Finalizada em: 14/04/2021

Capítulo Único


A luz do sol se infiltra por entre as cortinas de um bege pálido.
Eu tinha acordado um pouco antes das nove, e ficara ali, parado, apenas contemplando o teto, sentido o suor colar as calças do pijama que eu estava vestindo no meu corpo; os lençóis de algodão quentes demais para o momento transitório entre a primavera e o verão. Só que eu não tinha forças para me mexer, nem ao menos tinha vontade para fazê-lo. Soube ali que seria um dia ruim.
As pessoas têm a sensação de que ser famoso resolve todos os seus problemas, que ter o nome conhecido mundialmente é maravilhoso. Não posso ser hipócrita. É satisfatório saber que tenho sucesso naquilo que escolhi fazer, que admiram o meu trabalho e que eu consigo viver daquilo que eu gosto. Fazer música está intrínseco ao meu DNA. Não consigo imaginar outra profissão em que me sinta mais realizado, e é óbvio eu não trocaria por nada no mundo. Mas tenho problemas como qualquer outra pessoa, e quando você pauta a sua felicidade no que os outros pensam sobre você… é muito fácil perder tudo.
Até junho, eu parecia estar no cume da montanha: tinha amigos, estava com shows esgotados, meu último álbum tinha sido altamente premiado. Nada poderia dar errado, ou pelo menos eu pensava que não. Até o escândalo sobre o meu ex-namorado sair. Minha sexualidade era algo muito comentado; todo mundo queria saber com quem eu namorava, e absolutamente qualquer mulher que ficava de pé ao meu lado era a minha “novo” passatempo. Eu odiava aquelas notícias. Odiava que pensassem sobre a minha vida pessoal como algo que pudesse ser discutido e dissecado por outros que não sabiam o que de fato tinha acontecido.
Achava saudável quando meus fãs tentavam descobrir sobre para quem seria determinada música e criavam teorias malucas. Era divertido. Talvez um pouco intrusivo – minhas irmãs e amigos sempre recebendo mensagens em busca de uma confirmação que nunca viria. Não tinha sido uma imposição de ninguém, nem contratos mirabolantes, só que eu tinha consciência do que poderia acontecer quando falasse abertamente sobre isso. E eu tinha medo de perder tudo o que conquistei, então me calei.
Meu relacionamento com tinha sido bom, eu não me arrependia de nada. De nenhuma promessa feita, de nenhum beijo trocado. Eu tinha o amado mais do que ele provavelmente merecia. Não isento minha culpa em nada disso, nele ter se frustrado e exposto nosso relacionamento, que, até então, todo mundo julgava ser apenas uma amizade. De ter me pintado como um vilão que o forçou para dentro do armário, que o cerceou a liberdade de ser quem ele era. Não chegava nem perto da verdade.
E aconteceu o que eu temia: as pessoas começaram a me chamar de farsa. De mentiroso. De idiota, babaca. Qualquer nome ruim que você possa pensar, e provavelmente me chamaram de algo pior. Não sei o que seria de mim se não tivesse aparecido. Ela era o meu brilho em meio a um mar de escuridão. Alguém que me ancorava à realidade quando parecia que eu estava sucumbindo sob as ondas potentes.
Tudo começou com uma amizade. Eu tinha acabado de terminar um relacionamento de dois anos, estava bebendo demais, fumando exageradamente, e meu gerente tinha dito para me comportar durante a premiação. Manter a compostura, afinal, não é só porque um amor tinha acabado em chamas que eu poderia agir como se o mundo tivesse parado. Então eu não estava no meu melhor dos humores. , apesar disso, cortou a tensão como se fosse feita de manteiga, fazendo uma piadinha quando me encontrou do lado de fora, onde as câmeras xeretas não poderiam me ver fumando um cigarro.
Fui para casa naquela noite me sentindo esperançoso. Pesquisei por ela na internet como um adolescente, descobrindo que era uma atriz e só tinha atuado em papéis pequenos até o longa-metragem Stripped Sunset, em que interpretou a voluptuosa Amy Richards. Eu assisti provavelmente todos os filmes em que ela atuou; era muito cativante e carismática. Qualquer um que olhasse para ela acabaria se apaixonando.
Durante alguns meses, me questionei se o que nós tínhamos era de fato real. Grande parte de mim achava que ela iria embora a qualquer momento, me descartaria como se eu nem fizesse parte do baralho. Eu tinha medo. Como não teria se todos os outros amores antes tinham me deixado despedaçado?
Ela estava comigo quando a entrevista saiu, quando todos se voltaram contra mim, me chamando dos piores nomes possíveis. Nunca imaginei que , o mesmo menino doce por quem eu tinha me apaixonado e que eu tinha perdoado inúmeras vezes tinha me destruído dessa forma.
Tudo aconteceu em julho. A mídia, da mesma forma que me prestigiou durante tantos anos, me vestiu na pele do lobo, o vilão. sorriu, um sorriso fácil e empático, segurou minha mão e me perguntou se eu não queria desaparecer por alguns dias. Algum parente dela tinha uma casa no campo onde poderíamos ficar. Naquele ponto, eu já sabia que estava completamente apaixonado.
Nós fugimos.
Liguei para minha mãe alguns dias depois, avisando que precisava de um tempo. Para minha surpresa, ela concordou. E então aqui estava eu, numa casinha, cercado por árvores altas e que, apesar das estações, permaneciam imponentes com as folhas verdes. Com apenas para me fazer companhia.
Ela tinha muita paciência comigo. Com as noites em que eu acordava sobressaltado, suando e sem conseguir respirar direito. Lágrimas salgadas caindo sem controle. Aquela mulher… Ela era um raio de sol que iluminava as minhas noites mais escuras.
Queria poder dizer que me lembrava com exatidão do momento em que eu lhe disse que gostava dela mais do que como amiga. Os dois deitados na mesma cama, enrolados da cabeça aos pés, olhando um para o outro. Foi nesse momento que lhe disse que estávamos nos enganando se achávamos que tentar ser apenas amigos ia dar certo. Para minha surpresa, ela concordou.
Nosso primeiro beijo acendeu algo dentro de mim. Era tudo diferente. Não sentia a pressa, o nervosismo, nada daquilo. O tempo parava e só existiam nós dois, nossos silêncios confortáveis e piadas internas.
E quando perguntava se ela não pensava que eu era um ser humano horrível, pelas notícias que saíam sobre mim, simplesmente dava de ombros, dizendo que não lia qualquer bobagem que escreviam sobre mim, que ela conhecia o de verdade e era apenas o que importava. Não sabia o que exatamente de bom eu tinha feito para merecer alguém como ela, mas ficava feliz mesmo assim, por ter o suporte. Por ela não achar que precisava ser qualquer outra pessoa exceto eu mesmo.
Dezembro marcou seis meses desde que nós estávamos ali, praticamente cortados do mundo real, com os problemas e complicações. Na casa simplista, feita de madeira e com pouquíssima decoração, eu finalmente me sentia em paz. Como se a ferida aberta estivesse tendo o seu tempo de se fechar, sem ninguém para arrancar o band-aid de uma vez.
Não era nada fácil. Eu tinha dias ruins, dias em que me recusava a deixar a luz do sol entrar, metafórica e literalmente. Minha terapeuta, com quem eu falava pelo menos uma vez por semana, me guiava em exercícios para acalmar as crises. Era assustador sentir as mãos suadas e o coração acelerado. Meu corpo inteiro tremia durante uma crise. Sentia como se eu estivesse a dois passos de sucumbir. Que essa dor – que nem era bem uma dor, era um vazio impossível de ser preenchido – duraria para sempre.
Meus olhos estavam ligeiramente molhados. Não percebi que tinha começado a chorar.
“Mmm, ?”, a voz dela me chamou, rouca por ter acabado de acordar. “Você já está acordado, meu bem?”
Grunhi uma resposta e ela se mexeu, se apoiando nos cotovelos para olhar para mim. Os olhos que eu tanto gostava estavam inchados, o cabelo uma bagunça, e, entre as sobrancelhas, estava um ruguinha de preocupação. Talvez eu tenha chorado um pouco mais do que tinha julgado.
“Tá tudo bem?”
“Vai ficar.”
Ela suspirou, pressionando os lábios quentes contra a lateral do meu corpo, subindo lentamente até beijar as lágrimas que mancharam as minhas bochechas. tomava tanto cuidado de mim que era insano. Nunca imaginei que alguém pudesse gostar tanto de mim, a troco de nada. Simplesmente porque achava que eu era merecedor.
“Eu te amo, sabia?”, disse, soprando as palavras, próxima demais da minha boca. “Você é o meu sol.”
“Você já me ganhou, maluquinha. Não precisa ficar flertando comigo assim não.” Um risinho fraco escapa. “E eu também te amo.”
roubou um beijo rápido, um sorriso largo estampado, o suficiente para as covinhas aparecerem. Juro que poderia escrever um álbum inteiro sobre como aquele era o sorriso mais lindo que eu já tinha visto.
Já de pé, ela escancara ainda mais as cortinas, deixando a luz banhar o cômodo. Ela vestia apenas uma camisa preta do Led Zeppelin, que era minha, e todos os pedacinhos de pele resplandeciam sob os raios de sol que entravam. Aquela mulher… Ela era rara, como o brilho de um cometa cortando o céu uma vez a cada centenas de anos.
“Vou fazer o café, ok? Fica aqui e eu te trago uma xícara.”
Eu assenti, observando-a desaparecer, indo em direção à cozinha. Tive a sensação de que, se ela estivesse do meu lado, mesmo nos dias ruins, nenhuma dor duraria para sempre.


Fim



Nota da autora: espero que tenham gostado! leth x



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