14. Heroin

Fanfic finalizada

Capítulo único

Topanga is hot tonight
Está quente em Topanga essa noite
The city by the bay
A cidade ao lado da baía
Has movie stars and liquor stores
Tem estrelas de cinema e lojas de bebida
And soft decay
E uma suave decadência


Topanga era uma cidadezinha banhada na decadência. A baía que se estendia ao longo do píer de madeira costumava ser movimentada. Todos, criança ao idoso, gostavam de caminhar pelo lugar enquanto aproveitavam a paisagem. Ali, poderia encontrar de tudo, desde um sorvete saboroso do John até a droga mais forte. O local ideal para experimentar o paraíso, afinal, cada um tem o seu conceito de felicidade. E talvez, tenha sido por isso que retornou.


Life rocked me, ultra-softly
A vida me devastou, ultra-suavemente
Como o heavy metal que você usa



Cento e cinco dias. - Contabilizou por mais uma noite.
Todas as noites, ela seguia até um beco próximo ao píer e comprava o que precisava. Fazia uso e depois, caminhava rapidamente até um banco de madeira que permitia admirar toda a baía. E mais uma noite, uma penitência por seus pecados, ela ocupou o lugar.
Estava muito tarde, por isso ninguém passava por ali e permitia que o silêncio trouxesse todos os sentimentos à tona. Podia ver claramente a feia Solidão caminhar até aquele banco, vestindo sobretudo e chapéu bege com a aba tão abaixada que não permitia enxergar seu rosto.
E isso a fez sorrir enquanto admirava-a se aproximar.
Todas as noites estava ali, esperando-a com sua mala de acusações e recomendações. Tornando tudo muito mais difícil do que tentava escapar e só aproximando-a ainda mais daquela droga que anestesiava todo o seu corpo. Ela sabia que precisava fazer alguma coisa, abandonar aquela realidade que havia se enfiado anos atrás e que foi a destruição de alguém que tanto amava.
Mas ela não conseguia.
E a Solidão só piorava tudo.
- Olá, . Vejo que ainda está aqui. - Sentou-se ao seu lado e, como estava escuro, continuou sem poder ver seu rosto, assim como todas as noites, colocou a mala no chão e olhou a baía.
Permaneceram num silêncio calmo.
Os olhos da jovem se fecharam enquanto alcançava o ápice do efeito da droga. Todos os seus sentimentos, sentidos e sensações aflorados. Sentia o vento chicotear sua pele com rajadas frias e salgadas da baía. Soltou o ar dos pulmões e sentiu as lágrimas de deleite escorrerem pelo rosto. O cheiro daquela brisa marinha trazendo lembranças que lutava para esquecer acompanhada da Solidão que fazia questão de recordá-la.
permaneceu em silêncio, tentando aproveitar cada último segundo daquilo.
- amava esse lugarzinho deplorável. - Ouviu o tom de desgosto que a fez sorrir tristemente, afinal compartilhava daquele mesmo pensamento.
Topanga era um lugar deplorável, um lar para os quebrados e machucados que precisavam de um canto para se afundar na sua dor. Aquela constatação trouxe divertimento, afinal, ela foi até ali em busca daquilo.

- Nunca pensou em ir embora daqui? - perguntou curiosamente enquanto tragava o seu cigarro e em seguida, dava ao homem ao seu lado.
Observou o belo rosto moreno repetir o seu ato, mas com uma concentração e prazer invejáveis. Ambos estavam ali, naquela noite, admirando a baía e o céu estrelado naquela noite de verão. A brisa marinha bagunçando os seus cabelos. Uma sensação de paz que todos sabiam muito bem ser falsa, não era a toa que todos decidiam mudar suas rotas e estabelecer moradia ali.
Almas cansadas e feridas costumavam buscar a falsa sensação de paz.
- Não. - Respondeu com um sorriso bonito enquanto a fumaça do tabaco escapava por seus lábios e a mulher sentiu vontade de beijá-lo. - Eu amo esse lugar. - Os olhos castanhos concentrados em algum ponto da baía.
Ela tomou o cigarro e tragou.
- Aqui é deplorável. - Confessou num tom de desprezo enquanto lançava um rápido olhar para o homem. Pegou-o encarando-a com uma expressão irônica.
- E nós somos o que?
Ela franziu a testa pensativa por alguns segundos, tentando entender por qual caminho seguia a fala do homem, afinal, não costumava ser uma pessoa fácil de decifrar e talvez, quer dizer, foi por isso que atraiu a atenção e todo o coração da mulher para si.
- Um bando de seres deploráveis que precisam de um lugar como esse para se curar dos próprios erros. - Ela soltou e olhou-o em busca de algum sinal de aprovação.
E o sorriso divertido foi a confirmação.
- Nós e as milhares de feridas tornaram esse lugar deplorável...
- Uma contaminação em massa. - Ela completou com um sorriso divertido ao soltar a fumaça do cigarro.
- Exatamente. - Ele finalizou pensativo e voltou a admirar a paisagem. O corpo inclinado em direção a cerca de madeira do píer que impediam de ultrapassar o limite até as profundezas daquela água.
E enquanto admirava-o em toda sua plenitude naquela noite, o seu coração doeu com aquelas palavras. Tudo a mais pura verdade.


- Cheio de pessoas deploráveis. - Ela respondeu com uma voz anestesiada, parecia que tinha acabado de acordar e realmente tinha, só que ao invés de uma cama, tinha despertado das suas lembranças.
- Assim como você.
- Assim como eu. - Afirmou dolorosamente, o olhar perdido na paisagem escura da baía em que apenas as estrelas permitiam que conseguisse identificar o que era água e o que era o céu.
A Solidão gargalhou ao ponto da mulher sentir o tremor que percorreu o banco em que ocupavam. Fechou os seus olhos fortemente ainda submersa nos efeitos daquela droga.
Preparou-se para a primeira apunhalada que aquela companhia lhe infringiria, afinal, não estava ali para abraçá-la e confortá-la por sua perda, e sim para machucá-la de todas as formas possíveis.
- E precisou contaminar o . Você está feliz, ? - Perguntou friamente.
Ela apertou os olhos com força tentando ignorar aquela questão que lhe feria por cada milímetro de seu coração.
- Te fiz uma pergunta. É falta de educação ignorar quando alguém fala com você. Não poderia se render ou perderia o rumo.

- Por que você usa essa porcaria? - Ele perguntou num tom triste enquanto ocupava um lugar ao seu lado.
- Acalma os meus nervos. - Deu ombros enquanto fechava os olhos e aproveitava aquelas sensações, o corpo arrepiou-se ao sentir o vento gelado atingir sua pele sensível. O prazer tornou-se ainda melhor quando sentiu a pele quente do braço de envolvê-la pelos ombros, aproximando-a de seu corpo. Abraçou-a lateralmente e ela descansou a cabeça bem ali.
Perfeição existe. Foi o que pensou naquele momento em que estava envolvida nos braços do homem que amava e que respeitava as suas imperfeições que, ao contrário dele, não tinha nada além do fato de ser viciado em refrigerante e batata-frita.
Ah, cigarros também.
- Você precisa lutar contra isso, . Sei que pode ser difícil, mas você pode vencer essa batalha. - Sussurrou e nem mesmo a mente entorpecida foi capaz de impedir que percebesse o tom de tristeza na voz do homem.
- Eu preciso disso. - Confessou num tom doloroso enquanto permanecia de olhos fechados, mas atenta ao calor do corpo que lhe envolvia.
E que libertou-a repentinamente, assustando-a. Abriu os olhos e viu a expressão revoltada a sua frente.
estava de pé e passou as mãos no cabelo, uma mania que aprendeu a identificar como um aviso de que o homem estava prestes a perder a paciência.
- Você está feliz, ? - Perguntou num tom sério, olhando-a de cima. A escuridão bloqueando qualquer chance de enxergar aqueles olhos lindos em que perdia horas admirando.
- Te fiz uma pergunta. É falta de educação ignorar quando alguém fala com você.
Ela abriu o seu melhor sorriso, mas que deve ter parecido mais uma careta. Atordoada, ergueu seu corpo e se aproximou, sentia as pernas entorpecidas.
Ouviu um som de indignação masculino e logo, um par de mãos quentes seguraram suas bochechas delicadamente.
- Você acha que me sinto feliz em vê-la aqui todas as noites? Eu não sei mais o que fazer para ajudar e o pior de tudo, só a encontro aqui porque morro de medo de que em algum momento você… - Soltou sofridamente, respirou fundo e encostou a testa na dela. - Não quero que se machuque, . Só que percebi que se machucar não significa usar uma dose maior, errar uma veia ou sofrer uma overdose. Se machucar, significa que você já está fazendo isso. - Pausou e suspirou novamente. Ela sentiu o hálito de cigarro invadir seu nariz. - Você faz isso desde que tomou a decisão de experimentar essa porcaria pela primeira vez.
- Você não entende, . - Ela falou chorosa. Os olhos que estavam fechados começaram a liberar lágrimas que anunciavam o rompimento da represa que prendia todas as suas dores.
- Não entendo? Você sofreu muito e sinto muito por isso, mas não tem que acabar consigo mesma ou comigo para se recuperar. - Ele fechou os olhos para impedir que as lágrimas da mulher lhe machucasse ainda mais.
- Isso me ajuda a continuar. - Sussurrou.
- Continuar o quê, ? - Perguntou irritado ainda mantendo-se na mesma posição.
- Viva. - Confessou e começou a chorar.
Sentiu as mãos libertarem o seu rosto e abriu os olhos em desespero. Precisava dele para se acalmar, para ajudar a suportar todas as suas feridas.
- Eu não aguento mais. Não suporto te amar e ter que vê-la se afundar. Eu não consigo te alcançar… Parece que nem mesmo o meu amor é capaz de salvá-la. - Falou num tom doloroso e passou as mãos pelos cabelos.
- Não. - Implorou por algo que sabia que estaria prestes a acontecer. Desde que viu pela primeira vez e que se envolveram, vivia com uma nuvem negra ao seu redor que trovejava em pensamentos de que em algum momento ele partiria.
Em algum momento, ela e o seu problema seriam demais para ele. E o momento era aquele.
- Não? - Ele riu magoado. - Eu tentei por você, . Juro que suportei pelo o amor que sinto, mas está pesado demais ver que você não pensa o mesmo. Como uma pessoa que não ama a si mesma, pode amar outra?
- Eu me amo e te amo, . Por favor, não… - Ela tentou segurá-lo pelo braço, mas ele desviou do toque e se afastou ainda mais.
- Ver você assim, machuca e eu não suporto mais. Você não quer ser ajudada e ser um herói está me custando muito. Me perdoe, . Não dá mais. - Finalizou e virou as costas, sumindo sem olhar para trás, mas ela ouviu o choro masculino e a dor que causou, feriu-a fortemente.


I'm flying to the moon again
Estou voando para a lua de novo
Dreaming about heroin
Sonhando com heroína
How I gave you everything
E com como eu te dei tudo
And took your life away
E acabei com a sua vida

Ela negou com um gesto de cabeça, as lágrimas escorrendo por suas bochechas.
- Não chore, querida. - Sentiu um toque quente secá-las e que por um momento, realmente acreditou que poderia ser ele ali. - Você é bonita demais para estar sofrendo assim.
- Foi minha culpa. - Confessou com a voz rouca enquanto encarava-o com os olhos chorosos e embaçados.
A Solidão suspirou aparentando cansaço e cruzou as mãos masculinas no colo, o rosto oculto pela aba do chapéu parecia encarar a baía.
- Tem razão.
E aquela afirmação foi o suficiente para acabar com tudo.

I put you on an aeroplane
Eu te coloquei num avião
Destined for a foreign land
Destinado à uma terra distante
I hoped you come back again
Eu esperava que você voltasse
And tell me everything's okay
E me dissesse que está tudo bem

- Como assim? - Perguntou num tom desesperado. - Você ama esse lugar!
Ele deu de ombros tranquilamente enquanto segurava sua mala. Vestia algo totalmente diferente do que estava acostumada vê-lo usar. Um sobretudo bege acompanhado de um chapéu. A expressão calma que escondia todos os sentimentos que ela tinha certeza que estava ali.
- Sim, mas não posso continuar me escondendo aqui. - Deu de ombros. - Ver a situação em que você está, só me mostrou que me esconder da realidade nesse lugar deplorável - Sorriu debochadamente. - vai me matar.
- Eu ainda não morri.
- Mas vai, . - Ele soltou num tom que pela primeira vez, depois daquela noite, demonstrou o seu sofrimento e que era compartilhado pela mulher.
- Eu juro que não vou morrer. - Ela segurou a mão livre do homem e colocou-a em seu rosto. Soltou um suspiro sofrido, fez uma leve carícia com o polegar e se afastou, aumentando a distância entre eles.
- Quando a dor se tornar insuportável, isso vai acontecer. Você acha que tem tudo sob controle, mas não tem. Em algum momento, o seu vício vai exigir mais e mais de você e aí, será tarde demais. Não quero ser um espectador da sua derrota, . - Negou com um gesto de cabeça e reafirmou. - Não quero, não vou e não serei.


I'd be lying if I said I wasn't sick of it
Eu estaria mentindo se dissesse que não estava cansada disso
Lead me, baby
Me leve, baby
Come on, come on
Vamos, vamos

- Até quando vai continuar mentindo para si mesma? - A Solidão perguntou calmamente. - Admita que está cansada desta merda, . - O tom autoritário.
Ela cobriu as orelhas com as mãos e manteve os olhos fechados. As lágrimas escorrendo sem parar, o choro escapando dos lábios que lutavam para se manter fechados.
Não queria admitir que sofria com aquele vício e tudo que roubou da sua vida. Foi preciso uma decisão errada e aos poucos, perdeu coisa por coisa. A sensação que tinha diariamente era que estava perdendo fragmentos de si mesma e aumentando o vazio dentro de si.
- Você precisa lutar com todas as forças.

- Não me deixe, . - Ela implorou chorando e estendendo os braços na direção do homem que desviou e foi se afastando ainda mais.
- Se algum dia, você decidir que está cansada disso tudo e quer se libertar, me procure.
- Não! Por favor! - Implorou chorando ao vê-lo entrar no carro e partir.


- Você acha que consegue aguentar? Eu vejo que você está alcançando a zona vermelha e quando chegar, tudo vai desmoronar e talvez seja tarde demais. - Deu de ombros, mantendo a postura tranquila.
Enquanto ela ainda tentava ignorar suas palavras. Estava sem controle naquele momento e pensar nos sentimentos, lembrar de doía. Sentia-se fraca em meio ao choro e perdida. A Solidão tornava a sua vida ainda mais difícil.
- Ele te amava, . E você trocou o amor verdadeiro por essa porcaria. - Encarou-a e pela primeira vez, permitiu que visse seu rosto. E o que viu, fez com que arregalasse os olhos espantada e perdesse o ar dos pulmões. Recomeçou o choro ainda mais forte enquanto escondia o rosto com as mãos.
Era ele, todas aquelas noites.
Quando abriu os olhos e secou o rosto, olhou novamente e a tal da Solidão estava de pé, o rosto novamente oculto.
- Lute, . Vença essa batalha e volte para me dizer que conseguiu. - Finalizou e seguiu calmamente pelo píer, os passos ecoando no silêncio.
- Espere! - Gritou com o pouco de ar que tinha nos pulmões e quando ergueu-se do banco, caiu sentada no chão. Sentia-se com as pernas fracas. E em desespero, perdeu aquele homem de vista. Havia desaparecido e deixado-a ali.
Naquele momento, compreendeu.
Precisava lutar para escapar daquele abismo em que havia se enfiado.
E ela iria.

I hope that I come back one day
Espero que eu volte um dia
To tell you that I really changed
Para te dizer que eu realmente mudei





Fim.



Nota da autora: De todos esses anos em que comecei a escrever, essa foi a fic mais difícil! Essa música da Lana só me trazia essa ideia, então não teve jeito!!! Tive que me arriscar. haha Infelizmente, o vício em drogas é algo muito triste ): Enfim, obrigada por darem oportunidade a essa fic! <3


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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