Última atualização: 23/09/2020

Capítulo Único

Playlist

...

236 km/h.
242 km/h.
247 km/h.


As luzes laterais daquela imensa reta no campo de teste pareciam cometas.

238 km/h.
229 km/h.
215 km/h.


A aproximação da curva dava à motorista um sorriso nos lábios. Ela não confiava no carro de Charles Leclerc, mas confiava em seus pneus.

227 km/h
239 km/h
241 km/h


Voltou a trocar de marcha e sentir a engrenagem do carro mudar de performance – realmente, os carros Ferrari perderam qualidade, a garota refletiu. Dias atrás havia testado um Racing Point e, para sua tristeza, os carros “Mercedes de segunda linha” ainda eram brutalmente melhores que os novos modelos da maior escuderia de todos os tempos.
– Realmente, uma tristeza. – falou, enquanto se preparava para outra curva.
– Disse algo, ? – Scott, um dos engenheiros de teste, falou pelo comunicador, fazendo refletir que, mesmo com tanto dinheiro e tecnologia, o som daquele apetrecho parecia sair de uma torradeira, de tão baixa que era a qualidade.
– Pensei alto. Por aqui vai tudo bem, vou para o box.
– Só estamos eu e mais quatro pessoas aqui, entra direto na garagem. – respondeu, atento.
– Sim, senhor, senhor. – ela riu e se encaminhou para o setor 1 da pista de teste.

O relógio batia 21h em ponto quando a garota estacionou o carro vermelho vivo na garagem da Tyre-O, completando o cronograma de teste de pneus com os carros cedidos pelas escuderias. não deveria estar rodando essa bateria de testes: eles foram feitos por um piloto profissional naquela tarde, mas todos sabiam que a garota não perderia essa oportunidade - e que Scott e seu pequeno time de alta classe da engenharia, não desperdiçariam uma chance de tomar os dados de corrida de um piloto que já competiu. Bom, uma “piloto”.
, no auge de seus 16 anos, correu pela HWA na Fórmula 3, de partes Mercedes, e permaneceu lá por duas temporadas, até que teve que largar o esporte para se dedicar aos estudos. Alguns anos depois, o acidente de uma grande amiga, Sophia Flörsch, em Macau (um dos acidentes mais feios da história da corrida, na opinião de ), a fez perceber que se encaixava mais na categoria de provedora de segurança para o esporte do que corredora em si. Provedora de segurança e de performance, como gostava de dizer, era hoje a COO - Chefe de operações, por assim dizer - da companhia de Pneus Tyre-O, gerida e presidida por seu pai, Stefan . A segunda maior do mundo, atrás apenas da Pirelli, mas essa odisseia tinha um desenrolar antigo.
Era óbvio que a ascensão notavelmente rápida da menina no esporte tinha o dedo de seu pai, mas, como empresária, hoje ninguém duvidava de que a mulher chegara lá por fruto de seu trabalho duro. Ao largar as pistas aos 17 anos e deixar sua infância de Kart e adolescência de Fórmulas para trás, ingressou em duas faculdades ao mesmo tempo: Negócios e Engenharia Mecânica. Quando completou 20 anos, havia adiantado tantas cadeiras que foi aberto um regime de exceção para sua graduação precoce. Afinal, por mais que fosse um gênio, tudo tinha um preço - e esse preço podia muito bem ser pago por Stefan.
– Scott, me lembra de falar com o Moritz amanhã sobre a aderência dos pneus macios. Eu queria repassar a composição dos três últimos modelos com... Tati! – retirara o capacete e o volante do carro, agora se erguendo pelas barras de proteção para sair do veículo, quando avistou Tatiana Calderón escorada em um pilar de comunicadores e com um sorriso no rosto. A mais nova puxara fora sua balaclava, liberando fios um tanto quanto rebeldes em um rabo de cavalo baixo, correndo em seguida para abraçar sua amiga. Tatiana era uma lenda viva, mas, infelizmente, muito desvalorizada. Podia se dizer que hoje em dia ela era a mulher de maior destaque no esporte, tendo corrido até pela Fórmula 2, e sendo piloto reserva da Alfa Romeo na Fórmula 1. Recentemente, ela havia fechado contrato com a Drago Corse, de partes Honda, e se tornou a primeira mulher a correr pela Super Fórmula.
– Quanto tempo que a gente não se vê, . – Tatiana riu, se separando do abraço. – Da próxima vez, só vamos esperar um banho antes do contato físico, ok? – ambas riram. realmente estava muito suada.
– Sim, senhora. – sorriu. – O que te traz aqui, celebridade?
– Saudades da minha amiga viciada em trabalho, que ignorou todas as mensagens que mandei para ela nos últimos três dias. Só o padrão. – riu, ladina, dando de ombros.
– Ai, Tati, me desculpa. Você sabe como as coisas ficam corridas em vésperas de eventos. Eu terminei ignorando todas as mensagens, meu celular só faltava explodir, me desculpa. – sorriu amarelo, revelando o quanto se sentia mal por ignorar, mas reafirmando que aquela era a única forma de manter seu planejamento eficiente, visto que sabia o quanto mensagens instantâneas a deixavam dispersa.
– E eu não te conheço? – a colombiana ergueu ambas as sobrancelhas, de forma brincalhona. – Foi exatamente por isso que vim aqui, e não te cortei da minha vida. – ambas riram sutilmente, daquela forma que você apenas libera ar pelo nariz e sustenta um sorriso bobo.
– O que rolou?
– Semana passada recebi o convite oficial do evento em Mônaco. Como estão indo os preparativos?
Naquele fim de semana, as empresas de pneus que mais despontavam no mercado iriam fazer um evento expositivo. Depois de dez anos de domínio exclusivo da Pirelli, o mercado estava aberto para a temporada de 2021 no que tangia a pneus de Fórmulas. Por esse posto, competiam Michelin, que parou o suprimento em 2006; Bridgestone, que já provou de um tempo de exclusividade até 2010; Goodyear, que desde 1998 estava fora das pistas; Pirelli, que dispensa apresentações; e a Tyre-O, empresa da garota, que embora nunca tenha provido Pneus para carros de Fórmula, os produzia há anos para Stock Car (o que era muito diferente), e estava há 5 temporadas investindo massivamente em tecnologias para esse mercado.
– Estamos muito confiantes com nossos pneus, e minha apresentação está pronta há uns bons meses. Deu tempo de rodar testes com os carros cedidos, então temos dados de segurança, aderência, aerodinâmica, e, como cereja do bolo, estamos levando os dados de um aparato logístico desenvolvido, para a troca que pode reduzir o tempo de Pit Stop em 0,6s.
– Você está brincando, né? – os olhos de Tatiana brilharam.
– Espere e verá. – ambas riram.
– Eu não entendia por que você havia largado as pistas, mas agora com certeza sei que está muito melhor aí. – balançou a cabeça, animada. – Me diz uma coisa, vocês fecharam o Monte-Carlo Beach Monaco mesmo? Os quartos lá não são coisa de 700 euros? No convite havia a informação de que a gente teria eventos em ambos os dias e quartos no local. Fazendo uma conta rápida pela quantidade de pessoas, entre pilotos, equipes, e empresários, vocês teriam que fechar o hotel.
– Foram uns bons milhões, mas dividimos os custos e a Pirelli arcou com uma boa parte, em um ato de “boa fé”. – fez aspas com os dedos e revirou os olhos. – Mas sobrou para mim e para Ryan da Goodyear, a responsabilidade de montar tudo. Existem pessoas para isso, só que ambos queremos que seja perfeito, então estamos colocando a mão na massa. Também tem aquela história: É Mônaco, temos que fazer algo à altura. – sorriu faceira, enquanto tirava o macacão e colocava os tênis novamente. O frio do local já fazia com que sua roupa estivesse seca, mas não fria o suficiente para vestir um casaco. Ambas andavam até um balcão, onde havia um freezer com energéticos, de onde ambas tiraram um de coloração vermelha e abriram quase que simultaneamente. – Estamos investindo uma nota.
– Mas você sabe como são esses empresários, eles sentem cheiro de dinheiro a quilômetros, mas só entendem bem se você já chegar mostrando que tem.
– Algumas futilidades são necessárias. Estamos pagando trinta e seis euros pelo aluguel de cada taça de jantar, por causa das bordas trabalhadas em ouro. Trinta e seis. – riu. – Em contrapartida, aluguei uma McLaren P1 LM preta e comprei alguns vestidos um tanto quanto extravagantes para a ocasião. – sorriu ladina, fazendo Tatiana rir.
– Se você vai trabalhar de Dior, eu nem imagino o que seja essa extravagância. – replicou, brincalhona.
– Siga minha linha de raciocínio, se existem coisas que uma garota precisa fazer nesse mundo, por que não fazer com estilo? – deu de ombros. – E se eu estou montando uma iluminação de festa com nível de show, nada melhor que uma peça mais chamativa para me fazer brilhar. – sorriu e jogou a garrafinha no lixo.
– Inclusive, eu preciso da sua ajuda para escolher um para mim. Não tenho um olho bom para essas coisas e queria ficar o mais bonita possível, afinal, uma festa dessas não se perde.
– Você vai ficar para a festa? – os olhos da mais nova se engrandeceram de alegria. – Achei que você ia ficar apenas para a exposição! Você nunca foi de festa, o que aconteceu?
– Dei um pé na bunda do meu ex.
– FINALMENTE! – se excedeu e todos os mecânicos olharam em sua direção, a fazendo sorrir amarelo e pedir desculpas. – Aquele cara era um idiota!
– Nem me diga. – rolou os olhos. – O mais rápido que eu passar para outra, menos tempo sinto que perdi.
– Mônaco é sempre um bom lugar para fins e recomeços. – riu enquanto tentava fazer cócegas na amiga, gerando um ambiente divertido.
– Falando nisso, você viu que o Grande Prêmio de Mônaco foi adiado?
– Sim, mas honestamente não acho que isso vá... – a ex-pilota poderia continuar falando, se o olhar de sua amiga não tivesse sido completamente desviado para a entrada do cômodo. Em trajes sociais, com os cabelos perfeitamente desalinhados e um tênis Nike, um corpo alto apareceu na porta da garagem da fábrica.
– Oi. – sorriu tímido, mas com os dentes a mostra, retirando uma das mãos dos bolsos e apontando para trás do ombro. – Eu estava te assistindo do mirante, achei que já tinha acabado. Desculpa interromper, posso esperar lá fora, se preferir. – seu rosto estava cansado, mas alegre por ver a garota.
– Que nada, . Vem cá. – tentou esconder, mas Tatiana percebeu que o sorriso da menina escondia um pouco mais do que só amizade pelo homem vestido em azul. – , Tati. Tati, .
– É um prazer. – ambos falaram ao mesmo tempo, rindo, enquanto apertavam as mãos.
– Tati dispensa apresentações. – olhou para o amigo, que consentiu, e se virou para a morena. – é um ex-engenheiro nosso, agora engenheiro da McLaren. Ele ainda dá umas consultorias aqui, ou aparece quando lembra que eu existo. – falou, brincalhona.
– Deixa disso, Koli. – suspirou, mexendo a cabeça em negação e sustentando uma curva leve nos lábios.
– Koli...? – Calderón falou, confusa.
– Vem de Kolibrie. É o holandês para beija-flor. é o mais britânico possível, mas seus pais são holandeses, então ele tem dessas. – deu de ombros.
– Mas por que beija-flor?
– Não fica parado nem quando está parado. – o homem riu levemente, não escondendo o jeito que olhara para a mulher à sua esquerda. – Eu estava indo embora agora, mas se quiser eu posso te esperar. – olhou nos olhos da conhecida.
– Eu preciso ir também, amanhã cedo tenho uma reunião importante com o Ryan. – sorriu amarelo e virou para Tatiana. – Te mando mensagem amanhã para marcarmos nossas compras, aí a gente conversa mais, pode ser? – abraçou a mais velha.
– Com certeza! Qualquer coisa eu te ligo, caso você fique tão presa no trabalho que esqueça de mim. – sorriu, brincalhona. – Manda um beijo para o seu pai por mim.
– É mais fácil você ir à sala dele e mandar, não sei se ele volta para casa hoje. – riu. – Beijão! – e se virou para andar em direção à garagem. e moravam, por uma imensa coincidência, no mesmo condomínio de casas, o que ocasionalmente resultava em caronas, idas à academia e corridas juntos.
No andar superior da garagem, o casal de amigos adentrou a Mercedes Classe A Sedan do mais velho e, antes que pudessem trocar alguma palavra, o telefone da moça vibrou, com uma mensagem concisa que a fez rir: “COMO VOCÊ NUNCA ME APRESENTOU ESSE GATO? ELE TEM ALGUM IRMÃO? – Tati.” Decidiu responder mais tarde e colocou seu cinto, iniciando uma conversa.
– Como foi a reunião? – perguntou, enquanto o homem ao seu lado manobrava o carro para fora da garagem.
– Honestamente? Chata pra caralho. – ambos riram. Era interessante o quanto se sentiam confortáveis ao lado um do outro, principalmente quando sozinhos. – Vou ter que voltar semana que vem para finalizar o painel, e ainda por cima tem a apresentação do plano de troca para a McLaren, que ainda não foi marcada. Nem quero falar disso, na verdade, então me diz, como foi teste?
– Os carros Ferrari estão uma merda. Uma merda sem precedentes. Piores que os carros da Wiliams, . Da Williams! – ela gesticulava abertamente, gerando risadas em ambos. – Eu não conseguia tração suficiente nem usando todos os controles manuais. Péssimo.
– E eles disseram que a previsão de melhora é só para 2022. Bom para mim e para os meninos do ano que vem. – riu.
– Eu sou louca pelo estilo de corrida do Ricciardo, e Norris é uma estrela em ascensão, então se você e seus mecânicos não estragarem tudo, podem se dar muito bem na próxima temporada. – apesar do conteúdo de certo deboche, o sorriso de provava o que já vinha dizendo a anos: ela confiava cegamente no profissionalismo e talento de . A conversa seguiu com um CD qualquer do Jack Johnson ao fundo, até que, no meio da rodovia que levava à cidade, comentou algo despretensiosamente.
– A gente podia ir jantar, né? – falou, sem desviar os olhos da via.
– Eu não posso. – respondeu, tentando esconder a decepção na voz. – Amanhã tenho uma reunião muito cedo.
– Um sanduíche de drive-through então? – deu um sorriso encantador, fazendo a garota assentir com a cabeça enquanto sustentava a maior cara de boba possível. Ela ficava besta com o tanto que ele entendia o trabalho dela e, diferentemente de seus romances prévios de curto prazo quando ainda era corredora, ele nunca questionava a importância das coisas. Do mesmo jeito, ela sempre entendia o trabalho e os compromissos dele, o que deixava tudo nessa relação com um ar de tranquilidade e maturidade tão grande que, durante 90% do tempo, tudo referente a isso parecia um sonho. Ambos seguiram então para a lanchonete, pedindo os combos e comendo em meio a risos, estacionados no pátio do local. Foram apenas 20 minutos, mas deixaram o dia de ambos mais leve.
Após seguir a caminho de casa, em menos de 10 minutos a Mercedes passava pela portaria do condomínio sem nenhuma pergunta feita ou sem ao menos ter que parar. Seguiu por algumas ruas e virou à direita, estacionando em frente à opulenta casa de dois andares da garota.
– Obrigada pela carona. – sorriu e se inclinou para beijar a bochecha do homem. – Boa noite, . – ainda com os lábios curvados, saiu do veículo.
– Boa noite. – ele respondeu, a vendo fechar a porta. Antes que a garota pudesse girar sua chave, ele abaixou o vidro e chamou sua atenção. – ! – se inclinou por cima do banco do passageiro para poder olhá-la por completo.
– Diz.
– Quer jantar comigo amanhã? De verdade?
– Uhum. – balançou a cabeça alegremente, fazendo ele ficar feliz também.
– Te pego às oito. – e, após a confirmação, seguiu para sua casa, feliz da vida.
e se conheciam há sete anos, desde que ela corria e ele ainda era estagiário na empresa do pai da garota. Eles se deram bem logo de início, e claramente se gostavam de uma forma mais que amigável já há um bom tempo, mas nunca houve um estopim para o romance. Ambos trabalham muito - até num padrão um tanto quanto workaholic - e não tinham relacionamentos novos há pelo menos quatro anos por falta de tempo e dedicação (e, honestamente, não sentiam falta.). Tudo entre os dois era tão confortável, sem pressa, sem estresses. Eles genuinamente aproveitavam ao máximo a companhia um do outro. Na vida frenética que levavam, eles eram portos seguros mútuos. Eram sentimento de casa. E só isso que importava no momento.

...


entrou no escritório atraindo todos os olhares para si, como de costume. Ela era espetacular, no sentido real da palavra, e extremamente pontual. Quem a visse ali, com os cabelos partidos ao meio seguros por uma tiara fina (feita de ouro 18k e que deixava claro que era uma jóia Tifany, diga-se de passagem), um blazer longo vermelho borgonha de veludo cotelê (Saint Laurent, para aqueles mais atentos), uma saia de mesma linha um pouco acima do joelho e uma blusa de gola alta preta, mal imaginaria que aquela era a pilota coberta em suor e dentro de um macacão de Nomex há menos de 12 horas. Sua aparência tinha um teor único, que refletia com certa clareza quem ela era e o que ela queria, sem perder o teor jovial de seus vinte poucos anos. O mais surpreendente sobre sua aparência, entretanto, não eram suas roupas, maquiagem ou cabelo, e sim o Rolex Cosmograph Daytona 6263 de 1975 em seu pulso esquerdo, comprado com seu percentual nos lucros do primeiro mês de efetividade plena dos projetos que ela implantou na fábrica. O relógio não passava desapercebido, gritando não apenas “até os mínimos detalhes são pensados e dedicados à corrida”, como de costume, mas, devido à reputação que o precedia, gritava também “eu sei muito bem o que eu quero, o que eu faço, como faço e os resultados que dou. Eu sou uma mina de ouro.” com uma sutileza ensurdecedora.
Deu bom dia aos recepcionistas e andou em direção ao elevador central, indo direto para sua sala no penúltimo andar da construção. Seu pai, como de costume, ocupava o último, e para ter acesso a ele, o visitante tinha que digitar uma senha no elevador. achava isso fantástico, não conseguindo evitar pensar sobre como seria quando ela ocupasse aquela posição. Quebrando seus devaneios, a porta dupla abriu e a garota seguiu pelo corredor de vidro, apreciando a paisagem.
– Bom dia, Alice. – sorriu para sua assessora.
– Bom dia, Srta. . – sorriu e começou a caminhar com ela pelo longo corredor, abrindo uma lista no Ipad em suas mãos e começando a atualizar a mulher sobre os afazeres do dia e pendências. – Seu café está na antessala, foi preparado pontualmente cinco minutos atrás. Os croissants chegaram há 3, estão quentinhos ainda. Ryan deve chegar em 20 minutos, o secretário dele já ligou. Os papéis do decorador chegaram, ele deve estar por aqui em uma hora e meia. Tatiana ligou e marcou um horário na quinta a tarde. – riu ao ouvir isso, a amiga realmente sabia lidar com ela. – O vestido Balmain chegou, e Scott, da engenharia, deixou um lembrete para você falar com Moritz sobre as especificações dos pneus macios que testou ontem.
– O que seria de mim sem você, Alice? – riu, pegando os bolinhos, os croissants e o copo de café, se dirigindo para a mesa principal e ligando o computador.
– Provavelmente ainda uma corredora. – esboçou um sorriso e a garota concordou, brincalhona. – Vou estar na minha mesa, qualquer coisa é só chamar. – e, dessa forma, a ruiva voltou para o grande corredor com paredes de vidro.
Enquanto comia sua refeição, um tanto quanto desapontada por estar tão atarefada que não poderia comer na padaria que tanto gostava, respondeu cerca de 12 e-mails até a última mordida. Croissants de Nutella seriam uma ótima pedida para o dia seguinte, anotou em seu bloco de post-its. Pegando seu celular, a garota percebeu que havia seis novas mensagens de Ryan, mas não deu tempo de abri-las ao passo que ele adentrou pela porta no instante seguinte.
– Com o celular na mão e ainda assim me ignora? – ele riu, colocando sua pasta de couro Dolce & Gabbana na mesa da moça, sem qualquer preâmbulo, e se sentando na cadeira em frente a ela. Ryan Evans usava um terno slim cinza grafite, também da Dolce & Gabbana, o que salientava - e muito - seus olhos azul piscina. Era CCO (Chefe do escritório de comunicação) da Goodyear, e a outra parte que liderava a organização da mostra de pneus junto com .
– Bom dia para você também, Ryan. – sorriu, abaixando o aparelho. – Eu peguei no celular agora, antes estava respondendo uns e-mails e comendo.
– Comendo no trabalho de novo? – ele a olhou com tom de reprovação.
– Era isso ou dormir 30 minutos a menos, escolhi o óbvio. – sorriu. – E falando em tempo, vamos agilizar isso que temos muito o que resolver.
Durante a manhã toda, , Ryan e Marconi, o decorador, revisaram os mínimos detalhes da mega produção do fim de semana, fazendo pequenos ajustes e debatendo algumas mudanças contratuais e de execução. Ao ponto que o relógio se aproximava de marcar 13h, a reunião foi encerrada, fazendo o decorador sair da sala um tanto quanto desnorteado com tantas mudanças às vésperas da data, e o casal de amigos saiu rumo a um almoço “decente”, nas palavras do homem.
– Você ainda vai enlouquecer os organizadores de setor. O evento já é essa sexta, hoje é segunda e você ainda quer mudar arranjos. – sorriu, com tom brincalhão, apertando o botão do elevador.
– Giuseppe do Buffet me adora, para sua informação. – deu de ombros, entrando na caixa metálica, sem conseguir sustentar a postura séria por muito tempo. – E, além disso, flores mudam com a temperatura e umidade, Ryan. São como pneus. É verão em Mônaco, então quanto mais próximo da data estivermos, mais correta é a previsão do tempo, e eu preciso que tudo seja... – fez uma pausa, procurando a palavra. – Fabuloso. – sorriu, orgulhosa, arrancando uma risadinha do colega.
– Você sabe que soa como personagem de filme do início dos anos 2000 quando diz isso, não sabe? – sustentou a expressão facial.
– Se você estiver citando legalmente loira, Ryan, é uma honra. – acompanhou a risada do colega enquanto o elevador descia ao andar do Marketing, onde deixariam alguns relatórios e encaminhamentos para o evento.
– O alvo foi algo mais Sharpay, mas acho que essa também conta. – deu de ombros.
– Sharpay nunca errou, Ryan, ela só estava defendendo aquilo pelo que ela lutou a vida toda. O único problema no caminho dela tinha nome, sobrenome e um pai bonito. – ao ouvir isso, o homem gargalhou alto, chamando um pouco de atenção para si. – Por isso que eu sempre digo, trabalho sempre vem primeiro porque de rostinho bonito já basta o meu. – a garota brincou, entregando a pasta marrom para uma loira sorridente, agradecendo, e dando uma volta de 180º a caminho do elevador novamente.
– Falando em rostinho bonito, como vão as coisas com o cara da McLaren?
– Talvez as sandálias Jimmy Choo também fossem um atentando, mas isso não era culpa da Sharpay. Foi culpa dos anos 2000. – tentou desconversar, recobrando o tópico prévio. Ryan riu da constatação, mas claramente percebeu o que havia acontecido.
– Eu ri, mas isso não quer dizer que não vi você mudando de assunto. – as portas se abriram novamente, e, após cumprimentarem os transeuntes, ambos se dirigiram ao prédio da garagem.
– A gente vai sair para jantar hoje, eu e o . – colocava seus óculos de sol enquanto andava pelo pátio, mais em uma tentativa de se distanciar da conversa do que de se proteger do sol em si. – Não é nada oficial, mas eu estou um pouco nervosa. Eu sei que não deveria, mas estou. – deu de ombros.
– Um monumento de homem daqueles, eu não imagino como não ficar. – ele sorriu. Muitas vezes as pessoas inferiam nele uma sexualidade que ele não possuía, apenas por causa desse traço de personalidade: a masculinidade de Ryan não era nem um pouco tóxica. Ele era hétero, tanto ou mais que muitos que conhecia, mas por não se submeter ao padrão imposto do que “deveria significar heterossexualidade masculina” já foi muito rechaçado e visto de forma pejorativa por diversos empresários. O que eles deixavam escapar era que essa qualidade fazia Ryan despontar (e muito) no mercado da comunicação, principalmente por assumir que não era perfeito e possuía sim fragilidades, sensibilidades e dúvidas. O networking que ele formou a partir da sua gentileza com os outros valia mais que muitas empresas pequenas, e ele se orgulhava muito de ter conseguido tudo isso com base em honestidade.
– Eu me sinto confortável com ele, mas até lá, só parece que meu coração vai sair do peito. – adentraram o prédio da garagem, e no momento que apertou o alarme de seu veículo, Ryan ficou estático, esquecendo todo o teor da conversa.
– Puta que pariu. Esse carro é o carro que eu estou pensando que é? – o homem parou em frente ao modelo, sem acreditar no que via.
Lamborghini Murciélago LP640 2010. Essa foi a número 144, literalmente a penúltima a ser fabricada na história. – sorriu, orgulhosa do bem, que a deu muito trabalho para encontrar, oito anos depois da fabricação, principalmente 0Km. Teve que recorrer a colecionadores, e mesmo pagando o dobro do preço, valeu a pena.
, esse é o BATMÓVEL! – o amigo gesticulou abertamente, fazendo a garota rir alto com a referência ao filme de Christian Bale. Sim, aquele era o batmóvel.

...


O resto do dia passou voando, e a cada hora a menos para o “encontro que não era encontro”, sentia um misto de nervosismo e calma. Eles já haviam jantado juntos muitas vezes antes, não fazia sentido estar tão agoniada dessa vez - já que nada de especial acontecera -, mas ela estava. Era pouco mais de seis da noite quando se despediu do staff e seguiu para casa. Como boa workaholic que era, finalizou algumas planilhas no computador da biblioteca e seguiu para o seu closet, já certa do que iria vestir. Tomou em mãos a caixa recém adquirida com o logotipo da Valentino no topo. Ao abrir, sorriu ao perceber que as cores vibrantes eram ainda mais lindas do que se lembrava. O vestido era amarelo, com detalhes em roxo e turquesa, formando uma estampa de plumas no tecido leve de seda. Com um decote arredondado, mangas longas de punhos abotoados e acinturado com uma faixa de mesmo tecido, a peça era a definição de escândalo.
Quando o relógio marcou 19:55, a tão conhecida Mercedes parou em frente à casa de , e só o barulho do motor já foi suficiente para fazer a garota levantar e ir em direção a ela. Ela trancou a casa e andou até o veículo, no qual o homem estava sentado digitando uma mensagem - provavelmente um aviso de que ele já havia chegado, agora desnecessário.
– Boa noite. – ela sorriu, sentindo o cheiro delicioso do perfume dele a tomar por completo. Ele estava com uma camisa de linho gola padre com dois botões abertos e tinha um blazer, que combinava com sua calça social bege, jogado no banco de trás. Seus cabelos perfeitamente alinhados denotavam alguns bons minutos em frente ao espelho.
– Boa noite! Eu nem te vi entrar, estava... Uau. – ele bloqueou o telefone e olhou de lado, ficando automaticamente estático ao ver a garota. – Você está... Uau. – ele tentou fazer um elogio, mas as palavras não saiam de sua boca. A menina riu da reação do mais velho, corando um pouco e olhando para baixo.
– Obrigada, eu acho. – sorriu levemente e encontrou seus olhos. – Você está lindo também. E muito cheiroso. – riu, tentando esconder a vermelhidão de suas bochechas.
– Eu... É... Eu não consigo lembrar o nome do perfume agora, mas ele tem uma embalagem marrom com... Parece um tijolo com... – ele suspirou profundamente, parando de se enrolar com as palavras, erguendo em seguida seu típico sorriso encantador. – Eu estou passando vergonha, certo?
– Um pouco, mas eu achei bem fofo. Quero acreditar que foi por minha causa. – ela brincou, colocando o cinto.
– Onde você quer ir? – ele se recompôs, sorrindo.
– Eu sei que eu me vesti para algo exclusivo, mas, de verdade, eu poderia matar alguém por um cachorro-quente e muita batata frita. – disse e seu par gargalhou. Foi engraçado como passaram de nervosos a totalmente confortáveis em poucos minutos.
– Seu desejo é uma ordem, . – falou, brincalhão. Com esse clima leve e um CD do Olly Murs tocando, ambos seguiam para uma lanchonete à margem do Rio Tâmisa. A princípio, o homem tentou ignorar, mas caiu no riso ao observar a garota cantando a introdução de “Dance With Me Tonight”, modulando a voz para parecer o homem que chamava o cantor. Ela dançava na medida do possível, o que contagiou ao ponto de que, por apenas admirar os movimentos de pelo canto do olho, foi instigado a se mexer e murmurar as palavras que conhecia, apesar de não ser fã do estilo. Ela era contagiante.
Ao chegar no local pretendido, sem delongas eles pediram os cachorros-quentes, as batatas e os milk-shakes. A conversa fluiu de forma tranquila e divertida, inclusive chamando a atenção dos que passavam, devido à alegria que eles emanavam. Ao ponto que a comida chegava, eles interrompiam brevemente as frases para dar pequenas mordidas. Em meio a essa dinâmica, a mulher tomou o cachorro-quente em mãos e teve o infortúnio de morder de forma errada, derrubando grande parte do molho em seu vestido. Imediatamente depois, houve um momento de silêncio, seguido por gargalhadas altas de ambos enquanto a menina tentava se limpar da melhor forma.
– Você tem que ter muita elegância para manchar um Valentino de ketchup e ainda sim estar plena. – ela terminou de se limpar, deixando apenas uma mancha relativa na lateral do vestido, e o homem voltou a rir.
– Você fica linda de todo jeito, mas tenho que admitir que esse foi o toque especial. Nada italiano fica 100% bem sem molho de tomate. – continuava a gargalhar. Seu riso era aberto e expansivo, definitivamente contagiante também. – Me desculpa, Koli, não sei muito reagir a essas coisas. - ambos sorriam. – Precisa de ajuda?
– Não, não. Tudo sob controle. – voltou a comer o pão e o garoto riu mais um pouco com a naturalidade dela. – Falando em ter tudo sob controle, essa sexta vai ser o evento da mostra de pneus. Eu sei que você já foi convidado por ser engenheiro da McLaren, e que oficialmente meu par é o Ryan, mas queria saber se você queria ir comigo para a festa depois. Topa? – sorriu, tentando esconder o nervosismo.
– Desculpa, Koli, mas eu realmente nem vou poder ir para o evento. – ele, por outro lado, não fez esforço para esconder sua feição, nesse caso, de desapontamento. – Desde março a apresentação para a diretoria do meu projeto de logística de troca de pneus no Pit Stop foi marcada para essa sexta, e ainda tenho bastante coisa para finalizar e aprimorar. Me desculpa mesmo. – segurou a mão esquerda dela, a qual repousava sobre a mesa.
– Tudo bem, , vão ter outras oportunidades. – sorriu verdadeiramente. – E você sabe como essas pessoas curtem uma justificativa para beber num ambiente de imprensa controlada, certo? Então nem vai demorar muito. – agora ambos riam. Não demorou muito para que terminassem de comer e decidissem andar pela margem do rio. Ao ficar de pé, a mulher visivelmente tremeu de frio, pois já era tarde e suas roupas eram um tanto quanto finas. Imediatamente, retirou seu blazer e vestiu sobre os ombros dela, em um ato silencioso que fez ambos corarem. Seguiram, portanto, andando lado a lado e conversando sobre os mais diversos assuntos.
Estava ocorrendo um evento náutico, então diversos iates e barcos estavam iluminados e passando lentamente próximos à margem para serem observados. O par sorriu, e sem dizer nenhuma palavra, seguiram para o guarda-corpo para assistir. Quando viram que ia demorar um pouco, eles combinaram de comprar um sorvete e ficar até o fim. A mostra estava muito divertida de assistir, com alguns barcos luxuosos e outros com decorações muito engraçadas, mas o frio estava crescendo, principalmente devido à proximidade com a água.
? – olhou de lado, o assistindo assentir. – Eu estou morrendo de frio, mas não quero ir embora. Seria muito clichê se eu pedisse para você me abraçar?
– Seria. – ele riu ladino, achando fofa a pergunta.
– Você se importa?
– Claro que não. – sorriu, com seu clássico modo encantador, e se colocou atrás da menina, circundando com seus braços os braços cruzados dela, imediatamente fazendo-a suspirar com o agrado térmico. Seguiram conversando e rindo por um bom tempo, tempo que, se dependesse dos dois, podia ser eterno, mas foi interrompido por um toque de celular. A menina abriu a bolsa e pegou o aparelho, vendo o nome da CMO (Chefe de Marketing da Tyre-O), Cláudia, aparecer na tela.
– Desculpa, . Tenho que atender. – ela falou, com ar triste, e o garoto afrouxou o contato, permitindo que ela se afastasse com o telefone. Enquanto ela falava, ele discretamente a olhava. Aquela garota era simplesmente linda. Quem conhecia sabia como ela era forte e dedicada, mas, para o engenheiro, todos falhavam em notar o quão engraçada e genuína ela era. Do outro lado da interação, percebeu que estava sendo olhada, corando fortemente e até ignorando um pouco do que a interlocutora falava na ligação. Ele era simplesmente perfeito. Nunca na vida imaginara que aquele tipo de homem existia. Ele era sério, maduro, dedicado, trabalhador, extremamente charmoso e tinha um cheiro único. O que os dois viviam ali era o mais próximo de conto de fadas que alguém podia viver, isso na opinião de ambos. O clima, então, foi cortado por uma péssima notícia: era requisitada imediatamente numa reunião virtual e precisava ir para casa.
– Aconteceu alguma coisa? – o homem perguntou, vendo a feição da mulher que se aproximava.
– Problema com os fornecedores de estrutura para os mostruários do evento. Tenho que ir para casa estar em uma reunião em quinze minutos. – deu de ombros. – Eu amei essa noite, é uma pena que tenha que acabar. – fez um biquinho inconscientemente, o que colocou um sorriso nos lábios do rapaz.
– Eu te levo em casa. Afinal, nenhum taxista merece ter que ver esse Valentino manchado, e eu ainda ganho alguns minutos com você para você terminar a história que estava me contando sobre a geladeira. – ambos riram e seguiram para o carro. Em poucos minutos, como dito, estavam na porta da casa imponente da garota, e o momento da despedida começava a pesar no ar. Os dois estavam um pouco inseguros e achavam cedo demais para um beijo de verdade, embora estivessem querendo isso de forma inconsciente. O homem decidiu por beijar apenas a bochecha da amiga, sussurrando um “boa reunião” perto do ouvido dela, o que a fez arrepiar por completo. Naquela noite, ambos foram dormir nas nuvens.

...


O pôr do sol em Mônaco estava previsto para as 21h15 naquele início de julho de 2020. Após o almoço, a brisa ventava forte e quente enquanto os helicópteros pousavam e os carros de luxo chegavam, dando início à lotação dos quartos inteiramente reservados para todos aqueles que eram alguém no mundo da Fórmula 1. Impreterivelmente às 17h, o CEO da Pirelli iniciou seu discurso de boas-vindas. As cadeiras e mesas de piscina principal do Monte-Carlo Beach Monaco foram removidas, e em frente a ela, um palco fora montado. Nessa área estavam expostos, em câmaras de vidro, os diversos pneus das empresas concorrentes, e havia algumas mesas e bancos altos à disposição dos presentes, embora a grande maioria estivesse em pé com taças de champanhe nas mãos para assistir as apresentações. Em frente ao palco, figuravam algumas mesas e cadeiras normais, à disposição dos mais idosos ou daqueles que apenas desejassem sentar. Independentemente de onde sentados, todos os convidados tinham dezenas de garçons prontos para os servir.
Por ser o “anfitrião”, o engenheiro chefe da Pirelli iniciou sua explanação, com diversos recursos visuais e estatísticos para demonstrar o que tinha de mais valioso: sua experiência prática nas pistas, coisa que só eles possuíam nessa temporada. tentou prestar atenção, mas, como já sabia exatamente tudo que poderia ser falado ali, decidiu por dar uma volta no local e checar se tudo corria dentro dos conformes.
Era inegável a opulência e grandiosidade do evento, fosse na decoração, no serviço, no buffet... Tudo estava, de fato, fabuloso. A área externa foi uma ótima pedida para as apresentações, pois, enquanto essa ocorria, os salões principais do hotel se preparavam para um jantar memorável. O que completava o produto final de forma melhor do que a organizadora imaginara, era, ironicamente, o principal: os convidados. O mar de ternos de luxo, smokings, vestidos de gala, peças icônicas, sapatos, joias e adereços, era de fazer os olhos brilharem. Entre escolhas clássicas e fashionistas, não estava errada quando afirmava que todos estavam ali para serem vistos.
Falando nisso, perpassando toda a extensão do evento, fotógrafos discretos registravam tudo que podiam, mas já tristemente sabendo que nem uma foto poderia vazar sem aprovação prévia, sob risco de multa multimilionária. E falando em multimilionários, de cima da escada principal, podia enxergar algumas figuras muito conhecidas, como Vijay Mallya (antigo dono da Force India, que para fins jurídicos estava em sua casa de campo no Reino Unido), Kimi Raikkonen (O piloto de Fórmula 1, que em 2009 chegou a ser o segundo atleta mais bem pago de todos os tempos, ícone da Ferrari, mas que hoje corre por uma escuderia secundária), e o imponente Lawrence Stroll (bilionário canadense que tem um tino bom para carros de corrida e um incrível piloto como filho). A mulher pegou uma taça de champanhe e a levou à boca, reafirmando mentalmente que deveria conversar com os três - ciente de que possuíam personalidades extremamente opostas -, durante a festa pós jantar.
Logo ao fim da apresentação da Bridgestone, subiu ao palco com seu sorriso carismático, sua oratória perfeita e seu curiosamente discreto vestido Armani vermelho vivo de mangas transparentes. Embora visualmente simples, os Louboutins Pigalle Follies pretos e a sobreposição de colares Cartier não deixavam o look da garota passar despercebido. Iniciou a fala com algumas brincadeiras, arrancando risadas e prendendo a atenção dos espectadores. A mulher se expressava tão naturalmente que suas palavras não pareciam milimetricamente calculadas e ensaiadas por meses, construindo o que poderia se chamar de uma “venda perfeita”. Os recursos visuais, os quais passaram por 73 alterações, pareciam orgânicos e fluíam junto com o discurso. Ao mencionar os modelos e testes de pit stop, não havia um piloto no recinto que não estivesse com os olhos vidrados nas palavras proferidas. A capacidade de entretenimento da mulher era tão alta que transformou um discurso químico sobre disposição de compostos em narrativa, e arrancou aplausos de sua plateia.
Desse modo, após agradecimentos feitos, desceu do palco para dar lugar a Ryan, o último a apresentar, com doze toneladas a menos sobre seus ombros. A exposição não poderia ter corrido melhor, então tudo a se fazer agora era trabalhar no networking - pessoalmente, a parte favorita do trabalho para a menina . Ao fim das palestras, por volta das 20h, o céu começava a ficar alaranjado e os executivos caminhavam livremente entre os pneus encapsulados em vidro, debatendo entre si e com os representantes de cada empresa sobre as qualidades desses.
Enquanto os outros apresentadores eram abordados por pilotos e engenheiros, recebeu como um ótimo sinal o fato de que os primeiros a interceptarem foram Vijay e Lawrence. Entre conversas fluidas levadas a frente por muito jogo de cintura, o jantar foi anunciado e todos os presentes se encaminhavam para os grandes salões com imensos lustres de cristais e altos jarros de lírios e orquídeas. Com assentos em mesas delimitados e previamente escolhidos, os convidados seguiram sem maiores problemas aos seus locais para desfrutar de uma das maiores experiência culinárias da temporada.
À medida que os pratos iam chegando, a área externa era rapidamente redecorada no maior estilo Jay Gatsby, com a montagem de um bar, arranjos megalomaníacos e todo um sistema de iluminação em LED no palco para o DJ. Não era mentira dizer que grande parte dos presentes estava ali mais pela festa do que pela exposição, dada a informação que essa estava sendo produzida por ninguém menos que a princesinha da Tyre-O, e Ryan Evans. Ao ponto que o jantar era findado, alguns investidores mais velhos decidiam que iam para seus quartos dormirem, o que só seria possível porque os vidros dos quartos eram duplos, fazendo com que os barulhos das festas fossem facilmente abafados, garantido assim uma boa noite de sono para aqueles que fecharam os trabalhos mais cedo. Como a mulher esperta que era, se dispôs para acompanhar alguns senhores e senhoras aos seus quartos, podendo falar ainda mais sobre seus produtos a possíveis financiadores.
Após suas companhias finalmente adentrarem seus respectivos quartos, seguiu ao seu para trocar a roupa, sapatos e maquiagem, e poder descer para a festa. Enquanto finalizava seu batom, lembrou que havia esquecido o celular no quarto mais cedo - para a organização do evento, comunicadores foram suficientes - e o pegou em mãos, corando e sorrindo ao ver uma mensagem recebida às 16h.

“Você vai arrasar com a concorrência. Tente não os fazer chorar muito, ok? Um beijo. Grande. –

...


Logo que o elevador abriu no térreo, sentiu a brisa noturna monegasca em seu rosto, esboçando um sorriso. Ao fundo, podia ouvir Tokyo Drift tocando, e por isso seu sorriso ficou ainda maior: ela havia escolhido aquela música de Velozes e Furiosos por passar exatamente a energia que ela queria, pois, apesar de totalmente incoerente com a realidade, o filme era uma unanimidade entre aqueles apaixonados por carros e havia moldado a infância de muitos dos presentes.
Ao observar do parapeito, notou que a grande maioria dos convidados já estava com taças nas mãos - ainda que sóbria -, e embora o coquetel volante já circulasse, ainda estava saciada pelo jantar. Enquanto escaneava o local com os olhos, a garota cruzou vistas com o DJ, que piscou para ela e entendeu o recado. A música que tocava foi lentamente sendo diminuída, e Gasolina do Daddy Yankee começou a soar. As luzes estroboscópicas seguiram o ritmo da música e um holofote foi direcionado à mulher no topo da escada, que sorriu abertamente, chamando a atenção de todos que ali estavam.
vestia um Balmain curto e de mangas longas, todo em pedraria preta, azul e dourada, com dois leões expostos. A peça brilhava por si só, mas, quando atingida pelo holofote de luz quente, se tornava um show à parte, principalmente quando acompanhado de uma maquiagem esfumada delicadamente e um par de sapatos e bolsa Gucci. Com todos os olhares em si, e exaltando um glamour absurdo, riu e girou em torno de seu próprio eixo, recebendo palmas, assobios e gritos de “linda” de seus amigos. Rapidamente, cerca de dez fotógrafos se reuniram na base da escada, pedindo que a mulher posasse para eles - pedido que ela estava mais do que feliz em atender. A música ressoava ao fundo dando, a vibe, também planejada pela mulher, a fazendo sentir confiante com toda a situação. Após as fotos, ela desceu a escada tranquilamente, e os presentes voltaram a suas atividades, comentando sobre aquela, definidamente “entrada triunfal”.
Ao chegar ao nível da piscina, procurava um rosto conhecido quando foi abraçada e erguida pela cintura.
– Lando! – sorriu abertamente quando notou quem era o dono dos braços, o abraçando imediatamente após ser posta de volta ao chão. Lando Norris era, atualmente, um dos dois pilotos da McLaren para a temporada. No auge de seus 20 anos, ele era uma aposta sólida para um futuro campeão mundial. O par se conheceu ainda na época do Kart, quando ele tinha 10 anos e correu no seu primeiro campeonato nacional britânico, e ela tinha 14, disputando seu último antes de entrar na academia para Fórmula 3. Eles, apesar da diferença de idade, se deram bem imediatamente, e apesar das intempéries, mantiveram contato até o presente dia. Recentemente, com a ida de para a chefia da engenharia da escuderia do garoto, eles passaram a se ver muito mais. – É tão lindo ver meu bebezinho de smoking! – apertou as bochechas dele, num ar amigável e de extrema felicidade. A música era alta, mas eles podiam se ouvir tranquilamente.
– Você que está linda! – sorriu, gesticulando com as mãos, alegremente. – O me pediu para falar isso, mas honestamente, você é a mulher mais bonita que eu vi hoje! – corou, mais pela menção ao nome de um certo britânico do que pelo elogio em si. Ela não estava entendendo o porquê de recentemente a menção a ele a afetar tanto, mas ainda iria descobrir. – E eu não entendo muita coisa da letra dessa música, mas ela parece ser a sua cara! – ambos riram. Realmente, a letra expunha bastante do que ela queria mostrar, com a adição de uma batida muito boa.
– Falando em coisas de que você não entende, como vão as coisas com a Sophia? – ela deu risada e ele rolou os olhos. A Sophia em questão era a Flörsch, a mesma do acidente em Macau de 2018, que correra com Lando durante sua época de Kart. Ele sempre teve uma queda por ela, mas a garota era empoderada demais e Norris nunca soube como agir muito bem, só que isso não significava que ele não tentava.
– Ainda não me dá bola, mas falei com ela uns minutos atrás e ela topou um sorvete comigo amanhã na praia. Isso é um bom sinal, certo? – ele riu e a garota consentiu.
– Definitivamente. – balançou a cabeça. O papo continuou leve e descontraído até Carlos Sainz, o outro piloto da McLaren e futuro corredor Ferrari, se aproximar para cumprimentá-la. A garota ficou totalmente congelada, e cada palavra era uma dificuldade ímpar para ser falada. Carlos era assustadoramente bonito, do tipo que te faz dar dois passos para trás e não confiar nos seus olhos. Ele falou, falou, e ela não prestou atenção em nada, ficando totalmente hipnotizada pelos olhos do espanhol, que falava com uma graciosidade e alegria contagiante. Se não fosse pelo discreto toque de Lando nas costas da mulher, ela deixaria o piloto no vácuo completo, mas talvez isso fosse melhor do que aconteceu em seguida: se enrolou tanto nas palavras que teve de pedir desculpas ao homem, enquanto seu amigo fazia esforço - sem sucesso - para não rir. Errou seu próprio nome, sua empresa e até o país que estavam. Ao fim do momento deveras constrangedor, Carlos foi ao encontro de Pierre Gasly, outro piloto, e deixou a moça totalmente envergonhada e o colega a gargalhadas para trás.
– Isso foi TÃO hilário! – Lando não conseguia se conter. – Eu não sabia que você estava falando sério quando disse que passaria mal se visse ele ao vivo. - ria mais.
– Nem eu sabia que ia ser assim. – riu de leve e balançou a cabeça. – Depois dessa vergonha horrível, vou dar uma circulada e ver se esqueço disso. – beijou a bochecha do garoto e se deslocou entre os presentes.
Depois do momento inicial, agora reconhecia diversos rostos, principalmente jovens. Havia desistido de procurar Tatiana ativamente desde a exposição, mas ao andar até o bar a viu conversando animadamente com um homem alto de dreads, o que a fez rir e dar meia volta, alcançando um garçom e pedindo uma dose de Whiskey, que rapidamente chegou. Definitivamente Whiskey não era a bebida favorita de , mas a deixava com um ar sofisticado e passava a mensagem de seriedade e elegância: exatamente o que ela precisava para falar com alguns dos investidores.
Enquanto andava pelo local, a garota prestava atenção na seleção musical, que misturava ícones do pop, da eletrônica e uma coletânea que ela tinha quase certeza de ter sido extraída da trilha sonora de Velozes e Furiosos. O reggaeton também estava muito presente, e essa havia sido uma escolha da mulher porque, como tudo na festa, dava a “vibe” que ela planejara.
– Lance! – no meio dos seus devaneios, cruzou vistas com o herdeiro Stroll, que carinhosamente sorriu e veio ao seu encontro. Em matéria de pilotos comprados, Lance Stroll e figuravam o topo da lista dos mais benéficos. Lance correra pela Williams, onde Lawrence, seu pai, investiu alguns bons milhões para garantir sua estabilidade como piloto, até que a aposta da vez se tornou a Force India, que passava por um momento difícil e precisava de financiamento. Como a performance da escuderia em apuros - que logo receberia o nome de Racing Point - superava, e muito, a da outrora campeã de Frank Williams, foi lá que o magnata canadense decidiu colocar seu “rico dinheirinho” para seu filho poder correr. E Lance não desapontou, chegando cada vez mais perto do ilustre podium, mas se deparando com três rochas praticamente imutáveis atualmente: Lewis Hamilton, a lenda viva; Valtteri Bottas, um dos pilotos mais consistentes de todos os tempos; e Max Verstappen, a personificação do futuro da Fórmula 1. Não havia muito o que fazer por agora, mas, entre os carros do “midfield”, Stroll fazia valer cada milhão investido nele. Lawrence ainda tinha muito a investir, então torcia para que seus pneus fossem a próxima aposta dele.
Os dois seguiram conversando animadamente quando George Russel apareceu e se uniu a eles. Rapidamente, aquela roda de conversa unia 6 dos pilotos mais jovens: Lance, Lando (que reaparecera do nada), Charles Leclerc (Ferrari), George Russel (Williams), Pierre Gasly (AlphaTauri) e Alex Albon (Red Bull Racing). O tópico, como poderia se esperar, era corrida, mais especificamente as brigas entre os pilotos. Quando Lance trouxe à luz a briga entre Max Verstappen e Esteban Ocon no GP do Brasil de 2018, todos concordaram que, apesar de Max estar certo, a discussão não deveria ter acontecido, mas, depois que a poeira baixou, foi hilário assistir os clipes, principalmente de Bottas tentando não rir. Ao ponto que os pilotos riam, chamavam atenção, principalmente dos outros representantes comerciais. Logo, logo, Ryan Evans, Chris (um homem de trinta e poucos anos, representante da Bridgestone), Alvez (o mais velho entre eles, representante da Michelin) e Tristan (representante da Pirelli), apareceram como urubus sobre carniça - o que não passou despercebido para os pilotos, que honestamente só queriam conversar em paz. A conversa foi desviada para pneus, e simplesmente virou os olhos e bebericou seu champanhe. O grande grupo que conversava unido agora, estava dividido em pares de pilotos-representantes, na conversa mais chata da noite.
– Se vocês são tão bons assim, por que não provam em uma corrida? – Lando sugeriu a Tristan, porque já não mais aguentava o ouvir, um pouco alto devido ao drink em sua mão.
– Corrida? – como uma criança quando ouvia o som do carro de sorvete, Russel voltou seu foco aos dois.
– Quem vai correr? – Alex virou para os três.
– Os representantes. – Lando respondeu.
– Vocês vão correr? – Pierre apontou para Ryan e Alvez.
– Vai ter corrida? – Charles ergueu a vista do copo. Como uma bola de neve, em pouquíssimos segundos havia uma aglomeração de pessoas querendo informações sobre a tal “corrida”. apenas sorria, bebericando sua taça.
– Eu corro. – Tristan falou, confiante, fazendo a garota rir.
– Você vai querer correr contra mim? – ergueu a sobrancelha, fazendo a plateia reagir com “woooooooow”.
– Você trouxe um carro de corrida na mala? Porque se não, fique sabendo que corrida de rua é minha especialidade. – as pessoas repetiram o barulho, dando mais emoção à cena.
– Vamos ver. Amanhã, depois que os senhores acordarem e tomarem o remédio para ressaca, e caso não mudem de ideia. – a mulher sorriu, ladina. – Combinado?
– Combinado. – todos os quatro responderam, e a festa automaticamente se tornou 10x melhor.

...


No dia seguinte, o sol se fez presente desde as 5 da manhã, e a piscina, já com sua estrutura de cadeiras e esteiras recolocada, agregava aqueles que acordaram um pouco mais cedo. Sentada numa mesa perto da borda, a garota inglesa conversava animadamente com Cyril Abiteboul, chefe da escuderia Renault, e Sebastian Vettel, atual piloto Ferrari e tetracampeão pela Red Bull Racing, para tentar desvendar se os outros representantes iam ou não topar a corrida, já que o único acordado era Ryan. Algumas horas se passaram, todos os banhistas já haviam ido aos seus quartos para tomarem banhos e trocar de roupas, e aí então os outros três expositores apareceram no hall do hotel.
Na noite anterior, ligações foram feitas, e, mesmo antes do amanhecer, helicópteros chegaram trazendo alguns jogos de pneus, entretanto, como sempre, foi dado aos excessos, Tristan teve seu próprio carro trazido por um caminhão cegonha. Ao toque de uma da tarde e aquecidos pelos raios infravermelhos refletidos no asfalto da garagem do hotel, os cinco competidores se uniram.
– Okay, já que ninguém aproveitou essa última oportunidade de desistir, vamos às regras. – falava, e, nessa altura do campeonato, cerca de 40 pessoas estavam ao seu redor. – Cada um corre com seus pneus e carros. – todos assentiram. – Não vale direção ofensiva. – olhou diretamente para Alvez, que deu de ombros, rindo. – E a gente tem que obedecer ao limite de velocidade da pista. – em uníssono, pôde-se ouvir uma vaia coletiva. – Ele está ali por algum motivo, certo? Não quero ser responsável pelo acidente de ninguém.
– Onde vamos correr? – Chris perguntou.
– Av. Princess Grace? – Ryan sugeriu.
– Muito lotada. – retrucou.
– O circuito do GP de Mônaco? – Tristan questionou.
– Muitas ruas na contra mão. – jogou nele um balde de água fria, metaforicamente.
– Corram a Basse Corniche. – Leclerc, oriundo do pequeno país em questão, sugeriu do meio dos espectadores. A Basse Corniche é uma das três autoestradas que unem Nice a Mônaco, a mais próxima deles. A ideia foi logo acatada, e tanto o público, quanto os competidores, entraram nos carros e seguiram para um local delimitado. Após combinadas a linha de partida e a de chegada, em um local largo onde os expectadores podiam assistir de “primeira fila” a bandeira quadriculada, o percurso foi fixado em 5,1km de curvas de alta velocidade e longas retas. A corrida deveria durar pouco menos de três minutos, e seis drones já estavam distribuídos ao longo da via para captar as imagens.
Já dentro dos carros, os pilotos aqueciam os motores por simples finalidade emocional, fazendo a pequena multidão da largada comemorar. A via era relativamente estreita, cabendo apenas três carros lado a lado, então os veículos saíram enfileirados em uma ordem definida por sorteio. De forma bem dramática e de um excesso sem necessidade, a largada foi anunciada por um canhão de papel dourado picado. refletiria sobre como conseguiram aquilo tão rápido, mas na hora da largada, sua mente estava 100% focada.
Fazia anos que ela não participava de uma corrida por definição, e podia sentir os pelos de seus braços arrepiados. Dada a largada, a garota disparou sua McLaren P1 LM (alugada) pelo meio dos dois carros da primeira fileira, garantindo a dianteira antes mesmo que eles pudessem refletir sobre o que estava acontecendo. O resto da corrida foi como um passeio para a garota, que ganhava cada vez mais distância dos seus adversários, os quais perdiam o foco tentando defender postos ou ultrapassar outros. Já perto da linha de chegada, a mulher notou uma boa margem entre ela e o próximo carro, decidindo fazer uma certa brincadeirinha que, com certeza, ajudaria a trazer atenção para a qualidade de seus pneus. Com um sorriso ladino no rosto e muita experiência, arriscou, e a cerca de cem metros de distância da linha de chegada, diminuiu a velocidade e fez um drift de 180º, atravessando a linha de chegada de ré e levando os telespectadores ali presentes à completa loucura de gritos e flashes. Os competidores que chegavam alguns segundos depois não sabiam como reagir, apenas aceitando que, nas pistas, não dava para tirar aquela garota de letra.

...


tinha a cabeça deitada no colo de , enquanto ambos descansavam num banco de praça do parque que iam correr eventualmente. Era uma manhã calma de terça-feira e a garota havia retornado de sua viagem na tarde anterior, após se certificar que tudo correra bem. Nesse momento, enquanto tomavam ar, após seis kilometros corridos, tinha em mãos o celular da mulher, no qual passava o vídeo do evento para divulgação em mídias sociais. Era uma obra de arte - e deveria mesmo ser, tendo em vista o quanto custou a cobertura com filmagens e fotografia. Takes das palestras, dos investidores, dos pilotos, do jantar, da festa, do almoço social do dia seguinte, e, como cereja do bolo, da corrida. Em especial, diversos takes da poeira levantada pelo drift e as diversas caras de espanto e êxtase de quem estava assistindo, finalizados com um da garota saindo do carro e dando de ombros, com as palmas das mãos viradas para cima e um sorriso que dizia “eu avisei”. repetiu o final cerca de quatro vezes, bloqueando o telefone em seguida e olhando nos olhos hipnotizantes da garota repousando em suas coxas. Ela sorria abertamente, como quem perguntava o que ele havia achado.
– Duas coisas. – o homem começou e ela assentiu. – A primeira é: foi você que escolheu essa trilha sonora? – a música do vídeo era “You Should See Me In A Crown”, da Billie Eilish, e, qualquer um que assistisse, associaria as informações à ela.
– Na verdade, não. – riu. – Os responsáveis da comissão conjunta de Marketing que deliberaram sobre o vídeo eram todos da Bridgestone. Eles só me deram o holofote sem perceber, e eu, particularmente, amei. – deu de ombros e abriu um sorriso brincalhão. Se não fossem anos de maturidade e seriedade, o homem iria desmontar completamente ali, só por assistir à cena.
– A segunda coisa. – seguiu e ela balançou a cabeça, para que a fala prosseguisse. – Você poderia ter morrido com essa manobra totalmente desnecessária.
– É um drift, , não é nado com tubarões. – brincou, mas ele seguia sério.
– Foi um drift de 180º graus num carro alugado, que você dirigiu por apenas um dia, no topo de uma falésia, em uma estrada que você não conhecia. – repreendeu, vendo a interlocutora rolar os olhos. – Nem vem com essa de rolar os olhos, você sabe que eu estou certo. – ela assentiu.
– Mas foi irado, né? – tentou sorrir levemente.
– Totalmente. – ele quebrou a feição séria com uma risada leve. – Você tem que me ensinar a fazer isso, garota. – ela gargalhou. A conversa seguiu leve até que o telefone da mais nova tocou. Era Cláudia, a chefe de Marketing da Tyre-O. olhou para cima com expressão um pouco frustrada, deixando claro que teria que se afastar para atender a ligação. – Fica tranquila, eu vou ficar aqui te esperando. Ela deve ter um sexto sentido para ligar sempre que estamos juntos, então manda um oi por mim. – riu para a mulher, que se aproximava de uma árvore para atender a ligação.
– Clau, é melhor você ter um ótimo motivo para me ligar na minha folga. – falou, sem muito polimento.
– Bom dia, . Eu estou bem, e você? – a mais velha ironizou. – Eu achei que a Sra não tirasse férias nunca.
– E não tiro, mas estava ocupada.
– Tenho certeza de que vai gostar do que eu vou falar... Bom, pelo menos da metade. – hesitou um pouco na fala.
– Desembucha logo, então! – tentou agilizar.
– Depois do evento, principalmente por causa da sua corrida, as buscas pelos nossos pneus aumentaram em 47%. Três chefes de escuderia nos ligaram para marcar reuniões e debater nossas propostas para a FIA.
– WOW! – faltou só pular de alegria. Todo seu trabalho havia valido a pena, muito mais do que imaginara. Por alguns segundos, ela ficou parada no tempo e só queria chorar, vendo seu sofrimento e esforço terem retornos dessa proporção. Quase 50% de aumento de buscas! Nem nos sonhos mais loucos ela imaginara isso. 47! Ela queria gritar, correr, beijar o primeiro homem que visse pela frente, e que nesse caso era bem bonito. Entretanto, uma luz na mente dela acendeu, lembrando que a mulher havia comentado que apenas metade da notícia era positiva. – Eu realmente não sei como reagir. – continuava a sorrir. – Mas qual é a metade da notícia que eu não vou gostar? – um momento de silêncio foi instaurado, elevando a ansiedade (negativa) da conversa.
– A diretoria se reuniu. – ao ponto que Claudia contava o que havia sido deliberado na reunião em questão, sentia suas pernas fraquejarem e sua vista girar. O enjoo subiu e ela saberia que, se não fosse a árvore que ela se encostou, as chances de desabar no chão ali mesmo eram imensas.
– Meu pai sabe disso? – perguntou, em um fio de voz.
– Sabe. Ele quem aprovou.

...


Apesar de ser verão, a área externa de Londres, onde se encontrava a fábrica e o quartel general da Tyre-O, estava extremamente nublada, anunciando fortes chuvas que provavelmente durariam o dia inteiro. Eram sete e meia da manhã e o frio era excruciante, requerendo aos trabalhadores o uso de casacos grossos e toucas. estava sentada, sozinha, no escritório do último andar do edifício, esperando os demais executivos para iniciar a reunião. Desde a tarde anterior, a mulher se encontrava anestesiada com a notícia, e a sala totalmente neutra em tons metálicos e de grafite ajudava na ambientação da sua tensão. A garota tentava focar em sua respiração, repassando a informação dezenas de vezes na própria cabeça, com o intuito de controlar as emoções e não sair jogando as coisas pelos ares em um acesso de raiva e choro. A ligação da tarde anterior fora curta e grossa, sendo as explicações devidas marcadas para serem dadas no presente dia. Cláudia não tinha toda a culpa, ela era apenas a comunicadora da má notícia.
Às oito horas em ponto, os dez membros da diretoria, acompanhados de Cláudia, entraram na grande sala. Com uma apresentação de trinta slides, defenderam seu ponto de vista: Publicidade comum não estava funcionando para a empresa crescer, apenas para manter seu domínio já conquistado, mas, no momento que a herdeira apareceu na mídia participando de corridas e sendo amiga de diversos pilotos, as buscas cresceram em quase 50%. Marketing Orgânico, nas palavras deles. E era isso que eles queriam que fosse explorado. A sugestão? Dado o grupo de interesses, as idades e a imensa exposição, a ideia entre os quarentões engravatados era apenas uma: criar um relacionamento falso entre e algum dos pilotos mais proeminentes e problemáticos da Fórmula 1. Sim, comercializar e explorar midiaticamente um engodo, sem levar em conta que os envolvidos nesse circo eram seres humanos.
tentou combater essa loucura com todos os seus argumentos, tentou mostrar o seu lado - como estava sendo colocada num posto de pedaço de carne a ser vendido, junto com outra pessoa totalmente inocente - mas foi totalmente desestabilizada e silenciada quando seu próprio pai disse, em alto e bom som, “Se um dia você quer assumir a presidência, você terá que fazer sacrifícios em prol da empresa. Se você não aguenta um reles namoro falso, quem dirá que está pronta para tomar conta do trabalho da minha vida?”. Anos, quase duas décadas de trabalho árduo, de sofrimento, de repente não valiam mais de nada, e ela queria apenas chorar.
Minuto a minuto após a reunião, a sala ia se esvaziando, deixando apenas a Cláudia e a herdeira sentadas à mesa.
– Eu sei que deve estar tudo muito confuso na sua cabeça, mas a gente precisa definir algumas coisas. – a mais velha acariciou as costas da menina, que tinha o rosto entre as mãos e lutava contra lágrimas.
– Eu não consigo fazer isso sozinha. – suspirou.
– Quer que eu chame alguém? Um amigo? A gente consegue rapidamente um contrato de privacidade.
– Essa porra de emprego e de vida ocupa minha vida quase toda, então eu não tenho amigos, Cláudia. –respondeu, arisca.
– E o e a Tati?
– Eu não quero o aqui. Não quero que ele me veja nesse estado. – ergueu a postura e limpou o canto do olho, se livrando de uma lágrima que insistia em cair. – A Tati é uma boa escolha. Pode pedir para a Alice ligar para ela? Ela deve estar em Londres ainda. Mandamos um chofer, se ela estiver livre. Eu ligaria, mas não estou em condições. – e não estava mesmo. O cérebro de funcionava a 200km/h, mas, naquele momento, ela tinha certeza de que havia superado (e muito) o limite de velocidade de pensamentos.
Pouco mais de uma hora depois, Tatiana chegou, e ainda em roupas de ginástica e casacos grossos da Adidas, subiu para o último andar, assinando os papéis do lado de fora e entrando na sala, abraçando a amiga em um rompante.
– Alice me explicou o que está acontecendo. Eu tô aqui por você, ok? – a colombiana afagou os cabelos da britânica. – Isso é escroto para caralho, mas você é foda e vai tirar de letra. – se afastaram, trocando olhares de companheirismo.
– Obrigada por vir, Tati, eu não iria conseguir firmar isso se tivesse que fazê-lo sozinha. – sorriu amarelo e se sentou, olhando para a CMO de forma a sinalizar que ela continuasse.
– Eu acho que temos que começar com o mais óbvio: o piloto. Você tem 3 opções.
– Nossa, nem um mínimo esforço para esconder que estão nos colocando em um cardápio. – virou os olhos.
... – Tati balançou a cabeça, tentando confortar ela e dizendo que não havia muito o que fazer.
– Ok. – bufou. – Mas Hamilton não é uma opção.
– Então temos duas opções. – a executiva falou, e Tatiana riu baixo, olhando pra o chão. – Max Verstappen e Valtteri Bottas. Tentamos o Stroll, porque sabemos que vocês se dão bem, mas Lawrence não quer o filho dele numa situação dessa, mesmo que isso melhorasse a imagem do garoto. – “sensato”, refletiu, “pena que meu pai não dá a mínima para sensatez”.
– Eu até hoje não entendo tanto ódio contra o Lance, ele é um garoto de ouro. - Tatiana balançou a cabeça, notando o trocadilho infame com o garoto que era rechaçado apenas por ser filho de um homem muito rico e que, por isso, facilitou seu caminho. – Sainz é um fofo, e extremamente lindo. Ele não é uma opção?
– Ele tem namorada e vai para Ferrari, e nesse momento eu não quero minha companhia associada à Ferrari, então a resposta ia ser não mesmo que ele fosse uma opção. – se recostou na cadeira. – Bottas é um fofo, eu amo conversar com ele nas festas, mas ele não é muito velho?
– 30 anos, Verstappen tem 22. E é bonito. – Clau apontou.
– Eu não o acho tão bonito assim, para ser sincera. Valtteri é muito mais o meu tipo.
– Mas a sociedade acha. Eu mesma acho ele bonito. – Tatiana deu de ombros.
– E o Daniel? Ele é uma opção? – tentou mais uma vez.
– A Renault não quer, o Advisor do Dani muito menos. Acho que ele namora, está numa fase tranquila e ano que vem ele vai para a McLaren, não tem motivo para se meter numa seara dessas. – as três concordaram, não havia razão pra ele entrar naquela onda. – Então ficamos com o Max e o Valtteri.
– Eu nunca nem falei com o Max direito, ele parece tão frio e fechado. De vez em quando escuto uns rádios dele puto da vida, e isso parece comum.
– Esse é exatamente o porquê de ele ser uma das opções: ele precisa dessa publicidade positiva tanto quanto você. E, honestamente, ele é minha escolha, porque mais mídia que ele, só o Hamilton.
– Não é uma opção. – repetiu, irredutível.
– Os carros Mercedes são melhores que os da RBR... – Tati incentivou.
– Hamilton não é uma opção. – reiterou, fazendo as outras mulheres erguerem as mãos em sinal de rendição.
– Enfim... – Cláudia começou a arrumar seus papéis. – Você tem até amanhã para pensar, e daí continuamos.
– Alguém perguntou a eles?
– Eles não são loucos de negar esse tipo de exposição positiva, eles são opções justamente porque precisam de boa publicidade. Bottas vive ofuscado por Lewis, Lewis é visto como prepotente e isolado, Max é arrogante e viciado em trabalho, e qualquer um dos midfielders quer sair da sombra dos líderes. Ser visto, às vezes, é mais importante do que ser bom. De toda forma, eles podem ser quem forem, se ferrarem a própria imagem, tem uma manada de F2 esperando só uma vaguinha.
– Só não se mexe em Lewis Hamilton. - suspirou, mais para si do que para as outras, visivelmente derrotada e com um sorriso torto.
– Só não se mexe em Lewis Hamilton. – ambas as mulheres concordaram. Raras foram as vezes que fora vista assim: desolada e sem o brilho que carregava consigo a qualquer lugar. Nem a própria garota estava se reconhecendo. Nesse momento, ela queria ser como ela via Lewis Hamilton: inatingível. Inabalável. Ela queria manter a postura de competência que sempre teve, e não desabar, não ceder, ser sempre a melhor, independentemente de qualquer coisa. Ela não gostava de Lewis Hamilton pelo mesmo motivo que o admirava tanto: ele era um campeão nato, e não tinha tempo para esse tipo de merda.
Cláudia deixou a sala e, por cerca de 15 minutos, e Tati ficaram conversando, até que ela voltou, com o telefone ainda no ouvido e uma cara de saturação.
– Mudança de planos. Valtteri não é mais uma opção, ele vai se casar. – suspirou pesadamente.
– Ele vai se casar? De novo? – a ex-pilota exclamou.
– Ele não se separou ano passado? – a atual pilota, em sequência, também exclamou, ambas sendo respondidas por um balanço de cabeça. – Se ele já ia se casar, por que diabos estava na lista?
– Nem Toto sabia. – Toto era o chefe de equipe da Mercedes. - Depois da exposição do divórcio, ele quis manter as coisas mais low profile. Aparentemente, só descobriram quando foram chamar ele para a reunião. – Clau deu de ombros.
– Fabuloso. – bateu na própria testa. – Depois eu ligo para ele e peço desculpas pelo incômodo.
– Já liguei para o Christian e falei com o Helmut. Uma experiência ruim como sempre, vale salientar. – Christian Horner era o Chefe da Red Bull Racing, e Helmut Marko o consultor/dirigente responsável pelo “jogo das cadeiras” entre os pilotos da escuderia. Helmut era uma pessoa extremamente ríspida e linha dura, mas como seu serviço dava frutos, todos o toleravam assim. – Max ainda está na Hungria por causa do Grande Prêmio de ontem, quinta-feira temos uma reunião.
– Eu não suporto aquele porco machista. – bufou. – Odeio ainda mais dar esse gostinho a ele. Me sinto vendida.
– O Max? Mas ele é um cara tão tranquilo. – Tatiana questionou, surpresa.
– Quê? Não. – respondeu. – O Helmut.
– Por quê? Desde quando?
– Desde que eles discutiram no GP da Alemanha em 2018, e ela o xingou de porco machista na frente de metade da equipe. – Clau elucidou, fazendo Tati rir alto.
– O que ele fez? Eu sempre escutei coisas sobre ele, mas a maioria só boatos. – riu um pouco mais.
– O de sempre. – se ajustou na cadeira. – Estava em plenos pulmões falando sobre como Fórmula 1 nunca seria um esporte de ambos os gêneros, que mulher não tinha porte físico para correr, falando sobre uns treinamentos de pescoço, e etc. Eu não consegui escutar aquilo calada, terminamos discutindo e eu o chamei de porco machista. Foi literalmente a única atitude impensada que eu tive nesse esporte em 18 anos, e até hoje isso me persegue, mas, honestamente? Não me arrependo. Alguém tinha que dizer isso.
– Arrasou, garota! – a colombiana ergueu a mão como se estivesse com um copo para brindar.
– Mas agora falando no Marko, lembrei do Alex. Ele vai ficar puto, eu posso até ligar para ele e explicar tudo. Todo mundo sabe que a RBR prefere o Max, agora com essa... – balançou a cabeça.
– Agora nada. – Cláudia cortou. – Ele não vai ficar puto porque simplesmente não vai saber. Para isso dar certo, quase ninguém pode saber. As pessoas falam demais, então quanto menos cientes, melhores as chances. Todos os envolvidos, incluindo a Tatiana, somam 17 pessoas, e todas assinaram o termo de confidencialidade.

...


Eram uma e dez da manhã e estava deitada no sofá de , escorada no seu peito e abraçada e afagada nos cabelos por ele. Ela chegara na casa do homem com um pacote de comida chinesa para viagem e um pedido que ele nunca iria a negar: companhia. Por longas horas, ambos apenas comeram e assistiram “Batalha de Cupcakes”, em silêncio sob algumas cobertas, até que a garota olhou para cima e sussurrou que precisava conversar, sendo respondida com um “eu imaginei” e olhos ternos. Com as receitas e desafios como background, contou tudo: desde a festa, a corrida e as reuniões até o inadiável acordo travado com a Red Bull Racing. Ela sabia que não deveria, e que até não poderia falar, mas precisava se abrir com alguém fora daquele ninho de cobras. O homem não a julgara ou a questionara em qualquer momento, apenas balançando a cabeça em afirmação e fazendo leves carinhos no cabelo dela.
– Eu tenho duas graduações, uma pós completa e uma em andamento. Tenho 24 anos de vida e 18 anos de experiência em corridas. Eu vivo pra o trabalho, deixei cada gota de suor e sangue nessa fábrica para construir os melhores pneus, contratei os melhores publicitários do mundo do esporte, investi milhões em tecnologia e o que vai fazer minha companhia despontar no mercado é sair na mídia segurando a mão de um homem de 22 anos? Um homem? É decepcionante. – suspirou, olhando para baixo e mexendo na barra da manta que os cobria.
– Mas funciona, Koli. – ergueu levemente o rosto dela, encarando suas irises ainda sem brilho. – Eu também não estou muito feliz com essa ideia, mas eu concordo com os investidores. Isso traz mídia positiva, e gratuita. – uma pontinha de ciúmes podia ser ouvida no tom do mais velho, e normalmente isso faria a garota corar absurdamente, mas ela estava tão absorta em pensamentos que nem percebeu. – Você merece que seu trabalho desponte, pensa que isso é só mais um meio para esse fim. Max parece um bom garoto, vi ele no Paddock algumas vezes, apesar da péssima fama.
– Ele é bem maduro, para ser sincera. – deitou a cabeça para a direita. – Pesquisei um pouco sobre ele, e a Red Bull estava certa quando disse que aquele garoto é péssimo em vender a própria imagem. De primeira, tudo que achei foram gravações de rádios dele sendo super grosso com a equipe e umas cenas do documentário da Netflix fazendo parecer que ele era um bruto descontrolado obcecado com vitória. – ela falou seriamente, fazendo rir leve, cativando-a a abrir um singelo sorriso. – Mas aí eu procurei mais, e achei uns vídeos dele com o Dani, Ricciardo, na época que eles eram colegas de equipe, e ele me pareceu um doce, e genuinamente um cara bem legal. Honestamente, o problema não é ele, , é toda essa situação. – suspirou.
– Quando vocês vão se encontrar?
– Daqui a três dias, na quinta.
– Então tira amanhã de folga. A gente pode dar uma volta, tirar sua cabecinha disso um pouco. – acariciou levemente o queixo da garota, que, dessa vez, ruborizou.
– Eu não posso. – fez um biquinho infantil, despertando no homem em sua frente um desejo enorme de beijá-la. O que diabos estava acontecendo, afinal? Eles sempre foram próximos, mas, recentemente, essa vontade de tê-la sempre perto estava quase insaciável. – Tenho uma reunião cedo com Cyril da Renault, sobre a apresentação dos pneus para a FIA.
– Eu esqueci completamente que tinha isso rolando agora também. – ele ergueu as sobrancelhas em surpresa e ela assentiu. – Faz assim, depois do expediente, a gente vai naquela sorveteria que você adora e a gente prova todos os sabores. Rola? – ela assentiu novamente, voltando a deitar no peito do homem e focar no programa da TV, sentindo um beijo na cabeça e um aconchego no abraço dele.
As horas foram se passando, e ao acordar e perceber que ambos dormiam desajeitadamente no sofá, carregou a menina para seu quarto e a deitou em sua cama. Após cobri-la, ele ia se afastar até que sentiu um aperto na sua mão esquerda e escutou um sussurro sonolento de “fica”, o que o fez se deitar logo em seguida, sendo abraçado pela garota. Os dois dormiam tranquilamente, com pernas levemente entrelaçadas e a mão dela no peito dele, como se fizessem isso desde sempre, até que o alarme dela soou e, em um pulo, a menina levantou.
... – o mais velho falou, rouco e sonolento, abrindo os olhos apenas para olhar o relógio. – São cinco e quinze da manhã, volta para a cama.
– Eu preciso ir em casa, me arrumar, revisar a apresentação e encontrar o Cyril na empresa às 7h30. – observou o homem de olhos fechados, deixando um suspiro escapar com a cena. Se aproximou então, beijando o canto da boca dele, onde o beijo podia passar como um beijo na bochecha um pouco desviado. – Obrigada pela noite. – sussurrou, como se houvesse mais alguém ali e ela quisesse manter aquilo como um segredinho deles.
– Tenha um bom dia de trabalho, Koli. – girou na cama e logo estava dormindo novamente, fazendo a mulher rir.

...


Eram duas e meia da tarde de uma quinta-feira quando Max Verstappen e seu agente atravessaram as portas de uma das salas com vista panorâmica da sede da Red Bull Racing. estava sentada ao lado de Cláudia, se levantando rapidamente para apertar as mãos dos dois, sentindo um mix de emoções, principalmente ansiedade. Ambos os executivos iniciaram uma apresentação sobre contratos; estratégias de marketing; como, quando e sob que circunstâncias eles deviam ser vistos juntos; o que deveriam fazer e até como deveriam se vestir, mas os mais jovens estavam um tanto quanto dispersos. prezava pelo seu profissionalismo, Max também, mas estarem um de frente para o outro enquanto terceiros debatiam como eles deviam se beijar era, no mínimo, nauseante. Era, de certo, um sentimento longe de ser bom.
Durante as três horas de reunião, o desconforto era tão grande que podia ser quase audível, deixando até os próprios expositores desconfortáveis. Decidiram, então, fazer uma pausa breve, na qual os mais velhos saíram da sala em busca de café e deixaram o suposto casal sozinho.
– Eu não sei bem o que falar, porque essa situação toda é uma merda, então vou dizer a única coisa que pensei... – se ajeitou na cadeira. – Oi. – tentou sorrir, mas estava claramente constrangida.
– Oi. – ele respondeu, reproduzindo um sorriso, também estava claramente desconfortável.
– A gente podia conversar sobre alguma coisa, para quebrar esse clima estranho. Qualquer coisa. – ela deu de ombros, ainda receosa.
– Certo... – ele pensava em algo. – Qual sua cor favorita? – quase que instantaneamente, a garota aproximou as sobrancelhas, e em poucos segundos os dois estavam rindo alto: mais por causa de finalmente estarem liberando a tensão, do que pela situação em si.
– Isso foi péssimo! Foi a melhor coisa que conseguiu pensar? – ela gargalhava.
– Honestamente? Foi. – o garoto riu de volta.
– Faz assim: me conta como você veio parar aqui, que eu te conto como eu vim. – mais relaxada, perguntou, e eles começaram uma conversa despretensiosa. Max comentava sobre como entrar muito novo no hall da fama da Fórmula 1 fez com que sua imagem fosse extremamente deturpada, e que, embora sempre tentasse ser o mais maduro possível, às vezes besteiras de adolescente aconteciam, e ele tinha essa responsabilidade amplificada. Ao longo dos anos, a mídia o associou com a imagem de “piloto feroz” que, apesar de ser boa por um lado, fazia ele parecer um babaca por outro. Ele não negava que havia sido um babaca diversas vezes, mas por mais que ele mudasse com o tempo, ninguém parecia reconhecer, e o pior: isso estava impactando sua imagem para os patrocinadores e fãs. Aos 18, isso passava batido, mas aos 22, ele precisaria urgentemente mostrar outra postura. , por outro lado, contou sua insatisfação com o fato de que, por mais que ela trabalhasse duro, fosse bem sucedida e tivesse um produto de qualidade, seu corpo, namorados ou roupas importavam mais para a sociedade, e apesar de isso ser uma merda, ceder era um passo necessário.
A conversa foi se tornando cada vez mais casual, e a cada minutos eles sentiam mais e mais que se dariam bem, o que aliviou os dois. Inevitavelmente, caíram no tópico do contrato, debatendo as estratégias de Marketing que já estavam traçadas e deveriam ser colocadas em ação.
– Eu não prestei muita atenção na questão do story do Instagram, você sabe como vai ser?
– Eu não posto muita coisa do dia a dia, então ficou para você postar algo sugestivo, mas sem citar meu nome ou aparecer meu rosto. – ele deu de ombros.
– Mas você é o viciado em Instagram entre nós! – falou e ele sorriu. – Eu te stalkeei, eu assumo! – ergueu as mãos em rendição. – Quando seria isso?
– O mais rápido possível.
– O que significa hoje! - Cláudia, sem a menor pretensão de fingir que não estava escutando atrás da porta, reentrou no cômodo com o agente à tiracolo. – Primeira Silverstone é semana que vêm, tem que dar tempo das pessoas se acostumarem com vocês até lá. – ela se referia ao Grande Prêmio da Grã-Bretanha, que ocorreria no final de semana do dia 2 de Agosto de 2020, em Silverstone. “Primeira” se referia ao fato de que, apenas uma semana depois, o Grande Prêmio dos 70 anos de Fórmula 1 aconteceria, exatamente no mesmo circuito. – Teoricamente o Max voltou da Hungria nessa segunda, então já passou da hora de vocês se verem. – era estranho ouvir alguém delimitando suas ações passadas e futuras, mas os dois ouvintes tentavam relevar. – Fiz uma reserva no Clos Maggiori. – nesse momento, os olhos de se esbugalharam.
– Calma, por que essa reação? O que é esse lugar? – Max alternava os olhares entre as mulheres do recinto, claramente alheio ao significado do local.
– Clos Maggiori é um restaurante em Londres, foi eleito o mais romântico do mundo algumas vezes. – o agente dele respondeu.
– Claramente um exagero para um suposto primeiro encontro. – afirmou.
– Exatamente. Esse não é o primeiro encontro de vocês, em teoria vocês estão juntos a cerca de quatro meses e não se veem a um, por causa das corridas consecutivas. – agora ambos os mais novos expunham confusão em seus rostos.
– Por que especificamente quatro meses? – Max foi o primeiro a levantar o questionamento.
– Era isso que estávamos procurando lá fora quando demoramos. Faz cerca de cinco meses que o último rumor sobre vocês, separadamente, rodou a internet e quase cinco e meio que vocês foram vistos no mesmo evento, onde teoricamente vocês se conheceram. Tudo vai ser enviado por e-mail, não se preocupem com os pormenores da história. – mais uma vez, o desconforto de ser manipulado atingiu o suposto casal.
– Certo. – foi tudo que o piloto conseguiu verbalizar.
– Oito e meia um chofer vai buscar vocês em casa. Os e-mails foram enviados, leiam a história e tentem fingir costume, pois pessoas tiram fotos. O tempo todo. – e assim a reunião foi findada.

Pontualmente às oito e vinte e cinco, o suposto casal estava na frente do restaurante, claramente desconfortável.
– Isso honestamente não pode ficar mais constrangedor. – riu. Ela estava extremamente bonita, embora discretamente vestida em azul marinho.
– Eu concordo. – ele riu. – Vamos fazer assim, hoje encaramos isso como um encontro entre amigos, afinal, a gente precisa se conhecer, já que eu não sei quase nada sobre você. – sorriu de lado. – A gente posta a foto, dá as mãos, e isso não precisa ficar estranho. Certo? Pelo menos não hoje. – ela balançou a cabeça, ambos com um sorriso no rosto.
– Você é mais desenrolado do que eu imaginei. – acertou o braço dele com o cotovelo, em um tom brincalhão. Após isso, o casal “de mentirinha” saiu do carro, dando as mãos e seguindo até o Metre, que os apontou a mesa de canto. achou a decoração incrível, mas não entendia o porquê de todo aquele burburinho sobre o local. Ao se sentarem, logo foram atendidos e receberam os cardápios.
– Agora que eu te vi na luz, você está linda. – o homem sorriu.
– Você também. Você fica bem mais bonito sem boné, sabia? – ela sorriu e ele ficou vermelho rapidamente.
– O contrato é bem severo quanto a isso. Se eu tirar enquanto estiver no Paddock, sempre brota alguém com outro para me dar. – riu um pouco.
– Pelo menos não tem cláusula sobre o bigodinho. – ela falou e os dois riram, tentando não ser tão escandalosos naquele ambiente sóbrio.
– Agora doeu. – brincou, levando a mão ao peito.
– Desculpa, mas o bigodinho é péssimo. Hoje cedo eu não comentei porque eu mal te conhecia, mas agora que a gente está tentando levar isso numa boa: desiste do bigodinho. Eu quase bati palmas quando vi que você raspou para essa noite. – riram novamente.
– Eu não consigo crescer uma barba descente, mas não estou disposto a desistir tão cedo. – o ambiente de risada perdurou alguns minutos, até que ele decidiu a sua escolha e eles fizeram seus pedidos. – Acho que é uma boa hora para fazer logo o Story e se livrar disso. O que acha?
– Eu concordo, inclusive já pensei no que fazer. – sorriu, ladina. – Segura o celular, como se tivesse mexendo em algo.
– Quê? – ele riu.
– Confia! – ela o incentivou com um balanço de cabeça. Quando ele o fez, fotografou a cena e começou a digitar algo. Ao terminar, virou o aparelho para ele, que viu a foto de apenas suas mãos, as duas taças de vinho de entrada, e duas caixinhas de texto.

“Você é muito sortuda, seu namorado não é viciado em videogame”, elas diziam. O seu traz o PS4 para jantar?
(Postando no Instagram para ver se ele me nota, já que ele passa mais tempo aqui do que falando comigo.)


– Eu não faço ideia de como isso possa soar bem para mim. – ele uniu as sobrancelhas, com um ar meio desconfiado.
– Eu vou fazer outro depois que a gente comer. Confia em mim. – sorriu, postando a foto em seus stories do Instagram. era o que podia se chamar de famosa por tabela. Sua profissão atual, em si, não é algo que a alavancaria para a fama, e uma carreira na Fórmula 3 há uns bons anos atrás não justificava os 500 mil seguidores e o símbolo de verificação na rede, mas ela era extremamente popular entre pessoas extremamente populares. Além de ter um conteúdo digno de blogueira por carreira, compartilhava com o mundo aquilo que ela vivia e que as pessoas amavam ver: A vida de uma jovem de 24 extremamente luxuosa, inteligente, bem sucedida e com muitos “amigos” famosos. Havia feito poucos posts patrocinados ao longo dos anos, mas, se tudo desse errado, ela pensava que poderia seguir carreira nas mídias.
Seguiram conversa, e por isso nem perceberam que demorara mais de uma hora para que os pratos chegassem, mas mesmo que notassem, a comida faria valer a pena. Mesmo não sendo muito chegado em culinária francesa, o holandês (nascido na Bélgica) amou os pratos, apesar de reclamar das porções pequenas. Sobremesas pedidas, a garota decidiu entrelaçar sua mão direita com a esquerda dele e tirar uma foto espontânea.
– Confio? – perguntou, com um sorriso brincalhão.
– Confia! – ela riu, digitou a legenda e virou o aparelho com a imagem para ele.

“Ok gente, em defesa dele: eu estava com muita fome, exagerei um pouco. Ele é viciado em Instagram, mas pegou no celular só dois minutos 😂”
Vocês também não podem me julgar: quase um mês inteiro sem ver ele, cada minuto importa 🤷🏻‍♀‍😂”


– Tá, melhorou, mas ainda não vejo isso como bom para mim. Na verdade, agora só parece mal para você. – sorriu, com tom animado.
– Confia! – ela brincou. Ao ponto que esperavam pelas sobremesas, os dois continuavam a compartilhar histórias e realmente criar um laço de amizade. Pareciam genuinamente interessados no que o outro falava, prestando atenção em cada detalhe. Não muito tempo se passou até que os dois pratos chegassem na mesa, ambos com Petit Gateau, só que o dela com um pequeno toque: o açúcar de confeiteiro que geralmente vinha polvilhado em cima do bolinho agora tinha a forma de um coração.
– Que fofo da sua parte! – ela fez um biquinho e olhou para o homem, que estava visivelmente confuso. Como se uma lâmpada se acendesse em sua cabeça, a feição dele mudou e ele começou a rir. Ele entendeu que a garota havia pedido daquela forma para postar como se fosse um ato romântico da parte dele.
– Você é incrível! – continuou rindo, tentando, sem sucesso, ser discreto. Ela novamente fotografou o prato, delicadamente preparado, e escreveu uma legenda.

“Ele pediu minha sobremesa favorita e ainda por cima com essa delicadeza. Agora eu me sinto culpada por ter reclamado 😭😂❤️❤️❤️”


– Confia. – ela piscou para ele, entrando no ambiente brincalhão.
Após terminarem a refeição, mandou uma mensagem para Cláudia, pedindo que chamasse o chofer para os buscar. Nesse meio tempo, foi olhar suas mensagens diretas no Instagram e automaticamente começou a rir.
– O que rolou? Deu algum problema com o chofer? – Max perguntou.
– Não, não, tudo certinho. Eu tô rindo dos meus directs. Um monte de gente vindo perguntar desde quando eu tô namorando alguém, e até ai tudo bem, mas tem oito mensagens do Lando dizendo “Isso é o Max?”, “, essa é a mão do Max”, “É O TELEFONE DELE”, “ , esse definitivamente é o relógio do Max”, “VOCÊ TA SAINDO COM O MAX?”, “O Max pediu sobremesa romântica? Eu estou realmente confuso sobre se é ele ou não.”, “, eu não vou parara de mandar mensagem até você me dizer SE ISSO É O MAX OU NÃO”, e outras nessa linha. – agora ambos gargalhavam. Ela omitira duas das mensagens, que diziam “E o ? Você não gosta do ?” e “O sabe disso?”, por não achar oportuno conversar sobre o seu suposto crush, com seu suposto namorado.
– Você vai dizer para ele? – limpou uma lágrima de tanto que riu.
– Eu não. Amo zoar com o Lando, vou dizer que meu celular ficou sem bateria e fazer ele passar a noite pensando nisso. – piscou, rindo. – Deve sair alguma foto na mídia amanhã, deixa ele saber junto com todo mundo.

...


O sol brilhava naquela bela manhã de treinos livres em Silverstone, e enquanto os pilotos se preparavam no Paddock, Helmut Marko assistia de longe a interação do pupilo da sua escuderia, Max Verstappen, com a desbocada que o desafiara dois anos atrás, . Marko pensava sobre a ideia de todo aquele relacionamento ter se mostrando um tanto quanto efetiva, por mais que ainda estivesse em fase mais adormecida. Depois do suposto encontro entre os dois, alguns paparazzis estavam, “curiosamente”, na frente do restaurante e registraram a entrada deles no carro, o que foi noticiado em diversas mídias de fofoca do automobilismo no dia seguinte. Os seguidores de subiram em 30 mil e as visualizações dos seus stories ultrapassaram o dobro do número desses, mostrando que sim, fofoqueiros estão em todos os lugares (e era isso que eles precisavam.). Ao chegar no Paddock, Max foi altamente questionado sobre o seu relacionamento, mas preferiu não responder perguntas, de toda forma tratando todos os jornalistas com gentileza e cordialidade. apareceu mais tarde, mas com óculos escuros, um boné e vestindo jeans e um casaco da RBR, e passou desapercebida até a garagem da escuderia.
Ambos estavam nervosos, até porque mentir numa mídia social era muito diferente do que mentir pessoalmente - e para os amigos, principalmente no caso do holandês. Depois de uma breve conversa com Cláudia e o agente do garoto, ficou acordado que, naquele dia, eles não atrairiam muita atenção para si, ainda na ideia de que não queriam se expor, mas que com certeza deveriam ser vistos. Algumas técnicas foram discutidas para conseguir essa específica exposição então tomou em mãos as mãos do piloto e se levantou do sofá azul da salinha do Motorhome.
– Eu tenho a ideia perfeita. – riu, ladina.
– Por que eu sinto que não vou gostar muito disso? – Max se levantou, ficando na frente dela e a assustando um pouco com sua altura.
– Confia. – ela piscou para ele e olhou para a sua CMO, que assentiu para a partida dos dois para outro espaço, um pouco menos recluso, da estrutura montada. Ao se posicionarem, junto com o agente dele à tira colo (Cláudia jamais podia ser vista ali, só aparecera para tranquilizar a moça), em um dos halls menos expostos (mas, ainda assim, relativamente visível), sorriu. – Eu vou te ensinar a dançar.
– Não vai mesmo. – ele riu de volta, sentando no sofá branco.
– Vou sim. É algo fofo, visível e, com certeza, do jeito que você dança mal, vai ser viral. – segurou novamente a mão dele, o erguendo.
, eu não danço. Não têm condições.
– Claro que tem! Se em High School Musical 2 o Chad dançou, você também dança. – deu de ombros, segurando o riso.
– Oh, não. – ele fez uma cara de pena, segurando as maçãs do rosto dela em seguida, a fazendo ficar preocupada. – Ninguém te contou que eles são atores? – fez a garota rir alto, dando um leve tapinha em seu peito.
– Vamos, piadista. Se der errado, eu desisto e nunca mais te peço isso. – colocou as mãos nos dois ombros dele, tentando naturalizar a proximidade que se tornara quase que obrigatória.
– Eu não acredito que vou dizer isso, mas eu vou tentar. – Max falou e ela levantou os braços em comemoração, esboçando um enorme sorriso. Tirou do bolso do jeans o próprio celular, e ao navegar pelas playlists do Spotify, achou a música ideal. Antes de dar o play, ela tentou ensiná-lo algumas coisas básicas, como os movimentos básicos circulares de cintura para qualquer dança com batida, e já aí a coisa começou a desandar. Ele era incrivelmente péssimo, e ela não conseguia parar de rir. Entretanto, Verstappen realmente estava se esforçando. Ela fazia os movimentos passo a passo, narrando como o homem deveria fazer, e, por mais que ele tentasse, o fiasco era certo. Não importa o quando pedisse para ele “soltar as pernas”, ele não entendia o conceito, fazendo o agente rir. A garota então decidiu por colocar a música, bem baixinho, para que só os dois escutassem, e segurou a cintura dele. Assim que os primeiros acordes de “Hips Don’t Lie” da Shakira foram ouvidos, o holandês gargalhou alto, chamando a atenção de todos no local. Ela o colocaria para dançar Shakira? Sem condições. imediatamente levou a mão à boca do piloto, tentando silenciar a risada, afinal, teoricamente, eles estavam tentando ser discretos, mas tiveram sucesso em atrair olhares disfarçados. – , não tem a mínima condição de eu dançar Shakira.
– Quem disse que você vai dançar sozinho? – piscou para o rapaz. – Vamos tentar o passo básico da salsa, dessa vez com a música. Confia, vai dar certo.
– Eu te conheço há duas semanas e você já me coloca numa situação dessa. – levou a mão aos olhos. – Ok, vai. Eu já estou ridicularizado mesmo.
– Esse é o espírito! – ela comemorou, dando play na música. De início, foi um caos, como previsto, mas a partir do momento que ele parecia ter pego o ritmo, a garota se uniu a ele, e se você lembrasse como o garoto era um pedaço de tábua humano, estavam indo até que muito bem. Do nada, Max começou a rir, e a garota riu junto, mas sem entender muito. – Por que você está rindo?
– Eu não acredito que isso deu razoavelmente certo. – a garota se afastou dele num movimento da dança, e quando ele a puxou de volta, exagerou um pouco na força e terminou caindo junto com ela em cima do sofá, ambos gargalhando alto, e em seguida, tapando as bocas um do outro, o que os fez rir mais.
Com certeza aquilo havia sido filmado e sairia em algum lugar da internet, e disso eles estavam cientes, mas o que não era esperado era que Verstappen seria o mais rápido daquela sexta de treinos-livres do Grande Prêmio da Grã Bretanha e o vídeo terminaria na página oficial da Fórmula 1 no Instagram. A legenda dizia “Dançar até o topo parece estar dando certo, não é, Max?” e tinha “Bop To The Top” tocando no fundo, ironicamente, outra música de High School Musical. O vídeo não estava na íntegra, sendo uma montagem muito engraçada de todas as falhas do garoto, em especial a queda, junto a risadas da menina, do agente, de Alex Albon que assistia ao longe, e do próprio Max.
No dia seguinte, a qualificatória ocorreu normalmente, levando o holandês a seu posto quase que fincado de toda semana: largaria em terceiro no Grid. chegara apenas para assistir a última fase, e enquanto esperava a subida do piloto da Red Bull (que estava preso em uma entrevista), sentiu seu corpo ser erguido por trás em um abraço. Nem precisou virar, pois sabia exatamente quem era o responsável: Lando.
– Norris, é sempre um prazer tomar esse susto. – riu e se virou para abraçá-lo.
– Você quer falar de susto? Então vamos falar de susto. Estou eu ontem em casa, jantando tranquilamente, quando vejo um vídeo seu dançando com o Verstappen no Instagram da Fórmula 1. Isso sim é susto! – gesticulou explosivamente, fazendo a mulher rir.
– É uma história longa. – tentou desconversar.
– Eu tenho tempo, e você... – segurou a mão dela, como se fosse uma criança pequena. – Vem comer comigo, porque eu estou morto de fome, mas ainda mais morto de curiosidade. – a feição da garota demonstrou que estava esperando o piloto preso com os jornalistas. – Ele vai demorar, como sempre. Então sem desculpas.

...


Já entro do Motorhome da McLaren, Lando comia um imenso sanduíche - que mal cabia em sua boca -, e ouvia atentamente a história contada pela mulher, exatamente como estava no e-mail que ela havia recebido. Se conheceram em um evento há pouco mais de 5 meses, trocaram telefones, se encontraram algumas vezes, e engataram um namoro low profile. Era para continuar um segredo, mas fez a burrada de postar no Instagram, paparazzis estavam perto e foram lá registrar o casal. Do nada, um relacionamento tranquilo e intimista virou uma pauta internacional.
– Então vocês tão nessa há 4 meses? E o ? – Norris tocou na ferida.
– Mais ou menos isso. E é aquilo que eu sempre disse, e eu somos bons amigos. – falou, fingindo neutralidade.
– Ele sabe disso? – abocanhou o pão, fazendo a garota converter sua feição para uma mais triste. Não tinha um momento pior para toda essa farsa? Ela acreditava que não. Terminaram mudando de assunto e comendo juntos, até que a garota recebeu uma mensagem do holandês, falando que já estava livre e queria ir comer algo.
– Tenho que ir, Lando, mas vamos fazer esses lanches mais frequentemente. – beijou a bochecha do amigo, que colocou o boné dele na cabeça dela.
– Te vejo amanhã, certo? – perguntou, e ela assentiu, balançando a cabeça enquanto ajustava o boné.
Com emoções de felicidade e ansiedade (e um pouco de constrangimento por mentir) misturadas, seguiu até o Motorhome da RBR com o sentimento de que fez tudo certo, e que a história colou. No meio do caminho, teve a impressão de que foi fotografada, mas deixou passar, afinal estava ali para isso. Ao entrar na caixa de vidro, andou até onde suas recentes companhias - Max, o agente, a relações públicas e outros contribuidores da equipe dele - estavam. Logo que chegou perto do homem, sentiu uma aproximação maior da parte dele, sendo pega totalmente de surpresa com um beijo. Um beijo rápido, com a maior naturalidade do mundo, que a fez travar uma batalha interna para fingir costume, tentando não se mostrar completamente em choque. Ela sabia que naquele dia eventualmente ia ter que beijar o holandês, pois no e-mail com instruções, isso estava bem delimitado, mas não sabia que ia ser de supetão. Após se separar do toque, todos aos seu redor, inclusive o garoto, começaram a rir, e ela fez uma cara de confusão, com ar brincalhão.
– Por que vocês estão rindo? – colocou as mãos na cintura e ergueu uma sobrancelha.
– Olha para cima. – Gianpiero Lambiase, o engenheiro de Max, falou, em meio a uma risada, apontando para o boné. Quando a garota olhou, percebeu que não estava mais usando o boné laranja que usava quando entrou. Agora a peça era azul, e ao tirar para o analisar, percebeu que pertencia ao homem parado em sua frente, que divertidamente balançava o boné da McLaren em sua mão direita. Os olhos da mais nova se arregalaram e ela começou a rir também, iniciando uma nova onda de gargalhadas devido a sua reação.
– Como você fez isso? Quando você fez isso? Eu não senti nada! – ela ria.
– Gian viu você entrando com manto inimigo e desafiou o bonitão aí a se livrar disso sem você perceber. – o agente brincou.
– Aí foi só usar o elemento surpresa e um pouquinho de delicadeza. – Max beijou a bochecha da garota, a fazendo rir, mesmo com o semblante de indignação.
– Mas foi muito suave, eu não senti nada. Você vem praticando isso com outras garotas, Verstappen? – cruzou os braços com um sorriso ladino, fingindo estar brava. Dessa vez, ela tinha certeza de que ele a beijaria, levando isso com mais tranquilidade quando aconteceu. O ambiente seguiu tranquilo, com piadas e brincadeiras, até que deu a hora de todos seguirem para casa para se prepararem para a corrida do dia seguinte.
No domingo, Silverstone atingia seu ápice. O calor daquele verão era escaldante e o medo com relação aos pneus era sentido por cada uma das escuderias. A pista passava dos 50º graus, os macacões eram quentes, e mesmo acostumados, os pilotos se referiam àquilo como “sentimento de inferno”. Naquela manhã, voltou a sentir um sentimento que não tinha há anos: dia de grande prêmio. Como espectadora, a ex-pilota sentia a emoção de fã, mas, de dentro de uma garagem, tudo mudava de figura. Um frio surreal percorria a espinha dela enquanto via, do canto da parede, os mecânicos dando os últimos ajustes no carro azul número 33. Ouvir os aquecimentos de motor faziam o cérebro dela se desligar completamente de tudo, como se pudesse sentir dentro de seu peito cada rotação. Nesse momento, uma luz se acendeu na sua cabeça, a fazendo lembrar de um certo alguém que, em outros tempos, passava horas com ela só ouvindo os barulhos desses carros. Tomou o celular em mãos e digitou habilmente:

“Ninguém pode saber que eu te mandei essa mensagem, mas eu estou torcendo por você 🧡”


Ele respondeu em um piscar de olhos.

“Poderia dizer que desejo sorte ao seu piloto, mas aí estaria mentido 😂😂😂”


Ela, então, decidiu arriscar:

“Quem ganhar paga o jantar? Tem que ser em casa, por todos os motivos que estão rolando, mas aposta é aposta.”


Demorou um pouco, mas a resposta veio:

“Não é aposta quando todo mundo sabe quem vai ganhar 🙄”
Mas faz tanto tempo que a gente não se vê, que por você eu topo esse jogo perdido. Que horas e o que eu levo?”


A garota quase deu um gritinho e alegria.

“Hoje eu vim com o agente do Max, você podia me dar uma carona, né? 😂😂”

“Como preferir. Um beijo. Boa corrida.”


Ela sentiu essa resposta como sendo um pouco mais seca da parte dele, mas decidiu ignorar, imaginando que poderia ser a tensão pré corrida. E, falando em corrida, ela começou e prosseguiu de forma bem característica: com a fileirinha Lewis, Bottas e Verstappen. Como toda a temporada de 2020, a parte mais interessante eram as manobras e ultrapassagens do midfield, tendo como estrelas a McLaren, a Renault e a Racing Point. Na volta 12, Daniil Kvyat, da Alpha Tauri, foi protagonista de uma batida por problemas técnicos, o que acarretou a entrada de um Safety Car e bagunçou toda a estratégia de pneus para aquele dia.
Já na iminência do fim da corrida, notava-se que os pneus dos corredores do topo do Ranking estavam em desgastes extremos, ouvindo-se reclamações de vibrações. A três voltas da bandeira quadriculada, Bottas, que estava em segundo lugar, tem um de seus pneus estourado, o que deu a Max uma janela para ultrapassá-lo. O holandês seguiu então para o box na penúltima volta, na expectativa de trocar os pneus e fazer a volta mais rápida da prova e ganhar um ponto extra. Entretanto, na última volta, o caos se instaurou. Lewis Hamilton (até então líder da corrida), Carlos Sainz (McLaren, até então quarto colocado) e Kimi Raikkonen (Alfa Romeo, mas que não apresentava risco), tiveram seus pneus frontais esquerdos também furados.
Imediatamente o engenheiro de Max o contactou pelo rádio, informando sobre a situação do primeiro colocado. Em primeira instância, o holandês não acreditou, pedindo que a informação fosse repetida, e quando essa foi, questionou se havia chance de vencerem. Ao ver o intervalo de mais de 30 segundos entre os dois pilotos diminuir aos poucos, mesmo sem o esforço do piloto, Gianpiero respondeu: se você mandar ver. Então o jovem de 22 anos iniciou uma odisseia em alta velocidade, enquanto todos os funcionários na garagem estavam de pé, ávidos pelas imagens das televisões. As pessoas em casa provavelmente estavam do mesmo jeito: grudadas nos frames do que podia ser a maior reviravolta da temporada. Com Carlos fora para troca de pneus, e Bottas recolocado entre os midfielders após o PitStop, o gap entre Max e o terceiro colocado, Charles Leclerc, era grande, o que deixava claro que ele não tinha nada a perder em tentar.
Do outro lado, Lewis Hamilton se segurava na sorte, enquanto seu engenheiro, Peter Bonnington, comentava que Verstappen já sabia do ocorrido e estava vindo a toda velocidade para tomar o topo do pódio. A cada segundo, a diferença entre eles caía. Para 20 segundos, depois para 15, para 10... E, enquanto isso, todos os realmente aficionados pelo esporte estavam a ponto de gritar. O carro azul se aproximava cada vez mais do preto, que tinha uma clara dificuldade em se manter em linha reta. “9 segundos para o Verstappen”, Bono falava no rádio, enquanto Lewis dava seu máximo para se manter na pista. “7 segundos para o Verstappen”. E, apesar do caos, inacreditavelmente Hamilton vencera a corrida com 3 pneus e com o piloto da RBR a menos de 7 segundos de distância. Quase todos os pilotos que receberam a notícia repetiram a mesma frase: “Bastardo sortudo”.
Max sabia que, se não fosse a sua troca de pneus para ter a volta mais rápida, provavelmente teria vencido a corrida. Também sabia que não tinha como descobrir que aquilo ocorreria, não se arrependendo da sua escolha, só achando um infortúnio. Na chegada para o pódio, o garoto foi congratulado por todos que ali estavam, aceitando de bom grado o troféu de segundo lugar, sabendo que esse foi um resultado bom para a equipe.
Depois de tocado o hino, derramado o champanhe e feitas as entrevistas, o holandês voltou à garagem para agradecer ao time com mais calma. Lá, foi recepcionado por um abraço que nem viu de onde veio, reconhecendo a dona pelo perfume. Ela havia simplesmente pulado para abraçar seu pescoço, se segurando pelas pernas no torso dele e fazendo-o segurá-la pela cintura para evitar que ela caísse.
– Você foi INCRÍVEL! – comemorou, voltando ao chão.
– Eu não ganhei. – olhou nos olhos dela, que balançou a cabeça divertidamente.
– E quem falou em ganhar? Você viu como foi INCRÍVEL o que você fez nessa última volta? Você ganhou quase 30 segundos contra o Lewis. O mundo todo parou para olhar. Você só não ganhou porque ele é um bastardo sortudo. – riu.
– Eu pensei a mesma coisa. – o homem esboçou um sorriso genuíno.
– Você mereceu cada metro de pista desse segundo lugar, de verdade. – o beijou na bochecha. Outros mecânicos chamaram o holandês para parabenizá-lo, então ele a olhou e apontou com a cabeça, dando a entender que iria lá. – Vai. Depois quero falar contigo sobre semana que vem. Acho que sei o que você pode fazer com relação aos pneus. Confia. – piscou e sorriu levemente, fazendo piloto sorrir também enquanto se afastava.
então lembrou do seu “quase encontro”, pegando no celular para avisar que estava livre, entretanto foi interrompida ao desbloquear o aparelho, pela responsável pelas relações públicas do piloto. A mulher dizia que em 15 minutos ocorreria uma entrevista com as famílias de alguns pilotos para o canal oficial da F1 no YouTube, que a entrevista seria no GP dos 70 anos, mas eles queriam aproveitar que todos já estavam ali. Ela não podia negar, então disse sim, pedindo apenas alguns minutos para desmarcar outro compromisso.
Não precisou nem sair da garagem da escuderia quando avistou digitando algo no celular e andando em sua direção.
– Tudo pronto? Pensei que a gente podia pedir comida japonesa naquele restaurante novo perto da padaria grande do centro.
... – falou, manhosa, e o homem já sabia o que aquilo significava.
– Cláudia?
– Dessa vez foi a RP do Max. Surgiu uma entrevista com as famílias dos pilotos de última hora, e...
– Nossa. Família? – interrompeu, um pouco chocado. – Já estão te considerando família dele?
– Teoricamente estamos nessa há 4 meses, e o agente dele mexeu os pauzinhos, com certeza. – deu de ombros. – Podemos remarcar?
– Quando você puder, Koli. – sorriu, um pouco sem brilho. Nesse momento, Verstappen apareceu, buscando por ela, escutando apenas a última parte.
– Koli? – o loiro questionou.
– Para de ser intrometido, Max. – ela repreendeu, rindo. – Max, . , Max. é um dos meus grandes amigos, ele é...
– Engenheiro pela McLaren, certo? O do Lando? – sorriu, apertando a mão do homem em sua frente. – É um prazer.
– Posso dizer o mesmo. – ambos agora sorriam. – Enfim, Koli, vou ter que ir agora. Aproveita a entrevista. – piscou e se afastou dos dois.
– Entrevista? – o garoto perguntou.
– Aparentemente eu vou dar uma entrevista sobre você. Eu, e o seu pai. – brincou.
– O meu pai? – arregalou os olhos.
– Uhum. Acho que é tipo um jogo. Vai para o canal da F1 no YouTube. Sua RP veio me procurar, disse que isso fazia parte do todo. – deu de ombros.
– Então... se divirtam? – ele estava claramente nervoso, o que a fez rir. – Só para eu não esquecer, o que é Koli?
– Vem de Kolibrie. É holandês para...
– Beija-flor. – ele finalizou. – O engenheiro é holandês? E por que beija-flor?
– Ele é britânico de carteirinha, mas seus pais são holandeses. Nascidos na Holanda, não que nem vocês. – riu e recebeu uma virada de olhos em resposta. – me chama assim porque diz que combina comigo, que um beija-flor não fica parado nem quando está parado.
– Combina mesmo com você. – esboçou um riso quase imperceptível, tendo o momento interrompido pela funcionária de relações públicas em busca da menina. – Te vejo quando? – perguntou, enquanto se afastavam.
– Amanhã? – ela sugeriu, um pouco alto, pois já andava junto à mulher.
– Janta comigo? – perguntou, num volume que já chamava um pouco de atenção para a conversa.
– Às oito! – ela respondeu alto, devido à distância.
– Marcado, então. Te amo! – ele soltou, sabendo que agora muitos podiam o ouvir, mesmo sem estar gritando.
– Parabéns de novo pela corrida. Te amo! – a garota entrou na brincadeira, rindo com ele, logo em seguida e se virando para seguir caminho até o local da entrevista.
– Vocês são muito bons nisso. Não dá para dizer que é falso, nem se eu quisesse. – A RP sussurrou, fazendo a garota refletir.

...


Na sala de entrevistas, além da entrevistadora, seis pessoas estavam presentes: Pascale Leclerc e Charlotte Sine, respectivamente mãe e namorada de Charles Leclerc; Carlos Sainz Sr e Isabel Hernáez, respectivamente pai e namorada de Carlos Sainz Jr e Jos Verstappen e , respectivamente pai e suposta namorada do Max, todos sentados lado a lado. Antes de chegar na sala, o ex-corredor foi completamente esclarecido sobre o que estava acontecendo, inclusive, chocando a garota com sua recepção calorosa e um abraço, coisas que não eram típicas dele. Depois de microfonados, apresentados e explicada a dinâmica, o jogo/entrevista começou.
– Para essa primeira rodada, vocês têm três plaquinhas na frente de vocês, cada uma com o rosto de um dos pilotos. Eu vou fazer algumas perguntas, sem resposta certa ou errada, e vocês erguem o garoto que corresponder. Tudo certo? – todos assentiram. – Só tem um “porém”: vocês não podem votar nos seus pilotos. – Carlos Sainz fez uma cara engraçada e todos riram. – Certo, vamos começar com a mais capciosa. – a mulher riu. – Quem vocês consideram o melhor piloto? Não valem os seus.
– Eu mal cheguei e vocês já querem atrapalhar minhas possíveis amizades com os outros meninos? – falou, indignada, e todos no lugar riram. Por fim, ela terminou votando no Charles e o Jos no Sainz, tendo os outros 4 votado no Max, fazendo a dupla dela despontar no ranking de brincadeira. Outras perguntas e cenas engraçadas se sucederam, como perguntar qual deles tinha mais estilo e todos votarem no Charles, inclusive quem não podia, ou perguntar qual deles tinha mais personalidade de cachorro/gato e gerar uma discussão filosófica sobre o que seria uma personalidade de gato e de cachorro. Entretanto, a pergunta mais engraçada ainda estava por vir.
– Para fechar esse bloco, quem é o mais bonito entre os três? – Todos que podiam votaram no Carlos e a dupla dele votou no Charles. Enquanto os pais justificavam os votos nos meninos bem apessoados, começou a chorar de rir, escondendo o rosto. Quando se deu conta do que estava acontecendo, Isabel começou a rir também. As duas já estavam quase sem ar quando finalmente pararam, dando espaço para a entrevistadora questionar o que estava acontecendo. não conseguia responder, estava vermelha demais para isso, então Isabel tomou a fala.
– Eu só sei o que o Chili me contou. – limpou uma lágrima oriunda da gargalhada. – No evento de pneus de Mônaco, Lando tentou apresentar a a ele, e ela simplesmente travou. Ele falou que ela gaguejou, errou o próprio nome, a marca de pneus dela mesma e perguntou se ele estava gostando do clima da França. Em Mônaco. – ambas voltaram a rir, agora junto com os outros quatro e a locutora.
– Foi uma das maiores vergonhas da minha vida. – enxugou as lágrimas, tentando parar de rir. – Mas, em minha defesa, o Carlos é assustadoramente bonito. Literalmente assustadoramente. Eu não sei como a Isa consegue namorar o cara, porque ele parece falso de tão bonito! – gesticulou. – O tipo de problema que não tenho com meu namorado. – falou e todos começaram a rir, a fazendo adquirir a mesma postura indignada, porém risonha. – Isso foi juízo de valor de vocês! – as gargalhadas ficaram mais altas, cessando em alguns minutos. – Ele pode não ser um Carlos da vida, mas ele é um fofo e isso que importa.
– Depois desse belo momento de exposição de vergonhas passadas, vamos para a segunda fase. – a entrevistadora retomou a pose séria, mas com um sorriso nos lábios. – Agora existem sim respostas corretas, e cada acerto conta um ponto por time, então se os dois acertarem, vocês pontuam em dobro. O tema é: automobilismo.
– Aí não vale! – Charlotte brincou, erguendo os braços. – O time do Max tem dois pilotos!
– O mundo é cão. – Jos falou, e, como ninguém esperava, todos fizeram silêncio, caindo na risada logo depois. O jogo prosseguiu, e, como previsto pela menina, a equipe do Max ganhou por 7 pontos de diferença. Algumas outras perguntas foram feitas para aproveitar os familiares ali, como quais eram as opiniões deles sobre as carreiras dos meninos e como isso impactava nas vidas pessoais, dando abertura para falar um pouco mais sobre como seu “namorado” era voraz nas pistas, mas, fora delas, era um cara extremamente maduro, dedicado e responsável, além de reiterar várias vezes que ele era um fofo. Os outros familiares se chocaram um pouco, pois nenhum deles esperava que alguém se referisse ao holandês com ar de sanguinário como “fofo”, mas a garota soava tão genuína que convenceu a todos. Cláudia e Christian Horner com certeza iriam gostar muito do produto dessa entrevista.

...


Os dias da semana, dessa vez, passavam lentamente. No próprio domingo, o vídeo das famílias foi postado, gerando um burburinho positivo imenso para ambos os jovens. Na segunda-feira, o suposto casal levou o jantar marcado adiante, no qual conversou com Max sobre adotar uma estratégia peculiar de pneus para o Grande Prêmio dos 70 anos de Fórmula 1, que aconteceria também em Silverstone no final de semana seguinte. Ela sabia muito bem de como o protocolo de pneus tinha que ser seguido, incluindo a cláusula sobre notificação prévia, mas todo esse conhecimento tinha um lado bom: as brechas. Eles não precisavam trabalhar duro para ganhar, precisavam trabalhar inteligentemente. Durante o jantar, havia perdido duas ligações de , e apesar dele parecer genuinamente tranquilo com a situação, afinal nem todo mundo está disponível 100% do tempo, a mulher se sentiu um tanto culpada, mas logo afastou esse pensamento por um simples motivo: ela estava fazendo apenas seu trabalho, e ele entendia.
Na terça-feira, a herdeira teve duas reuniões muito exaustivas sobre as apresentações para a FIA, colapsando na cama assim que chegou em casa. Na quarta, acordou com mais um e-mail de instruções sobre o que deveriam fazer naquele dia, mandando em seguida uma mensagem de texto para o loiro.

“Aparece aqui depois das quatro, pode ser? Antes tenho reuniões.”


Ele, que estava terminando de ler o e-mail, ainda deitado na cama do hotel, respondeu:

“Certo. Pela manhã estou no simulador, de tarde apareço aí. Alguma ideia do que fazer além das fotos?”


Ela leu, digitando uma resposta em seguida.

“Eu tenho alguns jogos pra PS4 e Netflix. Ou a gente pode pedir comida e dormir.”


Depois de soltar uma risada do outro lado, o loiro respondeu.

"Você é meu tipo certo de amiga.”

...


As horas se passaram, e um pouco depois das quatro da tarde, um Uber deixou o holandês na porta da casa da garota. Assim que ela abriu a porta, os dois riram alto: estavam praticamente vestidos com as mesmas roupas. O clima estava ameno na terra da rainha, requerendo o uso de peças mais quentinhas. No caso deles, ambos usavam tênis, calças cinza de moletom e um casaco: o dele, um simples vermelho com uma arte escrita “Mad Max”, o dela, um oficial da McLaren muito maior que o seu tamanho (claramente havia surrupiado do .).
– Me sinto em território inimigo. – ele riu. – Você torce pela McLaren?
– Você compra produtos com seu nome escrito? – brincou, insinuando que, assim como o casaco que ele vestia, o dela também era um presente (ou um empréstimo nunca devolvido.). Apontou com a cabeça para ele entrar na casa, fechando a porta logo após.
– Um fã me deu ano passado. É extremamente confortável, e não importa onde eu procure, nunca achei outro igualmente bom de usar. O seu?
– Peguei emprestado do e nunca devolvi, mesmo sentimento. – riu. – Senta aí no sofá e vai escolhendo um filme, ou jogo, qualquer coisa. Os DVDs ficam na estante ao lado da TV, se pressionar a porta abre. Preciso só terminar de escrever um documento e enviar. 5 minutos e eu desço. Pode ser? – ela falou e ele assentiu, a assistindo subir as escadas rapidamente. Tentando não ser curioso, mas já sendo, o holandês circulou pela sala. Primeiramente, analisou os porta-retratos, vendo fotos da garota em competições de Fórmula 3 e Kart, uma foto dela com o Engenheiro da McLaren e Tatiana, no que parecia seu aniversário de 24 anos, uma emoldurada capa da Forbes com sua imagem, e no canto, um retrato da garota com seu pai. Pensou se deveria perguntar algo sobre a mãe da menina, mas antes mesmo de refletir sobre a inconveniência, viu uma fotografia emoldurada na parede: o que parecia uma de seis ou oito anos sentada em cima de uma pilha de pneus, ao lado do pai e de uma moça, provavelmente sua mãe, na frente da fábrica da Tyre-O. Tentou buscar na memória se sabia alguma coisa sobre o que poderia ter acontecido com a matriarca, mas sem sucesso.
Em seguida, foi olhar a coleção de jogos, separando um FIFA (afinal, quem não gosta de FIFA?) entre as dezenas de jogos de corrida. Enquanto olhava os modelos de plataforma, uma das caixinhas tinha um post it escrito “Se você jogar sem mim, nossa amizade acaba aqui, Koli. - , o que fez Max começar a entender o que estava acontecendo ali. Claramente não era só um amigo da britânica, mas também não parecia ser namorado. Antes que pudesse terminar de refletir sobre isso, desceu a escada em pulinhos.
– Escolheu? – perguntou, sorridente.
– Mais ou menos. – ergueu a caixinha do jogo de futebol. – Quem sabe um filme é melhor. Aconteceu alguma coisa? – o garoto sorriu levemente.
– Uhum. – ela só faltava gritar de tão feliz que parecia. – Recebi um e-mail da FIA, vamos ter uma reunião sobre regulamento para pleitear o fornecimento do ano que vem. Só a gente, a Pirelli e a Goodyear. – então ela não se conteve, soltando um gritinho e abraçando o homem, que riu.
– Isso é incrível! Parabéns, . Você merece.
– Não quer dizer que acabou, mas o caminho ta melhorando. – fez uma dancinha engraçada, levando o loiro ao riso novamente. – Senta nesse sofá, vamos postar logo essa foto que eu quero pedir uma pizza pra comemorar.
Logo a garota ligou a televisão - enorme, diga-se de passagem - e iniciou a Netflix, apenas para fazer background para o Story. Tiraram os tênis, sentaram no sofá, e ela tomou a mão dele na sua, passando uma das pernas sobre as dele. A foto, então, foi um registo casual, que dizia:

“Aproveitando ele em casa por uns dias”


– Você é muito boa nisso. – Max brincou, soltando as mãos, mas mantendo as pernas um tanto quanto entrelaçadas. – Eu repostaria, mas estou sem saco de ligar para o meu agente.
– Você tem que avisar se for postar alguma coisa? – ela o olhou, confusa.
– Se não for pré-aprovado ou tiver algo de algum patrocinador, infelizmente. – falou, um pouco triste, o que fez mudar logo de assunto.
– Vou pedir a pizza. Quer de quê?
– Qualquer coisa com carne.
– Carne? Na pizza? – o olhou, cética.
– Claro, e é tão comum que a “Double Dutch” é com duas vezes mais carne, queijo e cebola. Você pede de quê?
– Abacaxi com presunto. – deu de ombros.
– ABACAXI COM PRESUNTO? – Max não sabia se ria ou fingia nojo.
– Você come pizza de CARNE! – deu de ombros um tanto quanto agressivamente, mas ainda brincando. O ambiente entre os dois era divertido, o que foi pura sorte, contando com o fato de que tudo ali era arranjado. – Eu vou fazer essa atrocidade culinária e pedir meio a meio.
Em menos de 20 minutos, a pizza “Frankenstein” chegou, sendo registrada no Instagram do homem - que recebeu o passe livre de postar qualquer coisa quando estivesse com ela, sob contrato - com a legenda “A maior atrocidade culinária que você vai ver hoje” e marcou a garota. Depois, decidiram ver um filme, mas a demora foi tanta para escolher que o Holandês dormiu, sendo alvo, mais uma vez, da câmera da moça. Entretanto, ao passo que ela escolheu e deu play, o filme era tão chato, mas tão chato, que foi a vez dela adormecer. Já acordado, e após ter visto que, mais uma vez, postaram fotos dele dormindo, o homem decidiu retribuir o “carinho” e postou uma foto dela, mas com uma legenda passivo-agressiva engraçada:

“Reclama que eu dormi enquanto passava quarentena minutos escolhendo o filme, e cinco minutos depois do play já tá babando no meu ombro. 🤷🏼‍♂‍ 😂”


Em questão de minutos, os dois estavam dormindo.
Já eram quase oito da noite quando o telefone do piloto tocou, acordando os dois ocupantes da casa. Enquanto ele resolvia questões de trabalho, a menina pegou o celular, notando quatro novas mensagens de há mais de duas horas.

“Koli, o Stefan falou comigo sobre o retorno da FIA. Parabéns! Você merece!”
“Meu projeto de PitStop foi pré-aprovado, então meu dia está ótimo também. Topa uma comemoração?”
“Eita, acabei de ver no Instagram que você está ocupada. Sem estresse, fica para uma próxima então!”
“Mas eu vou cobrar, viu?
🥳🥳👏🏻👏🏻”


A mulher suspirou. Ela amava o seu trabalho, e realmente tinha se afeiçoado a Verstappen, mas esse ambiente já estava a frustrando. O pouco de tempo livre que ela tinha estava sendo dedicado a isso, sobrepondo o tiquinho de vida pessoal que possuía. Ela já não gostara da ideia de mentir, mas além de mentir, essa farsa estava tirando dela uma das poucas relações genuínas que tinha.

...


Ao longo da semana, cada vez mais compromissos iam brotando do nada, fazendo com que, sem perceberem, o domingo da corrida já havia chegado. Quando chegou no Paddock, os pilotos já estavam na volta de apresentação, não conseguindo falar com nenhum deles, seguindo para a garagem da escuderia. Entretanto, quando o grid foi montado, sorriu de orelha a orelha: o carro 33 da Red Bull Racing estava largando com pneus duros, enquanto quase todos os outros largavam com médios, exatamente como ela havia recomendado e previsto. Valtteri Bottas largou na pole position, mas logo, logo os pneus médios dele e de seu companheiro de Mercedes começaram a ficar muito desgastados. Nesse meandro, Max esticou seu uso com os pneus ainda em boas condições e tomou a liderança da prova, sabendo que aquela era sua chance.
Na volta 26, Verstappen precisou parar para troca, quando foi momentaneamente ultrapassado por Valtteri, o que não durou muito devido ao aumento de proficiência do carro após o PitStop. Mais à frente, o holandês e o finlandês fizeram sua segunda troca, com algumas ameaças, dando incerteza ao pódio naquela altura. Hamilton tentou esticar o uso dos pneus, mas teve que, mais uma vez, voltar ao PitStop. A partir daí, o jogo, para Max, era apenas de controle. Ele estava em primeiro, e mantendo isso até o final, conquistou o tão suado primeiro lugar - e também a primeira vez que um carro não Mercedes ganhara em 2020.
O caos dentro da garagem era real, com gritos e abraços entre os mecânicos e colaboradores da escuderia da bebida energética. Todos seguiram, extremamente extasiados, para o local onde os pilotos estacionam após a prova. Ao sair do carro, Verstappen comemorou veementemente, correndo para abraçar seu time. Chegando lá, foi recebido calorosamente com abraços, tapinhas no capacete, gritos e muitos palavrões de felicidade. Ao retirar o capacete e a balaclava, escaneou a aglomeração com os olhos, em busca de uma certa britânica. Ao encontrá-la, a reação imediata foi erguê-la pela cintura, e no auge de toda aquela emoção, beijá-la - não da forma que eles se acostumaram a fazer na última semana, mas um beijo de verdade. Por mais que não significasse nada além de descarga de adrenalina, quem assistisse acreditaria realmente que aquele era um casal muito apaixonado.
– Você é FODA! – ele riu, colocando a garota em cima do ombro direito e erguendo o braço em punho para o time novamente, em forma de comemoração. Depois de risadas e mais alegria, era a hora de subir ao pódio. O sentimento eletrizante percorria a todos, e não havia uma pessoa que não estivesse sorrindo.
Depois da cerimônia oficial e do banho de champanhe, era a hora das famigeradas entrevistas, sendo o holandês o mais requisitado. Nesse meio tempo, Christian Horner, chefe da RBR, estava convidando a todos para um jantar em equipe para comemorar o feito, incluindo a COO da Tyre-O no pacote - e quase a beijando também, em meio a sua alegria. concordou, mas pegou no celular com um pouco de tristeza. Havia remarcado a comemoração com para aquela noite, e já estava ficando irritada com a sacanagem que o destino estava fazendo com ela. O engenheiro entendeu, sugerindo outras datas, mas em todas ela tinha compromisso. Quando ela podia, ele não podia. Decidiram então por suspender por um tempo o encontro, mas de forma muito amigável (isso da parte do , porque estava decepcionada com o acaso.)
No hall dos jornalistas, Max já estava no terceiro depoimento, esboçando enormes sorrisos. Perto de Lando, também estava recebendo algumas perguntas, e a menina sentiu uma pontadinha de orgulho. Apesar do barulho, se se esforçasse, podia ouvir o conteúdo de ambos os questionamentos, focando em uma moça quando ouviu seu nome. , que escutava Norris falar sobre uma ultrapassagem, também desviou seu olhar.
– Max, primeiramente parabéns pela vitória, ainda mais nessa corrida histórica. Todos nós estávamos vibrando por você. - a repórter afirmou.
– Obrigado. – o homem de 22 anos sorriu.
– Depois dos ocorridos da semana passada, com certeza seu diferencial hoje foi a estratégia de pneus. Como vocês chegaram até esse plano? Isso tem alguma coisa a ver com e aquele beijasso no fim da corrida? – a pergunta foi feita e o piloto imediatamente corou, escondendo o rosto por alguns segundos, logo após se unindo à risada leve da jornalista.
é uma garota incrível, mas, mais do que isso, ela é um gênio, principalmente falando em pneus. Segunda-feira, depois do GP da Grã Bretanha, ela veio falar comigo sobre isso, então levei até a equipe e todo mundo comprou a ideia. Ela ainda disse que, se usassem os pneus dela, seria melhor ainda para vencer, mas isso não era da sua alçada. – os dois riram. – Honestamente, eu concordo. Eles acham que eu apoio os pneus dela porque a gente namora, quando é o contrário: a gente namora justamente porque eu apoio os pneus dela. – ao ouvir isso, só faltava desmaiar de felicidade. Parando para pensar e vendo com olhares de fora, aquele era o terceiro melhor piloto da atualidade, elogiando seus produtos, em rede mundial, depois de uma vitória num GP histórico. Era o máximo de propaganda orgânica que ela poderia conseguir.
– Alguma notícia sobre como estão as negociações para fornecedores do ano que vem? – A repórter arriscou.
– Aí você pergunta à Koli, mas por mim, eu já teria mudado. – nesse momento, os olhos de e Anabelle se fixaram na cena.
– Koli? – a moça indagou.
– É a . Koli é de Kolibrie, beija-flor em holandês, porque ela não fica parada nem quando está parada. – ele riu e assim a entrevista foi terminada.
Do outro lado do hall de imprensa, só faltava soltar fumaça pela cabeça. Ele era um cara tranquilo, sempre fora, mas aquilo foi a gota d’água. Uma onda de ciúmes que ele nunca havia sentido antes percorreu seu corpo. Ver o piloto sair, jantar, posar para fotos, entrevistas e até beijar a garota, ele tolerava, porque entendia que aquilo era o trabalho dela naquele momento, mas ouvir aquelas quatro letras saindo da boca do famoso foi o suficiente para estressá-lo. Com uma raiva que não sabia de onde vinha, tirou os comunicadores e se afastou dali em direção ao Motorhome, sussurrando um “holandês filho da puta” baixinho. , do outro lado do espaço, viu - quase que em câmera lenta - a reação do mais velho, percebendo que ali havia chegado ao fim a paciência dele.

...


O sol da Espanha animava a quase todos, mostrando ao mundo o porquê do verão espanhol ser um dos mais famosos. Entretanto, com as corridas semanais, as equipes e pilotos já estavam ficando relativamente cansados, ansiando pelo fim de semana de pausa entre o Grande Prêmio da Catalunha e o Grande Prêmio da Espanha. No B&B Hotel Barcelona Granollers, a apenas 10km do autódromo, estava deitada na cama de Max enquanto esperava ele terminar de se arrumar para almoçar naquela quinta-feira. Devido à proximidade (inicialmente forçada), por mais que se conhecessem apenas há pouco mais de um mês, sentiam que eram amigos há muito tempo. Então, olhando pelo lado bom, sairiam dessa com pelo menos mais uma amizade verdadeira.
Com os cabelos escorrendo pela lateral da cama, bufou, soltando o celular em cima da cama. Desde que se viram na terça-feira, o holandês percebeu a inquietação da companheira, que a cada dois minutos checava o aparelho. Inicialmente, ele pensou ser apenas a questão da reunião com a FIA, mas o descontentamento eterno o fez perceber que estava longe disso. No aeroporto, no dia anterior, ele a ouviu gravar uma mensagem de voz para o Engenheiro da McLaren, ligando os pontos. Por algum motivo, o mais velho estava ignorando a menina desde o domingo de corrida. Então o atingiu: o apelido. Só podia ser isso! Eles estavam juntos, ou quase juntos, e quando Max citou o apelido carinhoso dela para o jornalista, o homem ficou com ciúmes. Afinal, um cara estranho aparece, sai o tempo todo com a mulher que ele gosta, beija ela em rede mundial e ainda rouba seu apelido? Só podia ser isso. Depois de entender a besteira que fez, Verstappen queria ajudar a resolver.
– Ele ainda não te atendeu? – perguntou, escovando os dentes. A menina se sentou num rompante, olhando para ele confusa e o vendo dar de ombros, percebendo que o garoto já tinha entendido tudo.
– Não. – se jogou na cama de novo. – Nem respondeu qualquer uma das minhas mensagens.
– Ele é seu namorado? Digo, de verdade? – precisava matar a curiosidade.
– Acho que não. – suspirou.
– Acha?
– É meio complicado. – se sentou novamente no colchão. – Vamos dizer que eu gosto dele e ele teoricamente gosta de mim, e a gente sai junto há quatro anos, mas nada rolou entre a gente.
– QUATRO ANOS? – o garoto terminou cuspindo pasta de dente em si, fazendo a herdeira rir. Foi se limpar e bochechar, e quando voltou, assentiu com a cabeça para que ela continuasse a falar.
– Aí, quando as coisas estavam se encaminhando para dar certo, apareceu esse contrato de merda. Não me entenda mal, você é incrível e isso ajudou muito minha empresa, mas as coisas com o estavam indo tão bem... O nosso lance tinha como base o fato de a gente entender o trabalho um do outro, só que isso, eu e você, é demais, sabe?
– Ele sabe?
– Eu contei. Não consigo mentir para ele. – suspirou. – Mas vamos comer.
– Eu sei que te conheço há pouco tempo, mas nunca te vi tão para baixo assim, então vem, vou te levar em um lugar. – segurou ela pela mão e ergueu o corpo da mulher da cama.
– Para onde? – questionou.
– Segredo.
– Você não tem treino com aquelas luzinhas que piscam depois do almoço?
– Tenho, mas eu faço de noite. – deu de ombros.
– Max Verstappen matando aula por mim? - a mais velha, por um ano e quatro meses, riu.
– Você me ajudou bastante, agora é minha hora de te ajudar, nem que seja só um pouquinho. Confia. – ele falou e ela riu. Ligou rapidamente para seu agente e conseguiu um carro, deixando ainda mais confusa. – Acho bom você comer alguma coisa, é mais ou menos uma hora de estrada até lá. – a garota arregalou os olhos.
– Você vai me sequestrar? – brincou.
– Mais ou menos. – ele riu, de uma forma que aqueceu o coração dela.
Dentro de quinze minutos, ambos estavam no conversível, com o vento no rosto, rindo e ouvindo as músicas que tocavam no Iphone do piloto, que estava conectado ao rádio. Aquilo era o que fazia o automobilismo apaixonante: podia ser adrenalina e calmaria. Em algum momento, a música Pompem de Kraantje Pappie começou a tocar, fazendo a mulher dar início a um choro compulsivo de riso.
– Por que você está rindo? – o motorista perguntou, a olhando através de óculos escuros.
– Eu estava curtindo a música, mesmo sem entender nada, até que eu percebi que ele fala parecendo que está limpando a garganta. – não conseguia parar de rir. “Pelo menos ela está rindo”, pensou o homem, feliz com o fato de ter conseguido animá-la.
Seguiram pela estrada, ouvindo aqueles sons ininteligíveis para , até a pequena cidade de Besalú: um vilarejo que parecia ter saído de um livro medieval. Como já tinha fugido para o local umas três vezes, Max levara a garota em uma mini excursão por alguns pontos turísticos, mostrando para ela o que ele achava de mais bonito. Aquele lugar tinha alma, era como se tivesse parado no tempo, e, por baixo de toda aquela capa de bruto e voraz, o holandês via isso - ele realmente era tudo aquilo que ela passara o último mês tentando mostrar ao mundo. Eles visitaram a Pont Vell, a Plaza Mayor, a Igreja de Sanr Vincenç e a parte favorita da moça: o Mirador de Besalú. De costas, enquanto observava a vista, estava o homem, e não podia perder a oportunidade de registrar esse momento, com uma legenda simples, porém verdadeira.

“Ele é incrível.”


Quando o relógio batia cerca de seis horas, o suposto casal - que teve que parar para muitas fotos devido à popularidade do piloto - decidiu voltar para o hotel. As preparações para o GP da Espanha estavam à todo vapor, e chegado o domingo da corrida, o calor se mostrou novamente o maior inimigo. Com uma pista a 50º e os pilotos conscientes disso, o resultado foi o mesmo de sempre: Hamilton na liderança, ditando o ritmo para preservar seus pneus, Max e depois Valtteri. Não poderiam dizer que foi tedioso, porque um pódio é sempre bom, mas a temporada estava monótona (com exceção das duas últimas corridas), e parecia continuar assim. Esse fato, junto à decepção perene de , fez com que ela voltasse ao hotel, sem muita cerimônia, depois do resultado. No Uber, ela descia seu feed de notícias, lendo diversas matérias sobre si mesma e toda a situação - uma delas inclusive com uma teoria da conspiração que dizia que os leões e as cores azul e amarelo do vestido que ela usara no evento dos pneus já eram menções ao piloto loiro, visto que seu símbolo na escuderia (que possuía aquelas cores) era um leão, só que, na realidade, eles nem se conheciam nessa época. Muitas especulações, falácias e boatos, exatamente como premeditado, mas que já enchiam o saco da menina. Ela não via mais futuro naquele fingimento, e pela conversa que teve com Max mais cedo, ele também não. O garoto já havia recebido informações de Helmut Marko sobre a opinião dos investidores, que já havia mudado sutilmente a seu respeito. Ao subir desatenta pelo elevador para o seu quarto, tomou um susto quando deu de cara com o corpo alto de na frente de sua porta. Ela sabia que ele estava hospedado no mesmo hotel, mas não imaginava que o encontraria.
– Oi. – ele coçou a nuca.
– O... Oi. – ela gaguejou, guardando o celular no bolso.
– Eu sei que essa não é uma boa hora, você provavelmente deve estar indo comemorar, mas eu não consegui esperar mais. – suspirou. – Eu preciso pedir desculpas pelas minhas ações. Eu fui infantil, um completo idiota, e fiquei com raiva quando ouvi o Verstappen te chamar de Koli. Foi estupidez, eu sei que tudo isso não passa de um contrato, mas eu perdi a noção. Desculpa por te ignorar, não atender, não responder... Eu sei que não é culpa sua. – ela não conseguia formular qualquer palavra. – Eu gosto de verdade de você. Não da , ex-pilota, COO da Tyre-O, gênio da engenharia e dos negócios... - riu um pouco, fazendo ela corar. - Eu gosto de verdade da . Na verdade, tem uma coisa que eu preciso te falar, eu acho que você já sabe, mas depois dessa situação toda eu sinto que preciso te dizer. , eu sou e sempre fui completamente ap... – ele foi silenciado por um dedo indicador em frente a sua boca.
– Não fala. – ela balançou a cabeça veementemente, deixando ele um tanto quanto chocado. – Eu sei o que você vai falar. Não fala agora, porque eu não vou poder fazer o que eu quero fazer. Me dá uma semana. Uma só, para eu resolver tudo, e aí você me fala. Ok? Eu juro que vou resolver. – o homem apenas assentiu, com um sorriso no rosto.
era inacreditável.

...


Logo após o encontro na frente daquela porta de Hotel, ligou para Max e disse que sabia como resolver toda aquela situação da melhor forma possível (ou pelo menos com muito caos, glamour e chamando muita atenção), mas eles não podiam falar nada para ninguém. Durante uma semana inteira, os dois foram atrás de diversos empresários e investidores, em um tipo de aventura secreta, em busca de resolver toda essa situação. No domingo, exatamente entre as datas dos dois Grandes Prêmios, em ambas as redes sociais dos envolvidos, um vídeo foi lançado do nada – eles sabiam que, se avisassem a alguém, poderiam ser impedidos de cometer essa loucura.

“– Oi, meu nome é Max Verstappen, eu sou piloto de Fórmula 1 pela Aston Martin Red Bull Racing.
– E eu sou , eu sou ex-pilota de Fórmula 3 e atual COO da fabricante de pneus Tyre-O.
– Recentemente, aparecemos na mídia do automobilismo como um suposto casal.
– Durante pouco mais de um mês, seguimos com esse papel, e por diversas vezes, ocupamos canais de mídia com alcance absurdo, como jornais, revistas, sites e até plataformas oficiais da Fórmula 1. Essa mentira alcançou dezenas de milhões de pessoas.
– E com menos de um mês de projeto, atraímos a atenção de diversos patrocinadores, investidores, telespectadores e canais de informação.
– E esse era nosso objetivo desde o princípio. – a menina fez uma pausa. ¬– Max e eu nos conhecemos há pouco mais de dois meses e logo nos tornamos amigos. Em uma de nossas conversas, comentamos sobre o quão fútil é um relacionamento de duas pessoas famosas atrair tanto a atenção pública.
– E debatemos sobre como, se essa atenção toda fosse desviada, isso poderia gerar um impacto positivo imenso.
– Então começamos essa estupidez. – riu, fazendo o homem ao seu lado rir também. – E agora achamos que já deu tempo suficiente para finalmente pararmos e podermos falar do que realmente queríamos: Água.
– Nós não precisamos repetir o mesmo discurso sobre como água é um recurso natural necessário e muitas pessoas não têm acesso a ele. Nós estamos tomando as ações nas nossas próprias mãos.
– Ao longo desse tempo, sem ninguém saber, entramos em contato com oito organizações não governamentais em seis países da África e América do Sul. Nossa ideia é levar água potável e saneamento básico para 38 cidades que realmente precisam.
– Juntos, eu e a , estamos doando oito milhões de Euros, mas isso não é suficiente.
– Então esse é nosso pedido: Se você viu nosso rosto em alguma rede social nesse último mês, se você perdeu 5 minutos com essa fofoca ou segue alguma plataforma que nos noticiou, doe para alguma das instituições linkadas na descrição desse vídeo, e ajude nossa causa.
– Obrigado.
– Obrigada.”


Aquela foi, de longe, a melhor saída possível de uma situação como essa.
Não só se livraram da mentira como alavancaram seus nomes e marcas com a melhor propaganda orgânica de todos os tempos, além de fazer uma ação gigantesca que só gerou o bem – e isso tudo só custou 8 milhões de dólares.
e Max se tornaram amigos para a vida, e mais a frente, ela se tornou a fornecedora oficial de pneus de Fórmula, e ele renovou seu contrato por mais 5 anos.
E como ficou a situação de e ? Ela foi imediatamente ao encontro dele após ter postado o vídeo, e com tudo resolvido, ela finalmente pôde ouvir aquelas palavras:

“Eu sou e sempre fui completamente apaixonado por você.”


E pôde repetir o mesmo de volta.
E o beijar logo em seguida.

Talvez, todo esse caos fora o estopim necessário para isso funcionar.
Talvez, isso que deixara tudo um pouco mais fabuloso.



Fim!



Nota da autora: Fala, galera! Essa fic veio bem longuinha, e, por mim, escreveria muito mais - parei porque o tempo e o limite de páginas para short me forçaram (vide o final um pouco corrido kkkkk). Quis montar ela como uma experiência completa, por isso as descrições, os links e as músicas. Espero de coração que tenha sido um momento legal e diferenciado para vocês assim como foi para mim!
Escolhi esse tema porque notei que, recentemente, a fanbase de F1 está crescendo bastante no site, então nada mais justo do que uma fã antiga trazer uma história que explique um pouquinho mais sobre esse mundo. Vou ter que assumir pra vocês, eu não era muito fã do Max quando comecei a escrever (quem me conhece sabe que sou rendida pelo Daniel Ricciardo e pelo Carlos Sainz), ele era mais meu “revoltadinho de estimação”, mas vi tantos vídeos dele para embasar o personagem, que terminei a fic querendo jogar o PP pela janela e juntar a PP com ele kkkk. Ah, sim, essa fic foi feita quase que totalmente embasada em pesquisa, então quase 100% das coisas que não envolvem a PP e a marca falsa de Pneus são verdade (inclusive as corridas, tô me sentindo a própria redatora do GE).
De toda forma, espero que tenham gostado e que eu possa ter aumentado, nem que seja um pouquinho, o interesse de vocês nesse esporte magnífico. Tenho mais 5 fics no site, caso queiram dar uma olhadinha, estão aqui embaixo, na minha ordem de preferência.
Obrigada pela leitura <3



Outras Fanfics:

13. Let Me In (Ficstape - Olly Murs)
13. Dreams (Ficstape - Dua Lipa)
09. Sofa Song (Ficstape - The Kooks)
Cornerstone (Shortfic)
Figure Out How To Love (Shortfic)


Nota da beta: Olha, eu acompanhei você falando da fic no grupo dos ficstapes perdidos e eu tava ansiosa demais para ler. Eu tô muito feliz, porque ela saiu INCRÍVEL, de verdade mesmo! Eu entendo pouco de F1 e você me trouxe ainda mais curiosidade sobre, sabe? Me deu vontade mesmo de entrar nesse mundo e fazer parte, principalmente em como você linkou a vida dela com "Fabulous" (sou fanática por HSM, então as referências me mataram), obrigada por escrever essa coisa MARAVILHOSA! Eu amei demais, mesmo, estou muito apaixonada por ela <3 O desespero para entrega valeu a pena demais, você arrasouuuu!

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