FFOBS - 16. Bad Together, por Mary Lira

Capítulo único

Às vezes, enfrentar a situação não torna tudo mais fácil, como a maioria das pessoas prega por aí. Eu havia acabado de enfrentar a separação mais conturbada da história e não estava nem um pouco feliz com o resultado. Minha ex-mulher levou, ao menos, dois carros e a mansão em que morávamos, fora a pensão que eu pagaria, até que ela estivesse estabelecida novamente. Questiono-me se era ela quem precisava se restabelecer, depois de quase arrancar a empresa de mim e mais da metade de meus bens. Meu melhor amigo e advogado fez questão de deixar claro que Cassidy tinha um emprego ótimo e poderia viver bem com o que ganhava como arquiteta, e foi graças àquele argumento que ela não conseguiu metade da gravadora e da empresa que pertenciam à minha família. Quando me casei, há oito anos, ela era a pessoa mais maravilhosa do mundo. Divertida, inteligente, cheia de sonhos e com uma carreira promissora. Éramos apaixonados e acreditávamos que duraríamos, ao menos, uma década, o que, claramente, não aconteceu, pois, no momento em que dissemos “sim” e assinamos os papéis do casamento, ela se transformou em alguém que eu desconhecia. Fria, cruel e mesquinha seriam apelidos para o que Cassidy se tornara. Ela fazia questão de ostentar o máximo de dinheiro que podia, vivia enfiada em clínicas de estéticas e fazendo vídeos para as amigas, mais preocupada em arranjar seguidores na internet para bajulá-la que em prosperar em qualquer outra área que não fosse aumentar sua fama de socialite. Minha mãe falara diversas vezes para que eu não me casasse. Ela conhecia a família de minha ex-esposa e sabia o quão interesseiros eles eram, mas eu fui idiota e, estando completamente apaixonado, deixei—me levar e acabei exatamente como fora alertado que terminaria: sozinho; sem parte dos bens e amargo.
Olhei pela extensa janela de minha sala e suspirei ao ver a noite caindo sobre a cidade de Los Angeles. O ar estava úmido e pesado, como de costume, mas, diferente das três semanas em que era sempre a mesma coisa, naquele começo de noite, algo estava diferente. A sensação de novidade pairando no ar me deixou inquieto e, sendo sincero, eu não sabia o motivo disso.
O telefone em minha mesa tocou, despertando-me do devaneio.
falando! — saudei da forma mais comum para o ambiente, e a risada de meu amigo se fez ouvir do outro lado da linha.
— Você soa até adulto, falando assim! — zombou, e revirei os olhos. — Vamos ao happy hour naquele pub maravilhoso em Beverly Hills e, não, isso não foi uma pergunta.
Bufei.
e sua incrível mania de querer me levar para sair e espairecer — essa era a sua meta desde que me divorciei.
, eu só quero minha cama e...
— Problema seu! Estarei passando na sua sala, em vinte minutos! — Ele desligou, antes que eu pudesse me opor, e acabei xingando sozinho.
Terminei de enviar os e-mails que faltavam e desliguei o computador. Coloquei o paletó e arrumei a bolsa com os arquivos dos novos músicos que estavam sendo avaliados. Deixei a sala a passos rápidos e cumprimentei Shonda, a secretária. Acabei esbarrando em no elevador, e o sorriso desdenhoso que ele abriu me fez rir, sem querer. Ele era meu amigo desde o Ensino Médio. Éramos inseparáveis e continuamos assim, até os dias atuais. Hoje, eu administro a empresa e a gravadora de meu pai, e ele é o advogado responsável.
— Eu sabia que você não resistiria ao meu poder de persuasão! — gabou-se, me fazendo revirar os olhos.
Bati em sua cabeça e murmurei um “Vamos logo!”.

O caminho até o pub foi rápido, levando em conta o trânsito caótico, que já se instalara. Estacionei a BMW numa vaga próxima ao estabelecimento e atravessamos a rua, rindo de uma piada sem noção que meu melhor amigo lembrara. Ao adentrarmos o local, ficou visível que a ideia de espairecer não fora apenas nossa, já que o lugar estava cheio. Procurei por uma mesa qualquer e vi alguém acenar ao longe para nós. Cutuquei e mostrei para saber se ele conhecia a pessoa. Devido ao tamanho do sorriso que o safado abriu, era óbvio que conhecia. Seguimos, então, para a terceira mesa do canto, próxima à porta de vidro que separava o bar da pequena sacada com vista para rua. Aproximamo-nos o suficiente para que ele cumprimentasse tais pessoas e pude notar, então, que se tratavam de duas mulheres belíssimas. Uma era alta, magra, com olhos escuros e pele escura, enquanto a outra, que acabara de cumprimentar , era mais baixa, com curvas voluptuosas e um sorriso digno de oscar.
— Este é o , meu melhor amigo e dono da Home Soul Music.
Estendi a mão para cumprimentar a mais alta, que descobri se chamar Mason. Ela sorriu, e logo eu repetia o gesto com sua amiga, que notei ter um brilho nos olhos tão lindo quanto seu sorriso. Wallis era seu nome. Sentamo-nos nas cadeiras vagas, e um garçom aproximou-se para perguntar o que queríamos. Pedi uma long neck, assim como , e as demais já bebiam vinho e um drink cor de rosa.
— E aí?! Ansiosas para o vídeo clipe? — Franzi o cenho diante da pergunta de .
Elas sorriram e assentiu.
— Muito, mas tenho certeza de que será um sucesso! — disse, confiante.
Arqueei uma sobrancelha, completamente perdido.
participou do clipe da Spaceship. — esclareceu ao perceber minha cara.
Assenti e fitei a mulher citada. Ela parecia tão leve e à vontade com tudo ao seu redor — algo que eu não sabia o que era há muito tempo! Seu cabelo escuro, na altura dos ombros, mais curto que o da maioria das mulheres que eu conhecia, parecia emoldurar seu rosto de forma ainda mais relaxada. Ela ria de alguma bobagem de meu amigo, e suas bochechas rosadas eram adoráveis. pareceu notar meu olhar fixo em seu rosto e voltou a atenção a mim. Engoli em seco, sem saber o motivo, e me senti desconfortável por ter sido pego no flagra.
— E você, como dono, deve estar ansioso para saber qual será o retorno da produção... — Puxou assunto, me incluindo na conversa, que, só então, notei que ainda não havia participado.
— É... Claro! Estou, sim. — Pigarreei, tentando recobrar a fala e a sensatez. Por algum motivo inexplicável, eu me sentia como um adolescente no primeiro encontro, diante daquela mulher, e sequer saberia dizer o porquê. — A Spaceship tem talento, mas essa ideia do de lançar o clipe direto com a música e não me deixar assistir foi realmente insana! — alfinetei, e eles riram.
— Minha nossa! Você não deixou seu chefe ver a produção, ?! — perguntou, com ar de riso. O rapaz ao meu lado negou, arrancando mais risadas. — Não se preocupe, ! Acredito que o trabalho está bom e, caso você não goste, há sempre a possibilidade de culpar o amigo!
Achei graça de seu comentário e acenei, concordando.
— Não há motivos para isso. O clipe vai ser um sucesso! — disse, depois de bebericar um gole de seu drink. Seus olhos eram afiados e curiosos como uma águia, mas o brilho que traziam lembrava-me de uma criança curiosa. — A banda é muito boa, a música é incrível, a produção foi sensacional e o elenco é muito bem preparado... Não há a menor chance de dar errado! — Sua confiança me fez olhá-la com o cenho franzido.
— Você está realmente confiante. — Vi-a morder o lábio inferior para evitar um sorriso.
Ela deu de ombros e assentiu.
— Tanto que pagarei a próxima happy hour, assim que a música atingir o primeiro lugar da Billboard.
— E a pizza... — interviu, fazendo-a revirar os olhos e concordar. Por fim, após levantar seu copo em um brinde e selar o acordo, ela bebericou, e eu poderia jurar que ela estava sorrindo por trás daquele adereço de guarda-chuva que enfeitava o copo.



O que era para ser apenas um momento relax tornou-se uma verdadeira festa. Nós rimos, conversamos sobre nossos trabalhos e sobre o que mais gostávamos na Califórnia. estava completamente encantada por , e isso não era novidade alguma, pois, no dia em que me acompanhara na gravação do clipe, seus olhos, simplesmente, se recusaram a desviar da figura do rapaz. Isso lhe rendeu muitas perguntas e piadas da minha parte, porém eu não poderia negar. Ele era realmente um homem bonito. Seus olhos cristalinos pareciam sorrir, junto com seus lábios, e ver que o motivo disso era minha melhor amiga me deixava mais que satisfeita. Desde que se formara em Relações Públicas, ela não fez mais nada, além de trabalhar. Estava mesmo na hora de conhecer alguém legal.
, o dono da gravadora, era outra história. Com um ar que misturava gentileza e mistério, ele era, definitivamente, atraente demais para qualquer sanidade. Seu sorriso, que mais parecia o de uma criança, contrastava tanto com a intensidade de seu olhar, o qual eu deveria confessar, me deixara completamente presa. Deixamos o bar por volta das onze da noite, com os telefones devidamente trocados e a promessa de nos encontrarmos em breve. pediu um táxi, enquanto assistíamos os dois atravessarem a rua e adentrarem uma BMW preta belíssima. havia parado de beber logo para poder voltar dirigindo.
Chegamos a Santa Mônica, com pouco mais de quarenta minutos. Depois de pagarmos o taxista, nos dirigimos para dentro da casa que dividíamos. Olhei para o sofá, tentada a dormir por ali. Minhas pernas doíam devido ao tempo em que passei de pé para o novo photoshoot para Elle, em uma matéria exclusiva sobre moda plus size.
— Nem pense nisso! — O grito de me fez arregalar os olhos e correr para a escada.
Ela me conhecia bem o suficiente para saber de meus pensamentos. Resolvi tomar um banho e dormir de uma vez. O dia seguinte prometia o lançamento da música, e eu estava animada para ver o resultado.

Dizer que o dia começou calmo seria uma mentira desmedida. Minha melhor amiga e agente adentrara meu quarto, aos berros, segurando um tablet e dizendo coisas sem sentido.
— Se você se acalmar, eu posso entender! — protestei, ainda com a cabeça escondida sob o travesseiro, e senti o colchão afundar quando ela se jogou sobre o mesmo e retirou o objeto que me cobria.
— Eles lançaram o clipe, ontem à noite. Não me pergunte o motivo. Está no top cem da Billboard, mais precisamente em primeiro lugar.
— O quê? — Sentei-me imediatamente, tomando o objeto de suas mãos e vendo a imagem da banda brilhar no primeiro lugar. — Minha nossa! Mas como? Caramba! — Procurei por meu celular, que estava jogado em meio aos lençóis, e o encontrei com quatro mensagens e três ligações perdidas. Destravei a tela e mostrei o conteúdo a , que sorriu, maliciosa. Empurrei-a para fora da cama e respondi as mensagens de e de , que eram semelhantes ao surto da Mason. Balancei a cabeça e confirmei que a pizza poderia ser amanhã, já que, hoje, tínhamos um evento beneficente para ir. Levantei-me ao me dar conta de que já passava do meio dia.
— Poderíamos almoçar no Nando’s e, depois, comprar os vestidos de hoje à noite, o que acha? — sugeriu , ao me ver passar pela porta da cozinha com uma bolsa em mãos.
Assenti de pronto. Estava usando roupas razoáveis e me recusei a trocá-las. Afinal, short jeans e camiseta branca são tendência na Califórnia, sempre. Não perdemos tempo em seguir para a garagem. Precisávamos organizar algumas coisas, antes do leilão em prol da ajuda de crianças e adolescentes vítimas de bullying.
— Você dirige. — Joguei a chave do bentley vermelho para ela e sentei-me no banco do carona.
Enquanto seguíamos para o restaurante, aproveitei para atualizar meu Twitter e comentar sobre o clipe. A repercussão estava maior do que eu imaginava! Uma música que falava de todo tipo de beleza, tendo uma mulher gorda como estrela, era algo novo no mercado da música e, sem dúvidas, chamaria atenção! Eu só não poderia prever que 'Pure Beauty' seria tão comentada e ouvida num tempo recorde como esse.
Deixamos o veículo em uma vaga na sombra e adentramos o restaurante favorito de . O garçom e amigo de veio nos recepcionar com um sorriso grande o bastante para eu reafirmar minhas desconfianças de que ele alimentava um amor platônico por ela.
Ocupamos uma mesa mais reservada e pedimos. Olhei ao redor e notei o movimento do lugar. Haviam poucas pessoas devido ao horário. Algumas crianças brincavam mais adiante, e um grupo de mulheres reunidas em uma mesa afastada da nossa cochichavam e riam de algo. Franzi o cenho ao notar que uma delas me olhau rapidamente e voltou a cochichar com as demais.
Balancei a cabeça.
— Não ligue para elas. — A voz de era como minha consciência fora do corpo, sempre me trazendo à realidade e mostrando o lado bom das coisas.
Sorri amarelo e concordei. Ela sempre me pegava em momentos como este, mas eu não me abalaria porque um grupo de desocupadas estava falando do fato de eu vestir manequim 46 e estar usando short curto. Isso realmente não era da conta delas.
— Espero que não demore... Estou com fome — mudei o assunto e fitei minha melhor amiga, com esperança. Ela riu e balançou a cabeça em negação. — E aí?! Qual pizzaria você quer ir amanhã? — indaguei ao me lembrar da promessa feita na noite passada.
— Qualquer uma, desde que tenha massa leve e fininha. Vou comer muito e ser feliz!
Não pude conter o riso ao ouvir sua fala. Mason era, sem dúvidas, a pessoa mais espirituosa que eu conhecia! Sempre com comentários inusitados e uma sinceridade que surpreendia.
Jeff, o garçom apaixonado platonicamente por ela, trouxe nossos pedidos. Agradeci e fui devidamente ignorada, pois, naquele momento, a senhorita Mason sorriu para o rapaz e, por pouco, não fui ensopada com suco de abacaxi. Olhei feio para ela, que prendeu o riso, enquanto o garoto se desculpava. Assegurei-o de que estava tudo bem e me pus a comer.



A noite chegou, sem que eu percebesse o tempo passar. O dia havia sido agitado com o lançamento relâmpago de 'Pure Beauty', e seu sucesso repentino me rendeu muitos telefonemas e até uma reunião de última hora com uma grife de roupas. estava na empresa, enquanto eu terminava de assinar alguns papéis na gravadora. Ele estava animado com a ideia de comer pizza e poder festejar o sucesso com as duas garotas que conheci na noite passada. Eu não poderia negar que a ideia de rever era mais que bem-vinda. Ela era realmente bonita, e seu jeito engraçado de ver o mundo atraía minha atenção.
— Espero que tenha pedido comida japonesa. — invadiu minha sala, com uma expressão de cansaço medonha.
Neguei sua fala e o ouvi xingar.
— Vou para casa. Estou exausto! — respondi, desligando o notebook. Guardei-o na mochila e levantei-me.
— Sempre tão carinhoso... — murmurou meu amigo. Balancei a cabeça e o aguardei passar pela porta. — Mandou mensagem para saber a hora que encontraremos as garotas amanhã? — perguntou, tentando soar casual.
Ri da falha tentativa e neguei.
— Elas devem avisar amanhã. — Pus fim à conversa e seguimos para o elevador. Tudo o que eu queria era comer, tomar banho e dormir, porque, no dia seguinte, havia ainda mais trabalho a ser feito em casa. — Até amanhã, dude! — despedi-me de , ao adentrar a BMW, e o vi acenar de dentro do porsche azul. Passei pelos portões da gravadora e acelerei, agradecendo aos céus pelo pouco trânsito.
Minha nova casa estava silenciosa, o que era de se esperar. Morar em West Hollywood era perfeito para o trabalho, ficava perto e, por sorte, achei uma rua tranquila com um imóvel grande e bem decorado. Eu já havia contratado alguém para cuidar da piscina e do jardim, precisava apenas me adaptar a distância da casa de meus amigos, que ainda moravam em meu antigo bairro em Malibu. Passei direto pela cozinha, em busca de algo para comer, pois estava faminto. Kisha, a governanta, havia preparado um prato de salada e peixe grelhado, e tive apenas o trabalho de me servir e comer ali, em pé, próximo à pia.
Terminei a refeição e retomei o caminho, desta vez, deixando a mochila na sala e seguindo para a escada de vidro, rumo ao quarto. Eu precisava de um banho relaxante e do meu colchão. Atirei as roupas de qualquer jeito no cesto e adentrei o box.
A última coisa da qual me recordo é de saber que me arrependeria de não ter fechado as janelas.

O sol fez o favor de me acordar, mas foram as inúmeras ligações de meu pai, irmão e de que realmente me obrigaram a deixar a cama. Sequer tive tempo de tomar café ou almoçar, e mal parecia domingo, pois o trabalho estava me deixando louco! Uma ligação indesejada, por volta das quatro da tarde, completou o pacote.
— Cassidy, não temos nada para conversar!
Estava cansado, irritado e com fome — era uma combinação terrível! Para terminar a beleza da situação, minha ex decidiu que precisava de mais dinheiro para alguma coisa completamente sem sentido.
— Mas, , o que você me paga não é suficiente!
Bufei e considerei a ideia de atirar o celular pela janela, direto na piscina.
— Isso não é problema meu, Cassidy! Pago mais que o necessário para bancar suas contas! Você tem um escritório de Arquitetura, pelo amor de Deus!
— Mas...
— Realmente, não estou com tempo. Preciso desligar.
Não dei tempo para que ela argumentasse e finalizei a ligação. Sabia que estava sendo xingado de todos os nomes existentes, mas, realmente, não me importei. Ouvi o celular tocar e resmunguei, achando que era ela novamente. Surpreendi-me ao ver o nome de aparecer na tela. Atendi com mais empolgação do que gostaria de demonstrar.
— Parece que temos alguém animado para hoje. — Seu tom brincalhão não me permitiu ficar desconfortável.
— Claro! Pizza, boa conversa e boa companhia são sempre motivos de comemoração! — rebati, sem conseguir me conter. Ouvi sua risada do outro lado da linha e imaginei o brilho que seus olhos detinham naquele momento.
— Ora, parece que sou uma boa companhia, enfim. — A zombaria era notável, mas não me irritei. Seu tom era tão leve e descontraído. — Vamos àquela pizzaria próxima à gravadora. A gente se vê às oito, pode ser?
— Tudo bem.
A ligação foi finalizada, e meu sorriso foi ainda maior ao perceber que iria finalmente revê-la.



O tal happy hour sunday foi mais divertido que o previsto. e eram companhias excelentes, e parecia mais feliz do que eu já vira. Afastei-me dela para que pudesse me sentar ao lado do rapaz e aproveitei para conversar com . O mais incrível foi que o assunto nunca acabava! Falamos das mais diversas coisas e quando dei por mim, estava totalmente inebriada por seu perfume e afundada em seus olhos, enquanto escutava sua narrativa sobre uma breve viagem a Roma.
As horas correram, enquanto eu descobria meu novo hobby favorito: conhecer mais daquele homem maravilhoso que, por vezes, parecia tão amargurado ao citar, vez ou outra, o antigo relacionamento.
— Acho que é nossa vez de convidá-las para algo, não acham? — disse ao descer do carro em frente à minha casa. Arqueei a sobrancelha, esperando que prosseguisse: — Que tal irmos a uma balada próxima ao pub em que nos encontramos na sexta? sempre vai e disse que é legal. — Vi-o coçar a nuca, num claro sinal de nervosismo. Talvez estivesse constrangido por convidar alguém para sair, depois de tanto tempo em um relacionamento.
Mordi a bochecha para não rir e acenei, em concordância.
— Claro! Vou falar com a . Depois, me informa a hora! — sugeri e vi seus músculos relaxarem ao ouvir minha resposta.
Despedimo-nos com uma promessa de nos falarmos durante a semana. parecia estar nas nuvens quando entrou em casa, todavia, se recusou a me dizer o motivo, e eu não insisti.
Ela me contaria, mais cedo ou mais tarde.

A vida é realmente algo engraçado. Há uma semana, eu não fazia ideia de quem era ! Sequer sabia seu nome, ou sonhava com sua existência, mas, desde a comemoração na pizzaria, ele estava quase tão presente em minha vida quanto . Falávamo-nos todos os dias por mensagem ou telefonema, almoçamos duas vezes juntos e fomos a um restaurante que servia brunch, ao menos, três. dizia que isso era mais que amizade, e eu me recusava a responder, pois sequer havia resposta.
Na sexta à noite, depois de deixar o estúdio de Vicenzo, um dos estilistas da nova coleção de outono da Fashion Week, recebi uma mensagem dele, avisando a hora que nos encontraríamos amanhã na boate. Confesso que conter o sorriso não foi exatamente fácil e tampouco tive êxito em escondê-lo no caminho para casa.



168 horas. 10080 minutos.
Esse era o tempo contido dentro de uma semana. O tempo exato de espera para encontrar as garotas na boate. Não que eu estivesse contando, porque não estava. Confesso que procurei no Google, apenas para matar a curiosidade e, talvez, aplacar a ansiedade, que crescia em meu peito.
Às oito, eu estava pronto, com camisa preta, jeans escuro e sapatos preto, cabelo levemente bagunçado, perfumado e completamente ansioso. Por Deus! Eu parecia um adolescente prestes a ir à primeira festinha e ver a garotinha bonita da escola! Bufei diante de tal pensamento e me adiantei para a porta ao ouvir o celular tocar e o nome de aparecer. Tranquei a porta e desci a pequena escada, que me separava do portão, e, assim que a abri, encontrei um muito bem arrumado com uma expressão semelhante ao pânico.
— O que aconteceu? — perguntei ao vê-lo suar.
— Eu... Eu vou falar a ela, hoje. — Franzi a testa diante de sua fala sem sentido. — A ... Vou falar que estou a fim dela, hoje! — esclareceu.
— Não é como se fosse novidade, certo? — Brinquei e o ouvi bufar. Entrei no porsche que ele dirigia. — Relaxa! Certeza de que ela sente o mesmo! Agora, vamos logo! — apressei-o.
Naquele momento, ele me sacanearia, porém, devido ao seu estado de nervosismo, sequer notou meu desconforto.

A boate estava lotada, como era de imaginar em um sábado à noite. O lugar era realmente bem localizado e bonito, com pista de dança grande e piso de vidro, bar extenso, tomando toda parede norte, mesas pequenas espalhadas ao redor do balcão e da pista e sofás acolchoados vermelhos no outro extremo.
— Vão querer algo? — indaguei quando nos aproximamos de uma das mesas disponíveis.
As garotas haviam nos encontrado na fila e, agora, escolhiam o que pedir:
— Um drinque sem álcool e uma cerveja. — respondeu.
Assenti e me dirigi ao balcão, junto com , e esperei pacientemente, enquanto o garçom flertava com três garotas loiras muito parecidas. Quando, enfim, recebi sua atenção, fiz o pedido.
— Quando vai dizer? — questionei ao pegar o drink e uma cerveja.
O rapaz ao meu lado seguia-me com duas garrafas em mãos.
— Na primeira oportunidade.
Assenti. Chegamos próximos à mesa em que elas haviam ficado e arregalei os olhos ao ver um homem sentado no meio delas.
— ...Meu pai não precisou gastar nada. Tudo o que consegui foi graças ao meu trabalho. — A fala de nos fez parar momentaneamente.
Troquei um rápido olhar com meu amigo, antes de dar os últimos passos e depositar as bebidas sobre a mesa. O homem em questão virou-se e, só então, me dei conta de que era Ethan, o diretor de RH da gravadora.
— Está tudo bem aqui? — Ouvi meu melhor amigo perguntar, desconfiado.
Ethan Morris era um velho amigo, mas não era segredo que tinha o “pé atrás” com ele.
— Claro! Vou ao banheiro! Vamos, ?! — passou por nós, como um furacão, puxando a amiga pela mão.
As duas sumiram pela multidão, sem que houvesse tempo para dizer algo.
Um segredo que eu morreria sem saber era qual o motivo de as garotas sempre irem acompanhadas ao banheiro e, mais, demorarem tanto. Ethan já havia ido embora, já reclamara da atitude dele, e eu já estava na metade da garrafa, e nada delas aparecerem. Estava pronto para me levantar e ir atrás das duas quando uma batida animada começou a soar e o movimento da pista aumentou, dificultando minha ideia.
— Como vamos achá-las nessa bagunça?
— Não vai precisar. — Olhei, confuso, para , mas seus olhos estavam fixos em algo atrás de mim.
Virei-me para olhar e permaneci estático ao ver a figura de dançando ao lado de , ao som de uma música que falava mais que qualquer conversa que poderíamos ter. Assisti seus quadris balançarem lentamente com a batida da música. A calça jeans justa permitia que minha imaginação desenfreada passeasse livre.

Nothing can stop us, we got it all
The love, the passion, but most of all
We mess up, but run from the scene
But, I throw my hands up, if you know what I mean
'Cause I'm not afraid to tell you when you're wrong
And I know that you miss me when I'm gone
We make a great team
With you, I'm better than I've ever been


A blusa soltinha balançava, conforme ela levantava os braços e deixava o corpo viajar por cada verso daquela música. Meus olhos estavam presos nela, total e completamente. O sorriso que ostentava era tão tentador quanto o balançar de seu quadril ou a curva de seus seios aparecendo levemente pelo decote.

Baby, when, when you're far away
I promise you I'll be good
I guess we're misunderstood
So, baby, please, don't hear what people say
'Cause I've heard things 'bout you too
Makes me know that I'm for you


tirou o celular do bolso e pareceu fotografar a amiga, que abriu os olhos e riu para ela, antes de mostrar a língua. Seus olhos pareceram procurar por algo e, assim que encontraram os meus, ela mordeu o lábio.

Oh, no, I don't care what's been done here before me
I don't give a damn, just as long as you care
'Cause, baby, I've been bad, but the heavens forgave me
You don't need to ask 'cause I'm already there
Let's be bad together, baby, you and I
Let's be bad together, if only for a while
Let's be bad together, make the devil smile
Let's be bad together, let's be bad together, ooh yeah

Algumas pessoas a olhavam com curiosidade, outras com interesse, e haviam algumas com algum ar de deboche incompreensível, para mim, porém, sinceramente, não me importei. Ela estava magnífica, ali, dançando, como se fosse a dona da pista, movimentando o corpo com sutileza e sensualidade suficiente para fazer um idiota que a observava ajustar a calça.

Let's be bad, babe, let's be bad
Let's be bad, babe, let's be bad
Let's be bad, babe, let's be bad
Let's be bad, babe


Vi o momento exato em que ela caminhou, até estar na borda da pista, e piscou para mim, antes de voltar a atenção aos movimentos que fazia.

Oh, no, I don't care what's been done here before me
I don't give a damn, just as long as you care
'Cause, baby, I've been bad, but the heavens forgave me
You don't need to ask 'cause I'm already there
Let's be bad together, baby, you and I
Let's be bad together, if only for a while
Let's be bad together, make the devil smile
Let's be bad together, let's be bad together, ooh yeah


Senti o impacto daquela letra quando seu sorriso tornou-se grande demais para esconder, e ela me olhou por sobre o ombro. Assim como começou a música, terminou, deixando-me completamente sem reação e ainda mais fascinado por aquela mulher.



Voltei à mesa, aos risos, com . Ela havia me desafiado a dançar para e, veja bem, eu nunca recuso um desafio. Ela sabia que eu estava interessada nele, talvez, mais que isso, e não perdeu a chance de provar que ele também sentia algo por mim, ainda que eu não tivesse plena certeza desse fato.
— Uau! Onde aprenderam a dançar assim? — perguntou, com um sorriso enorme no rosto, me fazendo rir ainda mais.
— Aulas de dança na infância. — Dei de ombros e beberiquei o drink de morango.
permanecia quieto e me olhava como se fosse a primeira vez que me enxergava. Senti o sangue se acumular em meu rosto e não pude impedir de sentir certo constrangimento.
— Está tudo bem, ? — perguntou, prendendo o riso.
— Sim. — Sua resposta curta me dizia o contrário.
Aproveitamos a boate o máximo possível, dançamos algumas músicas e bebemos quantos drinks aguentamos. Eu não era fã de álcool, então aproveitei a coleção de frutas tropicais dispostas para bebidas. permaneceu quieto, todavia, seus olhos flagravam cada movimento que meu corpo fizesse, estivesse na pista ou na mesa, conversando com eles. A sensação de estar exposta era permanente, mas, diferente do que eu imaginava, isso não me deixara constrangida, pois havia algo naquele olhar que não me permitia ficar assim. Talvez fosse o brilho de curiosidade, mesclado a um sentimento que eu não conseguia identificar, que o deixara ainda mais bonito. De certo modo, não fui a única a notar. Algumas mulheres olhavam para ele como um oásis em pleno deserto, e eu jamais poderia culpá-las, no entanto.
Deixamos a boate, às três da manhã, nos despedimos deles, próximos ao carro e, como eu seria a motorista, abri a porta e me arrumei para ocupar o banco quando uma mão quente me puxou pelo braço. Senti meu corpo parar perto demais do calor que emanava dele.
— Sai comigo, amanhã, para jantar... Só nós dois? — Sua voz não era mais que um sussurro, e eu derreti lentamente ao ouvi-la.
— Tudo bem. — Foi tudo o que pude dizer.
— Passo para te buscar às sete e meia, tudo bem?
Controle não existia, nem em meu atual vocabulário e, muito menos, em minhas pernas bambas. Assenti, sem forças para fazer algo mais, e quando sua mão me soltou, pude, enfim, entrar no carro. Desde que começamos a conversar, esta era a primeira vez que ele me convidava para jantar; especificamente, apenas nós dois.



Meus planos não poderiam dar errado. Céus! Eu estava completamente perdido! Depois de oito anos convivendo com a mesma mulher, perdi completamente o jeito de lidar com outra. Tudo bem que ela não era qualquer uma. Apenas cogitar a ideia de poder descobrir mais daquela mulher era algo que me excitava. Ajeitei a gravata pela terceira vez quando ouvi a campainha tocar. Franzi o cenho diante da visita inesperada.
— Uau! Você está gatão! — me saldou ao passar pela soleira. Empurrei-o pelo ombro e tranquei a porta novamente. — Tudo isso para sair com a ? — Arqueei a sobrancelha diante do apelido citado. Eu não sabia que nos tratávamos por apelidos. Ele pareceu perceber e riu alto disso, atirando-se em meu sofá. — Muita calma, tigrão! Ela disse que poderíamos chamá-las pelo apelido, mas, talvez, você estivesse distraído com alguma coisa e não notou esse detalhe. — A zombaria em seu comentário lhe renderia alguns tapas se eu não estivesse atrasado para buscá-la.
— Você apanha quando eu voltar! — avisei, me apressando para pegar a chave do carro e deixar a casa. — Ah! Aproveita esse tempo em casa e pensa num jeito de se declarar pra de uma vez! — Sem notar, eu havia usado o apelido da moça e o ouvi dar risada, para, em seguida, atirar uma almofada em minha direção.
Corri para a garagem e tirei o volvo branco, depois de um mês preso ali.

Quando cheguei a casa que ela me passara o endereço, encontrei sua figura do lado de fora, sentada na sacada. Apressei-me a buzinar e vi o sorriso surgir em seu rosto, me levando a fazer o mesmo. Minha boca se abriu ao notar o vestido vermelho com um decote discreto e a fenda generosa que trazia na perna.
Ela estava incrível!
— Boa noite! — cumprimentou-me ao entrar no carro.
— Boa noite! Você está linda! — Vi suas bochechas se avermelharem e seus olhos fugirem dos meus.
O cabelo preso de lado deixava a visão de seu pescoço à mostra, enfeitado por um colar de pérola única. Naquela noite, parecia uma visão, e eu era o sortudo que teria sua companhia por horas! Dei partida, seguindo para Long Beach, onde ficava meu restaurante favorito.
O caminho até lá foi divertido. me contou sobre sua afinidade com a música desde criança — seu pai era compositor nas horas vagas, e sua irmã era cantora e a puxava para cantar ou dançar nas horas vagas, o que explica suas habilidades mostradas na noite passada. Mais uma vez, eu estava agradavelmente surpreendido com aquela mulher e feliz pelas afinidades.
Chegamos ao restaurante a tempo de pegar a reserva e fomos guiados para a mesa no terraço com vista para o mar. Acomodamo-nos, enquanto o garçom sugeria opções de bebida. Eu sabia que ela não bebia álcool, então optamos por sucos tropicais.
— Por que música? — Sua pergunta direta me deixou confuso por alguns segundos, antes de me dar conta de que ela falava sobre minha profissão.
Sorri diante do interesse.
— Meu pai era acionista de algumas gravadoras, e eu sempre gostei de cantar e tocar. Quando fui para a faculdade, fiz uma dupla graduação em Administração e em Música, para poder dirigir a empresa da família e montar minha própria gravadora, mas foi quando uma das que meu pai contribuía faliu e ele a comprou para mim, então me divido, administrando os dois ramos.
Ela parecia atenta ao que eu falava e balançou a cabeça, concordando.
— Isso é realmente incrível! havia dito que estudou com você, mas não citou sobre a empresa da sua família. — Ela deu de ombros. — É realmente legal ver alguém tão jovem progredindo em ramos tão distintos. — parecia pensativa, depois do comentário, e eu a fitei, curioso.
— E você, por que ser modelo?
— Uma amiga da faculdade de Moda precisava de uma modelo para apresentar o TCC. Aceitei seu convite, e fotografou e postou as fotos. Um mês depois que terminei a faculdade de Enfermagem, recebi alguns convites e não pude recusar. tinha a chance de exercer sua profissão, e eu poderia ajudar as instituições que queria com a visibilidade e o dinheiro que ganharia. — Ela fez uma pausa, como se lembrasse de algo importante, e mordeu o lábio. — Desde então, estou no ramo.
— Instituições?
— Sim, faço trabalho voluntário e ajudo algumas ONGs de combate à violência contra mulher, o bullying e mais algumas causas. — Deu de ombros e recebeu o suco que o garçom lhe entregara.
Peguei-me olhando-a, completamente surpreso. Ela era mais que um rosto bonito que desfilava em passarelas e combatia o preconceito contra modelos fora dos padrões! era alguém cheia de ideias e forte o bastante para abraçar causas que poucas pessoas estavam dispostas a comprar a briga. Depois dessas descobertas, o jantar foi ainda melhor! Falamos sobre as obras que ela pretendia fazer no próximo mês e os desfiles que conseguira, junto com , para divulgar as causas. Dispus-me a ajudar com doações para as ONGs e assistir aos desfiles, além de conseguir alguns contatos para ela com alguns amigos.
Não vi a hora passar e, sinceramente, não me importei. A comida estava ótima, e a companhia, melhor. Deixamos o restaurante, às onze da noite, quando o mesmo já anunciava que fecharia. A estrada de volta foi percorrida em meio às risadas ao ouvi-la contar uma das inúmeras histórias que viveu com :
— Ela se jogou no mar, dizendo que acharia o Jack. — Sua fala saía cortada devido ao ataque de risos que estava tendo.
— Quem é Jack? — questionei, tentando prestar atenção na via e na expressão de felicidade que ela trazia.
— Do Titanic. Ela assistiu vinte e três vezes seguidas e achou que poderia salvá-lo, depois de beber duas Skol Beats. — Balancei a cabeça, descrente. — Entrei na água pra ajudar e acabamos presas nas pedras. Ainda bem que meu irmão estava lá para nos ajudar! Depois disso, fomos proibidas de assistir qualquer filme que tenha mar na história. — Não pude conter o acesso de riso que me tomou. Só me dei conta de que havia chegado à sua casa quando a vi tirar o cinto. Parei o carro e desci para me despedir dela. — Obrigada pelo jantar! Foi ótimo.
— Foi, sim. Obrigado por ter aceitado e por me fazer rir tanto! — agradeci, vendo-a corar e balançar a cabeça, prestes a entrar. Não sei exatamente em que momento a coragem me tomou, mas quando dei por mim, minhas mãos estavam puxando-a para perto e meus lábios estavam sobre os seus. Talvez fosse o choque da situação, ou a falta de prática, depois de tantos anos de casado, mas fiquei estático naquela posição, até sentir os braços dela passarem por meus ombros e seu corpo se unindo mais ao meu. Envolvi sua cintura e aprofundei o beijo com vontade. Era algo que eu desejava há tanto tempo e não havia admitido para mim. Deslizei uma mão por seu quadril, antes de prensá-la contra o carro. Eu tinha plena noção de que estávamos na rua, mas, naquele momento, eu queria que os vizinhos se danassem, pois, finalmente, estava beijando a mulher que me encantara em tão pouco tempo e sem esforço algum.
Afastamo-nos, ofegantes. Ela abriu os olhos e pareceu um pouco desnorteada por alguns segundos. Sorri diante da reação e acariciei seu rosto. Vi-a corar fortemente, e esta era uma das reações que eu mais gostava de ver nela: a forte e destemida Wallis com o rosto corando, depois de ser observada ou elogiada. O mais complexo é que ela não reagia assim aos demais elogios, mas, toda vez que eu falava algo, as maçãs de seu rosto tingiam-se de vermelho e um sorriso doce surgia em seus lábios.
— Eu preciso entrar. — Sua fala me trouxe de volta à realidade. — Mais uma vez, obrigada pelo jantar! — Vi-a passar por baixo de meu braço e sorrir, marota, ao me ver perdido com sua ação.
— Verei você amanhã? — Não resisti à pergunta.
— Tudo bem... Quando eu sair da reunião com a , te avisarei. — Com o lábio inferior ainda inchado e preso entre os dentes, ela acenou e passou pelo grande portão preto, sem olhar para trás, deixando-me completamente extasiado e sem reação.
Uma sensação estranha e reconfortante preenchia meu peito, enquanto eu traçava o caminho de volta a West Hollywood. Não estranhei ao ver as luzes acesas. , com certeza, estava esperando para saber os detalhes do jantar, como o bom fofoqueiro que era. Sozinho, ri desse pensamento e adentrei a casa. Encontrei-o sentado no sofá, com os pés sobre a mesa de centro repleta de pacotes de salgadinho e duas garrafas pequenas de Coca-Cola.
— Essa sua mania de assaltar minha despensa não muda! — falei ao me aproximar para me sentar na outra ponta do sofá.
Seus olhos voltaram-se para mim com a palavra “curiosidade” explícita neles.
— Fala de uma vez como foi o jantar.
, às vezes, você parece um velhinho fofoqueiro! — rebati, levantando-me para buscar algo na geladeira. Ouvi seus passos me seguindo. — Foi maravilhoso... — Fiz uma pausa para beber água e o ouvi resmungar. — Fomos a Long Beach, ao restaurante de comida tailandesa, comemos e conversamos sobre tudo... Ela é... Não sei nomear. estava linda, como sempre, mas, desta vez, parecia mais tentadora que de costume.
O som de sua risada baixa me fez acordar para vida e jogar a garrafa vazia no lixo. Retornei à sala, com ele em meu encalço.
— Tentadora? Linda? Acho que temos mais alguém apaixonado aqui... — cantarolou, maroto.
— Quem está... Espera! Você falou a ? — indaguei, surpreso ao vê-lo assentir.
— Fomos ao parque, conversamos e eu falei a verdade... Concordamos em nos conhecer melhor. — Ele parecia a ponto de voar! Abracei-o de lado e bati em suas costas, num breve cumprimento. — Mas voltemos a falar de você. Admita, ... Você está apaixonado por .
Afastei-me dele, com a testa franzida diante de sua constatação.
— Não me olha assim. Você sabe que é verdade. — tornou a se sentar novamente no sofá e me olhou desafiadoramente, esperando que eu negasse. — Está tudo certo. Você estava separado de Cassidy há três meses, seu divórcio saiu no mês passado, não tem o porquê...
— Tem, sim. Eu não estou pronto pra isso, não depois de oito anos de tantos problemas. — Balancei a cabeça veemente. — Você está ficando maluco.
— Estou mesmo, ou você só está tentando se enganar?
Não respondi. Segui direto para o quarto e fechei a porta. A última coisa que eu queria era aquele bisbilhoteiro me interrogando. Atirei-me sobre a cama e soltei o ar de uma vez. As imagens da noite passando em minha cabeça como um filme. Definitivamente, eu tinha muito no que pensar.



Duas semanas sem notícias, nenhum telefonema sequer de sua secretária dizendo que ele não queria me ver, porque era um babaca, eu havia recebido. Desde a noite do jantar em que o beijo acontecera, ele havia sumido, não atendia minhas ligações, respondia SMS ou um sinal de fumaça que fosse.
— É oficial, ... Eu desisto! — declarei numa manhã qualquer de terça-feira. Estava de folga, depois de dois desfiles e uma palestra que fiz durante o fim de semana. Havíamos acabado de nos levantar e nos encontrávamos jogadas na sala, de pijamas e pantufas, assistindo Scooby Doo.
— Logo você vai desistir, assim, fácil? Isso não é normal! — contrapôs minha melhor amiga, me olhando como se eu fosse louca ou tivesse usado substâncias ilícitas. Assenti, desgostosa, e a vi mudar de postura no sofá maior. Passou as palmas das mãos na calça do pijama e, depois, segurou o tecido por alguns instantes. Franzi o cenho. Ela tinha algo a falar e medo de fazê-lo: — Ontem, encontrei o Ethan na rua, enquanto voltava da Starbucks.
— O de olhos verdes?
— Sim, o idiota que insinuou que meu pai devia ter gastado uma grana para que eu comprasse meu carro. — Ela revirou os olhos, e eu fingi vomitar. Aquele tal de Ethan era um machista ridículo! Havia dado em cima de , descaradamente, e insinuou que ela era incapaz de se sustentar sozinha, o que, óbvio, lhe rendeu uma resposta ácida e muitas risadas da minha parte. — Ele fingiu não me ver, então continuei, mas quando olhei mais atrás, vi parado na porta do Café. — Senti meu peito afundar e suspirei. — Acabei falando algumas coisas que estavam entaladas e...
— Mason, o que foi que você disse? — perguntei, receosa, me arrumando sobre a poltrona.
— Falei que ele era um babaca e que você não precisava disso... Disse também que ele não era homem pra você... — Fechei os olhos diante de suas palavras e, ao reabri-los, eu a encontrei com cara de cão sem dono. — Desculpa, , mas ele é um idiota e precisava saber disso! Desculpa, mesmo!
Balancei a cabeça e permaneci em silêncio. O som da TV era a única coisa que preenchia a sala. Olhei para minhas mãos sobre o colo e mordi o lábio, indecisa do que fazer. Por fim, coloquei-me de pé.
— Quer saber? Está na hora de resolver isso frente a frente! — Não esperei por resposta, subi para o quarto, em busca de uma roupa descente. Se havia algo a ser dito, eu fazia questão de estar lá para ouvir. Não demorei em me aprontar. Peguei a primeira calça jeans que encontrei, junto com minha camiseta favorita do Batman, calcei os chinelos, prendi o cabelo e corri escada abaixo com a bolsa em mãos.
— Aonde você vai? — O grito de não me fez parar.
Peguei a chave no aparador e continuei correndo em direção à garagem.
— Gravadora. — Essa foi a resposta. Entrei no bentley, e mal o portão havia terminado de subir, fiz o pneu cantar e acelerei para fora.
Mason gritou algo que não ouvi, mas, naquele momento, não importava. Eu me entenderia com ela, depois.

Estacionei do outro lado da rua, em frente ao prédio, e atravessei a via, sem me importar com o farol. Na recepção, me identifiquei como uma das participantes do clipe e disse que vim falar com . Seria muito mais fácil se eu precisasse de um álibi. O tempo dentro do elevador parecia uma eternidade. Quando o mesmo parou no último andar, eu saí da cabine, sem me importar com quem estaria na frente. Um misto de adrenalina, raiva e outro sentimento, que resolvi ignorar, gritava dentro de mim, impulsionando meus movimentos. Passei por uma moça bonita de cabelo cacheado e pele bronzeada, que tentou me impedir, todavia, seu grito não impediu que eu abrisse a porta do CEO.
— Senhor, eu não...
— Tudo bem, Shonda. Eu falo com ela. — estava sentado atrás de uma mesa imensa de vidro com diversas pastas dispostas. Seus olhos demonstravam a surpresa em me ver ali, mas foi a tonalidade pálida que sua pele assumiu o que confirmou sua descrença. Quando a jovem deixou a sala, fechando a porta, virei-me para ele. — O que você...?
— O que eu vim fazer aqui? É isso que você ia perguntar?! — interrompi sua fala, sentindo meu sangue ferver. Naquele momento, pouco me importava se ele era CEO, ou o presidente da República, ele ia me ouvir! — Eu vim olhar nos seus olhos e dizer que você foi a maior decepção que já tive. — O choque atravessou seu rosto ao ouvir minha declaração. — Esperava mais de você, . Um homem bonito, inteligente, bem-sucedido, que se deixa levar por influência da sociedade, é quase tão utópico quanto o Papai Noel. — As palavras jorravam de minha boca como água, e eu não poderia contê-las. — Quando conversamos, eu acreditei que você era diferente, um homem que veria mais que o tamanho do meu manequim, que, diga-se de passagem, eu me orgulho em usar, ou se importaria com o que os outros diriam, mas, depois de me deixar plantada, esperando uma ligação, notei que você é igual a todos os outros. — Balancei a cabeça. — Mas tudo bem. A parte mais triste dessa história é que eu me apaixonei por alguém como você e não sei exatamente como lidar com isso, mas, acredite em mim, vou descobrir. — Dei meia volta e segui para a saída. — Passar bem! — disse, antes de deixar a sala e bater a porta com mais força que o necessário. Não queria ouvir suas desculpas. Tudo o que eu precisava dizer estava dito, e eu não me arrependia.
— Olha só se não é a amiguinha plus size do ... É assim que vocês se intitulam, não é? — O tom debochado de Ethan me pegou de surpresa, no meio do corredor, e me fez repensar a regra de não retribuir violência com violência. — Veio procurar emprego na música, já que, de modelo, não está tendo retorno? — Ele riu de sua piada infame, e eu estreitei os olhos e ri com ele, o que, de imediato, o fez parar.
— Não, eu vim fazer a boa ação do ano — soei o mais casual possível, enquanto dava um passo para trás e olhava o chão ao redor. Notei que Ethan seguiu meus movimentos. — Estava procurando o cérebro que você perdeu... Jurava que eu o havia visto aqui.
Seus olhos escureceram, depois de minha fala, e suas mãos se fecharam em punhos, e, por um momento, achei que ele pudesse me agredir.
— Você se acha realmente importante, não é? Tão patética e necessitada de atenção que precisa vir atrás de um cara que não liga pra você. — Havia mais que veneno em sua voz. Era como ácido puro que, ainda que eu me recusasse a aceitar, atingira meu coração. Mas eu jamais abaixaria a cabeça para um babaca como ele, não depois de lutar tanto para chegar onde cheguei.
Puxei o ar e o encarei, desafiadora.
— Diferente de você, Ethan, eu não preciso provar nada a ninguém, até porque todo mundo que me conhece me respeita pelo que sou. — Dei um passo em sua direção, parando a poucos centímetros de seu rosto. — Sabe aquela sua ideia de que eu precisaria perder, ao menos, quinze quilos para ser “pegável”? Espero que saiba que você precisaria nascer de novo para ser um ser humano, ao menos, tolerável. — E, então, eu lhe dei as costas e segui pelo corredor, até alcançar as portas do elevador. No caminho, vi uma pequena multidão aplaudindo e cochichando. Balancei a cabeça e entrei na cabine metálica que estava no andar exato. Apertei o botão do térreo e senti a primeira lágrima descer quando as portas se fecharam.



As palavras dela reverberavam pela sala, como uma onda forte que batia na praia e arrastava tudo o que havia na frente. Não sei quanto tempo passei, preso naquela situação, estático e perdido. O telefone tocava, mas meu corpo não compreendia que deveria se mexer.
, é sério, cara, você precisa fazer alguma coisa! — A voz de soou próxima demais para ser ignorada.
Voltei minha atenção a ele, que estava parado em minha sala, com olhos aflitos.
— Ela...
— Eu sei. A Shonda me disse. — Sua voz era compassiva, e isso me deixou ainda mais dilacerado. — Não seja idiota. Ela não sabe seus motivos e entendeu tudo errado, ainda mais depois do que o Ethan disse e...
— O que ele disse? — questionei, preocupado.
— Ele... Bem, ele insinuou que... Ah! Caramba, ! — Vi meu melhor amigo colocar as mãos entre o cabelo, completamente nervoso. — Ethan disse que ela era patética e que você não a queria por ela ser gorda.
Senti meu queixo bater na mesa, depois daquela informação. Por Deus! Quem falaria tamanha besteira? Coloquei-me de pé e segui para fora da sala às pressas. Não esperei por , que me seguia, falando coisas sem sentido. Abri a porta da sala de Ethan, que ficava no fim de um dos três corredores menores do andar. Parei de frente pare ele, com ódio suficiente para despedi-lo e, talvez, acertar sua cara, do lado de fora.
, o que...
— Você sabe o porquê eu estou apaixonado por aquela mulher, Ethan? — Meu tom de voz continha mais veneno do que eu imaginava. — Porque ela é linda, inteligente, determinada e cheia de sonhos. Não, eu não me importo com o fato de ela usar manequim 46! Você não repararia no quão bonito é o balanço de seu quadril quando ela anda, ou na sutileza dos decotes que a fazem ser mais sensual que qualquer criatura que conheci. É claro que você não pensou nisso! Seu preconceito é grande demais para se importar com a beleza do sorriso dela, da forma como seus olhos brilham por qualquer novidade ou com o fato de ela ser forte o bastante para encarar discriminação com um sorriso no rosto! — Fiz uma pausa e respirei fundo. Tinha total noção de que, se uma agulha caísse, eu ouviria, pois tamanho era o silêncio que havia naquela sala. — Mas eu sei o porquê você não consegue enxergar isso. Você é vazio! Jamais entenderia a profundidade dos sentimentos ou das qualidades de alguém que não cumpre os padrões que você acha certo! Uma pena pra você.
Deixei a sala a passos rápidos. Tudo o que eu queria era resolver aquela situação.
— Aonde você vai? — perguntou ao entrar no elevador comigo.
— À casa dela.

O trajeto até Santa Mônica foi um tormento. foi dirigindo, já que, segundo ele, eu não estava em condições. No momento em que a BMW parou, eu saltei para fora e toquei a campainha. Não demorou mais que alguns segundos para duas figuras surgirem na porta.
— O que você quer? — A pergunta soou como uma acusação vindo dela.
— Precisamos conversar.
— Errado. Suas atitudes me disseram o suficiente.
Senti meu coração acelerar. Droga! Eu teria que falar aquilo ali, na rua e na frente do meu melhor amigo e da namorada dele. Respirei fundo e engoli em seco. Já estava tudo perdido, mesmo... Eu só tinha aquela chance.
— Não, , eu não disse o que queria... — comecei em um tom mediano, sentindo o suor descer por minha testa. — Sumi por duas semanas, não porque não queria você. Na verdade, fiz isso para entender o que estava acontecendo. Eu me divorciei há pouco tempo, tive um relacionamento conturbado e quando tudo estava um caos, você apareceu. — Sorri involuntariamente. — Sorrindo, brincando, enxergando o melhor das situações, me mostrando que ser forte é enfrentar a vida com determinação e esperança, ainda que a situação seja desfavorável para você. Eu vi em você tudo o que faltava em mim. Num período récorde, você venceu minhas barreiras, pegou meu coração e me deixou desnorteado. — Ouvi um soluço vindo detrás de mim e confesso que também já estava prestes a chorar. — Então, entenda, eu não estava te evitando. Eu queria entender como foi possível me apaixonar por você tão rápido e de forma tão intensa. Perdoe-me se passei a impressão errada. Eu jamais...
— Cala a boca. — Sua voz soou tão perto de mim que só me dei conta de sua distância e que o portão estava aberto quando senti seus braços em volta dos meus ombros, num abraço que surpreendeu tanto quanto agradou. — Você é um idiota e sabe disso, certo? — A pergunta soou séria demais para que eu não assentisse. — Mas, pra sua sorte, eu também estou apaixonada por você e confesso que esperei sua vinda.
— Mas...
— Eu já te disse, ou melhor, cantei uma vez. — O sorriso maroto que tomou seu rosto fez meu coração acelerar. — Eu não me importo com o que você fez na sua vida, antes de me conhecer. Não ligo se você não ligar. — Com uma piscada divertida, ela me puxou para um beijo que, confesso, senti mais falta do que gostaria.
Os gritos, assobios e piadas foram suficientes para nos fazer rir, mas não para nos separar. Naquela noite, eu tive a certeza de que, independentemente das brigas que viessem ou das situações adversas, ela seria uma má garota para o mundo, e eu estava disposto a ser mau, junto com ela, pois, ainda que todos dissessem que não daria, nós faríamos dar.



Fim



Nota da autora: (21/02/2018) Hello everybody! Galera que desafio escrever essa fanfic, terminei nos 45 do segundo tempo, mas está aqui. Espero que gostem dessa história tanto quanto eu amei escrevê—la, peço desculpas pelos erros e que, por favor, deixem comentários e me façam mais feliz (haha). Meu muito obrigada a organizadora, que foi incrível e generosa comigo; a minha amiga Ingrid que leu trechos e apoiou a ideia e a cada um de vocês que lerem. Cheiros da tia . Xx
PS: Para saber sobre outras fanfics e atualizações entrem no grupo Escrita da Mary Lira





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