#1

14 DE FEVEREIRO DE 2014. CALIFÓRNIA — LOS ANGELES
DIA DOS NAMORADOS

Eu sempre tentei ter o controle de tudo, ou pelo menos o da minha vida, e na teoria eu conseguia fazer isso com muita facilidade. Se eu estava sentado em uma carteira, escutando um homem rabugento escrever na lousa e falar sobre arquitetura, era porque eu queria. Eu poderia muito bem lançar um belo foda-se para isso e tirar o inferno da matéria da minha grade, decidindo lidar com ela mais tarde; Mas eu queria tê-la, eu tinha escolhido, eu quis, da mesma forma que se eu estava com o cabelo um pouco bagunçado e barba sem fazer, vestindo uma camiseta azul e um jeans preto, sentado no banco em frente à um balcão de um bar com um largo e médio copo de shop na mão às 18h da tarde do dia dos namorados, também era por minha própria vontade e não por causa da garota loira no outro canto do bar que não parava um segundo de me olhar, definitivamente não era por isso.
— Você vai deixar cozinhando por quanto tempo? — Luke falou ao meu lado, um pouco alto demais por conta da música indie que tocava no lugar e murmúrios das pessoas conversando.
— Eu não estou cozinhando, ela não é um pedaço de carne, cara — Ele toma um longo gole da sua cerveja e eu o rebato, me sentindo ofendido pela loira. Se eu fosse uma mulher, não gostaria de ser comparada com um pedaço de carne, por mais que eu saiba que não foi isso o que ele quis dizer. A alternativa de levar aquela frase para o outro lado me pareceu melhor do que ter que explicar porque ainda não tinha caminhado até a garota e conversado com ela.
— Não estou dizendo isso, seu idiota — Ele revira os olhos teatralmente e me olha com uma expressão que entrega seu pensamento: "Lerdo da porra!" — Já faz mais de meia hora que vocês estão nessa troca de olhares irritante. Vai falar com ela ou prefere que eu faça isso por você? — Uma de suas sobrancelhas se ergue.
— Luke, você não ousaria — Se eu não soubesse que ele falava sério e que as chances de ele ir falar com ela eram de 100%, eu obviamente não ligaria para o que ele disse e o mandaria ir se foder, mas nós dois sabemos que esse não era o caso e muito menos a situação.
Se tem algo que Luke faz muito bem, é furar o olho de amigos. Não é à toa que ele teve um relacionamento de dois anos com uma das minhas ex namoradas, dois meses depois que terminamos. Por mais que ela não tenha assinado nenhum papel dizendo que não poderia beijar nenhuma pessoa que eu conhecia quando resolveu ter algo comigo, e que eu entendesse perfeitamente seu lado e não me importasse, o verdadeiro problema da questão não era ela e sim Luke, que vivia me ouvindo falar sobre ela e dois meses depois do nosso rompimento a beijava sem remorso nenhum; O que não é nenhum crime, já que ambos eram solteiros, mas de fato era esquisito.
— Cara, você tem dez segundos a partir de… — Ele levanta o punho e puxa um pouco da camisa social que usava para baixo, deixando seu relógio à mostra — agora — Diz, sorrindo ladino e eu tenho vontade de perguntar em qual sala do jardim de infância ele estava.
— Você só pode estar brincando com a minha cara — comento entre risos, mas o cara simplesmente dá de ombros para essa ação e começa uma contagem regressiva ridícula.
— Dez, nove, oito…
— Luke, nós não temos mais quinze anos — Ele cruza os braços e mantém uma expressão imparcial no rosto.
— Sete, seis, cinco...
— Você não pode achar que vai me obrigar a fazer isso.
— Quatro, três, dois… — Olho para cima e pergunto silenciosamente para Deus por que não podíamos agir como verdadeiros adultos, pelo menos uma vez na vida.
— Foda-se, cara! — Me irrito e admito a derrota. Viro o copo com a metade do shop no mesmo minuto em que ele conclui a contagem e levanto do banco, começando a andar até a garota logo em seguida, que sorriu assim que me viu finalmente indo até ela, o que me deixou animado até o momento em que sou impedido de continuar por uma mão que segura em meu ombro, conseguindo a minha atenção desconfiada por alguns segundos, e então gira meu corpo para o lado, deixando ele de frente com o seu.
— Ei, eu estive te procurando! — Uma garota de cabelos castanhos escuros com cachos nas pontas diz abrindo um largo sorriso, me fazendo me questionar se eu não tinha algum problema de memória até chegar à conclusão que estava tudo normal comigo ao visualizar o cara atrás da garota e ela colocar seus braços finos em volta do meu pescoço e me puxar para um abraço. A famosa tática de fingir conhecer alguém para se livrar de outro alguém, ela estava fazendo isso. — Entre no personagem e eu te pago uma cerveja — Sussurra no meu ouvido durante o abraço e se afasta de mim, se posicionando ao meu lado e passando o braço pela minha cintura.
— Eu que estive te procurando — Digo seguindo seu teatro. —, onde você se meteu?
— Eu me perdi no caminho do banheiro, mas graças a alguma entidade encontrei Aleff, que me ajudou — A garota sorri amarelo para o homem e eu olho para ele, que me encara com uma expressão séria e até analista. Seus olhos espertos deslizam entre eu e a morena ao meu lado. Ele estava desconfiado.
— Oh, Aleff! Obrigado por ajudar a minha garota, ela vive se perdendo — Falo e tomo a liberdade de passar o meu braço pelos ombros dela. Puxo seu corpo com cuidado para mais perto do meu e dou um sorriso amigável para o cara que continuava nos olhando feito um babaca. — Ela não se dá muito bem com lugares cheios, não é?
— Sim, totalmente! Eles são a minha ruína. Lembra quando eu me perdi naquela praia no natal?
— É claro que eu lembro, nós tivemos que acionar a polícia para eles te encontrarem a dois quarteirões da casa onde estávamos.
— Foi louco! — Ela força uma risada.
— Sim, completamente insano — Faço o mesmo e o cara cruza os braços, balançando a cabeça negativamente de um lado para o outro,
— Cara, vocês são péssimos atores — Ele enruga o nariz, demonstrando uma certa repulsa. Eu e a morena ficamos em silêncio por alguns minutos, talvez estivéssemos esperando alguma risada escandalosa completando com um “Há, eu estou brincando, queria ver se vocês realmente estavam” ou algo do tipo, que sempre acontece em filmes, mas nada veio, absolutamente nada além da sua expressão divertida e repulsiva, como se ele estivesse falando “Vocês acham que eu tenho cara de otário?”. Foi vergonhoso. Era tecnicamente a minha segunda disputa do dia e a segunda que eu tinha perdido.
— Desculpe, como é? — A morena esbraveja depois de um longo tempo, levantando as sobrancelhas completamente ofendida, enquanto nós decidíamos no mesmo tempo nos desprendermos um do outro. Não tinha mais motivos para a gente seguir um teatro que nem ao menos deu certo. — Eu sou uma ótima atriz, tanto que estou em uma peça da Broadway! E quer saber? Você tem razão, eu só queria que você me deixasse em paz.
— E eu só queria o seu número, que você obviamente não quer passar, mas ao invés de dizer isso preferiu inventar um namoro que claramente nunca daria certo, já que vocês não têm química nenhuma. Se fosse para fazer um teatro, você deveria ter escolhido melhor, gatinha — Eu estava um pouco confuso, indeciso se ele estava simplesmente rebatendo ela ou arranjando uma forma de deixá-la mal por conta da sua masculinidade afetada. Eu já vi muitos caras iguais a ele, que possui uma pose toda simpática e sorridente, aparenta ser um cara bacana, mas não consegue nem ao menos ouvir um não sem gritar e dizer “Espera aí, olhe para mim, você tem certeza que não quer me beijar?”, enquanto pensa em um milhão de coisas para ofender a garota. Típico de cara merda e infelizmente o mundo está repleto deles, mas ao mesmo tempo minha cabeça ficou repetindo as últimas palavras “Você deveria ter escolhido melhor, gatinha”. Eu não sou nenhum narcisista, já tirei a ideia de ter um espelho no teto do meu quarto e obviamente hoje não estou nos meus melhores dias, quer dizer, eu aposto que na barra da minha camiseta tem respingos de cerveja ou de molho barbecue, mas nem por isso eu deixaria um idiota qualquer me rebaixar daquela forma. Eu tenho olhos e, dentre os caras presente nesse maldito bar, eu posso não ser o mais bonito de todos, mas eu aposto que sou o menos imbecil.
— Ela escolheu muito bem, parceiro, qualquer pessoa diferente de você tá valendo — Respondo após ajeitar a minha postura e colocar uma expressão indiferente no rosto. Eu preferiria levar um tiro do que demonstrar que aquela frase me afetou.
— Quer saber? Você tem razão — Ele ri irônico e eu imagino sangue saindo do seu rosto, só para não perder totalmente a cabeça. Eu tinha uma cerveja grátis ainda para pegar. — Um perdedor, para uma perdedora — Cara, qual o problema das pessoas em amadurecer? Nós não estávamos mais a porra do ensino médio.
— O que... — A morena murmura perplexa (arrisco a dizer que tendo o mesmo pensamento que eu), mas o rapaz apenas solta uma risada anasalada enquanto olha para ela de cima a baixo, e foi nesse momento que eu tive certeza da sua masculinidade frágil do caralho. Eu poderia socá-lo agora mesmo, aliás, eu só não o fiz porque no exato instante em que fechava a mão e me preparava para começar uma das minhas famosas brigas de bar, o babaca girava o corpo e ia para o outro canto do bar. Deus sabe como sua cara ficaria se ele demorasse mais dois segundos para sair de cena. — Não é a gente que não tem química, é você que é sem sal! — Ela grita, ainda encarando as costas do babaca e ele ergue as mãos, mostrando o dedo do meio. Tá comprovado, ele tinha quinze anos. — Eu quero muito destruir o rosto dele com um martelo.
— Eu estou dentro, desde que depois eu não seja processado por bater em criança e que seja depois da cerveja que você vai me pagar — Respondo e no minuto seguinte seus olhos estão estreitos em minha direção.
— Céus, você cobra por todos os favores que faz?
— Me deixe pensar por um segundo — Coloco o dedo indicador no queixo e olho para cima. — Sim, todos aqueles envolvem álcool como pagamento — Ela revira os olhos, mordendo o lábio inferior em uma tentativa de esconder o sorriso que queria dar.
— Você tem algum problema com bebidas alcoólicas ou algo do tipo? — Ela cruza os braços, erguendo uma das sobrancelhas bem desenhadas. — Uma cerveja está doze dólares e claramente a sua encenação aqui não valeu nem um.
— Você deveria ter pensado nisso antes de dizer que me pagaria uma cerveja e todo mundo tem problemas com bebidas alcoólicas no dia dos namorados.
— Ah não — Sua expressão é divertida. — Não me diga que alguma garota machucou seu coração — Diz usando um tom bem zombeteiro, mas eu não me importo, muito pelo contrário, até acho engraçado e sorrio ladino.
— Se eu disser que sim você pega a cerveja? — Rebato erguendo uma das sobrancelhas e ela ri.
— Se você disser que sim eu penso no seu caso.

🌜 🌙


— Eu só estou dizendo que se relacionar com alguém não faz sentido — disse, concluindo um pensando que ela estava tentando me explicar sem que eu a interrompesse. Nós estávamos há alguns minutos sentados em uma mesa conversando e bebendo, e eu devo dizer que no fim de tudo quem acabou pagando até agora todas as rodadas fora eu. Durante uma frase ou outra vi Luke fazendo um sinal de beleza com o dedo, enquanto fazia a loira que eu estava interessado rir e apenas balancei a cabeça em sinal negativo discretamente. Eu, sinceramente, acho que a morena não poderia ter chegado em uma hora melhor, quer dizer, ela realmente sabia como deixar alguém altamente interessado nela e eu não sou burro o suficiente para não ter caído na sua, na verdade, nos três primeiros segundos após sentarmos e eu começar a fazer piadas realmente muito ruins, demorei algumas frações de tempo para captar toda a sua beleza. Era exótica e diferente, nenhuma garota da Califórnia usaria tanto preto, nem mesmo em épocas frias, como é o atual caso, o que me levou a concluir que não era daqui. Na verdade, era bem óbvio que ela não era. Suas roupas não correspondiam com nada do que normalmente as pessoas usavam, ela usava uma saia preta jeans com botões pratas frontais, uma camiseta branca que na parte do colo e dos ombros é transparente e possui duas aplicações de rosas vermelhas, uma em cada ombro e, para completar seu estilo rebelde com uma junção da Rachel de Friends, botas de cano médio e salto grosso alto, pretas junto com um piercing no nariz pequeno e detalhado que puxava muita a atenção para o seu rosto, dando destaque à única coisa realmente escolhida nele e até meio impactante dentre seus traços delicados e finos. Ela era bonita, muito bonita. — Eu não vejo como uma pessoa consegue se doar tanto para outra ao ponto de aceitar certas coisas que se fosse alguém estranho, ela nunca aceitaria, sabe? Isso é bizarro!
— Isso que você chama de bizarro, é aquela coisa que as pessoas chamam de gostar de alguém, sabe? Você conhece isso? Já ouviu falar? — Rebato sarcástico e revira os olhos grandes.
, eu já gostei de muitas pessoas, ou melhor, gosto de muita gente e ainda acho tudo muito estranho e monótono. Relacionamentos não são para mim justamente por causa disso, eu não me vejo entrando em uma rotina, sabe... Sem contar que os começos sempre são chatos. Casais dizendo que gostam um do outro a todo momento, se beijando no metrô e deixando pessoas realmente desconfortáveis com isso. É ridículo.
— Você precisa realmente de alguém para amar , e eu não estou brincando — Ela levanta o copo transparente de cerveja.
— Não, eu preciso de dinheiro e que o banco não tenha fila quando eu for sacar ele — Responde bebendo o liquido do copo enquanto eu solto uma risada fraca. — E quer saber? Se namorar fosse bom, não existiria dia dos namorados, que é claramente uma estratégia do capitalismo para arrecadar dinheiro e fazer as pessoas que não têm ninguém se sentirem mais sozinhas. Pelo menos é essa a imagem que os filmes e livros passam para as pessoas.
— Eu tenho que concordar com você nessa questão, é tudo tão chato e...
— Igual — falamos juntos. — Duas pessoas completamente opostas ou iguais se conhecem em situações que as chances de acontecer e dar certo na vida real são bem raras e então se interessam uma pela outra — Ela fala, apoiando o cotovelo na mesa e o queixo no centro da mão.
— Um deles tem um passado horrível ou um trauma que em um futuro próximo irá causar a separação deles — Eu continuo, percebendo que seus olhos pretos passaram a brilhar ao escutar a continuidade da definição.
— Que não dura muito tempo, já que uma declaração amorosa que foi incentivada por um amigo ou parente e um pedido de desculpas sempre resolvem o problema inteiro — Ela acrescenta.
— E então eles acabam reatando e sendo felizes para sempre — Eu finalizo, possuindo um sorriso mínimo no rosto igual ao que estava no dela.
— Felizes para sempre — Ela bufa, repetindo as duas palavras com certo desgosto. — Essa merda nem existe — Seus olhos se desviam dos meus por poucos segundos. — Eu odeio o dia dos namorados — Fala após molhar os lábios convidativos e eu solto um suspiro.
— Eu também.
— Boa noite, pessoal — A voz soa alto pelo microfone e consegue a atenção de todos no bar, inclusive a minha e a da , que viramos o rosto na direção do palco de karaokê e de show ao vivo no mesmo segundo. — Hoje é o primeiro dia dos namorados que eu e minha namorada passamos juntos...
— Ah, cara — balbucia baixinho e eu a olho de canto de olho apenas para ver sua expressão incrédula e indignada.
—... Então como parte do presente, hoje irei cantar a primeira música que escutamos juntos — O cara com óculos de grau sorri envergonhado e pega o violão marrom que estava posicionado ao seu lado, ajeitando o mesmo no corpo e se sentando no banco logo após arrumar o microfone na sua altura ideal. — Espero que gostem — Ele agia feito um maldito hipster e eu sabia que sua namorada devia estar adorando isso.
— Quando ele começou a tocar as primeiras notas do instrumento, me chamou.
— Sim — O rapaz limpou a garganta e fechou os olhos.
— Eu vou se você for — fixou os olhos nos meus e me encarou.
— Garçom! — Ergui o dedo indicador e de longe pude ver um dos garçons me olhar. no mesmo momento pegou o casaco preto que estava pendurado na cadeira e eu fiz o mesmo. — A conta, por favor.

🌜 🌙


— Ok, digamos que eu já tenha gostado muito de alguém ao ponto de abrir mão de certas coisas, o que é visto como uma atitude muito genuína pelos outros, mas para mim não passou de um momento de estupidez. Isso me faz ser insensível? — solta uma longa gargalhada gostosa enquanto usa a minha mão livre como apoio de equilíbrio para andar no meio fio estreito da calçada. Já passava das 19h da noite e a cidade continuava cheia de casais e mais iluminada do que nunca. Eu quase podia escutar alguma música triste e romântica do James Bray soando pelos restaurantes e sendo tocada pelos artistas de rua.
— Não, isso te faz ser realista — Responde, erguendo o pé e demorando para conseguir ficar equilibrada no meio fio para poder dar mais um passo. — Eu sinceramente acho que se uma pessoa realmente te amar ela não vai deixar você desistir de algum sonho por ela. Isso é muito egoísmo.
— Relações amorosas são egoístas — complemento. — Você não acha que é muito egoísta ser aceito que você só fique com uma pessoa de cada vez? — Brinco e para de andar, largando a minha mão apenas para me dar um tapa no braço.
— Poliamor só é legal quando todos os envolvidos sabem que estão em um relacionamento poligâmico e sabem lidar com isso — Ela agarra minha mão novamente e volta a andar no retângulo branco estreito. — Eu confesso que não me vejo experimentando ou vivendo isso. É tão...
— Poligâmico?
— Sim! — Ela pula do meio fio para o meu lado e anda até o banco vazio que dava uma boa visão do centro movimentado da cidade e se senta nele. Faço o mesmo e percebo tremer e se abraçar entre uma brisa ou outra que bate. Penso que se eu estivesse com mais um casaco ele estaria em seu corpo agora, mesmo não sabendo se ela gostaria dessa ação ou não. Cogito a possibilidade de passar o braço em volta de seus ombros também e me aproximar do seu corpo, mas novamente não sei se ela aceitaria isso ou não, então só fico quieto, olhando para o homem de meia idade que toca Use Somebody do Kings Of Leon no violão e observando os casais que se aproximam do mesmo e deixam algum dinheiro na caixa de madeira que estava ao seu lado. treme novamente e dessa vez eu estralo os dedos, inquieto. Qual a porcentagem, com margem de erro incluída, da sua bota fazer uma visita ao meu crânio se eu tomar a liberdade de abraçá-la agora? Ou dela simplesmente se afastar, demonstrando não se sentir confortável ou não querer? — — Sua voz soa rouca e baixa depois de um longo tempo em silencio e eu solto um murmúrio baixo, ainda sem olhá-la, apenas para dizer que eu estou escutando. — Às vezes você não sente vontade?
— De ter um relacionamento poligâmico? Todos os dias! Essa é a vontade que eu mais tenho — Brinco e ela ri fraco.
— Não, de ter alguém para... você sabe... — ela dá uma pausa pequena — fazer todas essas coisas que o resto dos casais fazem.
— E me render ao sistema capitalista? Não, nunca! — Sinto seus olhos divertidos sobre meu rosto, mas não desvio o olhar do homem do outro lado da rua.
— Essa é uma excelente resposta, mas você já pode ser sincero agora.
— Às vezes. Em dias como esse que todo mundo age como se relações amorosas fossem iguais a um brigadeiro que nunca enjoa ou te faz mal, sim.
— Ótima comparação — Ela solta uma risada anasalada e no mesmo momento aproxima seu corpo do meu, pegando meu braço e passando pelo seu ombro. Fico paralisado por alguns segundos e posso ouvir sua respiração e sentir o cheiro do seu cabelo junto com o aroma fraco da sua pele, vejo inclusive os pelos da sua nuca se levantarem lentamente.
— Você sente? — Pergunto, começando a relaxar e tirar a tensão dos meus músculos.
— Não, só no dia 14 de fevereiro — Eu rio e ela acompanha. — Eu gostaria de ter alguém apenas nesse dia, só para não receber olhares piedosos das pessoas quando revelo que não tenho ninguém e também para fazer o que eu nunca consegui fazer com as pessoas com quem eu me relacionei. Infelizmente, eu nunca cheguei tão longe ao ponto de passar o dia dos namorados com alguém.
— Eu aceitaria ser seu namorado apenas nesse dia do ano, se eu não soubesse que você finge conhecer estanhos para dispensar outros caras — Ela gargalha e então estreita os olhos em minha direção como se estivesse pensando em algo.
— Oh meu Deus, ! — Exclama do nada, possuindo uma animação tão grande que eu achei que minha brincadeira foi realmente muito engraçada.
— Não adianta você insistir, infelizmente isso é algo que eu não aceito em uma pessoa e...
— Não, , preste atenção em mim — Ela se desprende dos meus braços e vira para o lado, colocando a coxa no banco e ficando de frente para mim. — E se nós realmente fizermos isso?
— Fizermos o quê? — Pergunto completamente confuso. Eu acho que já passei tempo o suficiente com ela para concluir que não bate muito bem da cabeça. — Namorar?
— Sim, sermos um casal apenas no dia dos namorados — Abro a boca, tentando pronunciar algo, mas as palavras demoram para aparecer em minha mente.
— Isso é loucura, ...
— Não, não é, apenas pense. Em todos os dias dos namorados nós nos encontramos no mesmo bar e então fazemos coisas de casais que normalmente a gente tem vontade de fazer, mas não possuíamos vontade o suficiente para realmente estar com alguém com todo o clichê e monotonia que os relacionamentos normalmente são.
— Você está realmente me propondo que eu viva um romance com você por apenas um dia no ano?
— Sim, eu estou te propondo isso. E não, não será como viver em um romance, todo o drama e brigas não vão rolar, apenas as coisas realmente legais. A não ser que você seja um pé no saco, aí você, por favor, desconsidere essa oferta.
— Eu sou muito legal, legal para um caralho. Se a definição em matéria da palavra legal existisse, com toda certeza seria eu — Ela revira os olhos.
— Ok, eu acredito totalmente nisso, mas agora vamos para o que importa. Você aceita ou não? — Cruzo os braços e cerro os olhos em seu rosto absurdamente animado. É obvio que eu queria aceitar isso sem ao menos pensar duas vezes, mas levando em consideração o rosto e corpo de e a sua mania de achar graça de todas as minhas brincadeiras e piadas, algo muito forte me dizia que aquilo poderia dar errado ao mesmo tempo que poderia também dar muito certo.
— Quando você diz “as coisas realmente legais” — pronuncio a sua fala, fazendo aspas com a mão. — O que está incluso nisso? — morde o lábio, pensativa.
— A gente pode definir.
— Ok, faremos isso agora então — Ela assente com a cabeça. — Beijo? — Pergunto e demora um pouco para me responder.
— Você não é feio e, bom, é para ser um relacionamento de verdade por um dia então sim, está dentro dos limites.
— Apelidos fofos? — Ela faz uma careta.
, são coisas legais e não bregas. Isso está definitivamente fora dos limites — Me sinto profundamente aliviado. Eu realmente não queria ter que chamá-la de coração ou algo parecido por aí, nem que seja só por algumas horas.
— Estou de acordo. Andar de mãos dadas?
— Sua mão é quente e tem uma textura macia, apesar de ser grande, está dentro dos limites.
— Fotos?
— Dentro dos limites.
— Servir comida na boca?
— Só se você quiser levar um soco na cara.
— Falar feito um bebê.
— Fora dos limites, já somos adultos. Você tem o quê? Vinte anos?
— Vinte e dois. Mão boba?
— Totalmente dentro dos limites.
— Sexo? — Disparo e fica vermelha, deixando os lábios abertos por alguns segundos, provavelmente constrangida demais para pensar em alguma resposta ou até mesmo para pensar em algo. — Você disse coisas realmente legais, então a não ser que você não goste de transar, nós podemos deixar isso-
— Nós podemos não decidir sobre essa questão agora? — Me interrompe e eu percebo o seu nervosismo. — Vamos apenas deixar isso em aberto.
— Tudo bem — dou de ombros. — Tem algo que você queira acrescentar?
— Sim, nós não podemos nos ver e nem nos falar em nenhum dos outros dias. E não iremos procurar um ao outro nas redes sociais ou trocar números, fazer qualquer coisa que indique uma comunicação antes ou depois do dia 14 de fevereiro.
— Por que isso mesmo? — Confesso que não gostei dessa questão. Eu queria tê-la no meu facebook e marcá-la em memes.
— É para ser um romance de apenas um dia, ter um contato a mais do que vinte e quatro horas pode estragar tudo.
— Ok, e como vai ser depois que der meia-noite e a carruagem se transformar em abóbora novamente? — coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha, que eu notei ter um alargador bem pequeno, e solta o ar dos seus pulmões.
— Eu volto para Nova York como em todos os outros anos, seguindo a minha vida normalmente e você faz a mesma coisa — Nova York, estava na cara que ela era de lá.
— Por que você saiu de Nova York para vir para a Califórnia na porra do dia dos namorados? — Pergunto.
— Aniversário do meu irmão, que ele faz questão de sumir com a namorada e me deixar sozinha.
— Eu sinto muito por isso — Ela sorri.
— Eu não. Eles são meio pegajosos, tem horas que eu acho que eles vão se unir e se transformar em uma pessoa só — Confessa fazendo uma careta fofa.
— Então, nós vamos realmente fazer isso? — Ela morde os lábios.
— Eu acho que sim.
— Quanto tempo nós temos? — levanta o braço e verifica as horas no seu relógio de pulso.
— Apenas três horas — Eu levanto do banco e ela faz o mesmo. Ficamos por alguns segundos de frente um para o outro em silencio, apenas nos encarando. — Então, o que fazemos agora?
— Tem uma coisa que eu gostaria de fazer para estrear esse trato — Comento e me olha curiosa.
— O quê? — Pergunta e eu sorrio ladino.
— Isso — No mesmo momento eu colocava minhas mãos em sua cintura, colando nossos corpos e cobrindo seus lábios com os meus.


#2

14 DE FEVEREIRO DE 2015. CALIFÓRNIA — LOS ANGELES
DIA DOS NAMORADOS

Dizer que eu não estava nervoso seria eufemismo. Meus dedos praticamente já estavam criando lábios e implorado para que eu parasse de estalá-los, o que certamente eu não fazia. Era difícil esconder qualquer ação que denunciasse ansiedade ou nervosismo quando praticamente toda a população da Califórnia decidiu passar o dia dos namorados no mesmo bar, deixando todo o local inquieto, barulhento e fazendo com que sua porta sempre se abra, a cada dois minutos. Sim, eu estava contando.
— Você realmente acha que ela vai vir? — Ouço Quinn dizer após decidir dar um tempo na pegação descarada que estava tendo com Luke ao meu lado. Hoje fazia um ano que eles tinham ficado e a loira teve a brilhante ideia em comemorar isso no mesmo local onde conversaram pela primeira vez enquanto eu ajudava a se livrar de um babaca.
— Eu espero que ela venha — Luke puxa Quinn para o seu colo e a loira sorri enquanto se senta. — Se ela não vir, tratarei de ir atrás dessa garota até o inferno. Ninguém merece ter que escutar durante uma semana você falando sobre a magnífica e no fim nunca mais ver ela.
— Você é muito idiota, cara — Digo balançando a cabeça negativamente, enquanto levo a cerveja aos meus lábios e olho discretamente o horário no relógio que está em uma das paredes do bar. 22h50. — Ela vai aparecer — Tento soar convincente, mas falho, pois falo mais para mim mesmo do que para eles.
— Se ela não aparecer, pense pelo lado positivo — Quinn diz e então sorri para mim. — Você estará livre para testar essa coisa de namorado por um dia com outras garotas.
— A convivência com Luke não está te fazendo bem.
— Minha mãe diz a mesma coisa — Ela dá de ombros, despreocupada enquanto nós rimos. — Mas voltando ao assunto, espero que você não esteja com esperanças — Essa era uma coisa impossível de se esperar de mim.
— Não estou nem com vestígios disso — Eu estava transbordando esperanças.
— Ótimo, porque parece que ela não vai vir — Quinn encolhe os ombros e bebe a cerveja que estava no balcão na sua frente e eu sorrio.
Em outro momento, eu com toda certeza ficaria um pouco chateado com aquelas palavras, se não tivesse acabado de atravessar a porta de entrada do bar e de imediato passado os olhos por cada centímetro do local, até eles se encontrarem com os meus e então se acenderem junto com seu sorriso.

Por um segundo eu achei que estivesse morrido.

🌜 🌙


— Eu estou animada! — diz e logo em seguida agarra meu braço, eufórica olhando a decoração das lojas do centro da cidade. Todas eram compostas por diversas cores e tamanhos de corações. — Confesso que vim para cá pensando no que a gente pode fazer.
— E você teve a ideia de algum programa de namorados perfeito? — Pergunto e ela enruga o nariz enquanto sorri. Eu nunca a vi tão fofa, na verdade acho que essa é a primeira vez que a vejo desse jeito. No ano passado nós não tivemos a oportunidade de mostrar isso um para o outro porque estávamos muito ocupados gastando as últimas horas do nosso acordo beijando um ao outro. Eu tenho um pouco de culpa nisso, já que fui eu que tive a ideia, mas também é culpada por possuir lábios muito legais e que eu ainda não beijei hoje.
— Tive várias, mas nenhuma combina com a gente.
— O quê? Como você sabe o que combina ou não com a gente?
— Você gosta de filmes antigos? — Faço uma careta.
— Eu só curto as cores preto e branco quando elas estão em você — Sou descarado o bastante para lhe lançar um ótimo sorriso cafajeste ao dar a cantada e é divertida o suficiente para rir disso.
— Ótima resposta.
— Eu não faço o tipo de coisa que a maioria dos namorados fazem, como dançar e usar roupas combinando, mas mesmo assim sou um ótimo namorado de um dia — comento despreocupado e para de andar no mesmo minuto, me impedindo de continuar junto com ela, uma vez que seu braço está entrelaçado sobre o meu e ela faz questão de me puxar ao parar de andar.
— Não só é um ótimo namorado, como também é um gênio!
— Eu sou?
— Sim, você é e sabe por quê? — Ela se aproxima do meu corpo e ergue os pés, deixando nossas bocas quase coladas. Consigo sentir sua respiração quente saindo sobre sua boca com um sorriso ladino e batendo contra a minha. Solto um murmúrio em um sinal de negação, muito concentrado em fitar seus lábios bonitos e muito próximos dos meus. — Porque você acaba de dar a ideia de programa perfeito para nós — passa os braços finos sobre meu pescoço.
— Ah é? E que programa é esse? — Seguro sua cintura e tiro a pequena distância que nossos corpos estavam.
— Nós vamos dançar! — Revela e eu sorrio de lado.
— Eu não sei dançar, .
— Mas sabe olhar, não sabe?

🌜 🌙


Eu acredito que já vi muitas coisas bonitas na vida, no topo delas estava o nascimento da minha sobrinha. Nunca vou superar o que senti ao ver aquela pequena garota de 3kg sendo retirada da barriga da minha irmã, cheia de sangue e gritando como uma desesperada que deixou as roupas no varal e percebeu que começou a chover. Meus primeiros sentimentos foram de enjoo, nunca tive um estômago bom e ver sangue não era uma das melhores visões quanto a isso, mas em compensação a pequena garota era tão bonita e incrivelmente viva que a emoção tomou conta de todas as minhas células. Aquela era uma lembrança que eu quero e irei guardar para sempre, se no fim de tudo eu não tiver alguma doença que impeça isso. Quando me perguntavam sobre um momento bonito, era minha sobrinha nascendo que eu via, mas agora, talvez essa a imagem do lindo bebê possa ganhar uma companhia, pois os quadris de mostravam perfeitamente o porquê mereciam também estar no topo das visões mais bonitas que eu já vi, junto ao seu rosto e sorriso.
Seus quadris iam de um lado para o outro no ritmo perfeito da música sensual e seus braços uma hora estavam para cima e na outra nos cabelos. A garota era fodidamente linda e sensual e eu sinto que ela não faz a menor ideia disso. Um sorriso relaxado permanecia em seu rosto e seus olhos na maior parte do tempo estavam fechados, sentindo cada acorde da música enquanto eu só queria sair do meu estado de nirvana e sentir o seu corpo, sem acreditar que eu cheguei a tentar convencê-la de fazer outra coisa. Ainda bem que ela não se deixava influenciar com tanta facilidade, ao contrário de mim, que em apenas dois dias com ela já sentia que qualquer coisa que essa garota falasse eu não pensaria duas vezes antes de fazer e já sentia sua influência me contaminando, pois nesse exato momento ando até a pista onde ela está e o meu plano inicial era ficar apenas olhando, mas de repente isso não é mais o suficiente.
— Pensei que você não dançasse — Ela diz após sentir minhas mãos pousarem em seu quadril. Aproximo minha boca do lóbulo da sua orelha.
— E eu pensei que você quisesse dançar — Rebato, me referindo ao seu corpo parado desde que eu me aproximei, e ela gira os calcanhares, ficado na minha frente.
— Você está atrapalhando essa ação — Suas mãos deslizam de baixo para cima pelos meus braços e eu me arrepio, depositando um beijo no seu pescoço no mesmo momento.
— Oh, eu estou? Me desculpe, quer que eu pare? — Ameaço me afastar, mas me impede se grudando em meu corpo e me segurando firme.
— Não ouse — Ela diz em um rosnado e no minuto seguinte suas costas estão coladas na primeira parede que eu consigo enxergar através das luzes coloridas e piscantes.
Avanço sobre seus lábios e sem demorar muito permite que minha língua deslize sobre a sua, tornando o beijo faminto, firme, rápido e intenso, diferente do que demos ano passado. Dessa vez minha mão está segurando sua cintura com mais força e eu faço questão de tentar aproximar nossos corpos, por mais que tudo declare que isso é impossível, só para escutá-la gemendo entre o beijo e senti-la me apertando ainda mais contra seu corpo. Toda a sua pele está quente e arrepiada e suas mãos passeiam sobre meus ombros e peito, demorando mais em meu cabelo quando estão ocupadas demais bagunçando todos os fios.
Todo o oxigênio que nosso sistema conseguiu extrair já tinha acabado, eu tenho certeza disso, pois tive que separar nossas bocas no exato momento que eu senti que precisava de mais ar e vi extraindo com força todo o ar que conseguia, enquanto eu detestava profundamente o ser humano por ser completamente dependente disso para poder viver.
— Sua voz soa um pouco fraca e baixa, porém não baixa o suficiente para eu não escutá-la.
— Sim.
— Estou profundamente arrependida de ter pensado na possibilidade de não incluir beijos no nosso acordo — Eu sorrio.
— Só agora você está arrependida? Então ano passado eu ainda não tinha te convencido das minhas habilidades labiais — Ela bate no meu braço e me puxa novamente em sua direção.
— Você entendeu o que eu quis dizer.
— Entendi, e se você quiser a prova por completo, já sabe né? É só nós repensarmos aquela questão... — Eu sinto algo duro vibrar sobre a minha perna e apesar da minha frase estar soando cheia de segundas intenções, a ação não a corresponde, pois logo em seguida está tirando o celular do bolso e caminhando para fora da boate em que estávamos.
Demoro alguns segundos xingando o universo antes de segui-la.
— Tudo bem, eu posso fazer isso — diz e dá uma pausa. — Ok, eu farei isso. Não se preocupe, em poucos minutos estou aí. Também te amo, tchau — Ela desliga e eu desejo que ela não vire em minha direção e diga que precisa ir.
— Eu preciso ir — Ela diz, se virando para mim. Eu quero destruir algo.
— Mas o nosso combinado é até a meia-noite — morde o lábio, envergonhada, enquanto ergue o celular me dando visão da sua tela e liga ele, permitindo que eu veja as horas. 23h58.
— A carruagem está pronta para virar abóbora — Eu suspiro, frustrado, e ela começa a dar passos para trás, começando a se aproximar da calçada da rua. Ela ergue a mão, sinalizando para um taxi parar. — Diga algo que me convença a quebrar o trato e ficar com você antes de eu ir.
— Eu pensei que você tinha falado que essa relação teria apenas as coisas realmente legais.
— Me ver ir embora não é legal? — O táxi amarelo para perto dela e me olha de forma adorável.
— Não, , não é.
— Pense pelo lado bom — Ela abre a porta do automóvel.
— Caralho, . Qual o lado bom nisso? — Ela entra no táxi.
—Você tem 365 dias pra pensar em algo legal para a próxima vez que me ver — Ela fecha a porta. — Até o próximo 14 de fevereiro, — Escuto o carro ligar.
— Até o próximo 14 de fevereiro, — Digo e vejo o carro partir, acompanhando o seu movimento no asfalto até o mesmo desaparecer, só para eu me convencer que ela realmente tinha ido.


#3

14 DE FEREVEIRO DE 2016. CALIFÓRNIA — LOS ANGELES
DIA DOS NAMORADOS

Dessa vez eu não iria perder nenhum segundo. Eu tinha isso na minha mente, inclusive tinha planejado absolutamente tudo sobre hoje por um longo tempo, por 354 dias para ser mais exato, já que hoje era o dia em que eu iria colocar tudo em prática, ou melhor, já estava colocando tudo em prática.
— Onde você está me levando? — perguntou olhando pela janela do taxi. Pude ver seus lábios inchados e vermelhos, tendo consciência que eu não fui gentil ao vê-la entrar no bar e nenhum pouco calmo, já que depois de reparar nas pontas dos seus fios loiras e a falta do piercing do nariz, a beijei profundamente e ao terminar isso lhe arrastei para fora do bar e a coloquei dentro do primeiro taxi que encontrei.
— Você vai ver, já estamos quase chegando — Ela virou seu rosto e estreitou seus olhos desconfiados em mim.
— Você disse a mesma coisa nos últimos minutos — Eu rio e o carro para.
— Dessa vez é verdade e eu posso provar, pois realmente chegamos — Tiro duas notas de dez dólores e entrego para o motorista, desejando a ele um ótimo trabalho, saindo do carro e vendo encarar o prédio atentamente.
— Sexo não foi incluído no nosso trato — Ela balbucia enquanto pego sua mão e a levo para a entrada do prédio.
— Essa questão ficou em aberto, mas nós podemos discutir isso agora, se você quiser — Cumprimento o porteiro e guio até o elevador, não deixando de notar suas bochechas vermelhas assim que vejo seu reflexo no elevador quando vou apertar os botões do andar.
— É melhor deixarmos ela em aberto ainda — Sua voz sai feito um sussurro e eu respeito sua escolha e a sua vergonha no momento, balançando apenas a cabeça positivamente ao me colocar ao seu lado. O caminho até o último andar do condomínio é tão silencioso e tenso que ao chegarmos no andar o barulho do elevador abrindo chega a me assustar um pouco. Dessa vez eu não pego sua mão por não saber se gostaria daquilo e apenas sigo até a porta que dá acesso à área da piscina e a abro, entrando logo em seguida. — Você não fez isso.
— Sim, eu fiz — vira o corpo minimamente para trás, apenas para me mostrar seu sorriso surpreso ao encarar as cadeiras de praia em frente à piscina e as pizzas na mesa que fica entre o espaço ao lado das cadeiras.
—Pizzas e piscina — Ela fala enquanto caminha pulando até uma cadeira e se senta nela. — Essa é a coisa mais romântica que alguém já fez por mim! — Mente, abrindo a tampa do recipiente que estava a comida e pegando uma fatia gorda da mesma.
— Eu te disse que sou um ótimo namorado, não disse? — Sento na cadeira ao lado e tiro o casaco, relaxando na mesma.
— Sim, disse, e você com toda certeza é — Diz de boca cheia e eu sorrio.

🌜 🌙


— Então, me diga qual foi a sua ilusão amorosa — dispara do nada. Nós estávamos sentados na beirada da piscina com os pés dentro da água quente há alguns minutos, em silêncio. Faço uma careta e ela bate seu ombro no meu. — Qual é, conte para a sua namorada de um dia.
— Fale você primeiro — Rebato e ela me mostra a língua.
— Você é muito chato às vezes.
— Você é muito invasiva às vezes — Ela me olha incrédula.
— Você quer mesmo ter uma DR comigo justamente no dia dos namorados e quando completamos três anos juntos?! — Não consigo conter e solto uma gargalhada alta.
— Meu Deus, você fala como se realmente estivéssemos juntos — Ela me acompanha.
— É para imitar um relacionamento, certo?
— Na teoria é, mas nós sabemos que isso não está nem perto de se parecer com um verdadeiro relacionamento — junta as sobrancelhas, confusa.
— Por que diz isso?
— Bom, porque se os relacionamentos fossem iguais a isso que a gente tem, eu gostaria de ter um — Ela fica por alguns minutos quieta e eu posso notar sua expressão pensativa.
— Eu nunca estive pronta para relacionamentos, eu sou muito intensa e impulsiva. Não saberia lidar quando machucasse alguém ou algo do tipo. Eu nunca soube lidar com isso. E eu não acho que eu tenha que ter um agora, por mais que às vezes eu queira. Algumas histórias, simplesmente não precisam acontecer.
— Já eu não consigo não estar no controle de tudo, quando eu vejo que algo comigo está acontecendo e eu não planejei isso, entro em desespero e faço de tudo para afastar a pessoa que provoca isso — me olha analítica.
— Isso quer dizer que você não me afastou porque eu não te faço perder o controle? — A pergunta sai de forma divertida, mas algo me dizia que ela realmente queria saber daquilo.
— Completamente ao contrário. Você me faz perder o controle, mas por incrível que pareça, eu realmente gosto disso — Ela sorri. Sorri com os olhos, com a boca e com a alma e eu sinto que ela quer falar algo, mas nada sai, nenhuma palavra, nem um vestígio dela e, ao invés disso, cola nossos lábios calmamente. Não demoramos muito para estarmos os dois desesperados um pelo outro, com nossos lábios ferozes e intensos e, em um ato de coragem, desço minha mão na barra da sua camiseta e ao contrário do que eu estava esperando, não protesta, apenas ergue os braços e permite que eu tire a peça de seu corpo. Logo a minha está pelo chão também e nossos corpos estão caindo para lado assim que decidimos tirar os pés da água.
— A chamo em um sussurro, afastando nossos lábios e olhando seu corpo seminu embaixo do meu. Seus seios fartos sobem e descem com muita rapidez e seus lábios estão avermelhados. Ela estava linda, ela era linda e meu coração está doendo agora, porque eu sei que o que eu quero falar não será bom para ela, mas mesmo assim isso é algo que está me corroendo e eu não vou conseguir vê-la partir novamente sem saber disso.
— O que foi? Tem algo errado? Você-
— Não, não — A interrompo. —, está tudo certo, é só que... — Dou uma pausa e ela se equivale a uma eternidade para mim. — Eu poderia ser algo seu de verdade — me olha paralisada e molha os lábios depois de um tempo.
, eu...
— Eu sei — A interrompo mais uma vez. —, eu só estou dizendo que... — Suspiro e coloco uma mecha do seu cabelo para trás, fixando meus olhos nos seus. — Eu pulo se você pular. Eu me permito ser influenciado pelo mundo e pelo capitalismo se você também se permitir.
passa os dentes no lábio inferior e eu vejo vestígios de lágrimas no canto dos seus olhos.
Eu a beijo, sabendo que era pela última vez.


#4

14 DE FEVEREIRO DE 2018. CALIFÓRNIA — LOS ANGELES.
DIA DOS NAMORADOS.

DOIS ANOS DEPOIS.

Subo no palco com as mãos tremendo e escuto meus amigos rindo em uma mesa próxima. Isso era um saco e eu iria realmente fazer papel de idiota. Ajeito o microfone na minha altura e pego o detestável violão que ficava ali perto. Bato algumas vezes no microfone, fazendo um barulho insuportável soar e chamo a atenção de todos no bar.
Que o show comece.
— Hm, oi. Meu nome é e eu não sei cantar e muito menos tenho uma namorada, mas hoje esse é definitivamente meu último ano da faculdade e meus amigos me desafiaram a perder o controle, já que da última vez que eu tentei isso, não deu certo — Dou uma pequena pausa e percebo que a maioria das pessoas ali me encaravam assustadas. — Essa música não era pra ser de amor, mas infelizmente ela é, então agradeçam por eu não saber cantar Metallica — Algumas pessoas riem e eu toco os primeiros acordes no violão, aproximando minha boca do microfone para finalmente cantar as primeiras estrofes da música.

Say whatever you have to say, I'll stand by you.
Do whatever you have to do, to get it out and not become a reactionary
To hurt the ones you love you know you never meant to but you do
Oh yeah you do

Be whoever you have to be, I won't judge you
Sing whatever you have to sing to get it out and not become a recluse
about your house, come out
I know you never meant to but you do
Oh but you do

Algum coral de palmas começou a soar junto com a minha voz e eu pude jurar que Luke foi o responsável por isso.

Still I need your sway, because you always pay for it
And I, and I need your soul because you're always soulful
And I and I need your heart, because you're always in the right places

And take whatever you have to take, you know I love ya
Come however you have to come, and get it out and get it out

Depois de um ano, lá estava ela, no balcão do bar me olhando intensamente e firmemente, até seus olhos se desviarem por um segundo para baixo e ao retornarem para o meu corpo, simplesmente sorrir.

Take it out on me, take it out on me
I'll give it you all, I give it you all, I give it
I give you all I give it you all, yes I will give it you all

Ela estava sorrindo da mesma forma que sorriu ao me escutar falar sobre o que nós tínhamos; Da mesma forma que sorriu quando não tinha nada para dizer sobre isso; Da mesma forma que sorriu minutos após incluímos sexo no nosso trato e da mesma forma que sorriu antes de ir embora me dando a certeza que não apareceria no próximo ano.

'Cause I need your sway, because you always pay for it
And I, and I need your soul because you're always soulful
And I and I need your heart, because you're always in the right places
Oh yes I will, I will give it you all

Ela não aparecera no ano anterior e eu acreditei que não apareceria nem em um futuro mais próximo, até agora. Até esse instante acontecer e eu não conseguir fazer outra coisa a não ser sorrir também, tendo a certeza que ela nunca esteve pronta e muito menos eu, pois algumas histórias simplesmente não precisam acontecer.

Still I need your sway, because you always pay for it
And I, and I need your soul because you're always soulful
And I and I need that heart, because you're always in the right places.

E a nossa com toda certeza precisava, mas não agora.




Fim.



Nota da autora: Sem nota.

Nota da beta: Eu amo forte Sway, é uma das minhas músicas favoritas de The Kooks, e fiquei extremamente feliz de ver Daniele honrando ela.
Eu adorei a fic, mulher, meus parabéns. Achei muito legal toda a ideia, mas pelo amor de Deus, eu quero esse casal junto, não é possível!!!!
Só lhe peço uma continuação mesmo, pra eu ver esses dois se amando. Obrigada! Xx-A

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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