Finalizada em: 29/11/2019

Capítulo Único

era uma adolescente simples, porém com uma vida confortável. Moradora da maior cidade do país, ela ia todos os dias pela manhã para a escola, onde cursava o Ensino Médio. No período da tarde, fazia cursos extracurriculares que, segundo sua mãe, iriam ajudar futuramente em sua carreira profissional. Curso de inglês, de espanhol, atividades físicas, e ela gostava.
também era filha única. Criada apenas pela mãe. O pai as deixou quando ela ainda era uma criança. Ela cresceu sem uma figura masculina para se inspirar, ou para dar um apoio sempre que necessário e, por isso, aprendeu a admirar a mãe. Uma mulher batalhadora, que se esforçava em seu trabalho, e buscava sempre uma promoção, para que a filha pudesse ter tudo do melhor.
era extremamente grata pela mãe que tinha.
Elas também eram amigas, e sempre saíam juntas. Eventos sociais, escapadas para outras cidades no fim de semana, jantares e idas aos shoppings. A mãe de costumava falar que eram as duas contra o mundo. E eram mesmo.
- Eu decidi o que quero ser quando crescer. – falou sentada de frente à mãe, em um sábado à noite, quando saíram para jantar. A mãe pigarreou, pedindo para que a filha continuasse – Advogada. Uma grande associada em um escritório de advocacia. – a mãe da adolescente não conteve o sorriso ao ouvir aquilo – Quero ajudar quem precisa de uma intervenção legal, defender mesmo, quem não tem condições de se defender...
- ... – a mãe da menina depositou a taça de vinho que estava em sua mão, na mesa, e continuou – Lute por isso. Você é inteligente, dedicada, mas saiba que o mundo é cruel e injusto. O mundo é machista. Os homens vão te ver apenas como um rostinho bonito, e você vai ter que trabalhar muito, muito mais que qualquer homem, apenas para demonstrar a sua capacidade. Eu acredito em você, as mulheres acreditam em você, o seu currículo vai mostrar o nível de profissional que você é, mas mesmo assim, vai ter um machista questionando as suas capacidades.
ouvia atentamente às palavras da mãe. Já havia ouvido que o mundo não era fácil para as mulheres, mas era a primeira vez que sua maior inspiração, falava abertamente sobre aquilo com ela.
- O mundo é seu, você vai apenas precisar lutar muito, para conquistá-lo.

ALGUNS ANOS DEPOIS
O ritmo no escritório era agitado. Pessoas correndo de um lado para o outro, elevador anunciando a chegada de novas pessoas aos andares, clientes insatisfeitos gritando a plenos pulmões de frente com os associados.
Aquele era o ambiente que sempre desejou trabalhar e, poder estagiar em um escritório daqueles, de grande nome, no coração da cidade, era praticamente a definição de sonho realizado.
- ! – ela ouviu alguém a chamando e se virou.
A responsável pelo departamento de contabilidade do escritório estava atrás dela, com vários papeis nas mãos.
- Você poderia, por favor, distribuir os holerites de pagamento aos estagiários? – e ainda piscou – Eu confio em você para isso.
- Claro! – pegou os papeis e analisou o primeiro. Era o seu. O valor era pouco menos que um salário mínimo. Menos do que ela sabia que merecia, mas satisfeita que aquilo pagava alguns dos seus pequenos gostos, e não precisava pedir para sua mãe – Considere como uma tarefa feita.
A responsável pelo setor contábil da empresa então deu as costas e levou o primeiro papel até sua mesa, colocando embaixo do teclado do computador.
- Helena – ela entregou para a menina da baia ao lado – Fernanda... Lucas...
Um por um, a estagiária distribuía os comprovantes de recebimento de salário e via os olhos dos seus colegas brilhando. Mesmo não sendo muito, era gratificante receber e ser reconhecido pelos pequenos esforços que cada um fazia toda tarde.
- E finalmente... – ela riu, observando o rapaz que estava entrando no segundo mês de estágio, ansioso – Joã...
Os olhos de cresceram no valor descrito no holerite. Não, deveria ter alguma coisa errada ali. João Pedro estava ocupando aquele cargo há apenas um mês, enquanto ela estava ali há mais de um ano.
Ele fazia exatamente o mesmo trabalho que ela, e diferente da garota, ele não estendia seu horário de estágio se fosse necessário, nem tinha proatividade em ajudar alguém que precisasse, quando estava folgado.
Por que diabos João Pedro, ganhava mais do que ela?
- Finalmente... João Pedro. – ela entregou para o garoto, que logo puxou o celular, para conferir o aplicativo do banco.
Ninguém havia percebido o quanto ficou desnorteada. E a conversa com sua mãe, de anos atrás, em um restaurante, ecoava em sua cabeça. “O mundo é machista... Você vai ter que trabalhar muito para provar sua capacidade...” Tudo aquilo não era suficiente?
Sem falar com ninguém, foi até o departamento de Recursos Humanos. Seu cérebro fervia. Ela queria entender o que estava acontecendo, por que aquela injustiça estava sendo cometida.
- Todos os outros estagiários homens, estão nesse escritório há mais tempo que eu e, por isso, eu nunca questionei o salário deles. Mas o João Pedro...? – ela estava exasperada, parte do seu cérebro não queria acreditar que as palavras que um dia ouviu de sua mãe, iriam se tornar realidade – Ele está aqui há um mês, não faz nada além do que é pedido, sempre tem uma desculpa e nunca pode estender do horário... Por que? Por que ele ganha mais do que eu? Mais do que a Helena? Ou mais que a Fernanda?
A responsável pelo departamento olhava para com expressão de pena. Ela sabia exatamente do que a menina estava falando, já que no próprio setor responsável pelas contratações de pessoal no escritório, acontecia a mesma coisa.
- ... – ela foi delicada com a estagiária – Esquece isso. É como o mundo é!
- O mundo está errado! – ela se exaltou e, ao perceber aquilo, tentou se recompor novamente – Não é certo ele ganhar mais só por ser homem.
A mulher com quem falava concordou com a cabeça.
- Não é certo, mas esse é o mundo em que a gente vive. – ela suspirou – Muita gente aqui sabe da sua capacidade, mesmo. Se eu puder te aconselhar, volta pra sua mesa, antes que algum superior seu ache que você esteja insatisfeita com o seu trabalho e te dispense.
- Mas eu estou insatisfeita com o machismo praticado aqui.
- ... – a mulher abaixou os olhos, sentindo muito pelo que ela iria falar – Eu não posso fazer nada por você, me desculpe.

Naquela mesma noite, desabafou com sua mãe e acabou chorando no colo da mesma. A mãe estava incrédula. Não conseguia acreditar que aquela situação havia acontecido com a própria filha. Ela era da turma das mães que sofriam do mal de que nunca acreditavam que as coisas aconteceriam com seus filhos.
- Tinha uma música que eu gostava muito quando tinha a sua idade, que falava mais ou menos assim... ”Se ninguém nunca te disse como ser, o que vestir, como falar... Se você nunca gritou para ser ouvida, você não viveu no mundo das mulheres.”
- Mãe...
- Isso vai mudar, eu prometo pra você. Você vai ser reconhecida pela sua inteligência, e o seu corpo não vai importar... Esse não é o mundo das mulheres. Não se preocupe, você vai conhecer ele, e confia em mim, você vai amar!
- Eu pensei em largar o estágio... Eu estou com vergonha do que eu fiz.
- Vergonha? – a mãe passou a mão no cabelo dela – Vergonha de lutar para ser reconhecida com a mesma igualdade que um homem? – a mãe balançou a cabeça negativamente – Suas amigas estagiárias deveriam ter feito a mesma coisa. Deveriam ter ido com você no RH, deveriam ter gritado junto, para vocês serem ouvidas e vistas!
- Eu não falei para ninguém que eu iria lá. Fiquei tão desnorteada quando vi o holerite do menino, que eu não consegui raciocinar direito, confesso. Eu simplesmente saí andando e quando vi, estava no setor.
- Pois amanhã você chegue naquele escritório, converse com suas amigas e vão todas bater panela pelos seus direitos.
- Mãe... – mesmo com lágrimas nos olhos, não conseguiu não rir daquele comentário – Seria ingênuo da minha parte falar que eu não acredito em uma mudança no mundo corporativo? Que eu vou ter 50 anos, e vou estar ganhando menos que um homem, mesmo exercendo mais funções do que ele? Olha o nome do escritório. Tem o nome de três homens na parede. Como que eu, , vou conseguir mudar e tirar o machismo que é enraizado naquele local?
- Simples... – a mãe de levantou o rosto da menina – Voltando lá amanhã, e mostrando para qualquer um ali dentro, a sua capacidade, e o quanto você está estudando para ser a melhor advogada que eles já viram. Acredite, você vai ser recompensada por isso.

🎓🎓


continuou indo ao estágio, mas estava decidida a trabalhar em um local onde as pessoas reconheciam o que ela fazia. De manhã ela ia para a faculdade, no período da tarde, estagiava e à noite, antes de dormir, ela procurava um novo estágio, para ser feliz em um novo local.
Não demorou muito até que um escritório a chamasse para uma entrevista. Dois dias depois, a felicidade. havia conseguido um novo estágio!

🎓🎓


Era o dia da colação de grau de . A menina, que foi escolhida como oradora da turma pelos seus colegas, também foi a melhor da turma em notas. A mãe de não podia estar mais feliz pela filha, nem mais orgulhosa. Sabia que tinha criado uma menina incrível, e que iria fazer o bem para muitas pessoas.
- No meu primeiro dia na universidade, uma pessoa muito sábia me disse uma frase de Aristóteles: a lei é a razão livre da paixão. – procurou sua mãe na multidão, que já tinha um lenço em mãos – Bem, sem ofender Aristóteles, mas no meu primeiro ano nessa Escola, eu concluí que a paixão é o ingrediente chave para o estudo e para a prática do Direito e da vida. É com coragem, paixão, convicção e forte senso de quem nós somos, que tomamos o próximo passo para o mundo. Lembrem-se, as primeiras impressões, nem sempre são as corretas. Vocês devem sempre gritar para ser ouvido, ter fé nas pessoas e mais importante... – ela fez uma pausa de alguns segundos – Vocês devem sempre ter fé em si mesma. Parabéns, turma – sorria, orgulhosa de si mesma – Nós conseguimos!

PÓS-FORMATURA
ganhou um presente de formatura do escritório em que trabalhava: um mês inteiro de férias para descansar. Porém, ao retornar dessas férias, ela acredita que ganhou um presente muito melhor. teve a carteira de trabalho assinada pela chefe, no cargo de advogada júnior.
Ela também estava se sentindo confortável naquele local. Apesar de o trabalho e a carga horário terem aumentado, as pessoas a valorizavam pela inteligência. Eles se importavam com a opinião dela e a chamavam para ajudar a cuidar de casos.
Todas as suas chefes eram mulheres que confiavam em seu trabalho e a apoiavam. Apesar disso, não era um escritório exclusivo para as minorias. Era um local de trabalho com igualdade, onde homens e mulheres exerciam funções e recebiam conforme o seu trabalho, e não de acordo com o formato dos corpos.

🎓🎓


Alguns anos se passam, e já tem cargo Sênior. Ela também tinha uma das, se não a maior, porcentagem de vitórias em tribunais do escritório. Suas superiores a convidaram para uma reunião.
- Nós queremos promovê-la, .
Uma delas falou, claramente se contendo com a informação que estava guardando dentro de si.
- Eu já sou Sênior... – a mulher respondeu à chefe, que deu uma risada a ela – Não?
- Nós queremos que você seja alguém muito maior aqui no escritório. Inclusive, queremos que o seu nome seja maior por aqui também.
pensou por um momento até que seus olhos arregalaram. Não... Elas não estavam falando o que ela achava que estavam falando... Ou será que estavam?
- Não... Vocês não vão falar o que eu estou achando... – ela deu uma risada incrédula para si mesma, mas as mulheres não expressaram a reação que ela – Ou vocês vão?
- Nós queremos que você seja uma associada no nosso escritório, . Com seu nome na parede e tudo mais. – a advogada não teve reação – Você já está aqui há alguns anos e sempre mostrou sua capacidade, sua inteligência e o melhor, a sua dedicação pelo que você faz, além do seu lado humano com os nossos clientes. É uma oportunidade única, que nós achamos que você deve aceitar.
- Claro! – ela respondeu, sua boca sendo mais rápida que seus pensamentos – É claro que eu aceito, meu Deus, que honra!

🎓🎓


Naquela mesma noite, levou sua maior fã para jantar, para contar a notícia, e comemorarem juntas.
- É o sonho da minha adolescência se realizando, mãe... Eu finalmente me sinto realizada, tanto pessoalmente, quanto profissionalmente.
A mãe estendeu o braço por cima da mesa e pegou na mão da filha, acariciando.
- Isso tudo é mérito seu. Parabéns, minha filha, isso tudo é fruto da sua batalha. Você gritou para ser ouvida, .

Just look at how far that we've got
And don't think that we'll ever stop
This ain't the way it's gonna be
No, this ain't the way it's got to be
Know that there will be a day
When everyone's treated the same
It's the only way it's gotta be
It's the one way it's gotta be, yeah





Fim.



Nota da autora: Olá pessoal, tudo bem? Se você chegou até aqui, espero que Woman’s World não tenha te decepcionado. Eu tentei, de forma sucinta, passar um pouco do que as mulheres vivem nas diferenças salariais no mundo corporativo e mostrar que é possível sim, fazer mudanças. Seja no mundo em que você está, seja em você mesma!
Se você é como eu, e adora um filme feminino para adolescentes, com certeza reconheceu o discurso da nossa PP. Pedi licença e transcrevi o discurso da Elle Woods, de Legalmente Loira, ao se formar em Harvard. A Elle, foi discriminada na maior escola de Direito dos Estados Unidos por ser loira e patricinha. Aqui, nossa personagem vive a discriminação velada por ser mulher. No fundo, as duas mostram que você não deve se deixar abalar, nem se desculpas por ser quem é. E eu passo isso para você, leitora. Lute pelo seu espaço, lute por você e pelo que você acredita.
Aguardo o feedback de vocês. Qualquer coisa, pode entrar em contato comigo pelos links abaixo.
Um beijo, Liih. (nota escrita em 25 de Novembro de 2019)



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