Última atualização: 01/12/2017

Capítulo Único

I used to be a Darling starlet like a centerpiece,

had the whole world wrapped around my ring.

I flew too closely to the sun that’s setting in the East,

and now I’m melting from my wings.

— Shhh, não queremos que a mamãe acorde antes da hora, certo?
— Certo.
...
— Tudo bem, agora você já...
— MAMÃE! MAMÃE! ACORDA, MAMÃE!
— O que?
— FELIZ DIA DAS MÃES!!!
— Nós fizemos panquecas...
— COM CHOCOLATE!
— E cappuccino...
— COM MUITO, MUITO CHANTILLY!
— Lily, calma, meu amor.
— Vocês dois são incríveis, obrigada.
— Nós te amamos muito, mamãe.


O botão mute foi pressionado pela garota de olhos ainda fechados. Acordar com a sua voz estridente de sete anos de idade não era um sinal de que o dia seria bom, especialmente com a ressaca da noite anterior. Sentia que seu estômago tentava escalar o caminho para fora de seu corpo e sua cabeça estava sendo apertada por um capacete minúsculo. Aquele era sempre um sinal ruim.
O relógio em sua cabeceira marcava 14h37 e só por isso ela se arrastou para fora da cama. Graças a sua mãe, que nem havia se dado o trabalho de estar ali naquele dia, ela tinha um compromisso.
Desceu as escadas do imóvel que poderia facilmente ser confundido com um castelo por alguma criança que assiste Disney demais – pelo menos, foi o que ela pensou ao se mudar para aquele lugar, anos antes –. Estava na metade do caminho até a cozinha quando ouviu novamente as vozes que pareciam atormentar a sua vida.

— Posso pegar mais um pedacinho?
— Filha, você já comeu três.
— O que eu posso fazer se eu sou uma ótima cozinheira?


As falsas risadas começaram seguidas de uma que vinha da sua própria sala de estar. Sabia bem que, ao falar isso, suas mãos iam direto para o seu quadril e um biquinho adorável surgia em sua boca. Ela conquistou a América com aquela pose.
Antes que o rapaz sentado em seu sofá sequer percebesse sua presença, a TV estava desligada. Assustado, ele finalmente deu de cara com os olhos nada amistosos da garota o encarando.
— Ei, boa tarde, bela adormecida! – disse simpático quando recuperado da surpresa inicial.
— Quem é você?
— Sabe que eu costumava odiar esse programa quando criança? – continuou, ignorando sua pergunta. – Minha mãe me obrigava a sentar e assistir por horas quando me comportava mal para ver se eu aprendia alguma coisa com a Lily. Agora até que é engraçado.
— Eu não me importo. Quem é você? – insistiu.
— Relaxa, sem estresse, garota. Eu sou amigo do , Jeffrey. Ele nos apresentou ontem, se lembra?
Ela não se lembrava. Na verdade, tudo que vinha depois dela começar a virar shots incansavelmente era um branco. Só o fato de ter chegado até a sua cama já a surpreendia.
— Então me faz um favor, Jeff. Diz para o que se um dos amiguinhos dele se achar no direito de ficar na minha casa depois do final de uma festa mais uma vez, eu proíbo a entrada dele também, tá legal?
O rapaz a encarou por alguns longos segundos, levemente perdido. Quando lhe caiu a ficha de que ela não estava nem um pouco feliz com a sua presença ali, sorriu constrangido.
— Claro, eu digo, sim, Lily...
Na sua cabeça pequena e sem noção, ele imaginou que a chamar pelo nome da personagem que interpretara durante mais da metade de sua vida seria uma maneira de quebrar o gelo. Ela não viu assim.
— Meu nome é , idiota. Sai da minha casa agora ou eu vou chamar o segurança! – disse entredentes, os punhos fechados de raiva.
— Não precisa, calma! Eu tô indo. – se levantou afobado, finalmente se tocando que o lugar mais seguro para ele naquela casa era o lado de fora. – Me desculpe, eu não pensei que fosse se importar, ontem você parecia tão... – ele continuava falando em seu caminho para fora, feito de costas para que pudesse vê-la enquanto era seguido até a porta. Um olhar de ira de quem estava chegando no seu limite e ele se calou, praticamente correndo para fora.
Eu não sou a Lily, repetiu algumas vezes para si mesmo enquanto encarava a porta fechada pela qual Jeffrey passara. Era ruim o suficiente que toda a mídia esperasse que ela fosse a irritantemente boazinha personagem para sempre, não precisava ouvir também de um estranho que nada somava à sua vida ou carreira.
Algumas respirações profundas depois, ela continuou seu caminho para a cozinha como se nada a tivesse interrompido. Estava se acostumando cada vez mais com situações estranhas daquele tipo.
Mesmo com a possibilidade do seu estômago acabar rejeitando comida, ela decidiu comer um pouco de cereal sentada sozinha em sua cozinha e encarando incansavelmente a parede vazia à sua frente. Estava entediada, mas também já estava acostumada com aquele sentimento. Sua vida não dava nenhuma volta empolgante há quase dois anos.
Estava buscando com a colher os últimos pedacinhos perdidos em seu iogurte quando seu celular começou a tocar. A foto da mãe, Sara, mostrando a língua apareceu na tela e ela gemeu de desânimo. Podia ignorar, mas já havia feito isso com as últimas cinco ligações e ela havia criado uma regra especial de não passar mais do que esse número de vezes sem atendar. Tinha que se esforçar para se manter na linha ou logo não estaria atendendo ligação nenhuma.
— Oi, mãe. – disse desanimada ao ver o rosto da mulher mais velha tomando conta de seu celular.
Oi, mãe. – a imitou, zombando. – Anime-se, ! São três horas da tarde, o dia está lindo, não vejo motivo algum para essa cara de quem acabou de voltar de um enterro. A garota revirou os olhos. Até o ânimo de sua mãe a tirava do sério ultimamente.
— O que você quer?
Só liguei para te lembrar de buscar a sua prima no aeroporto. Você sabe que horas o voo dela chega? – perguntou, optando por ignorar a grosseria da filha. Havia descoberto há algum tempo que essa era a melhor e menos estressante opção.
— Sim, e eu também soube na última, penúltima e antepenúltima ligação.
Fico feliz que pelo menos dessa vez você tenha realmente escutado o que te falei. – Sara respondeu. – Cuide bem da , ok? Ela está muito animada com essa viagem.
— Por que eu tenho que brincar de babá por duas semanas mesmo? Foi você quem convidou ela. – reclamou. Não tinha nada contra a prima mais nova, mas estava em uma fase de sua vida em que cuidar de outro ser humano era uma ideia extremamente ruim.
Ela está na final de um programa de ciências que acontece aí em Los Angeles, não convidar seria rude. Além do mais, eu acho que a presença dela aí só tem a somar para você.
— Fácil dizer quando se está a milhares de quilômetros de distância daqui...
E minhas férias aqui no Rio estão ótimas, muito obrigada por perguntar. – disse, forçando um sorriso para a filha. – Escuta, eu tenho que ir. Vou fazer algumas compras e o meu motorista chegou.
— Mã... – ela tentou falar, mas a voz de Sara se sobrepôs a sua.
Você vai conseguir. Não é o anjinho da América à toa, certo? Em uma semana, eu estou aí e te ajudo a entreter a . Beijinhos, se cuida.
— O que eu faço com ela?! – tentou dizer, mas já era tarde demais.
Aquilo era típico de sua mãe. Largar tudo em suas mãos enquanto curtia mais uma de suas eternas férias.
Quando seu programa foi cancelado, pouco mais de dois anos atrás, Sara decidiu fazer um tour pela Europa. Na época, ambas concordaram que era uma ótima ideia. Passara 12 anos cuidando incansavelmente da filha e sua carreira, merecia esse descanso. Agora, descansar era tudo que ela fazia, afinal de contas, é muito mais fácil lidar, ou ignorar, na maioria das vezes, com problemas quando se está bem longe deles.
suspirou, frustrada. Tinha que estar no aeroporto em meia hora e não sabia o que fazer quando a prima chegasse. Na última vez em que a viu, ainda tinha 14 anos, em uma viagem para Auburn, uma cidadezinha de cerca de 60 mil habitantes no interior do Alabama, lugar em que nasceu. tinha nove anos e as duas ficaram completamente grudadas durante três semanas, tempo em que ficou na casa da avó. De volta para LA, seguiu sua vida sempre ocupada demais para alguém tão nova e a amizade entre as primas desapareceu. Ela nem lembraria o rosto da garota se não fosse por uma foto enviada pela mãe alguns dias antes.
Depois de pensar por um tempo, decidiu que faria a prima seguir o seu ritmo e seria o suficiente. Ela vinha de uma cidade com menos de 100 mil habitantes, qualquer coisa em LA era mais empolgante do que aquilo.

Uma hora e meia depois, se encontrava em um dos bancos desconfortáveis do aeroporto, entediada e com uma coceira irritante no couro cabeludo, graças ao tempo extra usando boné. Foi-se a época em que sua presença em algum lugar era sinônimo de tumulto, mas ainda carregava consigo um pouco da fama da Lily, então, em dias em que não estava afim de atender ninguém, preferia não sair para lugares muito movimentados sem seu velho boné e óculos escuros, por mais clichê que fosse.
Olhou seu celular pela milésima vez, mas não tinha nada que já não tivesse fuçado lá. E nada do voo chegar. Colocou aquele atraso na sua lista de azares daquela semana. O tempo pareceu passar ainda mais devagar conforme seu tédio e desconforto crescia, e lá se foram quarenta minutos. O avião finalmente pousou quando ela já considerava ideia de ir embora e deixar que a garota simplesmente pegasse um táxi, afinal, já era bem grandinha. Naquela idade, fazia viagens internacionais sozinha.
Tinha que admitir que teve um pouco de dificuldade em reconhecer quando as pessoas começaram a sair. Mas, por sorte, a prima abriu um grande e caloroso sorriso quando a viu, mesmo com o péssimo disfarce, e andou em passos rápidos até ela.
— Ah, que saudade, ! – disse, jogando os braços para cima da prima mais velha em um abraço.
Aquela não era exatamente uma situação ideal para , mas a abraçou de volta e até abriu um sorriso. Não podia mentir dizendo que não era interessante que alguém estivesse animada de verdade por vê-la. , não Lily.
— Faz um tempo, ahn? – pode falar quando se afastaram.
— Mas tudo bem. Teremos tempo o suficiente para compensar por todo aquele afastamento. Eu quero saber tudo! Como vai a vida, a carreira, os namoros, ah! Aquele clipe que você estrelou, tão incrível! Eu assisti milhares de vezes, talvez mais. Pode perguntar para a minha mãe, ela resmunga só de ouvir o toquinho do começo. – a garota tagarelou.
deu um sorriso nervoso, só para não deixar aquela empolgação toda passar em branco. Se tinha uma coisa que ela não queria e não iria discutir tão cedo, era sua vida e tudo relacionado a ela.
— Vamos para o carro. – disse simplesmente, empurrando de leve as costas da prima para que seguisse em frente.
Fazia exatos cinco anos desde a última vez que vira pessoalmente. Tempo o suficiente para esquecer o quanto uma boca poderia falar em tão pouco tempo. Enquanto ela falava sem parar sobre seu trabalho de ciências, sua animação para ver a cidade, a mesmice do lugar em que vivia e outras mil coisas que conseguia trazer à tona, se pôs a pensar se ela também era irritante assim quando mais nova. Sempre fora muito inteligente e gostava de mostrar isso, o que podia ser legal para ela, mas não para quem ouvia. Ela provavelmente irritara muita gente em sua curta e produtiva vida. Tomou conforto no pensamento de que ser irritado pela estrela da sitcom de maior sucesso dos Estados Unidos durante os doze anos em que esteve no ar era algo suportável.
Quando chegaram em sua casa, a garota finalmente fechou a boca. Mas não por muito tempo.
— Uau! Isso aqui é incrível! – exclamou enquanto desciam do carro. – Aposto que tem uma piscina gigante lá no fundo.
— Tem uma quente também lá dentro.
— Jura?! Uau! – repetiu. Se seu corpo não estivesse tão desanimado e acabado com a ressaca da noite anterior, riria da cara de encanto da prima. – Uma vez, eu fui na casa de uma garota que mora em uma casa tão grande quanto essa. Foi divertido. Eu tinha uns dez anos, eu acho, e ela tinha de tudo naquele lugar, qualquer brinquedo já inventado, era incrível. Infelizmente nossa amizade não durou muito tempo. Ela era meio metida, sabe? Tudo bem ter pais ricos, que te dão tudo que você pedir, mas não precisa ficar falando disso o tempo todo e era tudo que ela fazia. Um dia ela ganhou uma boneca linda, não fazia nem uma semana que tinha sido lançada, e levou para a escola. Eu juro para você que ela esfregou o negócio na cara de cada aluno presente naquele colégio. No final do dia, alguém se irritou e destruiu ela. Não foi uma atitude legal, mas o que ela fazia também não era. De qualquer maneira, no dia seguinte ela já tinha uma outra novinha em folha. Então eu fui me afastando. Não gosto de pessoas assim, que pensam que o mundo gira ao seu redor. Isso está...
Pega de surpresa, se virou para a garota no exato momento em que ela fechou a boca. Não pensava que aquilo fosse acontecer tão cedo. Percebeu então que ela olhava ao seu redor, tão surpresa quanto. Inicialmente pensou que ela estava admirada com o interior da casa, até que chutou uma garrafa de leve. Foi como se tivesse acordado de um transe, pois só nesse momento se tocou que o lugar estava uma bagunça completa. Estava tão acostumada com as pós-festas que nem notava mais o impacto que tinha em sua decoração. Já a sua prima notava e muito bem.
— Ahn... Eu dei uma festa ontem, por isso a baderna. – se explicou, ainda que sentisse que não lhe devia satisfações.
— E todos foram embora sem te ajudar a limpar? – questionou, genuinamente preocupada e com pena da prima.
— Alguém vem limpar tudo amanhã, não se preocupe.
— Ah, ok.
Pelo menos aquilo serviu para calar a sua boca, pensou. Mas a garota ainda olhava a bagunça ao seu redor de cenho franzido, por isso decidiu leva-la até a cozinha. A situação lá também não era boa, mas qualquer coisa era melhor que a sua sala de estar.
— Então... Você come? – perguntou. Não era a melhor pessoa recebendo visitas, mas também não deixaria que passasse fome.
— Sim, regularmente. – respondeu com um sorriso.
— Certo. E está com fome?
— Não, eu comi no avião. E ainda é cedo para jantar.
segurou o comentário de que refeições em suas devidas horas não era uma realidade naquela casa. Por dentro, suspirou em alívio. Poderia apresentar todo o banquete congelado que as esperavam no refrigerador mais tarde.
— Tudo bem. Vem, vou te mostrar o quarto em que vai ficar. – disse, já se retirando e esperando que a garota a seguisse.
Passando pela sala novamente, elas subiram as escadas e entraram no cômodo ao lado do quarto de , o quarto de hóspedes. Aquele talvez fosse o único cômodo na casa inteira que estava perfeitamente arrumado, já que havia passado os últimos dias trancado. Não era ruim o suficiente para deixar a disposição dos casais sem noção que trepavam em qualquer superfície forte o suficiente (às vezes nem isso) pouco tempo antes de sua prima de 14 anos dormir ali. Suas palavras.
— Nossa, , é muito grande! Não precisava de tanto, sério. – e ainda que sua boca dissesse isso, a primeira coisa que fez foi se jogar na grande e confortável cama. – Ah, meu Deus! É tão gostosa! – disse enquanto abraçava o colchão.
O colchão da sua cama, aquela que havia deixado em Alabama, também era ótimo, mas aquele ali tinha um conforto especial, ainda que ela não soubesse dizer exatamente o que era.
— Que bom que gostou. – forçou um sorriso. Seu corpo pesava e tudo que queria era o seu próprio colchão. – Escuta, ... Eu não to me sentindo muito bem. Você se importa se eu ir me deitar um pouco?
a encarou na mesma hora de semblante preocupado.
— Claro que não! Precisa de alguma coisa?
— Não, não. Só descansar um pouquinho. Mas a casa é sua, pode fazer e mexer no que quiser. Se quiser ir na piscina, tudo bem. Eu não vou demorar muito. – disse e depois de receber um aceno em resposta, se retirou do quarto, indo direto para o seu.
Sua cama nunca lhe pareceu tão confortável... Nos últimos dois dias. Não tinha muita energia quando estava de ressaca e ultimamente isso vinha acontecendo com frequência. Tudo ficou bem quando ela deitou a cabeça em seu travesseiro, fechou os olhos e se permitiu compensar pelas poucas horas de sono que tivera.

, acorda... Ei, , , vamos, acorda...
Seu corpo tremia e ela não gostava disso. Nem seu estômago que protestava lhe dando um terrível mal estar. Por isso, ela se afastou da mão que a mexia, abrindo os olhos. Meia-horinha de sono era tudo que ela queria, mas não teria, aparentemente.
— Que é? – perguntou com a voz arrastada, tentando manter seus olhos abertos o suficiente para encarar o rosto conhecido de .
— Por que você tá dormindo, ? – ele questionou e não parecia nada feliz.
— Porque eu dei uma festa noite passada e ela acabou no meio da manhã e eu tive que buscar minha prima e não pude dormir muito... – resmungou.
— Sabia que a sua prima está sentada na sala assistindo TV completamente sozinha na sua primeira noite em Los Angeles?!
— Fala baixo, . Meus ouvidos estão funcionando muito bem. – suspirou, puxando seu corpo para que ficasse pelo menos um pouco sentada no meio de seus travesseiros. – Ela ficou sozinha por 20 minutos, nossa, grande coisa.
— São nove horas da noite, . – ele lhe avisou com a voz de quem estava prestes a começar um sermão que ela teria todo o prazer de ignorar.
Buscou o relógio em sua cabeceira apenas para confirmar que ele estava certo. E isso significava que havia deixado a garota zanzando pela casa sozinha por cerca de três horas. Não se sentiu mal. Era uma casa e tanto, ela tinha muito o que fazer, com ou sem ao seu lado.
— Bom, o que eu posso fazer? Eu estava de ressaca e precisava dormir porque a festa acabou muito tarde. Você saberia se não tivesse ido embora com aquela garota. – o provocou, mesmo sabendo que comentários do tipo o tiravam do sério.
— Eu não fui embora, esperta. Quem você acha que te trouxe aqui para cima quando você não aguentava mais nem andar?
Ela pensou por um momento. Não se lembrava de muita coisa, mas ele ser o responsável pelo seu estado quase intacto no fim do dia era algo comum.
— Ah... Faz sentido. – concluiu. – O que aconteceu com a garota, então? Pareciam estar se divertindo.
Preferiu não acrescentar o “no começo da festa” e deixar óbvio o borrão que a coisa toda virou em sua cabeça a partir das três da manhã. Tudo bem que ele esteve lá para presenciar cada uma das coisas embaraçosas que ela provavelmente fez, mas não precisava cruzar aquela linha.
— Nós vamos sair semana que vem. – ele respondeu e revirou os olhos. Mais uma que não duraria uma semana. – Não desvia do assunto. Você deixou a sua prima sozinha esse tempo todo dois segundos depois dela chegar de uma viagem cansativa, isso não está certo. A garota atravessou os Estados Unidos para estar aqui, pelo amor de Deus! E o pior de tudo é que ela está lá, realmente preocupada com você.
— Ah, que fofa. Ela já pode ser o novo anjinho da América, então... Eu não me importaria. – comentou amarga.
suspirou, balançando a cabeça, o que fez com que se sentisse um pouco mal. Ainda que fosse boa naquilo, não queria aborrecê-lo. Não muito, pelo menos, pois tinha medo que ele decidisse se afastar também e não saberia lidar com aquilo. Mas tudo que a lembrava do programa cancelado a tirava do sério e ultimamente qualquer coisa parecia levar sua mente direto para Lily’s World. Ela arrastou sua mão pelo colchão até chegar na dele e apertou de leve. Eles trocaram um olhar rápido, mas que ambos entenderam muito bem. Estava na hora de levantar.
— Tome um banho rápido, eu vou levar vocês para jantar. – ele disse e assentiu, procurando forças para se levantar.
Quando chegou na porta do banheiro, se virou de volta para o amigo.
— Ei, dê limites para os seus amigos. Eu encontrei um deles sentado na sala de estar assistindo televisão de tarde.
— Quem? – questionou, curioso.
— Jeffrey. – ela respondeu e sua expressão mudou da curiosidade para confusão.
— Jeffrey não é meu amigo... Na verdade, eu conversei só uma vez com ele, pouco antes de você chegar e eu apresentar vocês dois. Nós não somos nem colegas, nunca havia visto o cara antes. – explicou, preocupado com a situação.
viu sua cara e se arrependeu de ter trazido o assunto à tona. Conhecia o suficiente para saber que ele ficaria remoendo aquilo por dias, sempre tornando as coisas mais complicadas do que realmente são.
— Nós temos que começar filtrar melhor quem vem para essas festas... – murmurou, dando as costas a ele e finalmente entrando no banheiro.

— Tá gostando da comida, ? – perguntou e ela não demorou para assentir, animada mesmo depois das horas que passou entediada, assistindo televisão.
— Muito! Eu amo espaguete.
Enquanto tentava cortar sua almôndega com o garfo, se perguntou se existia alguma coisa naquele mundo que não amasse.
— Que bom. A me falou que você é a finalista de um programa de ciências... Meus parabéns!
— Ah, eu sou a finalista junto com mais cem estudantes dos Estados Unidos inteiro, não é grande coisa.
— Você fica super animada com um colchão e acha que ser a finalista de algo do tipo não é grande coisa? – questionou, surpresa. – É claro que é grande coisa, ... É gigantesco.
Sua intenção não era ser legal ou incentivar ninguém, só dizer o óbvio. Por isso, no segundo seguinte já voltava a se concentrar na sua comida, o que impediu que ela visse os olhos brilhantes de felicidade de sua prima em sua direção ou o sorriso leve de em sua direção. Para , ouvir aquelas palavras vindo de , sua inspiração de dedicação e responsabilidade, significa o mundo.
— Ela está certa, . Quando é a final? – ele perguntou.
— No próximo sábado. Eu vim mais cedo para conhecer um pouco a cidade.
— Legal. LA é uma cidade incrível, eu tenho certeza que a vai te levar em uns lugares bem legais, certo?
E na última palavra, ele se virou para ela e a cutucou com o cotovelo, chamando sua atenção.
— É claro. – respondeu, esboçando um sorriso.
No fundo, ainda queria matar sua mãe por isso. Já havia visto tudo o que tinha para ver em Los Angeles mil vezes e agora bateria o recorde das mil e uma. A cidade deixa de ser tão interessante quando você cresce nela, era o que ela gostava de acreditar. Mas, na verdade, a cidade só deixou de ser interessante quando sua vida, sempre planejada aos detalhes, começou a desandar.
e conversaram durante todo o jantar. Ela falou um pouco sobre o seu projeto, algo sustentável, pelo pouco que prestou atenção. Estava ocupada pensando no quanto as coisas haviam mudado. Seu amigo costumava ser o tímido, aquele que ouvia os outros falarem do seu canto, apenas observando tudo, e agora ela observava ele carregar uma conversa inteira. É claro que sua prima fazia daquilo fácil. Tudo a animava e a fazia falar por vários minutos seguidos enquanto ele assentia e ria de sua agitação.
ficava calada e de mau humor na maior parte do tempo. Exceto quando estava bêbada, aí sim se permitia esquecer de tudo que a segurava para trás e se divertir. Por algum motivo, não era algo que conseguia fazer sóbria. Sentia como se tivesse sempre uma nuvem acima da sua cabeça, de preocupação, ansiedade, cansaço, acusações e tudo de pior que uma pessoa poderia carregar consigo. Chegara ao ponto de sentir pena de si mesma e não achava que poderia ser mais patética do que isso.
Depois do jantar, as deixou em casa. estava finalmente cansada e decidiu ir direto para a cama, deixando sozinha dessa vez. Não era um problema para ela, que já estava acostumada. Dormir não era uma opção, então ficou assistindo algum filme qualquer enquanto digitava incansavelmente no celular. Arrumou um compromisso para o dia seguinte e levaria sua priminha consigo. Ela queria conhecer Los Angeles, que começassem pela parte indispensável então.

— Você vai em muitas festas lá em Auburn? – perguntou enquanto ajeitava seu batom no espelho do carro.
Estavam paradas em frente a casa de seu conhecido que dava a festa. Dali elas já podiam ouvir o som alto tocar algum tipo de hip hop.
— Vou sim. – respondeu, mas seu tom não era confiante. Sua prima mais velha esperou em silêncio pela confissão que não demorou a vir. – Na verdade, não. Bom, eu vou nos aniversários das minhas amigas, mas nada se compara a isso aqui. – disse, olhando ansiosa para a casa de onde vinha todo o barulho.
— Você vai gostar. – afirmou, saindo do carro.
a seguiu de perto, com medo do que encontraria do lado de dentro. A música foi aumentando conforme elas se aproximavam da porta aberta e sua tensão subiu junto. Aquele não era seu tipo de ambiente. Uma sala de aula, um laboratório, até seu cantinho de estudos em seu quarto, esses sim eram seus lugares. Estava desconfortável. Ao entrar, enquanto sorria com a possibilidade de beber, talvez fazer outras coisas que a prima provavelmente desaprovaria e esquecer toda a bagunça em que se encontrava – e falava de sua vida, não da festa –, a adolescente se encolhia e desejava não estar ali. É claro que não diria aquilo em voz alta. A garota ao seu lado parecia estar feliz no meio daquele monte de gente suada dançando extremamente mal, isso quando não estavam agarrando uns aos outros em qualquer canto, e aquele era o primeiro sorriso genuinamente alegre que via em seu rosto desde o dia anterior. Não queria estragar aquilo.
Então seguiu a tiracolo , que cumprimentava ou acenava para quase todos aqueles por quem passava. Ela era conhecida ali, e não por ter sido o anjinho da América, mas por tornar qualquer festa um evento memorável com a sua presença. No momento, aquilo bastava.
— Você quer beber alguma coisa? – gritou por causa da música alta para a menina agarrada ao seu braço esquerdo.
— Você acha que tem algum suco ou refrigerante por aqui?
— Tem suco, com certeza, só não acho que você gostaria... Da marca. – disse, segurando uma risada. não entendeu a piada. – Eu vou ver se consigo um refrigerante para você, tudo bem? Espere aqui.
Antes que ela pudesse protestar e dizer que não se importaria de passar por aquela gente toda junto com ela, se enfiou no meio das pessoas e percebeu que se importava sim. Especialmente aquelas pessoas, que já pareciam bêbadas o suficiente para abraçar desconhecidos como se fossem amigos de infância.
Deu alguns passos para trás até sentir suas costas baterem contra uma parede. Sempre fazer o melhor de qualquer situação, ela repetiu para si diversas vezes. Parou apenas quando teve coragem de finalmente sorrir para alguém que passou a encarando. Um sorriso forçado, bem parecido com os que vinha recebendo da prima, mas ela pensou nele como um grande avanço.
Enquanto esperava, se perguntou se estava ali. Gostava do rapaz. Na noite anterior, quando ele entrou do nada na casa de sem nem mesmo bater, ela se assustou e, por poucos segundos, considerou a ideia de sair correndo, mas depois ficou feliz com a sua lerdeza. Ele se apresentou e ambos conversaram por um bom tempo antes dele subir e verificar se a amiga estava bem. Confiava na prima, na maioria das vezes mais do que ela merecia, mas se sentiria melhor com a presença dele, que parecia ter uma boa influência nela.
Os minutos foram passando e ela continuou ali, encostada, sozinha. Até os sorrisos que começara a distribuir, numa tentativa de fingir que estava tudo bem ali, desapareceram com o passar do tempo. Diversas vezes tivera o impulso de sair procurando por , mas desistiu em todas elas, com medo de que ela voltasse e não a encontrasse ali. Seu desconforto foi crescendo tanto que em um ponto sentiu a necessidade de abraçar seu próprio corpo e encarar o chão, tentando pensar em coisas boas que tirassem a cabeça dela do quanto não gostaria de estar ali, naquela situação.
Tempo demais depois, ela sentiu uma mão em seu ombro e suspirou aliviada, sentimento que logo passou ao erguer a cabeça e encontrar um rosto feminino completamente estranho para ela.
— Ei, tá tudo bem? – a morena perguntou e seu sorriso aberto demais fez imaginar que ela já bebera um bom tanto. — Tá passando mal? Quer vomitar? – continuou quando uma resposta não veio imediatamente.
— N-não, eu tô bem. Só to esperando minha prima. – disse e a garota assentiu, parecendo levemente surpresa.
— E eu a conheço? Talvez a tenha visto por aí.
— Provavelmente. Foster.
Na mesma hora, seus olhos se iluminaram em reconhecimento.
— Você é prima da ?! – assentiu. – Uau, isso deve ser divertido. Vem, ela está aqui.
E antes que pudesse dizer alguma coisa, foi puxada pela mão pela desconhecida. Se enfiaram no meio das pessoas, inclusive um casal que foi forçado a se separar por alguns segundos e ninguém ficou alegre. Ficou feliz quando finalmente chegaram em seu objetivo final, o que parecia ser uma sala de estar, principalmente por causa dos sofás aos cantos. se encontrava em cima de um deles, de pé, dançando com uma amiga.
, encontrei sua prima perdida! – a garota sem nome gritou e, apesar da música alta, foi ouvida por , que se virou para elas.
— Ah, meu Deus, ! – exclamou, descendo do sofá e indo rapidamente em direção a menina. – Eu esqueci de você! A minha música preferida começou a tocar e aí vieram outras e outras e... Bem, você sabe.
Na verdade, não sabia.
— Tudo bem, acontece. – murmurou com um sorriso desajeitado. Tinha 14 anos, era de se esperar que sua prima não tivesse e não quisesse bancar sua babá.
— Mas eu peguei seu refrigerante! – afirmou animada. – Eu só preciso achar...
olhou ao redor, para as pessoas, os poucos móveis que haviam deixado ali e até o chão, mas não encontrou nada além de garrafas e copos vazios e amassados. Ela se virou novamente para a prima mais nova com um olhar triste.
— Não tem problema, eu nem estava com sede mesmo... – mentiu.
Era a primeira vez que via a estrela a sua frente parentando real felicidade, não poderia estragar aquilo de jeito nenhum. Continuou repetindo esse pensamento pelas duas horas seguintes. Não atrapalhar, não estragar tudo, não atrapalhar, não estragar tudo. Afinal de contas, era só uma visita. Não poderia pedir que deixasse de fazer suas coisas por causa dela. Por isso, ela encontrou um canto vazio naquela sala e ficou quieta. Em suas idas e vindas pela casa, logo a prima a esqueceu novamente.
a observou virar copo de cerveja atrás de copo de cerveja, além dos pequenos shots que apareciam de vez em quando. Ela notou quando sumiu por um tempo maior e voltou coçando o nariz, como se tivesse tendo uma crise de rinite. Viu também ela se agarrar com dois ou três caras aleatórios por alguns minutos antes de dispensa-los para voltar a dançar. Duas horas depois, dançar já não era uma palavra boa o suficiente para descrever o que acontecia, talvez rodar por aí caindo para os lados fizesse um trabalho melhor. A adolescente se sentiu tentada a ir ajudar milhares de vezes, mas, como sempre, desistira, vendo que haviam muitas pessoas ao redor da garota e se convencendo de que ela sabia o que fazer, pois devia estar acostumada com lugares e situações como aquela.
Estava com sono. As pessoas ao seu redor pareciam cada vez mais bêbadas. Algumas já dormiam no chão ou estavam desmaiadas, era difícil dizer. Os casais começavam a ficar ainda mais “soltos” e já via cenas que não gostaria, ou estaria entrando em algum site pornô. Contava os minutos para ir para casa, mas ainda que mal se aguentasse em pé sem usar algum corpo de encosto, não parecia nem um pouco menos animada. Não gostava muito de vê-la assim, mas sabia que aquilo era uma coisa pela qual quase todo mundo passava um dia. Talvez sua vez de beber até cair chegasse logo. Ela só não sabia, ainda, que aquilo havia se tornado uma rotina para a prima.
Tirou seu celular do bolso e ficou encarando-o. Não sabia se seria uma boa ideia fazer o que pretendia, mas seu desconforto estava crescendo de uma maneira que ficar naquele ambiente, com aquelas pessoas e aquela bagunça, a sufocava. Precisava se distrair. havia lhe dado seu número por um motivo, certo? Talvez ele já estivesse prevendo uma situação como aquela quando o fez. Então mesmo sem ter certeza de que aquele era o movimento certo, ela apertou o botão que deu início a ligação.
Milhares de toques depois, do seu ponto de vista, quando ela já estava prestes a desistir, uma voz rouca de sono resmungou um “alô”.
?
— Sim, quem é?
Ela se encolheu em seu canto, envergonhada. Ele não parecia feliz por ter sido acordado. Ela entendia, afinal, já passava das três da manhã. Ela mesma gostaria muito de estar na cama extremamente confortável da casa da prima.
— É a . – respondeu, alto o suficiente para que ele a ouvisse.
?! Onde você tá? – questionou pela música alta que ouvia ao fundo.
— Ahn... Numa festa. Eu não sei exatamente onde. – olhou rapidamente ao redor. – As paredes tem uma cor engraçada.
— São roxas?
— Sim! – exclamou, animada. Já estava se divertindo mais do que um minuto antes. – Como você sabe?
— Escuta, : vai para o lado de fora da casa. – mandou, ignorando sua pergunta. – Eu tô indo aí.
A garota franziu o cenho, confusa.
— Como?
— Para fora, . – ele repetiu, impaciente. – Eu vou desligar. Faz o que eu pedi, por favor. Chego aí em dez minutos.
O próximo som que ouviu foi da ligação sendo desligada. ficou encarando o celular em sua mão mais uma vez, dessa vez mais confusa ainda. Aquilo não era o que tinha em mente.
Sabia que mesmo que saísse correndo dali, ninguém notaria, mas ainda assim teve o cuidado de se retirar lentamente do cômodo e se enfiar entre as pessoas até estar do lado de fora. Lhe surpreendia como, ao invés da quantidade de pessoas diminuir, parecia aumentar constantemente.
Respirou bem fundo quando pisou na calçada, aliviada pelo cheiro de cigarro não chegar até ali. Andou até o meio fio, sentindo seus ouvidos pulsarem por finalmente se livrar da música estridente. Se sentou ali mesmo, abraçando os próprios joelhos. Estava frio agora e se esquecera de carregar um casaco consigo. Sua mãe reprovaria aquela atitude. Havia ensinado a ela sempre carregar um casaco consigo, por mais fino que seja.
Não demorou para que um carro de última geração chegasse numa velocidade que não gostava muito e estacionasse do outro lado da rua. saiu dele marchando, de expressão zangada.
— Ei! – ela o cumprimentou, alegre por ele finalmente estar ali, mas ainda confusa por aquilo. – Tá tudo bem?
, me espera no carro, tá bom? Eu vou buscar a . – disse rapidamente ao se aproximar dela, lhe entregando as chaves.
Ela assentiu e obedeceu, odiando que ele continuasse a ignorar suas perguntas. Se sentou no banco da frente, imaginando que, com a quantidade de bebida que vira a prima ingerir naquela noite, as chances dela ir deitada no banco de trás eram grandes. Percebeu que estava mais do que certa quando apareceu novamente, saindo pela porta carregando nos ombros. Ela ria e batia nas costas, bunda e coxas dele, achando aquilo a coisa mais engraçada do mundo. Ele não parecia compartilhar daquela opinião.
Quando a colocou com cuidado no banco de trás, ele fechou a porta e entrou no lado do motorista, estendendo a mão para que lhe desse as chaves.
! Você está aqui! – gritou, apesar de não ter a necessidade. – Como você fez isso? Estava lá dentro há um segundo. Você é mágica? – perguntou e logo se pôs a rir da própria pergunta.
A menina não se aguentou e acabou rindo também da situação. Não gostava de ver a prima daquela maneira, mas ela com certeza tinha uma risada contagiante.
— É, acho que sou.

entrou no quarto de hóspedes suspirando, encontrando sentada no meio de sua cama, já de pijamas e banho tomado.
— Pronto. Ela vomitou um pouco, mas finalmente dormiu. – disse, indo até a poltrona mais próxima, onde se jogou.
— Nós não devíamos dar um banho nela?
— Tudo bem, eu já fiz isso. – ele disse tranquilamente, mas a garota o encarou em choque.
— Você deu banho nela?! – questionou.
Ele riu de leve, balançando a cabeça.
— Eu continuo esquecendo que você só tem 14 anos e vem de uma cidade muito pequena... – murmurou. – Eu já fiz isso milhares de vezes, não se preocupe. E ela já me deu muitos banhos também.
assentiu, ainda achando aquilo estranho. Eram de sexos diferentes e pessoas de sexos diferentes não davam banhos umas às outras. A não ser...
— Vocês estão juntos? – perguntou de repente e dessa vez foi o único em choque ali.
— Não! Somos só amigos, por que?
— Porque vocês se dão banho, oras! – respondeu, como se aquilo fosse muito óbvio.
— Nós fazemos isso porque nos importamos um com o outro, ... Cuidamos um do outro, só isso.
Ela o observou por alguns segundos e teve certeza absoluta que não era “só isso”, mas não passou muito tempo remoendo aquilo. Tinha perguntas demais para fazer.
— Ok. Então... Ela sempre bebe assim?
Ele a encarou por alguns segundos. Não sabia se queria entrar naquele assunto e ela percebeu sua hesitação. Mas não deixaria ele fugir dessa vez, queria muito saber. Aquela era sua prima preferida no mundo, mesmo que não se vissem há algum tempo, e queria saber tudo sobre ela, seja bom ou ruim.
— Agora sim, mas as coisas eram diferentes antes. – ele respondeu finalmente.
— Antes quando?
— Antes de Lily’s World ser cancelado. Você sabe, aquele show era toda a vida dela, então o impacto do cancelamento foi grande. Não que ela admita isso com frequência, mas...
se lembrava do orgulho no olhar de ao falar de seu programa de TV. Ela passava horas falando sobre seus colegas de cena, as situações engraçadas dos bastidores, os eventos e entrevistas, dava alguns spoilers dos episódios por vir... Escutava tudo aquilo com atenção, sem se cansar, pois era um mundo tão diferente daquele que vivia em sua pequena cidade. A vida da prima mais velha a encantava.
— É, o coração de muita gente foi partido quando acabou... – murmurou, pensativa.
— Eu pensei que a sua presença aqui melhoraria um pouco as coisas, sabe? Não imaginei que ela teria coragem de te arrastar para uma dessas festas. Acho que eu estava errado. – admitiu, cabisbaixo.
— Como eu poderia ajudar?
— Só sendo você. A era muito parecida com você quando tinha a sua idade. Sempre curiosa e animada pelo que estava por vir. Quando eu te conheci ontem, fiquei até surpreso e me permiti esperar que ela também se veria em você.
encolheu os ombros.
— Me desculpe.
— Não é sua culpa.
— Eu posso te prometer que nada que ela faça vai fazer com que eu desanime, se isso ajudar. – disse e ele abriu um sorriso em resposta.
— Isso seria ótimo.
Ela não acreditava que seria algo muito difícil. Talvez precisasse levar sua positividade para um novo e muito mais alto nível, mas isso não seria problema algum. Estava feliz por poder ajudar de alguma maneira.
— Vai dormir, . – disse, se levantando. – Eu também vou.
— Na sua casa? – questionou, com um pouco de medo da resposta ser sim. Precisava dele ali. Não saberia o que fazer na manhã seguinte, pois lidar com alguém naquele estado não estava em seu currículo.
— No quarto de hóspedes aqui do lado.
— Ah... Ok. – sorriu aliviada. – Boa noite.
— Boa noite.

Você sabe que entrou em tédio profundo quando o tic tac do relógio somado ao som de seu coração começam a formar certo ritmo. suspirou, virando de barriga para cima em seu sofá. estava jogada no outro, provavelmente na mesma situação que ela. Haviam voltado da calçada da fama há algumas horas e, depois de comerem uma quantidade absurda e nada saudável de comida congelada, a garota finalmente se acalmou e deu a a oportunidade de parar também. Continuava se surpreendendo com toda aquela energia e entusiasmo, e também com o fato de que, mesmo depois da festa de dois dias antes, ainda recebia o mesmo olhar encantado de sempre. Não se sentia tão mal pelo que fez nem nada, mesmo depois da bronca gigantesca que levou de , mas sabia que havia a colocado em uma situação ruim.
Apesar da sensação de seu corpo estar afundando cada vez mais o sofá, estava confortável. Sempre achara o silêncio confortável algo superestimado, mas descobrira ali que existia e era realmente bom. não era uma pessoa difícil de agradar, afinal de contas, e só estar ali com uma das pessoas que mais admirava no mundo era o suficiente para estar feliz.
As batidas firmes na porta da frente em meio a tanto silêncio fez com que ambas pulassem em seus lugares. resmungou, desanimada demais para andar todo o caminho até lá. Felizmente, quando menos esperava, a adolescente ao lado já se levantava para ir no seu lugar. Sabia que era seu porteiro/segurança, a única pessoa em sua vida que ainda tinha a educação de bater na porta.
Ouviu alguns múrmuros desconexos e logo sua prima estava de volta com um grande e cheio envelope marrom na mão. Quando viu, sentiu uma mistura de felicidade com medo. O medo falou mais alto naquele momento.
— É pra você. – disse, lhe estendendo o pacote.
— Pode colocar ali dentro. – disse, apontando para o compartimento abaixo do suporte de TV.
— Não vai abrir?
— Eu já sei o que é. – respondeu simplesmente.
ia fazer o que ela pediu, mas foi pega de surpresa quando abriu o lugar e viu algumas dezenas de envelopes idênticos àquele em sua mão. A maior parte deles estavam empoeirados pelo tempo e já abertos, apenas os dois últimos, por cima, continuavam lacrados do mesmo jeitinho em que chegaram ali.
— Nossa, o que é isso? – perguntou, se abaixando para olhar mais de perto tamanha sua curiosidade.
olhou a cena e revirou os olhos. Com certeza não precisava daquilo naquele momento.
— Não é nada, . Guarda isso aí e deixa quieto.
— Mas tem alguns aqui sem abrir! O que são?
— Roteiros. – respondeu, suspirando. A prima se virou para ela com encanto e brilho no olhar e ela fez questão de acabar com a festa. – Não me olha assim. Já falei para deixar isso quieto.
Mesmo com a ordem, seus olhos cresceram mais e mais em expectativa. Nunca havia visto um roteiro assim, em mãos, e não gostaria de desperdiçar aquela oportunidade.
— Deixa eu ver, por favor. – pediu. estava pronta para dizer um alto e claro não, mas não teve a oportunidade. – Por favor, por favor, por favor, por favor, por favor...
E ela continuou repetindo até que a garota jogada no sofá se deu por vencida.
— Deus! Quando você ficou tão irritante? – o comentário não abalou nem um pouco. Muito ao contrário... Ela abriu nos lábios um sorriso vencedor antes de se virar para o pequeno monte de roteiros a sua frente. – Ei, me espera! Acho que já tá na hora de abrir os novos mesmo. Quem sabe...
se juntou a prima mais nova. Não conseguiu reprimir a esperança de que tivesse algo bom ali, mas também não mostrou aquilo para a garota.
— Posso abrir esse? – perguntou, animada, segurando o que havia acabado de chegar.
Antes que recebesse uma resposta, o envelope já estava sendo rasgado por suas mãos. Seu entusiasmo era tanto que não percebia a aflição da outra ao seu lado, na expectativa do que encontrariam do lado de dentro. Não recebia muitas propostas para novos trabalhos desde que sua série fora cancelada. A pilha pequena de roteiros recebidos em mais de dois anos denunciava isso. Há algum tempo começara a acumular por duas ou três semanas antes de abrir, assim tinha a impressão de que recebera mais do que a realidade.
Quando tudo estava devidamente desembrulhado, não pode se conter e roubou os papeis da mão da prima. Passou direto pela capa simples apenas com o nome do projeto e procurou pela ficha técnica. Aquela era a parte que lhe interessava. Um minutos depois, ela suspirou de desânimo e o devolveu bruscamente a mesinha de centro.
— Que ótimo.
— O que foi? – perguntou, olhando na mesma página que ela havia olhado na procura de algo errado. Não encontrou nada.
— É independente. – respondeu, procurando o próximo guardado há alguns dias.
— E qual é o problema? Têm muitos filmes independentes ótimos por aí.
— Olha o orçamento, . Nenhum filme bom pode ser produzido com tão pouco dinheiro. Além do mais, se fosse um filme independente com boas promessas, Jennifer Lawrence ou Kristen Stewart teriam recebido esse roteiro, não eu.
se sentiu mal ao perceber que a prima pensava assim. Era uma ótima atriz, não tinha por que receber propostas tão ruins.
Sendo observada pela já não tão animada , olhou os outros dois. Eram mais do mesmo tipo que ela sempre recebia e estava cansada daquilo. Em silêncio, juntou todos aqueles papeis e os enfiou de volta no compartimento de qualquer jeito, sem nem mesmo dar uma oportunidade para a outra de lê-los.
— Isso foi uma péssima ideia. – disse, levantando e voltando a se jogar no sofá onde estava minutos antes.
Não é como se estivessem dando pulinhos de felicidade juntas, mas comer mais do que seus estômagos aguentavam e fingir de mortas no sofá enquanto assistiam o programa mais chato do universo havia sido a coisa mais próxima e confortável que fizeram juntas desde que chegou. Mas era tarde demais agora. já se sentia um completo fracasso, como em todas as vezes que decidia dar uma olhada nas propostas de trabalho que recebia, ou quando se lembrava de que não recebia nada novo há um tempo, ou quando percebia que nem mesmo os sites de fofoca já se interessavam pelas suas saídas de clubes noturnos caindo de bêbada.
— Qual o problema das outras? – perguntou.
— Só mais garotas doces e boazinhas, levemente desastradas, que fazem tudo pelos outros, acabam se ferrando eventualmente, mas no final dá tudo certo. Eu já interpretei uma Lily por 12 anos, não preciso de mais dez.
— Mas todos amavam a Lily...
— A Lily cresceu, ! E eu também. Não posso interpretar a mesma personagem pelo resto da minha vida.
Sabia que deixara a um bom tempo de ser o anjinho da América. E estava feliz por isso. Foi bom enquanto durou, mas não queria carregar aquele fardo para sempre. Só desejava que a indústria a permitisse mostrar que poderia fazer muito mais do que aquilo.
— Eu entendo, mas se isso é tudo o que você tem no momento, por que não aceitar?
— Porque são becos sem saída, oras! São enredos fadados ao fracasso e todos sabem disso a não ser os escritores, aparentemente. Você acha que Lily’s World foi cancelada por que, afinal? Não tem mais público! Não é à toa que metade desses roteiros que você viu ali não saíram do papel. Eu não sei nem por que estou me dando o trabalho de tentar te explicar isso, você não entende! – e, em sua cabeça, ninguém mais entendia o seu desespero ao ver sua carreira escorregar pelos seus dedos e desaparecer. – Eu vou me deitar. – afirmou, se levantando e marchando escadas acima para o seu quarto.
suspirou, extremamente frustrada. Pensou que ficaria decepcionado com ela. Havia prometido tentar ajudar a prima e tudo que fizera foi deixa-la furiosa e triste. Não sabia que ver os roteiros seria uma ideia tão ruim, mas talvez devesse ter imaginado. Deixou sua animação falar mais alto e, em poucos minutos, apagou completamente o pequeno avanço que haviam dado. Mas não desistiria ainda. Tinha quase duas semanas naquela cidade e faria muito bom uso de seu tempo.

Estava quente. Quente o suficiente para que o grande copo de refrigerante aguado graças a todo o gelo derretido na mão de não aliviasse em nada aquela sensação de estar sendo queimada viva. Ela observava sempre surpresa e Sadie, irmã de , andarem animadas por aquele zoológico enquanto mal tinha forças para se arrastar. Tanto que correra para se sentar em um banquinho que acabara de ficar vago e, por sorte, ali tinha uma bela e grande sombra. O amigo a seguiu na mesma hora, tomando um pouco do espaço para si, e continuaram observando de longe.
— Elas parecem estar se dando bem. – ele disse e assentiu.
— Obrigada por me emprestar a sua irmã por algumas horas. A minha lista de coisas para fazer com a tá acabando.
Fazia quase uma semana que a prima estava hospedada em sua casa e já haviam visitado todo e qualquer canto turístico daquela cidade.
— Eu não sei por que você fica levando a garota para lá e para cá quando sabe que ela ficaria igualmente feliz com um brigadeiro e uma boa conversa entre primas.
Ele estava certo, ela sabia daquilo. Mas da última vez que pararam para conversar por um tempinho, explodiu e brigou com sem motivo algum. Por mais que odiasse admitir, se sentiu péssima depois e continuava se sentindo, pois nem desculpas havia pedido. Sendo assim, preferia continuar do jeito que estava.
— Estamos bem assim. – disse.
discordava, mas preferiu se manter calado. Sabia o quanto a amiga era teimosa e, dependendo de seu humor, até gostava de ficar discutindo com ela, mas aquele não era o dia.
Sob o atento olhar dos mais velhos, e Sadie se encontravam agora no espaço dos jacarés, olhando admiradas o funcionário do local alimentá-los. Cada vez que um novo animal fechava a boca para mastigar, elas riam e batiam palmas. Era a primeira vez de em um zoológico, então, para ela, a situação era bem mais fascinante.
Por isso, ela não percebeu que a olhava com a mesma fascinação. Ainda que a irritasse às vezes, admirava o constante sorriso no rosto, a energia inacabável, a animação com as situações mais simples, a inteligência por trás de todas aquelas coisas, admirava tudo. Talvez o fato de estar passando tempo demais com a garota estivesse afetando o seu cérebro, mas não conseguia vê-la como uma garota normal de 14 anos. Alguma coisa em parecia brilhar.
— Quando eu perdi isso? – perguntou de repente, pegando o amigo de surpresa.
— O que?
— Isso. – apontou para as garotas que riam e pulavam de entusiasmo. – Quando eu perdi?
suspirou, passando os braços ao redor de seus ombros.
— Tá por aí, . Você só precisa encontrar de novo.
— Como? – questionou, ainda olhando distraidamente para as duas garotas alguns metros à frente.
— Talvez devesse começar com a sua prima. Para de tentar fazer o tempo passar rápido para ela ir embora logo e aproveite o tempo que tem com ela aqui, que tal?
encolheu os ombros. Sabia que poderia fazer aquilo, mas não queria fazer aquilo. Acima de tudo, estava cansada de se sentir para baixo o tempo todo, então pensou que talvez, mas só talvez, aquela ideia não fosse tão ruim assim.
— Talvez eu tente, então...

‘Cause nobody seems to ask about me anymore.

And nobody ever cares ‘bout anything I think.

Nobody seems to recognize me in the crowd.

In the background screaming: “Everybody, look at me!”

— Ah, meus Deus, você não estava exagerando! – exclamou, chocada depois de ler a sinopse do roteiro a sua frente. – Isso aqui é Lily’s World 2.0, não é possível. Nós não temos algumas leis contra plágio ou algo do tipo?
riu, assentindo.
— Bom, nunca chegou a ser lançado, então...
— E esse outro aqui não faz sentido algum! Eu não quero nem imaginar o que se passa na cabeça de quem escreveu, para ser sincera...
— Surpreendentemente, esse foi lançado ano passado. – informou, chocando a prima mais uma vez. – Direto em DVDs, é claro.
— Se quer saber, agora eu me sinto muito orgulhosa por você não ter aceitado esses projetos. Alguns são de dar medo.
Estavam sentadas no meio de uma bagunça de roteiros há algumas horas, olhando um por um. Não para ver se algum era bom – até porque já era tarde demais para aceitar a maioria deles –, mas porque decidira que estava cansada de olhar para aqueles meros pedaços de papeis, que não diziam absolutamente nada sobre ela, e se sentir para baixo. Imaginou que deixar avalia-los a daria uma boa lembrança sobre eles e estava certa. A reação da garota para algumas daquelas histórias eram hilárias.
— Eu deixei o melhor para o final. – anunciou, tirando de trás de seu corpo o último envelope parcialmente intacto.
estendeu os braços para pega-lo na mesma hora e seus olhos brilhavam de ansiedade pelo que estava por vir. Assistia tantos filmes bons por aí que nunca tinha parado para pensar naqueles que nunca chegavam aos cinemas. Vira algumas coisas bem vergonhosas naquele monte de papeis, era bom que aquele último a impressionasse.
Depois de alguns roteiros, aprendera com a ir diretamente para a ficha técnica. Seus olhos saltaram logo na sinopse.
Garota loira e sexy... – leu e ergueu a cabeça rapidamente para encarar a prima mais velha. – Ei, esse aqui não quer uma adolescente com mente de criança, parece promissor.
— Continua lendo, . – pediu e a garota obedeceu. Dessa maneira, pode observar o franzir da testa, o arregalo dos olhos e a abertura da boca de camarote.
— O que?! – exclamou. — Isso é sério? Sério mesmo? Queriam que você interpretasse uma garota que se transforma em uma gorila e ainda... Deus, não consigo nem dizer em voz alta! – assentiu, segurando o riso. – Isso é doente, ! Está errado! Foi lançado?
— Não, é claro que não. Mas você talvez goste de saber que o escritor é um dos criadores de uma das séries atuais mais famosas do mundo e ainda encontrou um jeitinho de colocar um pedaço dessa história nela.
— Sabe o que é mais assustador? – perguntou e a prima aguardou a resposta. – Eu meio que quero assistir para ver como eles fariam isso acontecer.
— Certo, eu tô fazendo muito esforço para não te julgar nesse momento. – disse, a olhando desconfiada. A garota deu de ombros, já acostumada a ser a esquisita da turma.
— Poxa, acabou. – falou desanimada ao olhar as folhas ao seu redor. – Nós fizemos uma baita bagunça, vai ser impossível reorganizar para guardar.
— E quem é que disse que nós vamos guardar?
— Isso tá ficando interessante.
— Vem, eu vou precisar da sua ajuda.
a ajudou a recolher toda aquela papelada e enfiar em sacos pretos. Ao carregar tudo para fora, se sentiu como a cúmplice de um assassinato prestes a se livrar do corpo. Se parasse para pensar, era quase isso, pois muitos personagens estavam sendo levados ali.
Já nos fundos da casa, a guiou para um latão enferrujado e velho. Latão mesmo, pois ia até a sua cintura. Sentindo algum tipo de adrenalina correr pelo seu corpo, ela virou seu saco de papeis lá dentro com gosto e a imitou. A pequena não percebera o que estavam prestes a fazer até que a mais velha surgiu com uma garrafa de whisky, o único álcool disponível naquela casa, e uma caixa de fósforos na outra mão.
— Tem certeza que quer fazer isso, ? – perguntou.
— Muita. Eu tenho muita certeza. – afirmou.
Jogou então uma boa quantidade do whisky dentro do latão, se livrando também da garrafa logo depois, e acendeu o fósforo. Um foi o suficiente para acender um fogo forte e queimar todos aqueles papéis que não queria mais ver em sua vida em poucos segundos.
Respirou fundo e se sentou na grama, observando as chamas levarem um pouco do peso que sentia em suas costas. Sabia que aquilo era uma parte muito pequena de toda a sua recente aflição, mas ainda assim era significativa. Era seu primeiro passo. O primeiro dos muitos necessários para retomar o controle da vida que demorou para perceber ter perdido, mas era um começo e isso era o suficiente no momento.
— Se sente melhor? – perguntou, se sentando ao seu lado.
— Sim, muito. – disse, sem conseguir desviar seus olhos das chamas e de toda a fumaça. – Obrigada.
A garota a encarou, surpresa, mas não recebeu um olhar de volta.
— Pelo que?
— Por ser você. – respondeu. Aquilo não esclareceu em nada a cabeça de , que continuou em silêncio, esperando algo melhor. – Eu sei que não tenho sido a pessoa mais fácil de conviver. Eu sou desanimada, te coloquei em situações desconfortáveis, fiz que sentisse que sua presença era um incômodo, mas não é, de jeito nenhum. Então obrigada por se manter firme, com um sorriso no rosto e essa energia maluca. Você me fez querer sentir essa leveza que carrega e eu to bem longe de chegar lá, mas dizem que admitir é o primeiro passo, certo?
sentiu vontade de chorar, mas se segurou. Não queria estragar aquele momento com as suas lágrimas. Eram lágrimas de felicidade por ouvir aquelas coisas de uma das suas pessoas preferidas no mundo, mas ainda assim, eram lágrimas. Sempre fora ensinada de que sorrisos poderiam mudar o mundo, mas ver que aquilo simplesmente foi capaz de tocar um pedacinho, por mais minúsculo que seja, do coração da prima era incrível.
— Eu só fui eu mesma esse tempo todo, . Quem merece o prêmio por sair da zona de conforto que se enfiou é você.
— Pare de diminuir os seus feitos, . – disse, finalmente a olhando. – Se não fosse você, eu provavelmente estaria caindo de bêbada em alguma festa por aí, o que até é divertido, mas me mantem no mesmo lugar de sempre.
— Então pare de diminuir os seus. Você conquistou a América e o mundo com apenas cinco anos de idade, você fez parte da infância de milhões de pessoas, recebeu prêmios antes que a maioria de nós sequer aprendemos a ler... Você só está passando por uma fase ruim.
deixou escapar uma risada curta, balançando os ombros.
— Eu não deveria ter tido essa fase há uns quatro anos?
— Você não pôde, estava ocupada sendo adulta demais para a sua idade. Mas nós todos estaremos nela um dia. Eu mesma estou esperando a vontade de fazer tatuagens e namorar um cara que não presta daqui alguns meses. – disse, apesar de não acreditar que aquilo fosse realmente acontecer. Mas quem acreditava até que acontecesse, certo?
não respondeu, mas sorriu. Pensar naquilo tudo como uma fase com certeza fazia as coisas mais toleráveis. No fundo de seu coração, pediu para que acabasse logo.

— Vamos, ! Desse jeito você vai se atrasar! – gritou do andar de baixo para a garota enrolada no de cima.
— Um minuto!
Era o dia da tão esperava premiação do programa de ciências e estava uma pilha de nervos desde aquela manhã. Depois da noite anterior e toda a ajuda que recebeu, se sentiu na obrigação de distrai-la ou a garota explodiria tamanha sua ansiedade antes sequer do almoço, então decidiu leva-la para a praia, único lugar próximo que ainda não haviam ido, principalmente porque ela mesma nunca ia para aqueles lados. Não funcionou tão bem quanto gostaria. foi distraída por uns 30, talvez 40 minutos, até que toda a animação pelas coisas novas passassem e o evento voltasse a rondar sua cabeça.
Depois disso, almoçaram fora e ainda encontraram espaço para um sorvete. Estavam ficando realmente boas na arte de comer até não aguentar mais. Agora, quase às 17h00, ela corria para todos os lados, se certificando de que não estava se esquecendo de nada para a sua cabine. Quando finalmente desceu as escadas, carregava consigo uma caixa gigantesca que cobria completamente sua visão. correu para ajudar, não querendo que tudo desabasse no chão.
Elas levaram as pesadas coisas até o lado de fora, onde esperava junto com sua irmã. Ele se certificou de colocar tudo devidamente acomodado e seguro dentro do carro enquanto cumprimentava a nova amiga.
— Você parece feliz. – comentou ao abraçar .
— É, eu decidi seguir o seu conselho e, pela primeira vez, deu certo. – explicou, sorrindo.
— Que bom, . Eu só gostaria que você não ofendesse os conselhos passados, pois eram tão bons quanto.
— É claro que eram, . – disse ironicamente, dando dois tapas leves em seu braço. – Vamos, já estamos atrasadas.
Estavam prestes a entrar no carro, mas um outro entrando fez com que eles parassem, curiosos. O táxi estacionou em frente a entrada e de dentro dele saiu sua mãe, bronzeada e radiante, situação completamente contrária a que havia saído semanas atrás. se repreendeu por não ter imaginado logo quem era.
— Surpresa! – disse, levantando os braços. correu em sua direção.
— Tia!
— Eu continuo esquecendo que ela também mora aqui. – disse, fazendo rir.
Estava tentando melhorar, mas isso ainda não se estendia a sua mãe. Não se sentia nem um pouco pronta para simplesmente esquecer da quantidade de vezes que precisou de alguém ao seu lado nos últimos dois anos e ela decidiu simplesmente entrar em outro avião e ignorar a situação que tinha ali. Talvez algum dia estivesse bem o suficiente a esse ponto, mas mal havia dado seu segundo passo ainda e aquele estava milhares a frente.
— Bem-vinda de volta, Sara. Como foi a viagem? – perguntou , sempre um poço de educação.
— Ah, incrível! Temos que ir todos juntos um dia. – se lembrava de ouvir aquilo na chegada de toda e qualquer viagem. – Cadê o meu abraço, filha? – perguntou, já a esperando de braços aberto.
De má vontade, ela se aproximou e abraçou a mãe. Não foi o abraço mais caloroso do mundo, mas já estavam acostumadas.
— Nós estávamos de saída. Estamos indo para a premiação da .
— É claro, hoje é o dia! Eu vou com vocês. – disse animada.
— Não tem espaço. – se apressou em dizer. – No carro. Não tem espaço no carro.
Sabia que aquilo dificilmente a impediria de ir com eles, mas não custava tentar. Não precisava de Sara lá para irrita-la.
— Que bom que temos três carros na garagem então, ahn? – falou, fingindo não notar a tentativa da filha de faze-la ficar em casa. – Vem, , você vai comigo. Eu quero saber tudo sobre o seu projeto.
a seguiu de boa vontade, visto que aquela era uma de suas tias preferida. fez o seu melhor para não ficar com raiva de nenhuma das duas. Sara havia jogado em suas mãos a responsabilidade de cuidar da garota sem nem pensar duas vezes e agora, quando finalmente estavam começando a se dar bem, chegava do nada, a tomando para si. Não podia agradecer a prima por ser sempre amigável e feliz em um dia e querer matá-la por isso no outro.
— Vamos, Sadie. – disse, guiando a irmã até o carro.
Apesar dos protestos de , dizendo que a mãe sabia muito bem o caminho até o ginásio onde aconteceria o evento, seu amigo esperou até que ela tirasse seu carro da garagem para sair para que pudessem segui-lo.
Mais ou menos no meio do caminho, ela não aguentou de curiosidade e virou o retrovisor interno até que pudesse vê-las.
— Ei! – reclamou, mas ela estava ocupada observando toda a conversa e risadas. Traidoras. – O que você tá fazendo? Eu preciso disso.
— O que diabos pode ser tão engraçado?!
Sadie também se virou para trás, curiosa.
— Você realmente tá com ciúmes da sua mãe com a ? , por favor...
— Ela não pode chegar aqui uma semana depois e agir como se estivesse aqui o tempo todo, oras! Eu tenho alimentado e distraído essa garota, não é justo.
riu, acompanhado da irmã, e bufou, frustrada.
— Você sabe que algumas conversas não fazem dela a sua propriedade, certo? – ele perguntou, recebendo um soco no braço como reposta. – Se você vai me bater, eu vou pegar isso aqui de volta. – disse, empurrando a mão dela do retrovisor e consertando para que ele tivesse uma boa visão.
O resto do caminho foi calmo, apenas com algumas reclamações aqui e ali dela, mas quando desceram no estacionamento do lugar e se encontraram com as duas, ela colocou uma máscara de plenitude boa o suficiente para ninguém desconfiar de que algo estava errado.
O sempre cavaleiro fez questão de levar a grande caixa para o stand da . se ofereceu para ir junto, pois queria passar o mínimo de tempo possível com a mãe, deixando Sadie para sobreviver sozinha com a mulher enquanto procuravam bons lugares. Ela já estava bem grandinha, era bom que aprendesse a se virar.
O número de alunos de todo o país naquele ginásio era gigantesco, o que resultava em cada um com uma cabine minúscula de pouco mais de um metro quadrado. A própria caixa que carregavam por pouco não caberia ali.
— Você não precisa fazer isso. – disse logo depois de ir se encontrar com as outras, pois decidira ficar para ajudar a arrumar tudo.
— Acredite em mim, eu preciso. – afirmou e a garota sorriu, agradecida. – Então... – começou, tirando vários papeis e materiais estranhos para ela da caixa. – Você e a minha mãe pareciam estar se divertindo.
— Sim, sua mãe é muito engraçada. Ela me contou algumas situações que passou no Rio. Você devia perguntar mais tarde, são hilárias!
— Eu vou, se der tempo. Logo ela deve estar partindo para algum lugar da Ásia, quem sabe Europa.
— É, isso não é legal? – falou com um grande sorriso no rosto e encarando o vazio. Na sua mente, passavam imagens de como seria ter uma vida parecida com a da tia. – Viajar o mundo sem preocupações. Conhecer pessoas e lugares novos o tempo todo, quer dizer... Se eu já morri de felicidade ao conhecer Los Angeles, imagina como seria estar na Inglaterra, no Peru, ah! Em Roma!
sorriu para a empolgação da prima, mas deu de ombros.
— É muito legal sim, mas impossível de se fazer sem preocupação alguma. Muito ao contrário. Olha a minha mãe, por exemplo, ela viaja para deixar as preocupações aqui. Não sei bem se funciona. Se não, ela disfarça muito bem. – disse e a encarou, curiosa.
— O que quer dizer?
— Você não acha que ela tem viajado por praticamente dois anos seguidos por diversão, acha? – a garota encolheu os ombros, surpresa por não ter pensado naquilo até aquele momento. não queria estragar a imagem que a prima tinha da tia, mas também não iria fingir que estava tudo bem. – No começo, ela realmente precisava de férias. Agora é só para evitar de ficar aqui e me ver afundar cada vez mais minha carreira. Eu tenho que dar a ela um pouco de crédito, ela costumava insistir e tentar fazer com que eu me animasse um pouco, mas logo desistiu. Acho que ela não é tão paciente quanto você e o .
— Bom... Eu acho que cada um lida com essas coisas de uma maneira. – assentiu. – Já tentou falar com ela? Dizer que gostaria de ter ela aqui por um tempo?
ganhou uma risada debochada como resposta.
— Eu não quero ela aqui. Por mim, ela pode entrar no próximo avião hoje mesmo.
— Certo. – murmurou, não acreditando em nenhuma daquelas palavras, mas pensando que aquele não era um momento bom para discutir aquilo, afinal, ela mesma estava uma pilha de nervos.
Enquanto faziam o melhor para organizar tudo naquele cubículo, finalmente perguntou sobre o que era o projeto da prima. Depois de uma pequena discussão sobre ela já ter contado, mas não ter sido ouvida, disse que, com o auxílio de alguns professores que logo estariam lá também, ela criou uma fórmula para o que poderia vir a ser algo para substituir o plástico, com a vantagem de levar poucos anos para se decompor. Mesmo que tivesse deixado a garota mais velha extremamente impressionada, ela insistiu milhares de vezes que era só uma hipótese, já que não haviam passado da teoria por não terem todos os materiais necessários disponíveis em seu colégio.
Algum tempo depois, os fiscais do local começaram a expulsar os acompanhantes dali e foi obrigada a se retirar, tendo tempo apenas de desejar boa sorte antes de ir. Encontrou com facilidade os outros. e Sadie ouviam entediados mais uma das histórias de Sara. Ela pôde ver o alívio nos olhos do amigo quando sentou ao seu lado.
— Por favor, faça ela parar. – disse baixinho em seu ouvido ao abraça-la como desculpa. document.write(Nicole) perguntou, simpática.
— Ah, eu só estou enchendo os seus amigos de histórias da minha viagem, mas vamos falar sobre você: a me falou que tem se divertido muito, eu estou surpresa. Feliz, mas surpresa.
— Até que eu sei ser uma boa anfitriã, não é? – disse sorrindo. Principalmente por saber que a elogiou e não contou sobre as situações chatas que a enfiou. Continuava a se surpreender.
— Elas tem se dado super bem, certo, ? – ajudou e ela assentiu.
— Que bom, filha. Eu sabia que você não resistiria a . Ela não é adorável?
E então ela se pôs a falar incansavelmente sobre a garota, contando todo tipo de histórias, inclusive algumas que incluíam do curto tempo em que foram inseparáveis. Todos ali ficaram extremamente aliviados quando a premiação começou e a plateia foi obrigada a ficar em silêncio.
Por azar, esse sentimento passou muito rápido e aí veio o tédio. Nenhum deles imaginou que um evento do tipo poderia ser tão chato. Tiveram que ficar sentados e quietos por quase duas horas enquanto os jurados andavam por todo o lugar, observando cada um daquela centena de projetos. Eles poderiam fazer as coisas mais suportáveis dando um microfone aos participantes enquanto eles explicavam os seus, mas não, era tudo apenas para os jurados e os convidados ficavam completamente no escuro, sem ideia alguma do que estava acontecendo lá embaixo ou de quem tinha mais chances de ganhar, e sem saber se aqueles para quem torciam haviam feito uma boa apresentação. Era tortura.
Uma hora e 57 minutos contados depois, os agora odiados jurados subiram em um palco improvisado. A ansiedade por saber o resultado fez tudo ficar muito interessante a partir dali. Todos se levantaram. sentia como se seu coração quisesse pular pela garganta. Era estranho. Não se sentia nervosa assim, até animada, há algum tempo.
Um apresentador começou finalmente a falar, dando parabéns para todos os competidores por seus trabalhos. O já comum discurso de consolo para aqueles que não levariam um prêmio para casa. Já imaginando que seu público não estava interessado naquela falação toda, ele foi breve e direto. Os jurados entregaram a ele uma folha de papel com os nomes e ele deu início a chamada. Foi uma surpresa para , , Sara e Sadie quando ele começou a chamada pela 112° lugar. Pouco tempo depois, descobriram que o padrão era todo competidor receber uma medalha, mas apenas os três primeiros lugares levavam um troféu. Além disso, todos ali tinham a chance de chamar atenção o suficiente de alguém disposto a patrocinar seu projeto.
Lá pelo 80°, todos já haviam se sentado novamente e tudo que se ouvia era o nome chamado e as palmas da família logo depois. Apesar de todo o tédio misturado com ansiedade e nervosismo, olhou para a situação com positividade. Quanto mais demorassem para chamar , melhor sua colocação, então que a chamassem por último, pois ela esperaria. Chegando no 40°, seu estômago já parecia revirar em seu lugar. Aquilo era pior que uma ressaca.
— Ai, ! – protestou ao ter sua mão perfurada pelas unhas da amiga quando o 10° lugar foi chamado.
Mais tarde, pediria para a prima deixar a ciência de lado para que não precisasse mais passar por aquilo.
O 6° lugar foi anunciado e estava ficando difícil de respirar.
— 4° lugar: Foster!
Woohoo!
ouviu alguém comemorar e demorou tempo demais para perceber que aquele som saiu de sua boca. Mais do que aquilo, ela também se encontrava agora de pé, com os braços para cima, enquanto seus acompanhantes simplesmente batiam palma como todo mundo naquele ginásio. Ela voltou a se sentar devagar, ignorando a vergonha por ter vários rostos a encarando naquela situação. Notou o reconhecimento em alguns, o que é sempre bom para sua autoestima, mas ficou feliz por ninguém achar apropriado sair de seu lugar para ir até ela pedir uma foto ou algo do tipo.
— Você realmente fez woohoo? – perguntou, tentando segurar a risada, mas falhando miseravelmente.
— Cala a boca, eu não fiz nada.
— Você fez woohoo. – afirmou, rindo descaradamente.
Ela deu uma cotovelada em sua costela e esperou que aquilo servisse de resposta.

— Nós precisamos comemorar! – Sara exclamou enquanto saiam do ginásio em direção aos carros.
— Eu concordo. – disse.
— Eu também! – Sadie o seguiu.
— Com certeza. , onde você quer ir? – perguntou.
— Ah, vocês podem escolher. Vocês conhecem os melhores lugares aqui.
— Já sei! Vamos no HFK. Nós costumávamos ir lá o tempo todo com a produção da série, é ótimo. – Sara sugeriu.
— Um pub, mãe? Esqueceu que a tem 14 anos? E a Sadie tem 13, é mais nova ainda.
Nesse momento, até se esqueceu do fato de ter levado poucos dias antes sua prima para uma festa ainda pior, com bebida e drogas para todo lado.
— Qual o problema? Eles vendem refrigerante lá também.
— Eu só não acho que um pub com gente bêbada e às vezes inconveniente seja o lugar certo para levar essas duas. – disse.
— É, eu também acho. – concordou, vendo a fala da amiga como um grande avanço.
Sara revirou os olhos, se dando por vencida.
— Na verdade, tem um lugar que eu gostaria muito de ir. – se intrometeu, chamando a atenção de todos. – Eu realmente gostei daquele restaurante que o nos levou no meu primeiro dia aqui.
sorriu, feliz com a simples escolha. Tinha uma segunda chance de ir lá com a prima e agir como um ser humano descente ao invés de ignorar tudo e todos ao seu redor como havia feito.
— Perfeito!

Dito e feito. Pouco tempo depois, estavam no restaurante, rindo e conversando entre si. até ouvia as falas da mãe sem fazer nenhuma careta.
— Foi você?! – questionou, enfiando o dedo em sua cara e rindo.
— HAHA, muito engraçado. E daí? Eu só estava comemorando. – se defendeu.
— É claro, , nos perdoe. Todos nós, um dia, comemoramos com um woohoo solitário em uma premiação de ciências.
— Ei, parem de zoar a minha menina. Ela estava feliz e é isso que importa. – Sara disse e sorriu, metida.
— Viram? Vocês deviam ter vergonha.
— Nós temos. Perdão, Sara.
— Desculpa, tia.
— O QUE? Ah, vocês estão cheio de gracinha hoje, né? – reclamou. Reclamaria mais se seus pratos não tivessem chegado naquele momento. – E um dia, mas não agora, vocês me pagam.
Estava pronta para enfiar o primeiro garfo do delicioso macarrão à bolonhesa na boca quando seu olhar se encontrou com o de . Ele sorria, a encarando, e ela sorriu de volta. Sua mãe tinha razão. Estava feliz. Realmente feliz.

Corre, corre, corre!
Três garotas atrapalhadas e extremamente atrasadas corriam pela calçada, desviando – às vezes não o suficiente – das pessoas ao seu redor, na esperança de chegar a tempo para ver o lançamento de um filme. Todas souberam que era uma batalha já perdida ao virar a esquina da rua do cinema e não ver ninguém na fila, mas não diminuíram a velocidade. A mais jovem foi a primeira a chegar e se jogar contra o vidro da bilheteria.
— Três ingressos para o lançamento, por favor. – pediu arfando.
Sara e chegaram logo depois e pararam atrás dela.
— Desculpe, mas o filme começou há cinco minutos.
— Não tem problema! – Sara disse, se enfiando ao lado da garota. – O que é cinco minutos perto das duas horas de duração, certo?
— É a estreia, senhora, todos os assentos já estão ocupados. – o rapaz do outro lado do vidro falou.
— Nós não nos importamos de usar cadeiras de plástico ou algo do tipo, de verdade! – se enfiou no meio das duas, dando a ele uma boa visão do seu rosto.
— Ei, você é a Lily! – ele exclamou.
— Sim... – olhou rapidamente para seu crachá. – ... Jackson. Sou eu mesma. – afirmou, sorrindo e nem se importando em ser a Lily mais uma vez, desde que entrasse para ver aquele filme. – Eu aposto que vocês tem algumas cadeiras perdidas por aí. Faz esse favorzinho para a gente.
Ele suspirou, parecendo desapontado por desapontá-la.
— Me desculpe, mas nós realmente não podemos fazer isso. Se algum bombeiro estiver lá dentro e ver, podemos perder a nossa licença.
— Eu imagino que essa licença seja muito importante para vocês, não é? – ele assentiu. – Certo. – murmurou, olhando para as outras duas com um olhar de desistência. – Obrigada mesmo assim, Jackson.
Estavam se virando para ir embora quando ele pediu educadamente por uma foto e um autógrafo e, ainda que estivesse chateada por ele não quebrar a lei para deixa-la assistir aquele filme, ela voltou para atender ao pedido.
Já haviam se passado cinco dias desde a volta para a mãe e, surpreendentemente, ela continuava ali, em Los Angeles, e não em algum lugar na Oceania. Mais surpreendentemente ainda, elas estavam se dando bem. Muito bem, por sinal. Nunca foram inimigas, muito ao contrário, eram grudadas quando era mais nova, mas os últimos dois anos havia colocado uma parede entre as duas. Parede que parecia estar sendo quebrada aos poucos e a atriz estava extremamente feliz com isso. Talvez até mais do que deveria, mas ela optou por não se preocupar com aquilo.
As três saíam o tempo todo juntas ou, quando decidiam ficar em casa, estavam juntas também, cozinhando algo ou assistindo TV até seus corpos doerem por ficarem deitados. Estavam se divertindo.
— Eu sabia que aquela última partida era uma péssima ideia. – Sara disse enquanto caminhavam pela rua, sem rumo.
— Mas tia, a ideia foi sua. – lembrou.
— Ah, é...
— Aposto que se o show ainda estivesse no ar, ele nos daria aquelas cadeiras.
Essa era uma das incríveis vantagens de ter um programa de sucesso na TV: as pessoas faziam o possível e o impossível para atender os seus pedidos.
— Tá tudo bem, gente, nós podemos voltar amanhã. – , a mais conformada dali, disse.
— Já que não temos outra opção... E agora, o que vamos fazer?
— Já é de noite, poderíamos só ir para casa e assistir um filme lá mesmo.
achou fofo como ela dizia “casa” e não “sua casa”.
Ou nós poderíamos simplesmente andar por aí. Olha esse movimento, toda essa gente! – Sara sugeriu, fazendo com que ambas olhassem para todo o mundo ao seu redor.
sorriu, imaginando que todas aquelas pessoas tinham suas vidas, suas histórias, seus hobbies e muito em comum, apesar de nenhuma delas parar um pouquinho para conversar. Era fascinante. fez o mesmo, mas não viu nada muito espetacular. Só um monte de gente cuidado da sua vida. Já estava mais do que acostumada com aquela cidade.
— É, eu gosto mais da sua ideia.
Então elas andaram, procurando ver cada detalhe às vezes escondido de Los Angeles. Foi divertido para duas delas. A outra só olhava quando algo lhe era apontado e aproveitava o cheirinho gostoso sinalizando que choveria mais tarde. Esperava ansiosa por aquela chuva há semanas.
Distraídas pelas conversas aleatórias sobre o clima, os planos para os próximos dias e o projeto de ciências da , elas só perceberam que estavam longe demais do carro quando sentiram algumas gotas aleatórias caírem sobre suas cabeças. Decidiram voltar para evitar a chuva e um possível resfriado. Não estavam tendo muita sorte naquele dia, pois as gotas começaram a cair em maior quantidade mais rápido do que elas andavam. Olharam ao redor e o monte de pessoas nas ruas de anteriormente já não existia. Pareciam ter sido largadas ali para tomar um bom banho junto com mais alguns azarentos aqui e ali.
— Qual é a opinião de vocês sobre banho de chuva? – perguntou, estendendo a mão a sua frente e a vendo ficar completamente molhada em poucos segundos.
— Gosto e me recuso a correr de novo. – respondeu.
— Tô com ela. – Sara concordou.
— Tudo bem, então.
Voltaram a conversar, ignorando a água que continuava aumentando. No começo, foi fácil fingir que seus cabelos não estavam grudando na testa ou que secar o rosto com uma mão também molhada não era uma ideia estúpida. Os trovões e raios por toda parte tornaram tudo um pouco mais difícil e assustador.
— Vocês tem certeza que não querem correr?
Bastou um olhar para elas começarem a corrida mais uma vez, dessa vez em destino ao carro. Se já não tivessem tido um desastre de jogo de boliche e uma outra corrida anteriormente, poderiam até sentir vergonha, mas essa palavra sequer passou pela cabeça de alguma delas. Só queriam chegar ao veículo, depois a casa onde poderiam tomar um banho quente, colocar seus pijamas, fazer um pouco de pipoca e passar a madrugada assistindo filmes e séries.
— Minhas chaves, eu preciso das minhas chaves! – Sara gritou graças ao barulho da chuva, tentando abrir sua bolsa enquanto corria.
— Espera chegar lá. – gritou de volta.
Ela esperou. Quando o carro preto apareceu em suas vistas, de alguma maneira conseguiram energia para correr ainda mais rápido, mas ainda assim tiveram que parar antes de entrar pois não tinham as chaves. Sara revirava sua bolsa, cada vez mais nervosa por não encontra-las. A apoiou no capô na esperança de que ajudasse e, enquanto isso, e esperavam, sem falar um “A”.
Mais tempo do que o necessário depois, as chaves foram encontradas, o carro foi aberto e o ar quente ligado assim que as portas fecharam. As três olharam uma para a outra para ter certeza que estavam bem antes de entrarem em uma crise de riso juntas. Aquele dia fora terrivelmente incrível.

E no seguinte, ainda sentia as consequências dele.
— Eu só quero dormir, mãe. – ela resmungou, virando para o lado e dando as costas a Sara.
— Você não comeu nada o dia inteiro, . Vamos, eu fiz essa sopa só para você.
Aquela quinta-feira havia começado com o corpo pesado, uma leve dor de garganta e nariz escorrendo. No começo da noite, veio a febre e agora não conseguia criar coragem para fazer nada que a obrigava a ter que abrir o olho.
— Não.
— Vamos, ! Você não é mais criança. Vira para cá agora que eu vou te dar essa sopa nem que tenha que enfiar um funil na sua garganta.
Ainda de costas, ela arregalou os olhos para a ameaça. Uma ameaça que poderia muito bem vir a acontecer, ela sabia, então voltou a encarar a mãe, se sentando na cama.
— Pelo menos me deixa comer sozinha. – pediu e Sara concordou, colocando um travesseiro e a bandeja em cima do seu colo.
Enquanto dava pequenas colheradas na sopa quente, observou a outra sair do quarto e voltar com um travesseiro e cobertor que jogou na poltrona em frente a ela. A mulher deu algumas apalpadas no travesseiro antes de se sentar ali mesmo e fixar os olhos na filha.
— O que você tá fazendo?
— Ficando confortável na minha cama dessa noite. – Sara respondeu como se aquilo fosse óbvio.
— Por quê? – voltou a perguntar.
— Você está mal, oras! Come a sopa, .
Ainda confusa, ela obedeceu, dando mais algumas colheradas. Sua mãe não fazia aquilo há anos, havia até se esquecido.
— A sopa tá muito gostosa. – disse, um pouco desconfortável. Recebeu um sorriso em resposta. – E... Você não precisa dormir na poltrona. Pode deitar do meu lado, se quiser. Bom... Se não tiver afim de dormir do lado de alguém doente, eu entendo.
Sara pensou por um momento só para fazer um suspense, mas logo pegou suas coisas e se jogou do lado da filha. Elas ficaram em silêncio até o prato de sopa ficar vazio e ela o recolher para levar até a cozinha. Quando voltou, já havia se enfiado novamente de baixo do edredom.
— Posso apagar a luz? – perguntou e a cabeça solitária a vista assentiu.
Elas ficaram deitadas lado a lado em silêncio por muitos minutos. A mais nova já tinha os olhos fechados e sentia muito sono, mas seus pensamentos ainda estavam ligados. Estava desacostumada a estar tão próxima da mãe. Pensava se aquilo era um sinal de que as coisas estavam mudando de verdade. Tudo estava mais parecido com o que a sua vida costumava ser e ela não via aquilo como um passo para trás, de jeito nenhum. Significava ir a frente, muito à frente.
Sara encarava o rosto sonolento da filha, mesmo sabendo de que ela ainda não dormia. Não tinha certeza do que fazer a partir dali. Passara 12 anos fazendo planos atrás de planos, cuidando incansavelmente da carreira do anjinho da América e, quando teve a oportunidade, simplesmente partiu. Partiu para esfriar a cabeça, dar um tempo, cuidar de si. Decidiu que não queria mais planejar tudo, queria deixar as coisas acontecerem e é o que tem feito. Los Angeles fazia sua cabeça pesar com todos os problemas e lembranças, e sabia que podia se virar sozinha. Aquela garota já podia se virar sozinha quando tinha 12 anos.
— Mãe? – ouviu sua voz sonolenta chama-la.
— Sim?
— Por que você não foi ainda?
— Eu não sei, . Tenho me divertido com vocês aqui. Acho que é por isso. – respondeu, sendo sincera.
— Eu fico feliz. – murmurou.
— É?
— Uhum. Muito feliz que tenha ficado.

acordou assustada com gritos. Olhou para o relógio em sua cabeceira que marcava 10h00 e se levantou correndo, indo em direção a sala, lugar de onde vinha todo o barulho aqui.
— VAI LOGO, PORRA! – ouviu sua prima gritar enquanto descia as escadas.
, por favor, me ouve! – sua tia mandou, parecendo mais calma.
Quando chegou no cômodo, a viu perto da saída com uma grande mala aos seus pés. Arregalou os olhos, esperando que aquilo não fosse o que achava que era, mesmo sabendo que eram esperanças inúteis.
— Você não acha que eu já te ouvi demais, não?! Se quer ir, se manda!
— Você nem tenta me entender, filha. Vamos conversar.
— CONVERSAR?! Para que você quer conversar?! Para eu te dizer mais uma vez que quero que fique e você jogar essa mala na minha cara?
— Não é assim. Não é assim e você sabe!
— A única que eu sei, mãe, é que você prefere passar seus dias cercada de estranhos do que com a sua própria filha! Mas relaxa, eu já estou acostumada! Agora, eu só preciso que você saia para que eu possa finalmente voltar para a minha vida normal, aquela em que você está bem longe!
se encolheu, apoiada numa parede. As duas estavam tão focadas na briga que ainda nem haviam percebido sua presença. E se tinham, optaram por ignorar. A garota desejou ter ficado em seu quarto. Não queria ver aquilo depois de passar tantos dias observando a felicidade de sua prima com a mãe ali.
...
— Para de enrolar, vai logo! SE MANDA!
Sara olhou para a filha espumando de raiva a sua frente e deu um suspiro de derrota. Não adiantava tentar fazer aquilo ali, naquele momento. Era uma completa perda de tempo.
— Tudo bem. Nós conversamos quando eu voltar.
— Não se dê o trabalho.
Com um olhar triste, ela saiu pela porta e finalmente se permitiu chorar. Quando percebeu, já estava no chão abraçando seus joelhos e os braços de estavam ao seu redor. Sentiu um beijo leve em sua cabeça e esse simples gesto fez com que terminasse de desabar.
— Shhh, vai ficar tudo bem. – sua prima mais nova disse algum tempo depois. Ela balançou a cabeça, negando.
Não ficaria tudo bem. Nada ficaria bem. Se sua mãe não aguentava passar uma semana com ela nem quando as coisas estavam ok, é porque tudo está ruim. Terrivelmente ruim. Se arrependia tanto do que havia dito na noite anterior.
— Por que ela continua partindo? – conseguiu dizer entre o choro.
— Eu não sei. Mas é ela quem está perdendo, não você.
— Não tenho certeza sobre isso.
não sabia o que dizer, então só ficou ali, a abraçando por vários minutos. Para , aquilo significou o mundo, mas ainda assim queria ficar sozinha. Precisava esfriar a cabeça, pensar um pouco e só conseguiria fazer aquilo sem ninguém por perto, então começou a se levantar.
— Aonde você vai?
— Eu preciso ficar sozinha por um tempo, tá? – disse suavemente. Havia voltado mil casas com a mãe, mas não queria estragar o avanço que tivera com a prima.
— Tudo bem.
a observou subir as escadas e bater a porta do quarto. Decidiu respeitar seu espaço e deixa-la em sua própria companhia pelas próximas horas. Mas quando três se passaram e não teve um sinal de vida, sua preocupação falou mais alto e subiu para verificar se ela estava bem.
?
— Sim. – respondeu de voz baixa.
— Não está com fome?
— Não.
— Eu vou fazer algo para a gente comer mesmo assim. Você precisa comer algo.
Não recebeu resposta. nem mesmo pensava em comida. Estava ocupada tentando desvendar porque as pessoas continuavam a deixando de lado. Seu pai foi um recorde, levou apenas um ano de sua vida para que ele desse o fora. E no tempo em que não estava pensando nisso, repassava em sua cabeça a trágica cena daquela manhã.
Havia acordado se sentindo mal fisicamente, mas de mente leve. estava ali, sua mãe estava ali e viria mais tarde. Tudo estava indo bem, indo certo. Quando não encontrou Sara deitada do seu lado, se levantou e seguiu o único barulho na casa inteira. Vinha de seu quarto. Se lembrava bem de quais foram as emoções que sentira ao vê-la fechando sua inseparável mala: espanto, tristeza, decepção e arrependimento. Todos eles juntos a atingindo de uma vez. Doeu. Mais do que todas as outras vezes que a vira partir porque essa vinha logo depois de um silencioso pedido para ficar. Um pedido que lhe fora negado.
Meia-hora depois, mais batidas na porta a puxaram para fora de seus pensamentos.
— Eu descongelei algumas lasanhas para a gente. Não tinha certeza que qual você queria, então trouxe uma à bolonhesa e uma de frango. Vamos, vai esfriar. – disse do lado de fora.
— Deixa aí, eu já pego.
Uma hora depois, quando voltou a porta do quarto, ela ainda não tinha pegado. Nem na próxima vez e nenhuma outra das que fora até lá. Queria pensar que aquilo era normal, que todas essas horas “esfriando a cabeça” nem fosse tanto tempo assim, mas sua preocupação crescia cada vez mais. Tentou assistir TV, ler, dar uma volta no jardim, conversar com o segurança/porteiro, até arrumar sua mala para a viagem do dia seguinte, mas nada lhe tirava da cabeça que estava trancada em seu quarto, sofrendo por um ato estúpido e mal pensado pela mãe.
Anoiteceu e continuava esperando. Eram quase 20h00 quando ouviu começar uma movimentação no quarto da prima. Ouvira o barulho do chuveiro, mais tarde das portas do seu closet, a queda de alguns sapatos e esperou, imaginando que ela finalmente estivesse pronta para sair. Desceu para a sala e se sentou no sofá, ansiosa para recebe-la de volta, mas quando ela finalmente saiu do quarto e desceu as escadas, usava uma calça jeans de cós baixo, um top preto e sandálias de salto no pé. Com certeza não era o look para passar o resto da noite com a garota de 14 anos.
— Aonde você vai? – perguntou.
— Dar uma volta. Não vou demorar.
— Quer que eu vá com você?
Já sabia qual seria a resposta, mas tinha esperanças de estar pirando à toa. Daquilo realmente ser apenas uma volta.
— Não precisa, eu volto já.
— Tchau. – disse, mas já não podia ouvi-la.
tinha um pressentimento muito ruim em seu peito de que aquilo não resultaria em algo bom. Por isso, deu a prima três horas. Se ela não voltasse até a meia-noite, chamaria , chamaria a polícia, qualquer um, mas a traria de volta para casa sã e salva.
Às 23h34, ela caiu no sono.
Acordou horas depois com um comercial alto demais na TV. Afobada, buscou seu celular por todo lado antes de encontra-lo no chão. 4h12. Sabia que não encontraria nada, mas correu para o andar de cima atrás de . Ela não estava lá e em nenhum canto daquela casa. Mais preocupada do que nunca, ligou para . É claro que ele não atendeu. Mas ela continuou tentando até que ouviu sua voz já na sexta chamada.
— Alô. – disse com a voz rouca de sono.
— Eu sei que esse negócio de eu te acordar no meio da noite é chato, mas a saiu e ela estava chateada e já faz muito tempo. Ela disse que voltava logo, que só ia dar uma volta, mas eu não acho que uma volta deva durar mais de sete horas. Eu não sei onde ela foi, com quem ela está, estou com um pressentimento ruim, , por favor. Nós temos que encontra-la. A minha tia foi embora, não quero que ela faça algo estúpido por causa disso.
, calma! Espera, deixa eu ver se eu entendi: a Sara foi embora. A tá chateada e saiu para dar uma volta, mas não voltou até agora. É isso?
— Sim! , nós temos que ir atrás dela.
— Eu vou desligar, já volto.
— O QUE? – gritou sozinha. Não gostava nada daquela mania dele.
Tentou ligar de volta para ele uma vez atrás da outra, mas sempre dava ocupado. Sua frustração cresceu de uma maneira que começou a sentir vontade de chorar. Ele não podia fazer aquilo, deixa-la no escuro daquela maneira, era enlouquecedor.
Quatro minutos depois (ela contou), seu celular voltou a tocar e o nome de apareceu na tela. Ela atendeu o mais rápido possível, quase derrubando o aparelho no chão no processo.
— Eu descobri onde ela está. Tô indo lá buscar ela.
Surpresa com a rapidez, ela o perdoou pelos minutos de angústia.
— Passa aqui! Eu quero ir junto.
— Não dá, . É aqui perto, não compensa dar toda essa volta, só me faria demorar. Mas não se preocupe, ela está bem. – ele avisou, a dando um pouco de alívio.
— Bem bem ou bem bêbada?
— Acho que você consegue desvendar a resposta dessa sozinha. Tô saindo daqui, te vejo daqui uns 15 minutos.
15 minutos?, ela sentiu vontade de gritar, mas ele já tinha desligado. 15 minutos era uma vida inteira naquela situação.
Estava ansiosa, elétrica, preocupada, mas não podia fazer absolutamente nada. Nem dirigir a garota sabia. Se sentia inútil. E culpada. Não podia ter dormido. Tudo que precisava fazer era ficar acordada até meia-noite, aí esse problema já teria sido resolvido horas atrás, mas não, seus olhos decidiram ir contra sua vontade no único dia em que colocara toda a sua confiança neles. Eram traidores.
Agora sabe-se lá a situação em que poderia estar. Bêbada e sozinha em um lugar qualquer. No outro dia, pelo menos a tinha observando de longe caso alguém tentasse fazer algo desagradável, mas hoje se encontrava a mercê da boa vontade de estranhos. Talvez não estranhos para a sua prima, mas eram para ela e aquilo que lhe importava.
Quanto mais olhava no relógio, mais lerdo ele parecia ficar. Tempo estúpido. Rápido quando não queremos e uma lesma quando devia correr.
O plano era esperar que dez minutos passasse, mas nove depois e ela já estava do lado de fora de casa, esperando nervosa pelo carro de . Estavam em um bairro residencial, então o movimento naquela hora da noite era praticamente nulo. Qualquer pequeno barulho, até do vento balançando a grama, a fazia pular em seu lugar. Mas nunca era do que esperava.
15 minutos passaram. 16, 17, 20, 25 e nada. Tentava se iludir dizendo a si mesma de que estava tudo bem, no máximo um pneu do carro havia furado no caminho, já depois de pegar , é claro, mas quando 30 minutos se passaram, ficou difícil até pensar.
Ainda assim, permaneceu ali, firme e forte. Pouco tempo depois, sentiu um grande alívio ao ouvir o barulho do portão sendo aberto lá na frente e ver o carro prata de se aproximando. Ela correu para perto, mas o único a descer foi ele. Sem nos braços, nos ombros ou no banco de trás. Sem sua prima. E com um olho roxo extremamente inchado, supercílio cortado e sangue por toda sua face, além da camiseta rasgada e suja.
— Ah, meu Deus! – ela exclamou, assustada. – , cadê ela? O que aconteceu? – questionou, sentindo uma vontade ainda maior de chorar agora.
Ele a encarou sem emoção nenhuma no rosto.
— Eu cansei, . Pensei que ela havia melhorado, mas me enganei e eu não aguento mais. A sua prima tá bem. Provavelmente vomitando em algum canto, mas bem. Ela tem pessoas para cuidar dela lá, não se preocupe. Na verdade, eles estão cuidando tão bem dela que não acharam muito legal da minha parte tentar trazer ela para casa. Você pode dormir despreocupada. Ela vai encontrar seu caminho de volta para cá. Eu nem sempre estou lá e ela sempre encontra. Eu vou embora dar um jeito nisso aqui. – disse, apontando para o próprio rosto e já entrando em seu casso. – Ah... – colocou a cabeça para fora rapidamente. – Boa viagem amanhã.
Ela só teve tempo de levantar a mão em uma despedida desajeitada antes que ele desse partida no carro e saísse em alta velocidade.

O silêncio naquele carro era mortal. sentia dores por todo o corpo, mas o que realmente a incomodava naquele dia era o arrependimento. estava triste. Pela prima, por , por ir embora, por tudo. Não era daquela maneira que planejava terminar sua visita a Los Angeles.
Elas desceram do carro ao chegar ao aeroporto. observou de longe a prima fazer o check in e então foram se sentar na sala de embarque, lado a lado, ainda sem nenhuma palavra ser dita. Era quase como se as outras pessoas sentissem o clima pesado entre as duas, pois ninguém se sentou por perto, o que foi bom para a mais velha. Queria falar, sentia uma necessidade muito grande de falar e não queria ninguém por perto além de para ouvir. Só precisava criar a coragem. Preferencialmente em menos de 20 minutos, tempo que faltava para seu avião partir.
Ela tentou várias vezes. Suspirou. Tentou de novo. Se xingou por dentro. Talvez aquilo não fosse tão difícil se soubesse o que dizer. Mas não sabia. De todas as palavras no mundo, nenhuma parecia ser o suficiente para pedir perdão e agradecer. Agradecer muito. Agradecer por tudo.
De repente, se pegou chorando. Tinha que falar alguma coisa e não sabia o que. Estava perdendo um tempo precioso. Não podia deixa-la ir embora sem dizer algo. Precisava falar, mais do que qualquer coisa.
a encarou, curiosa, ao ver uma lágrima solitária deslizar em sua bochecha. Dessa vez, não sabia o que fazer. Não sabia se abraçar ou dizer algo seria apropriado. Mas não precisou.
— Me desculpa. – sua prima disse com a voz fraca. – Me desculpa, por favor. – repetiu, dessa vez a olhando.
— Você não tem que me pedir desculpas, .
— Tenho. Eu simplesmente saí sem te dar satisfações e te deixei lá, sozinha e preocupada. Sem falar nas vezes que te desprezei quando você chegou aqui. Eu sou uma idiota, eu só faço besteira.
— Não diga isso, , você é incrível! Só tem seus momentos ruins, mas todos nós também temos. – disse, odiando que ela se sentisse assim. Nenhuma pessoa no mundo deveria se sentir assim sobre si mesma. – O que você fez não foi certo, mas... Você encontrou o seu jeito de extravasar tudo aquilo que estava sentindo. Eu só queria que você encontrasse outro, sabe... Um mais seguro. Eu, por exemplo, estudo até a minha cabeça ser incapaz de absorver mais qualquer coisa.
riu fraco, pegando a mão da prima para si.
— Você é a pessoa incrível daqui, .
Elas apertaram a mão uma da outra e trocaram um sorriso cumplice. Como se o silêncio mortal nunca tivesse existido.
— Posso te falar uma coisa muito importante? – perguntou e a outra assentiu. – Eu gostaria muito de ficar mais aqui e te ajudar nesse processo todo de ficar melhor, e eu sei que você não vai desistir dele, mas eu tenho que ir. Eu tenho aula naquele colégio particular que você tem pagado por todos esses anos. – a olhou surpresa. – Sim, eu sei disso. Há um ano, mais ou menos. Foi quando eu comecei a entender um pouco mais de finanças e me caiu a ficha de que meus pais nunca teriam condições de pagar aquela fortuna todo mês. Obrigada. Mas o que eu quero mesmo dizer é: para de focar naqueles que te deixaram de lado e começa a prestar atenção naqueles que não. Você não me deve desculpas, mas deve para o . Ele faz tudo por você, , e não é justo que ele tenha voltado para casa todo machucado ontem. – se encolheu, lembrando da cena. Lembrava muito bem dela. E lembrava também do quanto não se importou na hora. – Foca em tudo aquilo que é bom, tudo aquilo que te joga para frente, tudo aquilo que soma na sua vida. Eu sei que não é fácil, mas pensa bem e tenta aceitar um papel um pouco parecido com a Lily de vez em quando ou que não seja aquela coisa toda. Quem sabe um desses te leve para aquele que você tanto deseja. É uma escada, sabe? Você teve sorte e subiu de elevador uma vez, mas agora tem que ir degrau por degrau. Eu te garanto que o sentimento de vitória quando você chegar lá em cima vai ser o mesmo.
teve que soltar sua mão para limpar todas as lágrimas que jorravam para fora de seus olhos, rindo de si mesma.
— Você só tem 14 anos, não devia saber isso tudo, garota.
— Gênios são assim, o que eu posso fazer? – disse, dando de ombros. A mais velha riu mais, a puxando para um abraço apertado.
— Obrigada. Obrigada por tudo! E eu exijo sua presença aqui sempre que possível, tá legal? E eu vou te visitar também, assim que der. Na verdade, nós temos ótimas faculdades aqui na Califórnia, pense nisso.
riu, assentindo. Na mesma hora, a última chamada para o seu voo soou no alto-falante do local e ela se levantou, levando consigo.
— Eu prometi para mim mesma que não ia me intrometer nisso, mas vou dizer logo: depois de se desculpar com o , vê se beija ele logo, por favor!
! – a repreendeu.
— Tenho que ir, tchau. – disse e depois deu um beijo rápido em sua bochecha antes de sair correndo com sua mala.
riu da situação, apesar da tristeza pela prima estar indo embora. Mas decidiu já colocar em prática seu conselho. Não focaria na despedida e sim em todos os dias maravilhosos que teve com ela ali. E em todos os outros maravilhosos que teria mais para frente, quando se vissem novamente.
Observou de onde estava ela embarcar no avião que a levaria de volta para casa. Quando as portas se fecharam, ela pegou seu celular e digitou uma mensagem.
Podemos conversar?
Ele foi rápido para responder.
Sobre o que?
Surpresa!
Fala sério. Sobre o que, ?
Sobre tudo, .

Voltou seus olhos para o avião a tempo de vê-lo decolar.
Certo... Onde?

I’m standing in the ashes of who I used to be,

and I’m faded away. You know, I used to be on fire.



Fim!



Nota da autora: JESUS, pensei que nunca fosse terminar essa short, mas eu venci!!! E espero muuuito que vocês tenham gostado! Eu sei que o final talvez tenha decepcionado alguns de vocês, mas essa história era sobre a pp e sua prima. Se a prima vai embora, a short acaba, né não? KLASJSAKLSJS Bom, é isso. Por favor, lembrem-se de me dizer o que acharam, ok? É muito importante <3



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VERSUS
14. Freak

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