguém nunca iria nos roubar, porque você definitivamente havia trancado tudo no mínimo três vezes, e isso era ótimo. — não respondeu nada, entregando apenas a caneca a ela e seguindo para a sala. O ambiente sustentava um silêncio intocável, o qual fazia com que a coragem adquirida pela garota minutos atrás se esvaísse por completo. Após tomar o último gole da bebida, o homem se arrumou no sofá perpendicular ao dela e começou a falar.
... — Tentou a olhar nos olhos, mas não teve tal força, demorando então para continuar. — ... honestamente, eu não sei o que aconteceu com a gente. Eu só queria uma explicação, a real explicação, dessa vez. E é por isso que a gente está tendo essa conversa, para ser sincero um com o outro. Ninguém aqui é criança.
— Eu sei disso, e eu não aguentava mais mentir para você e para mim mesma. Eu só não sei como começar a falar. — Ela começou a chorar e ele, em um puro ato de reflexo, foi até perto e a abraçou, se arrependendo um pouco posteriormente.
— Eu sei que é sempre injusto pedir para alguém não chorar em um momento assim, mas por favor... — Ele enxugou as lágrimas correntes — ... Isso sempre doeu tanto em mim, e você é tão bonita. — Saiu sem mesmo pensar, realmente a proximidade não ajudava. Ele estava irritado com ela e queria ouvir a história de uma vez por todas, mas tudo que conseguia era pensar sobre como seria beijá-la nesse momento, depois desses três meses. Tomou rédeas de suas emoções e voltou ao seu lugar de início.
— Obrigada. — Ela começou lentamente. — Primeiro eu queria deixar claro que tudo o que fiz eu fiz porque te amo. Fiz porque independente de estar comigo ou não, eu só queria te ver feliz. E eu só estou de volta aqui para pedir desculpas pelo modo com que fiz e, também, por puro egoísmo de querer tudo isso de volta.
— Calma, por mim? — Ele tentou não levantar a voz, mas foi quase impossível. — Você me largou do modo mais cruel possível por mim?
— Eu quero pedir desculpas pelo modo, foi a única coisa que consegui pensar de imediato. Mas foi por você sim, . Eu não suportava nenhum minuto daquilo.
— Me explica então como terminar comigo e não semanas, não dias, mas HORAS depois ficar com aquele imbecil? — Ele ficou de pé, por mais que sua altura certamente a intimidasse. Nada disso fazia o mínimo sentido na cabeça dele.

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— Até à próxima, Eli! — Era manhã, segunda-feira, um pouco depois das sete. Eli era um antigo amigo de faculdade que se mudara para o outro lado do país, por trabalho, e voltara para passar alguns dias na cidade, hospedando-se na casa do casal. Foram dias bem divertidos, ao menos até o último.
— Desculpa mais uma vez por não poder te levar no aeroporto. — falou, por educação — Tem um caso no escritório esperando apenas por mim para ser apresentado.
— Que nada, ! Obrigada por tudo, pessoal! — Eli se despediu, animado. Não era culpa dele, mentalizou. Ele era um cara legal. O táxi deu partida e sumiu na encruzilhada, fazendo com que a garota entrasse em casa para terminar de arrumar suas coisas. a seguia com o olhar – não teria nada para fazer hoje, já que a firma entrou em recesso por feriado interno, dia do fundador ou algo assim.
— Aqui. — Ele a entregou a chave do carro, que ela parecia procurar tanto e não a enxergar na mesa de centro. — Você está bem? — Ele a segurou carinhosamente pelos ombros e a olhou nos olhos.
— Estou, é só o caso que envolve crianças e me parece complicado. — Não correspondeu o olhar.
— Você é sensacional, . Vai conseguir. — Começou então a beijá-la como fazia todas as manhãs, do mesmo jeito, mas foi interrompido após o terceiro beijo.
— Eu tô atrasada, desculpa. — falou, realmente desconfortável.
— Então tchau, amor. — ele disse, confuso. — Eu te amo. — Beijou sua bochecha.
— Eu te amo. — E foi ali que ele percebeu. Sua boca, que toda vez que ela dizia que o amava se curvava em um sorriso tímido, agora era uma linha reta, sem nenhuma expressão associada. Ele podia sentir que tinha algo errado.
O dia se passou lentamente, como se as horas fossem viscosas e escorressem por um buraco muito, muito pequeno. Ele não via a hora dela voltar para que pudessem conversar direito, para que ela ficasse bem de novo, para que o sorriso tímido voltasse. Então, ela voltou. No entanto, não voltou sozinha. Voltou com Aaron.
Se tinha uma pessoa da qual não gostava, era Aaron. Ele trabalhou com no primeiro emprego que ela teve e ignorava por completo o fato de a mesma estar em um relacionamento sério, inclusive havia gerado uma briga imensa entre os dois. O homem se levantou do sofá e andou, furioso, em direção aos supracitados, que estavam parados no batente da porta.
— Você pode me explicar isso, ? O que esse babaca faz aqui? — Quase perdeu as estribeiras quando o visitante sorriu debochado.
— Ele veio me ajudar com uma coisa. — Ainda mantinha uma postura rígida, por mais que quisesse chorar. — Estão lá nos fundos. Quando acabar de pôr no carro, me avisa. — Dirigiu-se ao moreno que trouxera consigo.
— Tudo por você. — Ele riu, e com isso terminou de enfurecer , sumindo para os fundos em seguida.
— O que está lá nos fundos, ? — disse, ríspido, controlando a raiva.
— Minhas roupas. Eu arrumei tudo durante a madrugada porque sabia que seu sono pesado não ia te deixar me impedir.
— Calma, o quê? — Ficara atônito com a sucessão de palavras que ouvira, esperando não ter as entendido direito. — Me explica isso. Para que arrumar as roupas? O que você pretende fazer? — Ele ficava paulatinamente mais nervoso do que irritado.
— Isso... Nós... — Ela fazia um esforço sobre-humano para falar, a dor emocional era lancinante. — ... Isso tudo foi um erro. Você é melhor sem mim, e não vou mais atrapalhar isso.
— Como assim, ? — Ele estava entrando em desespero, e ela não aguentava mais o olhar nos olhos. — Amor, olha para mim. — Uma lágrima caiu dela e ele tentou enxugar, apenas para sentir o corpo da garota se afastando bruscamente do toque.
— Não torna isso mais difícil do que já é.
— Onde você vai ficar? Me explica o que está acontecendo, me diz o que eu posso fazer para evitar isso, , por favor. — O homem tinha as emoções à flor da pele a tal ponto da discussão.
— É o melhor para você. — Podia-se ouvir o grito de "terminei, gata" do Aaron.
, isso não faz sentido nenhum. O melhor para mim é você aqui. — Ele voltou ao estágio da irritação mesclada com confusão, bufando ao ouvir a frase daquele idiota.
— Eu sei que não é. — Ela se afastou sem nem o olhar e bateu a porta, sem girar a maçaneta.


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— Você disse que tudo tinha sido um erro, mas não podia ser um erro se eu não precisava lavar as mãos depois de te tocar, se eu conseguia te beijar na chuva sem pensar em todos os poluentes daquela água, se eu ficava do seu lado durante todas as suas doenças e para o inferno se eu pegasse. Eu só queria te ver bem de novo! — O tom de voz dele subia gradativamente. Ela, todavia, apenas o encarava sentada enquanto não tinha forças para ficar de pé.
... — tentou se pronunciar.
— Desculpa, , mas quem vai falar agora sou eu. Você sabe, normalmente, quando eu fico obcecado com coisas, eu vejo germes se entranhando na minha pele, eu me vejo esmagado por uma sucessão sem fim de carros, e você... — Ele respirou profundamente. — Você foi a primeira coisa bonita que eu já fiquei preso. Tudo era extremamente bagunçado na minha cabeça e, quando você chegou, eu criei vergonha na cara, tentei arrumar, e você jogou isso tudo contra mim quando bateu aquela maldita porta. Eu passei quase duas horas em crise, , duas horas porque aquela maldita maçaneta não girou, por que você tinha saído por aquela maldita porta, aquela maldita porta. — Ele tentou conter a repetição das palavras, odiava quando isso acontecia em um momento sério, mas o estresse já era absurdo, e o esforço empenhado em não gritar tanto já tomava todas as energias do seu corpo. Respirou fundo e continuou, em tom baixo, novamente. — E eu chorei, . Eu chorei porque não entendia, chorei por raiva dele, chorei por estar te perdendo, já que você foi a coisa que mais amei desde que meus pais morreram.
— Eu... — Ela foi entrecortada pelo próprio choro, as palavras simplesmente não saíam, e a última frase dele piorou tudo.
— Não diz nada, me deixa acabar. — Umedeceu os lábios. — No dia seguinte, quando eu vi aquela foto sua, com ele, na manhã seguinte a uma das piores noites da minha vida, eu fiquei acabado. Como você poderia abraçar aquele cara, ? Do jeito que eu, só eu, te abraçava? Eu nunca soube se vocês se beijaram ou não, mas minha cabeça fodida só conseguia pensar na cena. Pensar em como ele te segurava sem pensar se te machucava, ou em como ele só deveria te beijar uma vez, sem ligar para se era ou não perfeito, e isso me deixava sem ar. Isso pareceu tão injusto e doeu como a morte, porque era eu e não ele que te consolava, aqui mesmo nesse sofá, enquanto você chorava por ter perdido alguém em campo, por mais que doesse em mim. Era eu e não ele, . Sou eu que te amo, mas que não recebi nenhuma explicação decente sobre o porquê de você fazer as malas de madrugada e ir embora. Fui eu que, por duas semanas, deixei as portas abertas e as luzes acesas, esperando você voltar. — As últimas palavras falharam em esconder a frustração que ele sentia, trazendo um pesado silêncio consigo.
— Ok, . — Ele fungou e tentou se recompor após alguns momentos, ficando de pé e o olhando nos olhos, ainda completamente vermelha. — Você quer sinceridade total, você merece, você vai ter. Caso se importe, eu odiei falar aquelas coisas, odiei fazer o que fiz, mas era o modo mais rápido de cortar laços com você. Você sempre soube que eu tinha todo o medo possível de estar em um relacionamento, que eu tinha medo do abandono e de ser amada por pena, você sempre soube. Eu não deixava as pessoas chegarem muito perto para evitar me frustrar e frustrar os outros, evitar constrangimento e desconforto para todos. Até que você chegou... — Ela empurrou o dedo no peito dele, sem cerimônia ou tentativa de controle de raiva, porém ainda sustentando o olhar — ... e me prometeu que não ia mentir para mim, que só ia ficar comigo enquanto me amasse, que ia ser sincero a todo momento, e eu acreditei, acreditei tanto que o tempo passou e eu vi que não tinha mais volta. Então eu ouvi, , ouvi o que foi a pior coisa que você poderia ter dito. Ouvi você falando com o Eli. — Ele suspirou, visivelmente chateado. — Ouvi você dizer, na cozinha da nossa casa, que "não aguentava mais viver assim, não aguentava mais chamá-la de namorada, mas não tinha coragem para mudar isso", dizer que, a cada dia que passava, "você estava mais certo da decisão que queria tomar". E você falou como se falasse do tempo, ou de um jogo de futebol: como se eu fosse irrelevante. — Ele bufou e virou de costas, passando as mãos no cabelo de forma nervosa enquanto se afastava dela. — E ouvir isso me matou, você não tem noção do quanto. A única coisa que você me prometeu não fazer, o único voto que fizemos, você jogou para o vento. Eu só conseguia pensar há quanto tempo você me beijava por pena, por caridade. — Ela enxugava as próprias lágrimas com brutalidade.
— Você é uma completa idiota, sabia? — Ele riu, incrédulo, voltando a encará-la. Ela travou na hora, em choque com a audácia do comentário.
— Como é que é, ? — disse, pausadamente, trabalhando o próprio ódio para evitar uma tragédia. — Claro que eu sou uma idiota, não é. Por facilitar as coisas para você, por ser decente o suficiente e pôr um fim em algo que não era real para nós dois, por evitar o seu desconforto em terminar comigo! — ela gritava sem censuras, até que foi interrompida por uma única frase.
Uma frase forte, intensa, alta e clara.
— Eu ia te pedir em casamento!

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Era uma tarde quentinha, daquelas nas quais se abre as janelas para a brisa fresca entrar, e tudo é confortável, silencioso – como se a natureza sorrisse para você. O frio havia dado uma trégua, apesar de ser fim de inverno, e as cortinas brancas voavam no quarto do casal. Eles ainda não haviam acabado de se mudar completamente para o local, mas aquela casa já era o lugar deles. Cômodo a cômodo, eles deixaram marcas que tornavam impossível dissociar aquele lugar dos dois. Dos armários, porta-retratos e livros dispostos de três em três, até a perfeição na organização geométrica das coisas, tudo refletia um ou outro, e era assim que uma casa deveria ser. Eles não chegaram a um acordo sobre a cor de nada, então tudo era branco, e eles concordaram em deixar assim, já que branco era a junção de todas as cores.
— É impossível que você nunca tenha assistido a Onze Homens e Um Segredo! — Ela se apoiou nos cotovelos e o encarou, fingindo mágoa. Eram passadas das três horas da tarde do sábado e, após banhos gelados, eles matavam tempo conversando, descansando depois de uma manhã exaustiva de desempacotamento. — Não ter visto Gênio Indomável é uma coisa, mas namorar uma fã do Matt Damon por mais de dezoito meses e não assistir um dos melhores filmes dele, e também dos últimos vinte anos do cinema, chega a ser absurdo! — Ele gargalhou com a seriedade da garota.
— Acontece, não vi nenhum deles, não tenho essa sua alma culta de cinéfila — Tentou ser sério, mas caiu no riso após poucos segundos.
— Pode debochar o quanto quiser, , mas você vai maratonar todos os filmes da franquia comigo hoje. — Ela o beijou, rindo. — Querendo ou não.
— Se for ruim, eu vou falar, você sabe. — Retribuiu o beijo.
— Não corro esse risco. — Deitou novamente ao lado dele, encaixando-se no seu peito enquanto o mesmo a fazia carinho no cabelo, e ficaram assim, em silêncio, por alguns instantes. — Eu tô morta de fome.
— Logo, logo a pizza chega, relaxa.
— E com ela, Ocean's Eleven! — Ela riu alto, erguendo os braços, e ele só a olhava nos olhos, sinceramente feliz por estar ali.
...
— Diz.
— Um dia a gente vai casar, não é? — Ela prendeu a respiração ao ouvir isso. — Fica tranquila, ainda vai demorar. — Riu. — Mas, me diz, como você sonha que seja?
— O casamento?
— Desde o pedido até a lua de mel.
— Ah, sei lá... — Ele a reprovou com o olhar, mesmo que de modo brincalhão.
, todo mundo já pensou nisso, vai, nem que tenha sido só um pouco. Caso não, tenta ignorar toda a merda que seus pais fizeram e imagina nós dois.
— Certo... — Demorou um pouco pensando enquanto desenhava círculos imaginários com os dedos na camisa do rapaz. — Eu queria um pedido normal, humano, nada irreal como aqueles FlashMobs ou homenagens loucas do YouTube, sabe? — Ele estava atento a cada palavra — Acho que com um anel simples, um beijo apaixonado, algumas flores e um jantar legal, nada chique demais, com bastante sobremesa, satisfaria muito meu coração. Não gosto quando os caras fazem um monólogo na hora de pedir também não, o pedido já diz tudo, o brilho no olhar também, para que um devaneio de duas horas? Não vai pedir de todo jeito?
— Como eu fui dar tanta sorte de namorar uma mulher maravilhosa que, com dois palitos em um chiclete, casa com você? — Beijou a testa dela, que estirava a língua em sua direção.
— Besta.
— Sempre — Riu — Prefere igreja lotada ou vazia?
— Acho que vazia. Minha família só tem eu, minha mãe e meus irmãos, e você tem seus tios e primos, fora aquele seu avô vivo e a nova "paquera" dele. Se juntar todo mundo, somos só quinze, dezesseis com o pastor. Com alguns amigos e colegas de trabalho, mais os acompanhantes, no máximo chegamos em 100, e, para mim, isso é perfeito. Gosto do campo, sabe? — Suspirou. — Podia ser em uma fazenda ou algo do tipo, à tarde, só pelo cheiro de grama novinha... E eu queria usar branco. Queria andar até o altar tentando não rir de nervosismo, queria segurar sua mão e dizer "aceito", queria ser acertada por arroz na saída e queria tirar aquelas fotos bregas com o bolo. Depois dançar até sujar de lama quinze centímetros da barra do vestido para fazer valer o dinheiro da lavanderia, e só parar na hora de ir embora. — Ele beijou o topo da cabeça da namorada.
— Eu já aviso logo que não sei dançar. — Olhou-a.
— Eu sei. Todo mundo que já viu seus movimentos sabe, na verdade. — Gargalhou.
— Ok, esperta. — Revirou os olhos — Para onde você quer viajar?
— Aí é complicado — Riu sozinha — Meu sonho é conhecer a Romênia, mas queria que fosse uma surpresa; quanto mais surpreendente, melhor! Podia ser tanto a Patagônia quanto o Timor Leste, mas eu só queria descobrir dentro do avião, ou mais tarde ainda, se possível.
— E se eu escolhesse um lugar péssimo? Tipo o hotel do Banksy?
— Não interessaria, a gente ia fazer dele um lugar ótimo, e nosso. — Beijou o queixo dele — Só não exagera, não é, , porque nós dois sabemos que é bem possível você escolher, por "coincidência", Espanha em final de campeonato — Os dois gargalharam, a situação era realmente possível.
— Nunca que eu ia levar uma Madridista para o meu amado Camp Nou, sendo ela minha esposa ou não. — Foi inesperado ouvi-lo chamá-la de esposa pela primeira vez, mas aqueceu o coração da garota e reacendeu uma fagulha que há muito tempo estava apagada: casar valeria a pena. Eles, então, se beijaram de forma brincalhona, até que a campainha recém-instalada soou e levantou em um pulo.
— MATT DAMON!


>>> >>> >>>

— Eu ia te pedir em casamento, . — repetiu, dessa vez com tom baixo e calmo, dada a reação da garota. Ela havia ficado estática, visivelmente confusa e beirando o estado de choque, sentando-se imediatamente e permanecendo muda. Por mais uma vez naquele dia, engolia em seco e as palavras não saíam, porém agora em proporções monstruosas. Estava em um estado de pavor e descrença, ainda digerindo a informação e conectando os pontos na própria cabeça. Ela era, realmente, uma completa idiota. — Eu ia, exatamente daquele jeito que você me explicou naquele dia. Eu só não sabia como fazer, por isso falei com o Eli, para tentar extravasar esse nervosismo e pensar melhor. — Suspirou e se aproximou dela, sentando no acento perpendicular à mesma no sofá. — Por isso que reagi de forma tão absurda quando você foi embora, porque todos os meus planos, teoricamente, também foram.
— Eu... — Ela começou a chorar e tomou uma longa pausa — Me desculpa, , eu pensei que fosse ter o mesmo fim que meus... Eu não pensei direito. Me desculpa, eu fui idiota, me desculpa, por favor. — Correu com as palavras.
— Eu sei, eu sei. — Abraçou-a por completo — Foi só um péssimo mal entendido, não foi culpa sua.
— Eu estraguei tudo, me desculpa, de verdade. Eu só fiquei com muito medo, muito mesmo, e agi sem pensar... Não foi por mal, me perdoa — Soluçava alto, como se estivesse se afogando em lágrimas; ele nunca tinha visto-a assim antes.
— Eu desculpo sim, , agora se acalma. — Ela se aninhara no peito dele enquanto tinha os cabelos afagados. Perdoar não era a coisa mais emotiva a se fazer, analisando tudo o que aconteceu, mas era a mais sensata. Ela tinha os motivos dela para fazer o que fez, apesar de não ter sido a atitude mais inteligente, principalmente vinda de uma pessoa tão esperta, mas tinha. teve modelos perfeitos de pais, de relacionamento, com todos os altos e baixos, mesmo que por pouco tempo, então só podia imaginar o que era crescer com um dia a dia desmoronando. Cada um via o mundo de um jeito diferente, e ele tinha consciência disso. Todo mundo merece amor, merece uma segunda chance, merece compreensão. E ele a amava. Amava absurdamente, e não conseguia pensar em nada que fosse capaz de mudar isso. Um trovão ressoara fortemente, fazendo com que o homem voltasse a falar. — Ei, parou, já deu de choro. Não aguento mais esse ambiente tenso entre nós, pode parar. O que aconteceu, aconteceu, não dá para mudar. Já resolvemos, ‘tá tudo certo, então vamos parar de perder tempo. — Ergueu o rosto dela e beijou sua testa.
— Ok... — Ela sorriu torto.
— Sem drama, ok? Passou. — Aproximou-se e a beijou rapidamente, como era de costume, gelando por completo instantaneamente ao olhar a expressão confusa e assustada que ela expunha. Fazia três meses que não se tocavam, três meses sem algo tão natural para os dois como um beijo. Ela encarou as próprias mãos, um tanto ansiosa. — Certo, eu devia ter avisado — Ele riu, quebrando o clima tenso.
— Relaxa. — Sorriu, mexendo o nariz — Então...
— Então...? — Ele sabia, por aquele simples e pequeno movimento, que ela estava pronta para trazer tudo de volta, para voltar a ser dele.
— Já que ‘tá tudo certo... — A garota pulou no pescoço dele, como previsto pela linha de raciocínio do mesmo, fazendo-o deitar no móvel, enquanto ria e o beijava por todo o rosto.
— Essa sim é a minha namorada. — Deram tempo ao tempo e mataram a saudade que sentiam um do outro. Durante tais minutos, nada era tão complicado como parecia instantes antes, nada era difícil, triste ou constrangedor. Nenhum segundo desses meses fez bem para nenhum dos dois, mas serviu para provar que era amor de verdade o que sentiam, e isso era o que importava.
— Obrigada por perdoar minha odisseia, eu me sinto horrível por tudo e juro, juro mesmo, que vou te compensar. — Ela o beijou mais uma vez, lentamente, ainda deitada em seu peito.
— Não se preocupa com isso, , só não repete nunca mais, ‘tá? Não sei se aguento duas vezes. — Riu, e a mulher balançou a cabeça em afirmação, trocando um olhar que dizia tudo que precisava ser dito e o abraçando em seguida.
— Eu te amo, .
— Eu te amo, . — Sorriu e se sentou no sofá, ajudando-a a fazer o mesmo — Preciso buscar uma coisa. — Andou até a lareira e, de dentro de um pequeno baú decorativo, tirou uma caixinha azul.
— Ah, não, ... — Ela sorriu e a primeira lágrima escorreu. — Já chorei muito hoje, podemos deixar para amanhã? — Sorriu em tentativa falha de descontração, pois ficara visivelmente nervosa ao ver o objeto, enquanto ele se aproximava dela e se ajoelhava.
— Não tem por que chorar, . Nem discurso eu vou fazer. — Deu de ombros.
— Mas mesmo depois desse drama todo? — Enxugou o rosto.
— Mesmo sabendo que essa não vai ser a última vez, de tão doida que você é — Riu.
— Tem certeza?
, eu tô ajoelhado, depois disso tudo, esperando você calar a boca para te pedir em casamento; eu tenho certeza sim. Se você vai aceitar ou não, já não é mais minha jurisdição — Brincou.
— Besta.
— Posso? Ou você quer fazer mais um adendo? — Ela concordou com um movimento de cabeça, sorrindo — , você quer casar comigo? — E aí estava. Simples assim. O brilho no olhar com o qual ela sonhou a vida toda, que ela nunca pensou que pudesse ser real. Estava ali, na frente dela, no rosto da pessoa que ela mais queria ver. Era isso. Esse era o sentimento. Casamento, naquele instante, passara de uma palavra mórbida para a coisa mais bonita do mundo, voltava a ter um propósito. — Essa é a parte que você responde sim ou não, . — Riu, apreensivo, após o longo momento introspectivo da interlocutora.
— Sim, . Sim. — Ela sorriu e o beijou intensamente, derrubando a aliança (com caixa e tudo) das mãos do rapaz no chão. Eles iriam casar. Casar. — Eu te amo mais que tudo — A curva tímida estava ali, mais viva do que nunca.
— Agora eu preciso pôr a aliança no seu dedo, sabe. — A felicidade era explícita. pegou o anel e o colocou no devido lugar. — Vou pedir uma pizza e um mousse daquele restaurante legal, fico te devendo as flores. — Ficou de pé, sendo acompanhado, e a abraçou com força, a beijando delicadamente no final.
— Nunca senti tanta coisa em tão pouco tempo. — Os dois riram. não largou o abraço e o encarava, ainda sentindo um leve desconforto pelo corpo estranho na mão direita. O melhor desconforto possível.
— Feliz aniversário de três anos. — Ela prendeu o ar por mais de seis segundos e caiu na gargalhada logo em seguida.
— Eu esqueci. — Sorriu amarelo — Não sabia nem que dia era hoje. — Deu de ombros em um pedido silencioso de desculpas, explicitamente constrangida apesar da alegria estampada no rosto.
— Estamos quites, então. Não vale mais jogar na minha cara nosso aniversário de dois meses, porque três anos é mais importante. — Beijou-a.
— Ok, não é como se aquele fosse seu único vacilo. — Riu.
— Te dei um ótimo presente de aniversário dessa vez, isso não conta nada? — Apertou os olhos e o abraço, indagando-a.
— Olha pelo lado bom, foi melhor que a latinha. — Ela gargalhou e ele tentou conter o riso, sem sucesso.
— Você nunca vai esquecer isso, vai? — Juntou seus lábios com os dela.
— Nunca. — Riu, passando os braços ao redor do pescoço dele e retribuindo o gesto interrompido. Naquele momento, o amor era a única verdade, era tudo o que importava, e era tudo o que viria a importar pelo resto da vida dos dois. — Sabe o que pensei?
— O quê?
— Essa história é uma ótima história para contar para os nossos netos trezentas vezes. Explicar o que não se deve fazer. — Sorriu, divertida.
— É sim, amor. — Virou os olhos — Nada brega, nem um pouco.
— Besta. — Riu — Estou emotiva, acabei de ser pedida em casamento, me dá um desconto.
— Ok. Sabe o que pensei?
— O quê?
— Traz suas roupas de volta, que eu não aguento mais lavar banheiro. — Ela estirou a língua e ele a beijou, fazendo cócegas e a tirando gargalhadas no processo.
Eram aquele casal de novo.
E dessa vez não havia mais dúvida: era para sempre.

E tudo era rosa.
A um passo de ser vermelho novamente.


Fim



Nota da autora: Oi, galeraaaaa! Vou assumir uma coisa pra vocês, peguei essa música no ficstape sem nunca ter escutado kkkk. Li o nome, googlei a letra e foi amor a primeira vista. Escrevi com base em uma pessoa muito especial para mim, que eu amo tanto e sinto tanta falta que transborda. Usei como inspiração secundária o poema OCD (TOC) do Neil Hilborn, que fez muito sucesso no Facebook uns anos atrás. Curto muito o trabalho dele, e esse poema tão lindo se encaixou perfeitamente no sentimento que quis passar, me deu um norte pra organizar minhas ideias e sentimentos. Eu tenho tanta coisa escrita e tanta vergonha de postar, por isso esse ficstape (meu primeiro!) foi tão especial para mim. Espero que tenham curtido!
P.S.: Um obrigada especial para as meninas do grupo que me fizeram rir horrores! Vocês são show! ❤

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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