Postada em: 19/03/2021

Capítulo Único

Eu ainda estou vivo, mas eu mal respiro
Acabei de rezar para um Deus no qual não acredito
Porque eu tenho tempo enquanto ela tem liberdade
Porque quando um coração se parte, não se parte por igual
Breakeven – The Script


Rússia, São Petersburgo; julho de 2018.
A luz do dia o incomodava. Aquele reflexo do sol que batia em sua mesa, alcançando o monitor do computador, estava o irritando. A dor de cabeça que lhe atingira fora o suficiente para acabar com seu dia, o fazendo remoer o tom da briga que tivera na noite anterior com sua esposa. Fechou todos os sites que estava usando, encerrou seu trabalho online e afastou o teclado com o mouse, para se debruçar no vidro limpíssimo da mesa.
Usando os braços para apoiar a cabeça na mesa, começou a analisar suas opções. Na pior das hipóteses cumpriria com suas ameaças e neste exato momento estaria em um quarto de hotel, reservando um voo só de ida para Nova York. E por mais que ele estivesse certo de que não estava errado em cem por cento daquele desentendimento, não achava justo impedir ela de tomar suas decisões. Mesmo os dois sendo marido e mulher, não podia prender em cárcere privado e obriga-la a ficar em São Petersburgo. Nem todo o amor do mundo tira o direito de ir e vir das pessoas. Ele podia lhe oferecer, ao fim, a liberdade da escolha. Nada a mais.
Então, ainda sobre a noite anterior, no final da discussão ele decidiu sair. Não foi para nenhum bar, nenhuma lanchonete, de maneira alguma procurou por coisas materiais e pessoas para aliviar seu estresse. decidiu pegar o carro e parar em algum lugar próximo ao rio Neva. Fez igual quando era criança e seu pai o levava para admirar a beleza da cidade: seguiu em uma longa caminhada pela margem do rio, até chegar o lindo amanhecer.
Não dormiu nesta noite, não conseguiria. Enquanto seguia o caminho pensava em todas as palavras que foram cuspidas pela boca de sua esposa. alegava a falta do marido, a mudança repentina de sua personalidade desde que casaram e se mudaram para Rússia – havia recebido uma oferta irrecusável para trabalho em seus país natal, quando estava na América do Norte. Para ela, o marido estava ausente a cada dia que se passava e o casamento, em menos de dois anos, havia esfriado.
e se conheceram em uma festa na casa de um amigo em comum, Francis. Os dois rapazes estudavam juntos e era amiga de infância do segundo. Foi algo que pôde-se chamar de amor à primeira vista, certamente. A ligação que os dois tiveram logo no início fora, no mínimo, curiosa para os de fora. Enquanto intimamente ambos dividiam a felicidade de encontrar-se, ao redor se via muita dúvida sobre o futuro deles como casal.
Acontece que os dois meses de papo e muitos encontros casuais resultou em um pedido de namoro no meio do cinema, em uma tarde de sessão retro de produções feitas até a década de noventa, no meio do filme favorito de . O Clube dos Cinco não é bem um filme com muito romance, assim como o bom e velho clichê Titanic, mas para ela foi um gesto muito lindo e ter lembrado como ela gostava daquele longa em específico a deixou mais apaixonada ainda. Foram ao todo cinco anos e nove meses de namoro.
viu ela se formar em culinária logo no primeiro ano de namoro. Em seguida ele mesmo se formou em engenharia civil, aí já se foram dois anos exatos – chegaram a comemorar a graduação e o aniversário de namoro num restaurante supercaro no Upper East Side. Com três anos e nove meses, se tornou chef de cozinha em um restaurante da ilha de Manhattan e entrou para trabalhar em uma empresa internacional de construção civil. No quarto ano de namoro decidiram morar juntos.
Tudo estava caminhando perfeitamente em grande harmonia, até o sétimo mês após a comemoração do quinto ano juntos. Fora neste que a maior prova de amor veio. recebera a proposta de trabalhar em uma empresa maior e melhor, porém em seu país natal: Rússia. Ele teria de morar em São Petersburgo. Tudo seria melhor, o salário, os benefícios.... Tudo ampliaria. se sentiu desconfortável a princípio, pensando em desistir do relacionamento, mas por fim deixou seu emprego para trás e o acompanhou.
O sonho de de casar com teria de ser adiantado. Toda a ideia do mesmo de esperar os seis anos – um número par, o que agrada não só a mesma, mas toda sua família – e fazer um pedido com o mínimo que desse e o fizesse marcante, fora simplesmente trocado por uma decisão conjunta de casarem, assim teria o acesso mais fácil na Rússia e, conforme solicitado pela empresa nova que iria trabalhar, se mudariam com mais rapidez para que o mesmo logo iniciasse no novo emprego.
Em questão de dois meses, a partir da proposta, os dois casaram. Poucos dias depois do cartório fizeram uma cerimônia simples na cobertura de um prédio, ao pôr do sol, acompanhados apenas da família e dos amigos mais próximos. No dia seguinte da cerimônia pegaram o vôo com destino à nova moradia. Durante os dois meses que se sucederam da proposta, ambos haviam ido várias vezes para o país, no intuito de organizar as coisas. Para a sorte do casal, os pais de , que ainda moravam no país, se disponibilizaram para ajuda-los a encontrar uma casa boa e confortável, tanto quanto a qual ocupavam em Nova York.
Infelizmente nem tudo permaneceu como estava: feliz, lindo, animado, etc. O trabalho era bom sim, mas começou a exigir muito de . Chegou a atingir o cargo de diretor na multinacional, o que fez com que o que já estava consumindo, o engolir por completo. Mas ainda assim se esforçava ao máximo para manter o foco e não deixar perecer. Infelizmente em São Petersburgo ela não conseguiu espaço para a cozinha e permaneceu sendo somente a esposa que seguiu o marido e para não se sentir tão sozinha acabou por se tornar o que mais se vê em filme clichê americano: a esposa do milionário que frequenta clubes e tem amizade com mulheres da mesma classe econômica, que se preocupam mais com a imagem externa do que com o próprio conteúdo.
Acabou que por fim, sabia mais sobre a vida de Eleanor, esposa de um publicitário que também frequentava o clube do condomínio luxuoso que moravam, do que de seu marido. E era isso o que vinha causando tanto desentendimento entre o casal. , ainda dentro de sua sala no prédio da matriz da empresa, podia ouvir a esposa dizer com fervor – como se estivesse ali – tudo o que lhe engasgava.
“Eu não tenho mais sua atenção como antes, desde que viemos para Rússia!”, fora um de seus desabafos.
Mas, infelizmente, já havia acontecido, não tinha mais o que discutir ou fazer. , ao sair de casa, deixou bem claro que a decisão estava nas mãos de , mesmo que ele a quisesse ali para sempre, não podia ser egoísta e prende-la, obriga-la a ficar. Não tirou ela de seu país natal para ela viver em infelicidade, noutro continente.
Vendo que não conseguiria trabalhar mais, decidiu que iria embora. Precisava dormir pelo menos um pouco. Levantou de sua cadeira e pegou sua carteira e celular dentro da gaveta da mesa, ao sair da sala deu de cara com sua secretária indo em sua direção como um urubu em cima de carniça.
- Senhor ...
- Agora não, Lya, me desculpe... – ele a cortou, já entrando no elevador. Parou e segurou a porta para dar as instruções: – Cancele todos os meus compromissos, diga à Sue que não estou muito bem e que fui para casa. – deu um sorriso mínimo para a mesma e colocou todo o seu corpo dentro do metro quadrado, apertando o botão do andar da garagem. – Obrigado, Lya. – disse antes das portas se fecharem.
Cumprimentou alguns dos que estavam na garagem e entrou em seu carro, fez o SUV andar mais rápido pelas ruas até chegar em sua casa. Deixou o carro parado fora mesmo e entrou, parecia que o caminho da calçada até a porta era feito com a velocidade de uma preguiça. Ao entrar pela porta viu Noel, o jardineiro, cuidando de algumas plantas em cima do balcão do hall de entrada e o cumprimentou com toda a educação que lhe fora dada.
No andar de cima encontrou Phelipa, a faxineira, e percebeu certa hesitação na mesma ao vê-lo. continuou o caminho até o quarto e quando entrou no mesmo foi direto ao closet, que o levaria em uma entrada para o banheiro. Instantaneamente seu coração foi parar na garganta – ou pelo menos as batidas descompassadas e fortes fizeram parecer. As partes de estavam vazias por completo e todas as malas que eles tinham de viagem não estavam mais ali.
Ela realmente havia ido embora.
- Phelipa! – gritou e saiu do closet, dando de frente com a mesma entrando no quarto.
- Sim, senhor? – ela disse ainda hesitante.
- Há quanto tempo saiu? – perguntou, preocupado e não se contendo em nervoso.
- Há pelo menos meia hora...
- Obrigado. – agradeceu e passou pela mesma como um furacão. Talvez a ideia de dar espaço para ela decidir não fora bem a melhor a opção na prática.

revisou pela última vez a transação aprovada pelo site de passagens aéreas. Seu vôo para Nova York sairia uma hora da tarde no horário local, do aeroporto Pulkovo de São Peterburgo. Infelizmente seria uma viagem cansativa, longa e com uma escala em Moscovo. Usaria o tempo dentro do avião para descansar, pois não havia pregado o olho uma vez sequer na noite anterior. A briga que tivera com fora muito pesada para que ela ficasse tranquila e pudesse agir normalmente.
Depois que o marido saiu pela porta da frente ela levou cerca de vinte minutos sentada no sofá de veludo branco, da enorme sala, pensando no que lhe traria benefício. A verdade era que o casamento dos dois acabara quando decidiu ser diretor da empresa. Ainda quando era apenas mais um dos principais engenheiros, tudo estava bem. não queria que o marido deixasse de seguir sua carreira alcançando seus sonhos, mas ela precisava que ao mesmo tempo que ele tivesse êxito, a apoiasse também.
Quando foram para Rússia ela precisou largar o emprego, o fez, pensando no bem do esposo. No primeiro ano em São Petersburgo não procurou por nada em sua área, pois queria dar todo o apoio possível à . Ela o acompanhava em eventos sociais, jantares importantes, festas, tudo o que fosse relacionado ao trabalho dele e fosse importante para o mesmo ela estava. Isso foi tomando seu tempo e quando percebeu era a esposa do diretor da Rusenginer Inc., que tinha uma rotina de socialite seguida à risca de segunda à segunda.
O amor que sente pelo marido foi se esfriando e tornando-se incerto. Talvez incerto não seja a melhor colocação, pode-se dizer que se tornou uma refeição congelada no freezer.
olhou mais uma vez para a transação da passagem e sentiu seu peito apertar, estava feito, não havia como voltar atrás. Ela não queria, afinal. Se levantou do lugar que ocupava ao ouvir a chamada para seu vôo, pressionou a alça da bolsa de mão em seu ombro e caminhou até a fila que estava na frente do portão de embarque e ali se posicionou, olhando friamente para seu passaporte e a passagem em mãos.
Quando chegou a ser a segunda da fila na linha de entrada, levantou o rosto e resolveu olhar ao redor, sem pretensão nenhuma e capturou com o olhar , ele parecia nervoso e ao ver que seus olhares cruzaram parou no lugar que estava a poucos metros. não esboçou nenhum sentimento, seu rosto continuou impassível para a leitura de . Sua vez chegou e ela entregou a passagem com o passaporte sem desviar o olhar do homem parado. Tudo parecia ter congelado naquele momento.
- Moça... Moça... – finalmente desviou o olhar, assustada como quem tivesse sido acordada no meio de um sono pesado. – Você já pode ir. – a funcionária da companhia aérea completou sorrindo educadamente.
olhou uma última vez para a direção de , por fim ergueu a cabeça e seguiu adiante, embarcando para o que seria a nova fase de sua vida.


Rússia, São Petersburgo; outubro de 2018.
“Eu sacrifiquei o meu sonho por você, ... eu estava no auge da minha profissão e larguei tudo para seguirmos o seu sonho! Você tem sido feliz sim, desde então. Não importa para você quantos jantares comigo ou noites que não passemos juntos na mesma cama, porque você vai estar no escritório aqui em casa, você está fazendo o que gosta e isso já vale por tudo.... Infelizmente eu não posso competir com isso, . Não posso. Mas, você me deixar ir, assim, facilmente, depois de tudo o que fiz por você só mostra o tamanho do valor que me deu. E eu sinto muito que o amor que sentia por mim fosse assim tão frágil, sinto mesmo...”
A voz de ainda ecoava na cabeça de com todo aquele desabafo sincero dela e já se faziam três meses de sua partida definitiva para Nova York. Três longos meses desde que a viu entrar na sala de embarque da companhia aérea que escolhera para ir embora de São Petersburgo, olhando uma última vez para trás, sem mudar de ideia, entretanto. Essa era a pela qual se apaixonou anos atrás, forte, destemida, sincera e bem dona de si. Uma pena que ele havia perdido sua chance com aquela que ele sabia ter sido feita para si, infelizmente só não havia mais certeza se ele era feito para ela, talvez ela merecesse o melhor que ele não era.
Enquanto folheava as páginas de uma revista qualquer do monte em cima da mesinha de vidro que dividia o espaço entre os dois sofás que haviam naquela sala de espera, percebia o tempo passar e um a um dos que esperavam para a consulta com o doutor Krysle foram sendo chamados e podendo ir embora. Havia pedido à secretária do médico que deixasse sua consulta particular, que seria o retorno para abertura dos exames neurológicos que fizera, por último. Parecia que seu corpo já sentia que algo estava para lhe atingir em cheio. Nos últimos cinco meses, antes mesmo de ir embora, ele já não se sentia bem.
- Senhor . – ouviu a voz doce e baixa da secretária o chamar. Levantou o olhar, abaixando a revista em seu colo. – Doutor Krysle está pronto para o receber, só entrar.
sorriu minimamente e se levantou. Ficou martelando em sua cabeça o que diabos havia naquela situação que o estava deixando tão nervoso daquele jeito, mal conseguia abrir a porta, sua mão tremia tanto que a maçaneta parecia estar bem distante. Estava tão tenso que não chegou a reparar quando o último paciente da sala saiu, deixando o atendimento livre para ele.
Ao entrar na sala totalmente iluminada do doutor Krysle, sentiu a tensão em seu corpo aumentar, mal havia fechado a porta e sentiu uma necessidade enorme de ir embora pela mesma.
- Boa tarde, .
A tensão do mesmo até fez com que aquele simples cumprimento educado do médico parecesse mais intenso e pior. Ele lançou para Krysle o mesmo sorriso que dera a pouco para a secretária e fez seu caminho até a cadeira para pacientes em frente ao médico, sendo separados pela mesa de madeira. Estendeu a mão para o outro e se cumprimentaram. Infelizmente para , doutor Krysle não era de delongas e foi logo ao assunto.
- Como tem se sentido, ? – Krysle o perguntou enquanto digitava algo no teclado do computador e olhava para o monitor. – Não minta... – reforçou antes de ouvir a resposta.
respirou fundo e em uma rápida olhada pela sala, parou para ver o que seu médico abria na tela do computador. Ainda sem o responder, observou Krysle virar a tela completamente contra o paciente e cruzou os braços em cima da mesa, encarando-o por cima do óculos que estava usando. Talvez não fosse hora para aquilo, mas usaria o fato do óculos ser aparentemente novo – já que na última consulta o modelo que o médico usava era diferente – para descontrair o clima, mas conhecia o médico que tinha e ele não era do tipo que enrolava.
- Eu... – recebeu uma olhada tortuosa, o médico querendo frisar que ele não mentisse. – Estive na mesma.
- Entendo. – Krysle respondeu. – Bom, , na última consulta nós tivemos uma conversa sobre possíveis situações complicadas que enfrentaríamos com o resultado dos exames e...
- Só seja direto, doutor, apenas isso. – desistiu de dar atenção à sua atenção e lhe pediu educadamente.
- Os resultados, , nos mostram isso. – Krysle vira a tela do monitor para que possa ver. Infelizmente ele não entende quando o mesmo lhe aponta uma massa escura, situada no seu cérebro. O médico vendo a dúvida na feição dele, disse: - É um tumor, .
As palavras dele que se seguiram completaram a frase com “maligno” e “inoperável”. Estatisticamente ele tinha cinco por cento de chances de sobreviver, caso operassem, e, ou, noventa e cinco por cento divididos entre uma falência cerebral e consequentemente um coma pro resto da vida até seus órgãos falecerem e não sair vivo já de dentro da sala de cirurgia. Krysle só precisava saber se seu paciente escolheria a estatística ou aproveitar o tempo que lhe restava.
- Eu... – soltou a respiração pesada. – Quanto tempo eu teria caso não escolhesse as estatísticas? – perguntou e por incrível que aquilo soasse, ele não estava mais tão tenso.
- De quatro a oito meses. – Krysle o respondeu simples. Percebendo o silêncio, optou por lhe dar as opções durante os meses. – Teremos controle mensal do tamanho da massa. Podemos tentar tratamentos e aumentar o seu tempo...
- Não. – o cortou. – Eu não quero, Krysle. Eu... eu...
- Você tem todo o direito de decidir o rumo que quiser. É o meu dever te respeitar, assim como tentar te salvar.
- Não quero ser salvo, não preciso ser salvo. – se levantou. – Obrigado Krysle, mas eu vou apenas aproveitar o tempo que tenho.
Saiu da sala e da clínica apenas para parar na calçada e, ao mesmo tempo que a chuva caia do céu, soltar as lágrimas que estavam presas lhe torturando. Oito meses era uma possibilidade, talvez fizesse daquilo o melhor tempo de sua vida.


Rússia, São Petersburgo; dezembro de 2018.
Os meteorologistas aconselharam que a população não abusasse e ficasse em locais seguros, mais propriamente dito como suas residências, que evitassem as ruas e locais muito abertos. O frio em São Petersburgo havia pego de jeito e até os mais bem preparados estavam sofrendo. Nas lojas de roupas os estoques haviam começado a se esvaziar, algumas já nem vendiam mais e o que tinham de produtos de verão, estavam vendendo como se fosse uma distribuição, usando de liquidações para pelo menos arrecadarem alguma receita.
Muitas empresas haviam entrado de recesso poucos dias antes do natal por simplesmente ser quase impossível de seus funcionários saírem de casa naquelas condições climáticas. Então para estes funcionários das empresas em questão as férias haviam começado mais cedo. Quem podia e tinha poder aquisitivo ia para o outro hemisfério, já que o norte estava todo tomado pelo inverno praticamente. e seriam um destes que, muito provavelmente e se ele tivesse tido a oportunidade de largar o trabalho mais cedo para suas férias de final de ano, estariam indo para algum estado do Brasil aproveitar o calor estarrecedor do país.
Ele havia ganho a possibilidade de terminar alguns trabalhos diretamente de sua casa e logo no dia vinte e três de dezembro entraria de férias, tendo sua volta ao trabalho marcada para dia primeiro de fevereiro. tinha alguns dias a mais de férias, por não ter usado da bonificação da empresa no meio de ano. Então, enquanto a moça do programa de climatempo tagarelava sobre as precauções a serem tomadas durante aquele inverno em seu rádio do carro, ele fazia o caminho de volta para casa. Havia ido comprar algumas garrafas de vinho e besteiras para comer durante o feriado de natal.
Ainda era dia vinte e três, ele só precisava chegar em casa e terminar de digitar alguns relatórios para enviar para o e-mail da empresa e por fim estaria de férias. Assim o fez quando chegou em sua casa, depois de tomar muito cuidado com o trânsito e seu bem estar – as dores de cabeça ainda continuavam a aumentar a cada mês que se iniciava e ele ainda permanecia na mesma condição de não se render à nenhum tratamento ou processo de cura. Foi direto para o escritório, depois de passar pela cozinha e guardar suas compras em seus devidos lugares – não tinha Phelipa para fazer isso, tinha dispensado a mesma mais cedo naquele dia e lhe dado o mesmo tempo que teria de férias. Levou uma garrafa de vinho aberta e o saquinho de amendoim consigo; ao entrar na sala foi direto para sua mesa e se deparou com uma garrafinha de água que provavelmente devia ter sido congelada e depois deixada ali por Phelipa, pois a água dentro derretia e o suor do lado externo da garrafa derramava-se pela mesa. Haviam duas cartelas de comprimidos – os que ele tomava para inibir dores – em cima de um bilhete escrito à mão.

“Senhor , sabia que chegaria do mercado com muitas dores, então deixei seu alívio em um lugar que eu tenho certeza ser o primeiro – depois da cozinha – que você visitará. Por favor, tome-o, sei que só o faz quando o obrigo, então vamos fingir que estou na sua frente vendo tudo e lhe obrigando a tomar... Vamos, ! Tome-o.
Enfim, boas festas senhor, te vejo em fevereiro.
Ass: P. Kowalski.
OBS: Tenha juízo, por favor.”


Arrancou o papel que tinha escrito “me tome” em volta das cartelas dos comprimidos e os encarou. Sorriu lembrando-se dos cuidados que Phelipa tinha consigo, a mulher tinha quatro filhos homens e ainda se desdobrava para cuidar dele como um quinto. Algo além de seu trabalho, o que compensava o salário maior que de tabela que a pagava. Decidiu que não tomaria e apenas ingeriu a água, após isso a jogou no lixo do lado de sua mesa.
Sentou-se em sua cadeira e bebericou do vinho direto da garrafa, esperando por seu notebook ligar completamente. Enquanto o servidor que acessava do seu trabalho abria, ele permanecia olhando para as duas cartelas de remédio que deveria ingerir, mas não o fez, podia dizer com a parte insana de seu cérebro que os encaravam de volta. E quanto mais olhava-os, mais irritado com a dor que sentia ficava. Então, tentando controlar sua ira, enquanto virava o vinho goela abaixo, abriu uma gaveta de sua mesa e jogou os remédios la.
Devia não ter feito, mas foi tarde. O envelope branco dentro da gaveta o chamou a atenção, sabia muito bem o que era e porquê estava ali, infelizmente. Pegou o papel na mão e deixou a garrafa em cima da mesa, limpando a boca com a mão que segurava o vidro, enquanto trazia para perto de sua visão o envelope que acabara de pegar.
Se bem lembrava, havia lhe enviado por e-mail aquele papel – horrendo, ele achava – por volta de outubro, poucos meses depois de partir. Doeu nele ao receber e ler. Não chegou a cogitar um divórcio, para falar a verdade ele nem se lembrava desse detalhe de termino de casamento. A parte que ainda se mantinha viva dentro dele estava tão aéreo devido ao diagnóstico tardio, que se esqueceu completamente que aquilo poderia chegar um dia e que não haveria outra escolha a não ser formalizar o pedido de . Fora opção dele também, afinal. Se lembrava bem que ela lhe dera todas as opções para outras alternativas e ele não lhe correspondera, pelo contrário, deixou a decisão total para ela quando a mesma já se encontrava exausta e completamente esgotada do que estavam vivendo.
Seria egoísmo da parte dele se a tivesse obrigado a ficar, sabendo bem o tópico a qual ela clamava em todas suas discussões. Infelizmente não achou como mudar aquilo e tornar todos os sentimentos ruins da mulher que amava em positivos novamente, ele falhara e reconhecia bem seu fracasso.
Abriu o envelope e viu sua assinatura grafada ali, naquele papel que o torturava e esfregava em sua face toda a consequência. Havia assinado o papel para logo após receber a notícia de seu tumor inoperável que lhe limitava a seis ou oito meses de vida. Não queria que ela carregasse em seu histórico de civil o status de viúva. Queria que ela enxergasse aquilo como uma prova de amor, a maior que ele pôde lhe dar: a liberdade quando ele não a fazia mais feliz e ela exigia tal, sabendo ele que não seria mais capaz.
Talvez a hora de lhe entregar aquilo já tivesse passado e ela provavelmente havia entrado com alguma medida mais extrema na justiça, porém ele queria a entregar pessoalmente aquele envelope. Pois então deixou o envelope em cima da mesma e pesquisou em seu site favorito passagens para Nova York que saíssem no horário mais próximo possível do aeroporto Pulkovo. Se tivesse sorte, os pais de ainda moravam na mesma casa.

Estados Unidos, Nova York; dezembro de 2018.
O tic tac do relógio de parede antigo – tão velho que podia ser chamado de relíquia da família – não deixava dormir, mesmo sendo sete horas da manhã e que o mesmo estivesse no andar de baixo. Ela estava tão tensa que até a respiração de sua irmã que estava deitada na cama de solteiro ao lado, lhe incomodava. Ou seja, tudo lhe causava incomodo. Dividia a cama de casal kingsize com as gêmeas Holly e Harper de quinze anos, e por mais que elas fossem pequenas, com o tamanho de uma criança de dez anos, ela estava incomodada.
A noite fora muito mal dormida, os sonhos que tivera com o mundo acabando e sobrando somente ela parada num lugar do espaço, lhe causaram enjoo. Se sentia patética, na noite anterior daquele dia de natal, havia ido dormir mais cedo enquanto sua família toda – mesmo que pequena – estava na sala aproveitando o tempo que podiam desfrutar juntos por causa do feriado. No fundo ela sabia o que seu subconsciente cutucava, a ferida que ele queria trazer de volta. Tinha medo de suas duas tias – e únicas, uma irmã de seu pai e a outra de sua mãe – lhe questionarem a fundo o motivo do fim do casamento com , receava que o noivado de sua irmã sofresse de comparações com o seu casamento que chegara ao fim. ansiou por muita coisa, culpa de seu subconsciente, pois ela sabia que sua família não traria em pauta um assunto que não lhe fazia bem.
Não pôde aproveitar muito e mais tarde neste dia vinte e cinco, logo após o almoço, os familiares iriam embora e restaria somente ela e seus pais. Arabella, sua irmã, iria para Boston com o noivo, para passarem o resto dos dias do ano com a família do mesmo, suas tias iam para suas casas com seus maridos e a mãe das gêmeas, que era sua tia Seraya, irmã de seu pai, as levaria. Até mesmo Ivan, o primo chato, filho mais velho de Seraya, faria falta para ela.
Bufou com o pensamento e cuidadosamente, para não acordar ninguém, se levantou. Caminhou de vagar pelo quarto e foi até o banheiro do outro lado do corredor. Se olhou por alguns minutos no espelho e decidiu ignorar suas olheiras de noites mal dormidas, porém desta vez dentro do período de alguns dias, decidiu que não usaria maquiagem para as cobrir. Lavou o rosto com a água gelada, xingando o que quer que fosse por causa do frio. Escovou os dentes e por fim prendeu o cabelo num rabo de cavalo amassado. Quando desceu os degraus da escada fechou o primeiro botão do seu pijama, havia alguma janela aberta deixando aquele vento gélido entrar. Achou estranho o tão preguiçoso Ivan não estar no sofá dormindo ainda, onde havia passado as noites desde que chegaram na casa de seus pais. Encarou a árvore de natal com as luzes coloridas acesas e sorriu minimamente para os diversos tamanhos de presentes em baixo dela. Seguiu para a cozinha e levou um susto ao ver sua mãe de pé em frente a geladeira.
- Bom dia, meu amor. – a senhora Montgomery se virou, quando percebeu a presença de alguém. – Já de pé? – perguntou fechando a geladeira com a garrafa de suco na mão.
- Sim. – se sentou na cadeira em frente o balcão de granito quadrado no meio da cozinha. – Não consegui dormir direito. – abaixou os ombros.
Sua mãe deu alguns passos até ficar do seu lado. Colocou uma mão em seu ombro e virou o rosto para encara-la.
- Essas olheiras te denunciam. Acha que eu não sei que todas as manhãs você passa aquele reboco porque se acostumou com isso na sua vida lá na Rússia? – Farah lhe deu um sorriso mínimo. – Ah, , quanto mais você lutar contra isso aqui – levou um dedo na altura do peito de , indicando o coração –, mais você sofre.
- Eu não sei mais o qu...
Quando ia terminar a sentença ouviu uma barulheira e risadas na sala, no mesmo instante Holly veio até a cozinha toda alegre e bem acordada.
- Você não nos acordou porquê queria abrir os presentes sem a gente, não é? – apontou divertida para .
e Farah se olharam e a mais velha sorriu de lado, se afastando.
- Muito bem, culpada. – levantou as duas mãos como se rendesse.
- Venha, espertinha. Mamãe pediu para te chamar, vamos abrir os presentes. – dizendo isso Holly saiu correndo para a sala novamente.
Farah sorriu para a filha, dando-a um conforto com aquilo e a viu sair da cozinha. Não demorou muito e ela se juntou ao resto da família na sala, se sentindo cheia de amor ao ver todos contentes e trocando abraços de feliz natal. Não tinha felicidade maior para ela do que ver sua família unida.
Quando a troca de carinho terminou, cada um se acomodou em um canto na sala para abrir os presentes. Não importava qual a idade de cada um ali, era uma tradição dos Montgomery (família do pai de ) e Algort (a parte da mãe de ) se juntarem no natal e distribuírem presentes. Desde que os pais de Farah faleceram, pouco depois do nascimento de , as duas famílias se uniam. Mark, pai de , também já não tinha os pais há muito. As duas famílias que se resumiam em pouco, se tornava muito com todo o carinho que trocavam quando estavam juntos.
Mark foi o primeiro a se posicionar para entregar seus presentes, eles tinham uma dinâmica de cada um escolher uma embalagem em específico para diferenciar. Ele selecionou os seus presentes e depois de um breve discurso de agradecimento, entregou um para cada. Em seguida foi a vez das gêmeas, depois delas Ivan. Quando chegou na vez de , a campainha tocou. Ela estava se levantando do seu lugar no sofá, então todo barulho que a família fazia foi cessado com o som estridente ecoando pela casa. Todos se olharam e Farah se prontificou a ir abrir a porta.
Enquanto isso, Mark ouvia a irmã de sua esposa reclamar.
- Você ainda não criou vergonha nessa cara e trocou a bendita da campainha, Mark? – ela demonstrava sua indignação enquanto bebericava do suco.
- O que posso fazer? Essa campainha é a alma da casa... – ele a respondeu com humor.
Farah não voltava, estava preocupada, não era comum a campainha tocar no dia do natal. Pelo menos esta seria a primeira vez dentro de anos. Não tinha como quem estava na sala ver, pois havia uma parede que separava o hall da porta do cômodo. Porém, não demorou muito e ela ouviu seu nome ser chamado por sua mãe. Sendo encarada por todos ela caminhou até a porta.
Antes de virar a parede, sua mãe a parou e, sorrindo levemente, disse:
- Acho que algumas coisas são feitas para acontecerem mesmo.
Ela não entenderia se sua mãe não saísse da frente e assim que a mais velha o fez, sentiu seu chão deixar de existir e focou na imagem que tinha em sua frente. O incômodo que vinha sentindo desde que chegara em Nova York, meses atrás, se acalmou e deu espaço à uma ansiedade com fundinho de um sentimento bom. Ela se sentiu confortada e, era como se, seus anseios estivessem sendo aniquilados com aquela simples imagem em sua frente.
Mas junto com aquela família de borboletas em seu estômago, viu a sombra da preocupação se apoderar de si.
- O-o-o-i... – disse depois de entreabrir os lábios diversas vezes sem conseguir emanar um som de palavra sequer.
- Oi. – respondeu.
Havia alguma coisa nele que não sabia identificar, de diferente. Ele parecia apagado, menos ele e mais outra coisa que ela não sabia dizer o quê. Sua aparência parecia desgastada e magra.
Percebendo o silêncio, decidiu que deveria falar:
- A gente pode conversar? – vendo que ela ia dar passagem para ele entrar, completou: - Em outro lugar, por favor.
se pegou brigando consigo mesma internamente. Por fim decidiu que não seria de todo ruim.
- Vou me trocar, não posso sair de pijama. – disse com um pouco de descontração. – Mas, precisamos terminar de abrir os presentes.
- Ok, eu espero.
- Não aqui, né? – ela franziu o cenho. – Entra, Ivan vai ficar feliz em te ver e meu pai também.
Sem muito pestanejar ele entrou. Interiormente ele tinha medo de encontrar com a família dela, depois de descumprir com a promessa de cuidar bem da mesma em outro país. se sentia mal por entrar naquela casa, pois havia decepcionado os pais de .
Entretanto, foi bem recebido. Muito bem recebido aliás. Se divertiu muito enquanto via a troca de presentes, que mal percebeu quando chegou ao seu lado totalmente de roupa trocada.
- Vamos? – ela disse animada.
- Foi bom vê-los, Montgomery-Algort. – se despediu de forma geral, acompanhando para a porta.
Os dois fizeram todo o trajeto até um parque com um lago congelado que era usado nesta época do ano para patinação no gelo, totalmente em silêncio. não sabia como começar um assunto e nem sobre o que falar com . E assim ela se sentia também.
- Se lembra...? – tomou a iniciativa, apontando para o lugar cercado e preparado para patinação.
a olhou por um segundo e em seguida voltou a observar as pessoas que já estavam deslizando em cima daquele gelo, colocou as mãos no bolso do casaco pesado e voltou a encarar quando ela começou a, usando um tom de total nostalgia, dizer:
- Me lembro do nosso primeiro encontro. – o esboço de um sorriso escapou. – Você não sabia patinar, foi bem engraçado.
- Eu me lembro. – ele disse, num fio de voz. – Tudo. Todos os momentos, ainda estão aqui...
- Para. – ela o interrompe ficando de frente. – O que você veio fazer aqui? – não queria testar a qual rumo a conversa podia chegar.
Ele a olhou fixamente, chegou a desviar o olhar algumas vezes, não parecia, mas tudo isso levou segundos. o encarava com expectativa. O viu abrir e fechar a boca algumas vezes, mas não falar nada. Inicialmente ela pensou que ele mais uma vez se esquivaria de tratar aquilo com racionalidade. Mas o vendo empalidecer totalmente enquanto o encarava rígida, mudou de opinião.
O viu insistir na fala que não saia e conforme isso ia se repetindo durante aqueles segundos que pareceram horas, percebeu que não estava bem. Ele estendeu o braço, colocando a mão em seu ombro para se apoiar, piscava várias vezes. sentiu o corpo ficar fraco e sua visão totalmente desfocada, lentamente a voz de sumiu e tudo o que ele conseguia visualizar era um borrão.

ainda não havia entendido muito bem os acontecimentos que se seguiram, tão rápido que aconteceu, ela estava no hospital andando de um lado para outro. Roer as unhas já não era mais uma opção, pois ela não tinha mais nenhuma de tanto que o fizera nesse meio tempo que ficou esperando por notícias e nervosa para saber o que raios havia acontecido. Por isso quando o primeiro médico entrou na sala de espera com uma enfermeira em seu encalço, ela mal o deu tempo para que se apresentasse, foi logo o pressionando para que lhe desse as explicações necessárias.
Mas o que não esperava, era ouvir o que ouviu de uma forma natural e sem nenhuma preparação para. Como se ela já soubesse de fato o problema. Porém, infeliz foi o médico que não sabia que ela esteve separada do marido pelos últimos meses e não tinha conhecimento que ele havia descoberto um tumor maligno inoperável em seu cérebro. E, segundo o diagnóstico daquele doutor em sua frente, não estava fazendo nenhum tratamento, por isso era comum passar mal com tonturas, dores de cabeça e ter náuseas, acrescentando os desmaios. Infelizmente ele havia atingindo um estágio crítico e a equipe médica não tinha previsão de alta.
O que mais doeu de ouvir foi o “talvez ele não passe de hoje, como talvez possa passar por mais uma semana...”, que o médico lhe afirmou ser uma conclusão incerta. Conscientemente ela sabia não estar preparada para deixar ir, por mais egoísta que fosse, ela não queria dizer adeus daquela maneira. Mesmo que o tivesse deixado para trás na Rússia. Ela havia acabado com o casamento, porém não o cobrara da assinatura do divórcio porque pensava todos os dias que ainda teria uma chance de se reconciliar com ele e quando o mesmo bateu em sua porta naquele dia mais cedo, não imaginou que seria assim.
A contragosto agradeceu o médico e foi guiada pela enfermeira até o quarto que estava. Assim que entrou o viu dormir serenamente, com alguns aparelhos ligados em seu corpo. Ela rodeou a cama e parou no outro lado, o esquerdo, sentando na poltrona azul para acompanhantes. Se sentou e começou a analisa-lo, o bip que a máquina de frequência cárdia fazia a dava agonia. Não pelo espaçamento que tinha, mostrando o quão fraco estava. Era pela situação no modo geral.
Colocou sua mão sobre a dele e segurou, apoiando a cabeça no colchão, enquanto encarava seu rosto sem expressão e pálido. Em sua cabeça não haviam lacunas que pudessem ser preenchidas com aquilo, não haviam razões ou porquês respondidos. Não havia nada, era tudo um mix de informações confusas. Ela estava confusa num todo.
Não demorou muito para que ele acordasse e ficasse ereta. Os dois se olharam por mais de um minuto em silêncio, até ele tomar a iniciativa e, mesmo fraco, dizer:
- Me... – respirou bem fundo. - ...Desculpa. – completou, se forçando a não tossir pela falta de ar.
sentiu seu rosto ferver e não pôde controlar as poucas lágrimas que escorreram por suas maçãs faciais, fungando o nariz levemente, para em seguida molhar os lábios e sorrir serenamente para .
- Na saúde, na doença... – fez uma pausa. – Até que a morte nos separe.
se esforçou e apertou a mão de com o máximo de força que conseguia. Devagar ele se sentou, tendo a ajuda dela para arrumar a maca e erguer a parte da trás com o controle remoto. Quando ele estava confortável, ela se sentou num pequeno espaço do colchão.
- Você foi a melhor coisa que eu pude ter nessa vida e sinto muito, de verdade, se não fui o melhor para você. – a voz fraca de a deixava desesperada por dentro, mesmo que aparentasse o ouvir com calma. – Me perdoa, , por tudo e pelo nada. Eu quero que você seja feliz e siga em frente... Me promete que vai seguir em frente?! Você é digna de todo amor no mundo.
- ... Não há mais nada o que perdoar e nem dizer. – sua voz em resposta soava calma, mesmo com toda a turbulência.
Analisando brevemente a situação, pôde concluir que havia viajado para os Estados Unidos simplesmente para ouvir seu perdão e só de ouvi-lo dizer tudo aquilo com sinceridade, sabendo do risco o que o mesmo correu por pegar um avião com mais de oito horas de viagem, soube que nunca o deixou de amar e nunca o faria.
- Me responda... – ele a cobrou e a viu o encarar em dúvida. – Me prometa que irá seguir em frente.
sabia da dificuldade que ela tinha em lidar com o luto, se lembrava quando o cachorro da família Montgomery faleceu e eles ainda namoravam. Boobear tinha dezoito anos e havia vivido com desde filhote, então o amor que ela tinha pelo animal era gigante. A viu sofrer muito e demorou para que superasse. Ele não queria que ela passasse pelo menos quando partisse, se fechando para o mundo completamente.
- Eu assinei o papel...
- Que papel? – o questionou com a voz falha.
- O divorcio foi assinado no dia vinte e quatro de outubro de dois mil e dezoito. – a esta altura da conversa a voz de não passava do volume três e estava muito arrastada. - Você me pediu por muitas coisas silenciosamente e nenhuma delas eu retribui, pelo menos isso eu podia respeitar, sua escolha. E por mais que o amor seja verdadeiro, nem ele e nem ninguém tem o direito de nos tirar a liberdade de tomar decisões.
- ... essa liberdade eu não quero.
A frase dita com voz embargada pelo choro de foi a última coisa que pôde ouvir antes de ter sua primeira parada cardíaca naquela noite.


Estados Unidos, Nova York; janeiro de 2019.
A sala estava bem fria. No corredor do lado de fora a família de fazia uma corrente de pensamentos positivos, cada um com sua crença, cada um em seu espaço pedindo para aquele a qual acreditavam desse o melhor para , onde quer que ele estivesse. Enquanto dentro do quarto, silenciosamente chorava e pedia para que além de o lugar que ele estivesse, ela pudesse superar aquilo da forma como o mesmo havia lhe pedido.
Doía mais que muito corte e joelho ralado, a dor ia bem além.
E fazer o que ela estava prestes a fazer, cumprir com o que fora deixado como ordens do próprio – desligar os aparelhos se caso, entrando em um coma, ele não resistisse em trinta dias, fazendo com que aquele dia às quatro e meia da tarde fosse o seu último – tornava aquela superação mais dolorosa ainda.
Enquanto esperava a enfermeira terminar de atender o outro paciente da sala ao lado, ficou se questionando o quão desconfortável era a morte para quem ficava. Não podia dizer sobre o próprio falecido, pois não tinha ideia como era para quem de fato falecia. Mas sabia que para quem continuava a tal jornada vivo, era difícil demais. Uma rotina diária tendo alguém sempre junto e de repente ser cortada, não o tendo mais. Uma vida com alguém e de repente sem. Como se acostumar sem sofrer? E como passar por todo o sofrimento da falta de alguém sem pensar em desistir?
Mal percebeu a presença da enfermeira, só a notou quando a mesma parou em sua frente, porém do outro lado da cama. A profissional olhou-a com cuidado, serenamente, usando toda sua empatia pelo momento. secou as lágrimas de uma forma meio desesperada e esperou para ouvir a frase mais dolorosa que ouviria até o mesmo, a qual ela estava remoendo em sua cabeça, tendo conhecimento de que tornaria tudo pior.
- São quatro e meia, senhora . – a voz suave da mesma a fez encontrar um certo conforto rápido na situação. apenas acenou positivamente com a cabeça e então ouviu o discurso de protocolo sobre como aquilo tudo aconteceria.
apenas prestou atenção que aquilo seria lento, até todos os órgãos atingirem falência e etc. Então ela se sentou ao lado da cama, na mesma poltrona que ocupara desde que entrara naquele quarto pela primeira vez e ficou em silêncio.
Em sua mente tudo o que passou ao lado de fora revivido como um filme rápido. Até ela perceber que o peito dele diminuiu a frequência em que subia. Era o momento.
- Eu nunca quis que você fosse outro alguém... – sua voz baixa era ouvida pelos membros da família que entravam de vagar no quarto, porém ela nem se quer os notou ali. – Você sempre foi o melhor para mim e enquanto o tive fui feliz. Infelizmente em nosso caminho houveram algumas intercorrências, ... Mas eu não me arrependo de nada. – fez uma pausa e por fim completou: - Eu vou superar, em algum momento irei passar por essa dor, porque o amor ficará aqui pra sempre.


Fim!



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