Finalizado em: 23/09/2018

Capítulo Único

Eu tinha um sonho. Esse sonho era ingressar na Berklee College of Music, por isso me mudei. No início, as coisas não foram fáceis, mas, com a ajuda de conhecidos, aos poucos consegui meu espaço ali. Meu primeiro emprego foi como garçonete e, na maioria das vezes, eu pedia aos céus para aparecer outra oportunidade de ganhar dinheiro, já que aquele trabalho era às vezes desconfortante. Entretanto, no final de tudo, eu consegui. Graças a uma pessoa. A pessoa que eu menos esperava aparecer em minha vida a mudou de uma forma inexplicável. Tudo começou quando alguém teve acesso aos meus vídeos em meu tumblr pessoal e depois de um vídeo viralizar. Talvez algum dedo de uma amiga estivesse no meio, mas quem quer que fosse... Eu era muito agradecida. Hoje sentia que minha vida era realizada e um pouco diferente do que eu esperava, mas, às vezes, as mudanças sempre vinham para melhorar.

...FLASHBACK…


Mais um dia com o mesmo uniforme e no mesmo lugar de sempre. A lanchonete em que eu trabalhava era um lugar aconchegante de se comer. O ambiente era bastante limpo, confortável e fofo, exceto pelos ogros, que de vez em quando faziam questão de aparecer por ali. Alguns que sempre faziam piadinhas ou até mesmo te cantavam de uma maneira tão explícita que chegava a constranger. Às vezes, a gente tem que pagar um preço por correr atrás dos sonhos.
, mesa 4. – Daniel apontou para o homem que chamava na mesa quatro.
Nós, que estamos lá há um bom tempo trabalhando, querendo ou não, gravávamos o rosto dos clientes que eram assíduos, e sempre o cara da mesa quatro vinha dois dias da semana e pedia a mesma coisa: um café forte com waffles.
– Um café forte e waffles. – Respondeu o homem, que me encarava enquanto eu anotava seu pedido. Sorri de forma gentil e me virei, voltando para buscar sua comida.
Com sua comida já em sua mesa, várias das meninas atrás do balcão ficavam de olho no homem. Ele sempre estava usando terno, o que o deixava ainda mais elegante. Algumas garotas se perguntavam se ele era solteiro ou casado e eu me perguntava o motivo de ele sempre sentar-se à mesa quatro. Prioridades. Ao terminar sua refeição, levantou-se e foi até o caixa para poder pagar pelo o que havia comido e, enquanto isso, tirei os talheres usados de cima da mesa e levei para dentro da cozinha. Ao voltar, todas as garotas me olhavam, umas com cara feia e outras, surpresas, e eu definitivamente não entendia o motivo.
– Por que todo mundo está me olhando assim? – Perguntei de forma assustada.
– Aquele homem deixou uma gorjeta bem boa para você. E quando nós dizemos boa – Apontou para todas ali –, é bem boa mesmo.
– Posso saber pelo menos quanto foi? – Inclinei a cabeça para o lado e peguei um papel, arregalando os olhos. – Ele deve ter errado. Isso é muito dinheiro!
– Não errou mesmo. Ele pediu para que eu entregasse isso para você. – Daniel, que estava no caixa, levantou os ombros. – Ao mesmo tempo em que isso é legal, isso é bem doentio.
– Eu... não posso aceitar esse dinheiro. – Neguei com a cabeça várias vezes.
– Bom, acho que você não vai conseguir isso. – Daniel balançou o envelope nas mãos. – Porque ele me certificou de que eu iria colocar isso em sua conta, e eu prometi.
– Eu não vou mexer nesse dinheiro. – Revirei os olhos e cruzei os braços.
Como assim eu iria usar o dinheiro de um estranho? Um cara que eu só conhecia de vista e que, na realidade, eu não sabia nem ao menos quem era. Eu não poderia aceitar seu dinheiro assim, mas, querendo ou não, eu precisava dele. Mas NÃO. Eu não iria usar aquilo. Eu o devolveria exatamente como me entregou. A única coisa que eu precisava saber era: QUEM DIABOS ERA ESSE HOMEM?

...


– Como assim você não conhece ? – Alice me encarou com uma expressão incrédula em seu rosto, parando de passar a chapinha em seu cabelo.
– Amorzinho, eu sou nova aqui. Esqueceu? – Arqueei uma sobrancelha para ela e voltei a passar batom em meus lábios.
– Ele é, tipo, o dono de um clube bastante frequentado daqui. Tem várias dançarinas e dançarinos. Você precisa ir até lá um dia comigo. É tão lindo, tão bom e tão gostoso, que você vai querer viver indo lá. – Balançou a mão no ar, terminando de alisar seu cabelo.
– Calma, calma. Uma coisa de cada vez. Primeiro vamos a esse luau de hoje e, depois, vamos nos programar para ir até esse homem misterioso, que adora dar dinheiro aos pobres. – Fiz um pequeno drama, rindo em seguida. – Como estou? – Dei uma voltinha na frente da garota, parando e fazendo uma pose com a mão na cintura.
– Maravilhosa. – Alice sorriu e fez a mesma coisa que eu – Então, o que me diz?
– Mais linda que você, só duas de você mesma. – Pisquei para a garota, e ambas caímos na risada.
Às vezes, em meio às coisas que vinham acontecendo rapidamente, a distração só se resumia em uma coisa: ÁLCOOL. E era o que eu mais estava precisando naquele momento. Talvez aquele luau me faria bem, já que duas coisas que eu amava estariam juntas. O álcool e a música. O lugar era bem bonitinho, havia várias pessoas e uma fogueira bem grande, o que me lembrava de casa. Eu sentia saudades? Bastante, mas não me arrependia de ter me mudado em busca de um sonho.
O bom de estar com Alice era o fato de ela conhecer praticamente todas as pessoas dali, ou seja, o álcool chegava muito mais rápido. Alguns copos e alguns shots foram o suficiente para que aos poucos minha timidez fosse diminuindo no meio de todos ali, acabando por até fazer amizades novas, ou quase amizades. Não sei. Com um aviso, alguns garotos indicavam que era a hora de sentarmos ao redor da fogueira para compartilhar algumas músicas. De início, fiquei relutante se me voluntariava para poder tocar e cantar algo ou não. Três pessoas tocaram algumas músicas e todos aplaudiram. Pensei comigo mesmo na possibilidade de aceitar participar e acabar fracassando, mas, num instinto, levantei a mão e pedi para que me entregassem o violão. Alice, que estava sentada ao meu lado, não entendeu muito o real propósito do violão em minhas mãos, mas, quando comecei a tocar, ela sorriu e sacou o celular de seu bolso.

Baby, can't you see? I'm callin'
A guy like you should wear a warnin'
It's dangerous, I'm fallin'
There's no escape, I can't wait
I need a hit, baby, give me it
You're dangerous, I'm loving it


A cada batida de minha mão nas cordas e o som dos acordes, minha voz acompanhava como se ambos os sons fossem um só. Com os olhos fechados, minha mente apenas passeava por inúmeros caminhos que a música me fazia percorrer de uma maneira inexplicável.

Too high, can't come down
Losing my head, spinning 'round and 'round
Do you feel me now?
With a taste of your lips, I'm on a ride
You're toxic, I'm slipping under
With a taste of a poison I'm on paradise
I'm addicted to you
Don't you know that you're toxic?
And I love what you do
Don't you know that you're toxic?


Numa respirada profunda, o refrão veio. Veio carregado de paixão. Carregado de vontade, carregado de desejo. Eu podia ouvir o barulho das pessoas me acompanhando nas palmas, e aquilo me fazia sorrir de felicidade. Ao abrir os olhos, vi que algumas pessoas batiam palmas e outras me filmavam, mas eu não estava ligando para aquilo. Com o violão em mãos, comecei a me balançar de um lado para o outro, indicando para que eles também me acompanhassem na música.

Intoxicate me now, with your lovin' now
I think I'm ready now (I think I'm ready now)
Intoxicate me now, with your lovin' now
I think I'm ready now


Dei o último acorde, finalizando a música, e tive uma surpresa que não esperava. Todos que estavam ali começaram a me aplaudir como se tivessem pagado para ver uma apresentação de alguém famoso. A vergonha, que antes havia ido embora, agora havia voltado, fazendo com que meu rosto queimasse... Talvez de vergonha, ou talvez de alegria.
– Meu DEUS, VOCÊ CANTA TÃO BEM – Alice sacudia meu braço de uma maneira frenética, me fazendo rir.
– Acha que eu vim para cá à toa? – Estreitei os olhos para ela, colocando as mãos na cintura. – Tem mais alguns vídeos no meu canal no YouTube. Se você quiser...
– Me passa o link AGORA! – A euforia de Alice era contagiante e estava me fazendo rir feito boba.
Depois de passar o link para a garota, voltamos à realidade do luau, onde acabamos por cantar mais músicas até o anoitecer. Ao chegar à minha casa, a cama me deixou mais feliz do que os aplausos que recebi há algumas horas, porque, pelo menos, nela eu poderia dormir. Com o celular ao lado da cama, apaguei sem perceber e sem poder ler as inúmeras mensagens que Alice me mandava. O cansaço havia me vencido.
Se não fosse pelo sol batendo em meu rosto pela manhã, definitivamente eu não teria acordado. Deitada ainda na cama, peguei o celular na cômoda ao lado, o desbloqueando. Olhando as notificações rapidamente, parei e analisei melhor o que lia. Várias notificações viam do YouTube como comentários. Vários comentários positivos sobre os vídeos que eu postava e os números de visualizações haviam crescido bastante desde a última vez que chequei. Ou haviam hackeado minha conta, ou eu estava apenas sonhando. Belisquei meu braço para ver se aquilo era mesmo realidade e senti a dor do beliscão, não acreditando naquilo ainda.
As mensagens de Alice me fizeram rir no momento em que abri nossa conversa. A maioria das mensagens era algo escrito em maiúsculo, cheio de letras repetidas e emojis de coração, alguns vídeos e fotos nossas e um último áudio, que fez meu coração quase parar.

do meu coração, se você ainda me ama, você está ouvindo esse áudio e espero que continue me amando depois do que eu falar. Eu enviei seu vídeo de ontem para o senhor Gostoso pelo e-mail! Mas eu tenho certeza de que ele não vai querer abrir, já que eu coloquei o título da mensagem como “Garota da mesa quatro cantando apaixonadamente”. Duvido muito que ele queria assistir algo com esse nome, mas... eu tentei. TE AMO!
Ah, mais uma coisa. Publiquei seus vídeos em um dos meus blogs, no Twitter, Facebook e no meu Instagram. De nada!”


Encarei a parede do meu quarto assim que terminei de ouvir o áudio e voltei a me deitar, encarando agora o teto. Meu. Deus. Do. Céu. Que amiga era essa que eu fui escolher? Ou ela havia acabado de foder com a minha vida, ou havia acabado de dar um jeito de melhorar as coisas para mim. Naquele estado em que eu me encontrava, era difícil saber o que iria acontecer comigo. Eu só esperava que o senhor Sebatian Gostoso não visse aquele vídeo em HIPÓTESE ALGUMA.

...


– EU NÃO VOU ATENDER ESSE TELEFONE. – Berrei, andando de um lado para o outro com o aparelho na mão.
– AH, MAS VOCÊ VAI ATENDER SIM! EU NÃO MANDEI UM E-MAIL PARA ELE À TOA. – A garota resmungou, tomando o celular de minha mão e o atendendo. – Alô? Quem fala? ? Sim, sim. ? Ela está aqui, vou passar para ela. – Estendeu o celular em minha direção.
– Eu te odeio. – Silabei com a boca e respirei fundo antes de atender ao telefone.
– Então é o seu nome, certo? Prazer em conhecê-la.
– Sim... O prazer é meu, senhor .
– Por favor, me chame de . Então, , a finalidade de eu estar te ligando é que eu gostaria bastante de poder encontrá-la. Assisti a seu vídeo, que foi anexado ao e-mail, e vi que você tem um grande potencial.
– Você me encontra sempre na lanchonete. Não pode ser por lá?
– Não... O que eu preciso falar com você precisa ser em um lugar onde seja melhor para ficarmos a sós. Onde é melhor para você?
– Hum... Você pode vir até minha casa, então, eu acho. É melhor para mim.
– Hoje à noite está bom para você?
– Sim, sim. Não farei nada hoje.
– Perfeito. Se puder, por favor, me mandar seu endereço, eu agradeço.
– Sem problemas. Algo a mais?
– Não. Nada. O resto você vai saber ao nos encontrarmos. Muito obrigado, , tenha um ótimo dia. Até mais.
– Você também, .

– VOCÊ ACABOU DE CHAMAR PARA VIR NA SUA CASA? VOCÊ É LOUCA? – Alice arregalou os olhos para mim, começando a rir.
– Pelo menos, se ele for um ASSASSINO EM SÉRIE, em casa eu posso me defender. – Mostrei a língua para ela e neguei com a cabeça. – Meu Deus, olha onde você me enfiou. E agora? O que eu faço? Com que roupa eu o recebo? Como eu o recebo?
– Você pode recebê-lo com beijos ou de lingerie. – A garota brincou, sorrindo de forma sapeca.
– Será que podemos focar em algo sério? Às vezes fico me perguntando o que se passa nessa sua cabeça oca. – Revirei os olhos para ela.
– Deixa que sua roupa eu escolho. Você pode pedir uma pizza com uma cerveja. É isso que gente velha gosta de beber, né?
– Gente velha? – Inclinei a cabeça para o lado, não entendendo o que ela disse.
– É. Você acha que ele tem o quê? Vinte anos? Está mais perto dos quarenta, igual você está mais perto dos vinte e cinco.
– Quarenta? Mentira... Ele parece ser tão... novo? – Perguntei, incrédula, e joguei seu nome no Facebook, achando seu perfil. Trinta e cinco anos. Onde eu estava me enfiando?



Confesso que estava com medo do que Alice poderia ter separado do meu guarda-roupa para usar mais tarde, mas fiquei aliviada ao ver que não havia nada de extravagante. Cervejas bem geladas e pizza quente, era tudo o que eu tinha para oferecer para aquela vinda inesperada em minha casa. Ao ouvir a campainha tocar, respirei fundo e tomei coragem para conseguir encarar aquilo de forma tranquila.
Ao abrir a porta, me deparei com uma pessoa totalmente diferente do que eu imaginava. A pessoa que sempre estava de terno nas idas à lanchonete agora se encontrava com uma calça jeans e uma blusa de moletom e, em sua mão, estava uma pequena sacola com algumas garrafas de cerveja.
– Soube que você gosta de cerveja. – Comentou o homem à minha frente com um sorriso estampado em seu rosto.
– Acertou em cheio – Sorri e dei passagem para que ele entrasse. – Não é lá grandes coisas, mas esse é meu cantinho. – Brinquei, fechando a porta atrás de mim.
– É bem aconchegante, eu diria. – Comentou o homem enquanto analisava o lugar e me entregou a sacola – Minha mãe me ensinou que não se deve ir a casa de alguém de mãos vazias.
– E minha mãe me ensinou a tratar bem uma visita, então... – Apontei para a bancada da cozinha, na qual estava a pizza – Sinta-se à vontade.
De perto, ele parecia ser muito mais bonito, e agora eu entendia o motivo das meninas caírem tanto em cima dele. Querendo ou não, aquele homem tinha um charme que fazia com que ele se tornasse bonito de qualquer forma.
– Você mudou tem pouco tempo para cá, certo? – Ele me encarou, sorrindo de forma simpática.
– Sim. Eu me mudei em busca de conseguir uma vaga na faculdade de música. É um dos meus sonhos seguir a carreira musical. – Comentei, colocando um pedaço de pizza em um prato para ele e abrindo uma cerveja para mim e outra para ele.
– Garota, você tem um talento enorme. Nunca pensou em trabalhar com isso? Digo, investir em sua carreira musical como cantora?
– Eu... nunca pensei nisso. Eu canto porque gosto. Porque é uma maneira de me relaxar, de me fazer viajar, ficar tranquila, esquecer dos problemas, entende? – Bebi um gole de minha cerveja.
– Você fala como uma cantora de verdade. – sorriu e bebeu de sua cerveja também.
– Por que deixou aquela quantia de dinheiro para mim? – Perguntei depois de um tempo enquanto comíamos.
– Bom. Primeiro porque eu te acompanhava não é de hoje os seus vídeos do YouTube e, quando soube que você havia se mudado para cá, queria te encontrar de alguma forma. E segundo, acredito no seu potencial. Acredito que você consegue fazer o que quiser em relação à música. O dinheiro era uma tentativa de fazer você se inscrever na audição de uma nova cantora no meu clube, mas, pelo visto, você não se interessou. – Ele fingiu fazer um bico, mas logo riu – E é por isso que estou aqui. Eu gostaria bastante que você participasse. Não sou eu quem escolhe. Temos três jurados para isso e eu sei que você canta bem. Aquilo poderia abrir várias portas para você. – Ele deixou sua cerveja de lado, me encarando de forma séria – Eu posso fazer de você uma estrela. Posso abrir caminhos para você. Mas preciso que você abrace essa oportunidade.
Encarei-o sem dizer nada, apenas tentando raciocinar o que havia acabado de ouvir. Ele me acompanhava muito antes de ver meu vídeo enviado para ele? Acreditava no meu potencial? Queria mudar minha vida?
– Você é de verdade? – foi a única coisa que consegui perguntar e levei a mão até a boca – Desculpa. É que... Eu não imaginava que logo você estaria aqui me falando umas coisas dessas.
– Eu também acharia estranho se alguém que eu mal conheço falasse algumas coisas assim para mim também – Brincou ele, descontraído. – Mas minha proposta é séria. Seria ótimo ter você trabalhando comigo. Você era tudo o que eu procurava.
– Eu? – Encarei-o, apontando para mim mesma.
– Sim. Você. Tenho acompanhado seu canal há uns dois anos, e seus vídeos são muito bons. Quando parou de gravar, achei que tinha desistido da música, mas, ao receber seu vídeo cantando... Em minha opinião, aquela música é sexy, mas você conseguiu deixá-la tão... delicada, mas sem perder sua essência. Eu daria tudo para ver isso ao vivo.
Suas palavras pareciam me tocar de uma maneira boa. Fazia algo dentro de mim renascer, uma vontade de sair cantando a todo lugar, fazendo o que eu mais gostava de fazer. Pedi para que ele esperasse na sala e fui até meu quarto, voltando com o violão em mãos. Sentei-me ao seu lado no sofá e respirei fundo, começando a tocar novamente minha música favorita. Daquela vez, meus olhos não estavam fechados. Por mais que eu os quisesse fechar, eu estava com mais vontade ainda de ver a reação de , que estava à minha frente. Enquanto eu cantava, eu podia notar em sua feição a admiração e o jeito que ele sentia a música da mesma forma que eu. Às vezes, com os olhos fechados, ele parecia ir para o mesmo paraíso que a música me levava, e aquilo me fascinava. Fechei os olhos também e me deixei levar pela sensação que a música causava em meu corpo. Eu o sentia mais leve, mais tranquilo, mais calmo. Ao terminar a música, abri meus olhos lentamente e encarei o homem à minha frente, que estava com um sorriso largo nos lábios. Não tive tempo de pensar em alguma coisa, e, quando me dei conta, nossos lábios estavam colados.
Eu não me assustei, mas aquilo me surpreendeu. Sua boca macia e quente me beijava de uma maneira a qual era difícil de explicar. Nossas línguas se encontravam e pareciam estar em perfeita sincronia. O beijo era lento, intenso e gostoso. Era aquele beijo que fazia com que todo seu corpo ardesse de vontade de continuar até os dois perderem o fôlego, e foi o que aconteceu. Ao nos desgrudarmos, dando um último selinho, o homem à minha frente se levantou rapidamente, coçando a cabeça.
– Desculpa. Eu não sei o que deu em mim. – Murmurou de forma tímida.
– É... Não tem problema. Eu também não sei o que deu em mim – cocei a nuca de forma nervosa, colocando o violão no sofá e o encarando.
– Acho melhor eu ir embora. – O homem bateu a mão em sua coxa de leve e sorriu de lado – Eu posso te mandar uma mensagem depois? Para saber da sua resposta, claro.
– Sim, sim. Claro que pode. A hora que quiser pode me chamar. Para... Você sabe. Saber minha resposta. – Caminhei até a porta, abrindo-a, e o encarei, vendo que ele estava bem próximo de mim.
Eu me despedia com um beijo na bochecha? Um selinho? Um aperto de mão? Num impulso, estendi a mão para ele, esperando que ele segurasse na mesma e o puxei para perto, lhe dando um selinho rápido.
– Até mais. – Falei de forma rápida e fechei a porta de casa, antes que ele pudesse me ver ficar toda vermelha. Eu não tinha nenhuma noção do que tinha acabado de fazer, e tudo ficaria ainda mais sem noção quando Alice soubesse de tudo.

...


Você já sentiu como se o que estivesse prestes a fazer era a maior burrada de sua vida? Não que fosse ruim o que eu estava prestes a fazer, mas uma parte de mim insistia que eu deveria ficar calada e quieta em meu canto. As horas se passavam, mas, por incrível que pudesse parecer, o horário de saída não chegava em hipótese alguma. Chegava o Natal, mas não chegava o horário que eu precisava, e aquilo me causava um certo nervosismo, o que me fazia ficar olhando no relógio de cinco em cinco minutos.
Ao ser dispensada do trabalho, não pensei duas vezes e saí correndo da lanchonete em direção ao clube. Meu coração palpitava em um misto de ansiedade e medo. Medo de fazer tudo errado e acabar por ter jogado meu dinheiro fora, e ansiedade de poder provar não só para mim mesma, mas para os outros que eu tinha o potencial que disse. O nosso beijo não saía da minha cabeça, e todas as vezes que me pegava pensando nisso, sempre me arrepiava querendo mais. Mais do beijo. Mais do que o beijo... Eu não ia negar que, desde aquele dia, aquele homem não saía de meus pensamentos. O beijo era uma das lembranças que me cativava, mas, ainda mais do que isso, eram suas palavras que me tocaram de uma maneira que ninguém nunca havia tocado antes. Era estranho acabar pensando assim de uma pessoa que tive a oportunidade de conhecer e que, no primeiro momento, colocou toda sua confiança e depositou também suas energias positivas sobre mim. Aquilo, além de me deixar motivada, acabou... desinteresse nele.
– Você chegou bem em cima da hora, é a última para hoje. Boa sorte. – Uma mulher estendeu um papel com o número em minha direção.
118. Era esse o número que eu deveria esperar para ser chamada.
Sentada em uma das cadeiras, enquanto esperava ser chamada, fechei os olhos e respirei fundo, me lembrando de todas as vezes nas quais me preparei para cantar na frente de algumas pessoas. Muitas vezes sentia vergonha e nervosismo antes de começar, mas o segredo estava sempre em confiar no que eu era capaz. E, agora, eu sabia que alguém também acreditava no meu potencial, e aquilo foi o suficiente para me fazer tomar coragem e mostrar o que eu sabia fazer de melhor. Eu estava em cima do palco agora, encarando três jurados. Todos me olhavam aparentando estar cansados, provavelmente sem nenhuma pessoa a ser escolhida até agora. Aquele lugar era meu, e eu iria provar naquele instante.
De olhos fechados, respirei fundo e comecei a cantar novamente minha música favorita. A música que poderia marcar minha vida e mudá-la naquele instante. Eu caminhava de um lado para o outro de forma lenta no compasso da melodia que saía de minha boca. Cada palavra cantada, até chegar ao refrão, era um sorriso que se estampava em meu rosto e que era difícil de ser tirado. Eu gostava de cantar. Eu amava cantar. Nada nesse mundo era mais apaixonante para mim do que usar minha voz como instrumento. Ao chegar ao refrão, coloquei toda minha paixão e dedicação nos versos, abrindo meus olhos e sorrindo ao ver a expressão dos jurados. Todos me olhavam surpresos, e aquilo só fazia com que eu continuasse a cantar mais e mais até o final da música. Ao terminar, todos se levantaram e me aplaudiram, elogiando o que eu havia acabado de fazer.
Em poucos minutos, fiquei sabendo o resultado: eu havia conseguido. Eu sabia que iria conseguir e estava bastante feliz com aquilo, mas, se não fossem pelas palavras de , eu não iria ter esse impulso para correr atrás dessa oportunidade. Eu precisava encontrá-lo de qualquer forma. Eu precisava vê-lo agora. Uma porta se abriu no pequeno auditório onde estávamos, e eu o vi entrar. Tudo parecia ter ficado em câmera lenta quando nossos olhares se encontraram. Meu coração acelerou de uma maneira que eu estranhei, mas sabia o que significava. Aquele era um dos sinais quando se estava começando a gostar de alguém, e aquilo me deixava confusa às vezes. Não pelo sentimento, mas por nossa diferença de idade. Talvez algumas pessoas poderiam encarar aquilo como uma oportunidade de eu me aproveitar de seu dinheiro ou coisa do tipo. Mas, cá entre nós, o que era verdadeiro nada podia atrapalhar.

...FIM DO FLASHBACK…
(Recomendo muito que ouça o cover de Toxic feito pela Rumer Willis agora)


As luzes piscavam enquanto a atenção agora era direcionada para mim em cima do palco. A passos curtos e fortes, caminhei até o centro, onde pude me sentar em um sofá grande e aveludado. Colocando as pernas para cima e inclinando a cabeça para trás, posicionei o microfone em meus lábios e, ao começar o som, deixei me levar novamente pelo o que eu mais amava.

Com o gosto dos seus lábios, eu viajo
Você é tóxico, estou perdendo os sentidos (tóxico)
Com o gosto do seu veneno, estou no paraíso
Estou viciada em você
Você não sabe que é tóxico?
Intoxique-me agora, com o seu amor, agora
Acho que estou pronta agora (acho que estou pronta agora)
Intoxique-me agora, com o seu amor
Acho que estou pronta agora


De pé, enquanto cantava a última parte da música, a única pessoa que eu conseguia olhar era , que me observava em uma das mesas abaixo. Cada palavra significava bastante o que eu estava sentindo e, de fato, era uma declaração em meio de uma música. Há muito tempo eu havia me queixando sobre se o que eu estava sentindo era certo ou se deveria seguir meu coração. Aquele homem era um pecado. Intoxicava-me. Levava-me ao paraíso. Levava-me aos céus. Fazia com que meu coração ardesse de amor e meu corpo ardesse em desejo de tê-lo somente para mim, e foi ali que eu soube que, independente de tudo o que eu estava pensando, nada do que acontecesse faria com que eu voltasse atrás. era o homem que me intoxicou com seu amor. E eu estava pronta para recebê-lo.


Fim



Nota da autora: Sem nota.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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