17. For The First Time

Fanfic finalizada

Prólogo

Senti o doce perfume dos seus cabelos quando me virei para o seu lado da cama. Ela ainda dormia - e roncava um pouco - depois de muitas horas acordada apenas para ver o nascer do Sol na praia. Eu amava vê-la dormindo, com toda a sua delicadeza e serenidade; era um dos raros momentos em que não cruzava os braços e fingia estar brava. De certa forma me divertia com as pequenas atitudes bobas da minha namorada, pois, ainda que não tivesse a espontaneidade dela, eram sempre capazes de me confortar. Apesar da intimidade, sentia a ansiedade chegando e me perguntava como ela se sentiria ao acordar ou até mesmo o que diria, depois da incrível noite que tivemos. Ainda deitado, dei um beijo em sua testa e, em seguida, me espreguicei. Definitivamente não estava pronto para levantar sabe-se lá que horas da manhã, mas acordei com muita sede e precisava pegar um copo d'água. Também não me lembrava se havia sobrado uma garrafa na geladeira; se necessário, pegaria da pia - pensei. Olhei-a de canto de olho, checando se havia acordado; ela sorriu.
''Volte a dormir, meu amor. Está cedo'' - sussurrei. Ao vê-la fechar os olhos novamente, levantei e avistei à janela. A manhã continuava incrível e eu só conseguia pensar no quanto amava , de uma forma que nunca amei ninguém.


Capítulo Único



Virei o resto da última garrafa de whisky que havia comprado noite passada. Minha garganta ardia e eu a sentia queimar da faringe ao fígado. Eu realmente odiava aquela bebida, mas era inegável sua eficiência sob meu corpo: agia rápido, graças a deus - não que eu acreditasse em um. Esperei mais alguns minutos no bar e chamei um táxi pelo aplicativo; provavelmente já estaria dormindo, sabendo que o relógio batia às 2 horas da manhã.
Entrei em um Logan com um senhorzinho como motorista; indaguei mentalmente, o que será que o levara a dirigir em plena madrugada de terça-feira? Quis perguntar, mas segui a viagem quieto e o agradeci.

She's all laid up in bed with a broken heart
While I'm drinking jack all alone in my local bar
And we don't know how, how we got into this mad situation
Only doing things out of frustration
Trying to make it work but man these times are hard


O apartamento tinha uma localização fácil: morávamos em um bairro conhecido de Munique, na Alemanha, esquina com uma das avenidas principais. Lembro-me claramente do dia em que e eu nos mudamos para cá.

Flashback: 3 anos atrás

- Por que esta carinha triste, amor?
- Não é nada, . - poderia tentar mentir, mas era péssima nisso. Eu sabia que algo estava errado: sempre fora extrovertida, falante e demonstrava seus sentimentos muito facilmente. Desde que havíamos chegado ao aeroporto, seu olhar virou-se para baixo e trocamos poucas palavras. Resolvi insistir:
- , você sabe que pode desabafar sobre tudo comigo - passei a mão em uma mecha de seu cabelo.
- … - ela respirou fundo e continuou - nunca imaginei que estaria saindo da casa dos meus pais aos 20 anos! Isso aqui é um sonho realizado, sem dúvidas, mas…
- Mas você está com medo, né? - Completei e ela assentiu. A mudança de Londres para Munique poderia ser grande para mim, mas para ela, seria duas vezes maior. Sempre fora apegada à família e aos amigos, poucas foram as vezes em que ficaram longe uns dos outros. Vê-la abrindo mão da própria rotina na Inglaterra para construir uma nova vida na Alemanha provavelmente foi a maior prova de amor que pude receber e, a partir dali, senti que deveria mostrar para que poderia confiar em mim para fazê-la feliz e não iria decepcioná-la. - Olha, se você quiser, ainda dá tempo para cancelarmos o voo…
- Claro que não! Tá maluco? - Ela sorriu e eu também - A proposta que lhe ofereceram é irrecusável, e eu quero estar contigo em todos os momentos! Amar alguém significa, principalmente, fazer sacrifícios por essa pessoa. E eu te amo, .

Fim do Flashback

O prédio era antigo e, embora tivesse o design interior moderno, não possuía elevador. Subi as escadas cambaleando até chegar no terceiro andar, saquei as chaves do bolso traseiro da calça e abri a porta de número 31, ouvindo somente o silêncio dentro de casa, que estava escura; coloquei minha jaqueta preta sob a cadeira da mesa de jantar e fui para o quarto, sem enxergar algo ou alguém. Sons de choro vinham do banheiro, mas eu estava cansado - e bêbado - demais para questionar minha namorada sobre qualquer coisa. Despejei meus tênis embaixo da cama e fitei o teto do cômodo até dormir.

She needs me now but I can't seem to find the time
I got a new job now in the unemployment line
And we don't know how
How we got into this mess is it a God's test
Someone help us cause we're doing our best
Trying to make it work but man these times are hard




Enxuguei minhas lágrimas no banheiro, escondida. Sentia-me sobrecarregada e pouco compreendida. A formatura é daqui a um mês e estou certa de que, mesmo depois dela, a minha realidade não vai melhorar. Mercado de trabalho? Durante toda a minha vida, só me envolvi com a livraria, na qual trabalho há 3 anos como atendente. Aliar o curso a este emprego não foi fácil, mas possível. Além disso, o dinheiro faturado me ajudou com , que ficou desempregado. Mesmo quando perdera a alegria após a demissão, continuamos próximos, tínhamos mais tempo juntos e ele procurava ajudar em casa e sempre sorrir para mim; era a exata motivação que eu necessitava para os meus dias. Agora, com a nova rotina, só o vejo durante a noite, o que, definitivamente, foi uma drástica mudança. No entanto, isso não é tudo: não divide seus pensamentos comigo como antes, tende a mostrar que é capaz fazer tudo sozinho, com as próprias mãos, e raramente pede minha ajuda. Interpreto que essa é a maneira que ele encontrou para recompensar o tempo em que estivera parado em virtude da demissão. A vivência, em geral, é difícil.
Há dois dias, voltando para casa, resolvi pegar um caminho diferente do habitual, precisava de um tempo para pensar. Peguei o ônibus, desci na primeira parada, fui andando e observando as vitrines e as pessoas que passavam por mim. Não pude deixar de notar o céu e a colocação das nuvens, tudo parecia tão agradável, inclusive a mistura de perfumes que levemente tocavam a minha pele e me nutriam com a sensação de paz, conforme eu ia caminhando pelas ruas.
Após alguns quarteirões, decidi parar em uma padaria e pedir alguma coisa. A garçonete se aproximou.
- A senhora deseja fazer o pedido? - Perguntou ela, educadamente, enquanto avaliava sem expressão o meu rosto.
- Um café e... - enquanto respondia, fui interrompida por um menino que passava na calçada, ele anunciava a venda de ingressos para um concerto que teria naquela mesma noite. Tratava-se de artistas independentes, que reproduziam músicas de artistas memoráveis, bem como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Buddy Holly e outros. Esquecendo completamente da mulher estendida à minha frente, me levantei e fui ao encontro do menino.
- Ei, espere aí! - Gritei.
Dando meia volta, o garoto me fitou e disse:
- Eu? - Sorrindo, voltou a falar - a senhora quer os ingressos?
- Dois para o concerto, por favor - respondi e, após o pagamento, fui direto para casa.



Virei a chave, o que pareceu uma eternidade para mim, que ansiei ver o rosto de e compartilhar tudo. Ele estava na cozinha, de costas, quando, sem se mexer, falou:
- Você demorou bastante.
Aquilo, para mim, era uma surpresa. Nos últimos dias, chegar cedo ou tarde parecia não fazer diferença.
- Não vai acreditar no que encontrei hoje. Fiquei tão empolgada, tem tudo a ver com a gente. Comprei para nós dois... - antes que eu pudesse terminar, ele socou a cômoda bem à sua frente, mostrando-se impaciente.
- Você acha que está tudo bem?
Fez uma pausa para se virar e, podendo olhar nos meus olhos, continuou:
- Tenho pensado sobre a relação, sobre como tudo tem andado errado e você chega dizendo que gastou dinheiro com qualquer coisa por aí?
abaixou a cabeça e apertou a visão, exatamente como tende a fazer quando está preocupado. Aquela expressão sempre me machucou, de alguma forma.
- Bem, acho que o problema é exatamente este. Você pensa, mas nunca compartilha e, mesmo quando luto para entender ou falar, você se nega a escutar ou responder - concluí. Mudando de cômodo, fui para a sala e tirei os sapatos. Foi mais um dia daqueles e, não, eu não fui ao concerto. sequer perguntou o que era. Agora, sentindo o frio que faz aqui, no chão do banheiro, sei que as coisas mudaram. está na cama, parece aéreo, mas pouco importa o porquê disso ou o que ele pensa.



A ressaca já havia virado minha amiga nos últimos meses. Tinha consciência de que o dinheiro restante não podia ser gasto com bebida alcóolica, mas a que outra companhia eu recorreria em meio ao caos que andava minha vida? Também sabia que e eu não estávamos nos nossos melhores dias, medíamos esforços para mantermos uma boa relação.
O céu amanheceu chuvoso e minha intuição dizia que algo estava diferente; levantei da cama e caminhei até o banheiro, com a porta entreaberta e arregalei os olhos ao ver dormindo no chão do banheiro, encostada na banheira, resultado de uma madrugada conturbada. Depois de muito tempo sem tocá-la com paixão e preocupação, segurei-a em meus braços e pus seu corpo na cama; o alarme das 8:00 tocava e não hesitei em desligá-lo. Se aquele fosse um dia comum, ela estaria atrasada, não conseguiria tomar um banho antes de ir para a faculdade e tampouco comer uma torrada antes de sair; aquele, definitivamente, não era um dia comum.
Peguei o celular de em cima da escrivaninha e consegui desbloqueá-lo: a senha ainda era a mesma, nosso aniversário de namoro. Mesmo com tantos problemas em nossas vidas; sorri. Liguei para Rayne. e ela são amigas de infância e, agora, fazem o curso de Arquitetura juntas. Antes da sugestão da melhor amiga, minha namorada já tinha mudado de curso três vezes até se encontrar na atual universidade.
- Rayne?
- Alô? QUEM É? ? AMIGA?
- Ahn, aqui é o…
- SEQUESTRADOR, SOCORRO - Ray sempre tivera uma personalidade histérica, mas, assim como , era extrovertida e carinhosa. Costumávamos sair em casal quando ela ainda namorava um cara babaca. Terminaram, pelo bem dela.
- Calma, calma. É o , Ray. Namorado da . - Respondi, tentando tranquilizá-la.
- Vo-vocês ainda estão juntos? - Arqueei as sobrancelhas, surpreso.
- Sim, moramos juntos.
- Oh, desculpe. Ela não comenta sobre ti há tanto tempo, imaginei que…
- Tá tudo bem, relaxa. - fingi que não me importava com aquilo e continuei - Ela não está se sentindo muito bem hoje, poderia anotar a matéria e enviar por mensagem, por favor?
- Certo. Mas o que ela tem? - a voz de Rayne demonstrava preocupação.
- Não sei, ainda. Te aviso quando descobrir.
- Beleza, . Obrigada por avisar. Até mais.
- Até.
Desliguei a primeira chamada da manhã e me preparei para a próxima. Ainda me questionava sobre não mencionar mais o meu nome nos papos com a melhor amiga, mas relevei. Na lista de contatos, procurei o número da livraria e estava pronto para avisar dona Evelise que minha namorada não poderia concluir o expediente de quarta-feira.
- Bom dia, dona Evelise está? - perguntei, tentando não transparecer a timidez.
- Ela não chegou ainda. Gostaria de deixar algum recado? - Era a voz da secretária. Nunca conseguia me lembrar do nome dela, mas sabia que ela chegava, pelo menos, umas duas horas antes dos outros funcionários. A livraria era pequena, havia sido construída pela própria Evelise aos 27 anos, uma informação fútil ao meu ver e que, por algum motivo, ficara guardada na minha fraca memória. Hoje, aos 60 e poucos anos, continuava a administrar todo o negócio e, para sua possível infelicidade, não possuía filhos. Apesar disso, sempre tratou como se fosse uma.
- Pode avisar pra ela que a não está se sentindo muito bem hoje? Depois ela compensa o horário e liga pra explicar direitinho.
- Não se preocupe com isso, já está anotado. Melhoras para a pequena .
- Obrigado. Tchau. - Minha namorada sempre foi o mascote da livraria, pensei e ri baixo, segundos antes de encerrar a linha.

She's in line at the dole with her head held high
While I just lost my job I didn't lose my pride
And we both know how, how we're going make it work when it hurts
When you pick yourself up you get kicked to the dirt
Trying to make it work but man these times are hard



Acordei com o coração acelerado e dor no pescoço. O sonho que tive tinha relação com a morte, só consegui me recordar da vez que perdi Toby, meu primeiro animal de estimação. Tentei me levantar, lentamente, e foi quando lembrei que havia dormido naquele banheiro, com a cabeça encostada na banheira. Agora, estava na nossa cama e não me lembro de quando cheguei aqui.
- Que horas são? - Falei alto. Mas não houve resposta. Na sala, escutei passos. sempre levantava antes que eu, seu sono era instável, mas o suficiente para se sentir descansado. Sentei-me na cama e fui ao banheiro, precisava me arrumar para a livraria. No caminho, vi ele entrando no quarto, tinha meu celular em sua mão.
- Está tudo bem? - Perguntei, sem entender o que estava acontecendo.
- Precisei ligar para a Ray, já que faltou seu curso hoje.
tinha o olhar apreensivo, como se não soubesse ter feito a coisa certa. Sorri e continuei:
- Foi muito gentil. Obrigada por isso - falei pegando o celular e continuei meu caminho. Não queria me atrasar para o trabalho.
- Você também não vai precisar ir para a livraria. Terminei a chamada com Evelise há alguns segundos. Tire o dia para descansar - ele chegou perto e beijou minha testa - você merece.
Tudo aquilo era muito estranho. Quanto tempo passei dormindo? Em uma noite vou dormir chorando e, no dia seguinte, acordo com sendo aquele por quem me apaixonei.

...

No mesmo dia, depois de ter saído à procura de emprego, decidi que faria algo para me divertir. Quando mais nova, gostava de comprar vários doces diferentes, os quais eu jamais teria experimentado antes, e ir provando, sentindo a singularidade de cada bala enquanto ouvia minhas músicas favoritas. Lembro que minha melhor amiga, Rayne, me acompanhava nisso.
- Feche os olhos - dizia ela - o interessante é ouvir a música e combinar com o sabor que vier. E fazíamos exatamente assim.
Foi essa lembrança que me fez procurar meu smartphone, que havia desligado e deixado na escrivaninha. Queria ligar para a loja de doces próxima à minha casa. Levantei da cama, lutando contra a tontura, e peguei o celular. Eu só não imaginava que me depararia com mais de 15 ligações de minha mãe, Rosana . Certamente algo deveria ter acontecido e isso me encheu de preocupação. Disquei seu número imediatamente e ouvi:
- , minha filha, onde você estava? - Sua voz estava rouca e apreensiva.
- Mãe? Está tudo bem?
- Eu não suportaria perder mais nada hoje. Preciso que pegue o primeiro voo para casa.
- Mãe - respirei fundo - você sabe que não pos…
- , a passagem está paga - disse ela, me interrompendo - você parte hoje, às 20h. O pode vir também, mas imaginei que ele estivesse ocupado com o trabalho…
- Realmente... - concordei, escondendo o fato de ter perdido o emprego - eu posso ir sozinha. É tão urgente assim?
- Espero por você, então. Preciso desligar. - Concluiu ela, finalizando a chamada.
Aquela ligação ficou martelando a minha cabeça. Nunca ouvira minha mãe tão aflita e séria daquele jeito. Ela é daquelas pessoas que está sempre sorrindo, nunca te interrompe e adora ouvir o que os outros têm a dizer. Mesmo em situações difíceis, ela é reconhecida por manter a calma, mas esta foi a última coisa que senti em sua voz.
Aguardei, já arrumada, a chegada de em casa, com nossas malas prontas. Ele entrou de cabeça baixa e foi quando tive certeza de que também não tivera um bom dia. Eram 19 horas e 10 minutos quando ele disse:
- Aonde vai? É tarde, .
- Preciso falar com você... - falei e dei passos lentos. Estava séria, encarando seus olhos escuros e nervosos - mas preciso ser breve, vou partir daqui a alguns minutos.
- Partir? - sua expressão séria logo se transformou em deboche - você é completamente instável, . Acha que sua espontaneidade vai me admirar o tempo inteiro? Essas suas decisões só mostram o quão imatura você consegue ser.
- Imatura? Você nem sabe do que está falando. Estou indo para a Inglaterra, minha mãe precisa de mim e eu não posso negar.
- Isso é pior do que imaginei. A mamãe pede para você ir até lá e então, imediatamente, você faz o que ela está pedindo.
- , qual o seu problema? - Aumentei o tom de minha voz - Você é irreconhecível às vezes. Eu gostaria de permanecer e tentar te entender, mas não tenho tempo para isso, muito menos para esperar qualquer aprovação sua.
Peguei minha mala preta e caminhei até a porta. Eu estava pronta para ir, sem qualquer despedida, quando ele gritou:
- Espera - sua voz parecia mais calma.
- Sim?
- Pensei melhor. Vai, mas não volta mais, . É melhor assim.
Frustrada, abri minha boca, mas nada saiu. Foram duas tentativas, até que olhei o relógio na sala e simplesmente saí, deixando completamente sozinho e batendo a porta com força. O táxi deveria estar próximo e o caminho até o aeroporto de Munique se tornaria mais longo, com lágrimas escorrendo pelo meu rosto.

Dentro do carro, notei que o motorista não parava de reparar meu rosto pelo retrovisor, mas o ignorei completamente.
- Dia difícil, huh? - Disse.
- Sim. - Respondi, sem acrescentar mais nada. Logo estaria em Londres e isso era tudo que importava para mim: ver os meus pais.


Passaram-se algumas horas desde que entrei no avião. A aeromoça tocou meu ombro, eu havia cochilado.
- Senhora - disse a mulher, alta e de olhos azuis, com um imenso sorriso em sua face - o percurso foi concluído - continuou. Estamos em Londres agora.
Olhei para a moça, tentando retribuir o sorriso enquanto limpava meus olhos. Quando mais lúcida, agradeci e desci.
A viagem, por sorte, não foi longa. Descer do avião e recordar o dia anterior foi o real pesadelo que tive, mas essa não era a maior das minhas preocupações no momento. Mudando rapidamente o fluxo de ideias que passavam pela minha cabeça, reconheci meu pai. Ele esperava na saída de Gatwick, o famoso aeroporto de Londres. Estava longe, mas era difícil não reconhecê-lo, é alto e sua aparência é chamativa, possui cabelos longos, brancos, e um estilo muito característico. Meu pai aprendera a tocar vários instrumentos em sua adolescência, fator que o leva a cantar em bares. Seus gêneros favoritos são rock e folk, sendo eu extremamente influenciada a gostar também.
Chegando perto, pude notar suas rugas mais aparentes. Ele sorriu e, como sempre fizera, piscou o olho esquerdo para mim. Foi quando tive certeza de que estava em casa.
- Venha cá, minha menina - ele falou, abrindo os braços para um abraço. Eu o abracei e coloquei meu ouvido em seu peito, procurando ouvir as batidas de seu coração. Não soltei, mesmo depois de minutos. Ainda juntos, ele alarmou:
- Precisamos ir, querida. Agora.
- Pai, eu não estou entendendo nada. Mamãe está bem? Ela parecia tão mal.
Olhei para o céu, as nuvens estavam escuras e eu não me sentia bem com aquilo. Ele continuou:
- Meu carro está aqui perto. No caminho conto para você.
Concordei com a cabeça, peguei minha mala e acompanhei seus passos. O carro estava com um cheiro forte. Acredito que papai tenha colocado algum aromatizante quando descobriu que eu entraria lá. Ele sempre foi assim, muito cuidadoso. Perguntei algumas vezes durante a estrada, mas ele parecia não encontrar as palavras. Compreendi que aquilo era difícil para ele também.
Eu estava quase adormecendo de novo quando senti que o carro parou. Para a minha surpresa, estávamos em um hospital.
- Vai me dizer o que está acontecendo agora? - Falei, com certa grosseria na voz - não sabe o quanto isso está me matando e como me sinto nervosa agora. É algo com mamãe? Pai, eu não suportaria. Por favor, me diga que diabos está acontecendo.
Ele balançou a cabeça, negando o que eu acabara de dizer.
- Não, não é a sua mãe, mas vai afetá-la fortemente.
Então eu soube: minha avó.
Entrando no hospital, encontrei minha mãe. Rosana estava acabada. Seus olhos estavam inchados e escuros. Ela tinha as mãos magras juntas, próximas à própria boca. Sentada, tinha os olhos fixos e lágrimas desciam pelo seu rosto. Sua boca não tinha cor e, ao nos aproximarmos, ela sequer percebeu nossa presença.
- Rosana? - Meu pai tentou chamar sua atenção.
Ela tremia e manteve a cabeça virada para frente. Papai, agachado, olhou em seus olhos, que não mexiam, apenas choravam. Enquanto ele enxugava seus olhos e a apoiara em seus braços, eu só consegui me sentar ao lado dela, esperando que aquilo servisse para alguma coisa. Nada vinha à minha mente.
- Aconteceu, Taylor - ela sussurrou, quebrando o silêncio no ambiente - a ruptura foi fatal e a cirurgia não foi capaz de salvá-la. O aneurisma matou a minha mãe.
Depois disso, ela soluçou incontrolavelmente, e eu só quis sair daquele lugar para não vê-la sofrendo. Por um momento, eu só desejei partir deste mundo. Para sempre.

Rayne Stein

Embora eu estivesse na aula de Paisagismo, mal conseguia me concentrar nas palavras do professor. Em tese, aquela era uma das matérias que eu e costumávamos faltar toda semana e percebi que não me recordava sequer da voz daquele senhor - não que eu realmente estivesse ouvindo suas palavras. A conversa com não me convencera e, na verdade, havia despertado minha curiosidade ao extremo, principalmente porque não o mencionávamos em nossos assuntos há meses. Fora isso, ainda tinha aquela conversa com sua mãe, o que só aumentava minha preocupação por ela.
Um mês atrás, Rosana me ligou, sempre confiou em mim, sou amiga de sua filha desde nova e nunca a deixei na mão. Na chamada, ela dizia:
- Ray, o que eu vou te contar não pode ser compartilhado com a minha criança - a voz era diferente, quase não reconheci o tom de tia Rosa.
- Não quero que ela se preocupe - continuou - sabendo eu que ela está aprendendo a lidar com as mudanças e a responsabilidade de um curso complicado.
- Claro, tia, mas falando assim você me deixa nervosa.
E, sim, o assunto exigia esse nervosismo que Rosana trazia consigo. Ela me explicou que a avó da minha melhor amiga passava por uma situação de risco, pois sua saúde fora afetada. Conhecia Julie pelas histórias que me contava. Apesar da idade, era uma pessoa ativa. Era uma viajante e sempre que voltava para casa contava histórias para a família. No entanto, ela lidava com problemas mais sérios. Agora, um aneurisma cerebral podia acabar com sua vida.
Todas aquelas informações me deixaram aflita. Fui ouvindo atenciosamente o que tia Rosa dizia e, conforme falava, sentia que sua voz ia ficando trêmula. Depois de consolá-la e dizer que tudo terminaria bem, nos despedimos. Eu poderia parecer tranquila, mas meu coração estava acelerado e eu só tinha o pensamento em . O que será que tem sentido nos últimos dias? Vejo que ela não tem sido inteiramente sincera comigo. Se ela faltar amanhã novamente, vou bater na casa daquele casal exigindo um esclarecimento.
- Por hoje é isso, vocês estão liberados - concluiu o professor, que recolhia suas coisas e saía às pressas da sala. Decidi fazer o mesmo.



Ouvi os gritos lá fora e desci as escadas, buscando saber quem era. Enquanto me aproximava, percebi que não procuravam por mim, mas . Era a Stein, e me admirou ela não saber ainda que estava a quilômetros de distância daqui, em Londres. Abri a porta e cumprimentei, educadamente:
- Olá, Stein - tentei sorrir, tímido.
- Cadê a ? Ela está me matando de preocupação! ? , DESÇA JÁ AQUI! - Gritou Rayne, recebendo o próprio eco como resposta. Ela continuou ignorando o que eu dissera.
- Que metida essa garota, agora deu para faltar aula todos os dias!
Ela ia começar a subir as escadas quando eu cortei seu caminho e disse que ela havia voltado para Londres. Sua mãe havia ligado e ela não pôde ignorar o chamado. A expressão da amiga mudou. Agora parecia assustada e demonstrava entender o que estava acontecendo.
- É a avó dela, . Jesus, será que…
- O quê? - Interrompi, estava nervoso com as feições que passavam pelo rosto da menina.
- Precisamos conversar . Sua namorada provavelmente está passando por uma situação difícil agora.
Nós subimos e ela me explicou tudo o que sabia, me falou da ligação com a Rosana e sobre o estado de Julie , avó da . Sugeriu que o chamado provavelmente seria a respeito disso, talvez o pior tivesse acontecido. Arrependido, lembrei do que disse para ela ontem, terminei nosso relacionamento por uma bobagem. Descontei nela toda a raiva que guardava durante os últimos tempos: a demissão, à busca interminável por um novo emprego e discussões frequentes dentro de casa.
Só agora reconheço o quão cruel eu fui com a pessoa mais incrível que já conheci em minha vida.
Olhei para Rayne, alguém que sempre esteve ao lado de . Ela parecia ansiosa, esperando qualquer reação minha. Lembrando de Rosana , falei:
- Estávamos fragilizados há tanto tempo que minha própria sogra percebeu e recorreu a você ao invés de mim. Me sinto um grande saco de merda.
- Atualmente, você tá sendo um grande saco de merda, sim. Mas larga de ser idiota, garoto! Rosana não te contou porque sabia que você abriria a boca para .
Sorrindo, me levantei e a ofereci um chá. Estava decidido a recuperar o amor de minha vida e os olhos de Ray mostravam que ela compreendera isso.
- Ei, babaca - disse ela, oferecendo minha oferta - fica tranquilo. Você é capaz de fazer minha amiga feliz de novo.

Flashback: 10 meses atrás

Fechei os olhos e respirei fundo. Tentei me concentrar em algum ponto fixo da sala do diretor: a cadeira preta estufada à minha frente, o led que percorria todos os armários do cômodo, o piso de cimento queimado ou à estante que continha miniaturas das principais personagens de jogos; em vão. Encarei o relógio, ambos ponteiros apontavam para às 6 horas e o céu escurecido indicava o fim do meu expediente, como de costume. A cada segundo, minha ansiedade aumentava e eu não sabia se queria que Patrik entrasse o mais rápido possível ou se tivesse esquecido do que precisava me contar; naquele momento, eu só conseguia pensar em qualquer merda que poderia ter feito nos últimos dias, mas eu mal me recordava do meu jantar na noite anterior. Ponto para minha péssima memória.
Passados 15 minutos - que ao meu ver parecia uma eternidade - Patrik adentrou em seu escritório, com um semblante triste. Há 3 anos, desde que eu recebera a proposta para trabalhar na KSC, ele sempre me tratou com excelência, os pagamentos estavam em dia e poucas foram as vezes em que me chamou a atenção. Eu gostava de trabalhar na contabilidade e, numa empresa de engenharia civil, a possibilidade da minha namorada conseguir contatos na área de arquitetura era ainda maior.
- Oi, . Desculpe a demora - antes que eu respondesse, ele continuou - você deve estar se perguntando por quê lhe chamei em minha sala, logo no fim do dia.
- É, confesso que estou um pouco nervoso, sim.
- Antes de tudo, gostaria de dizer que você sempre foi um funcionário muito bom para a KSC durante todos estes anos. No entanto, ontem pela manhã assinei um contrato de venda com a MICEN e, pouco a pouco, estou chamando os empregados aqui para…
- Patrik, como assim? Como pôde? Sem avisar ninguém, que tipo de cara você é? - Não pude deixar de transparecer minha raiva - Você sabe do tanto que abri mão em Londres para vir aqui! Minha namorada desistiu de tudo por causa do meu emprego!
- Eu sei, , eu recebi essa proposta há 6 meses, você acha que foi fácil pra mim tomar essa decisão?
- Caralho - xinguei baixo - e quanto tempo eu tenho? Para arranjar alg…
- Dois dias - ele me interrompeu, enquanto passava os dedos pelos fios loiros espetados. Estava nervoso, assim como eu.
- Patrik…
- Sinto muito. Eu tentei conversar com eles, mas eles me deram um número mínimo de cortes para que essa fusão acontecesse e, de qualquer forma, a oportunidade oferecida foi sensacional. Eles têm uma tecnologia muito mais avançada do que a nossa, e a engenharia exige máquinas melhores a cada ano. Não espero que você entenda, peço desculpas desde já.
- Por que eu, Pat? - Em meio aos elogios, aquela situação me deixava confuso.
- Como eu disse, você é muito bom, mas é apenas o cara da contabilidade, . Precisamos de mais engenheiros, e a MICEN já possui contadores com melhor formação e experiência.
Minha cabeça estava prestes a explodir. Assinei alguns documentos consentindo minha demissão, peguei minha maleta e caminhei quatro quarteirões até chegar no meu prédio, devastado. Não fazia ideia de como daria aquela notícia para .



Entrei em casa e como de costume, ainda não havia chegado em casa. Sempre fora muito agitada, mas estudar pela manhã e trabalhar na livraria até tarde da noite era cansativo e desanimava qualquer um. Era quase 19:30 quando comecei a preparar o jantar; na maioria das vezes, quando ela chegava, já estava pronto. Deixei no fogão pequenas quantidades de batata e salsicha, meu apetite fora embora no momento em que Patrik me chamou em sua sala. Fingi não me importar.
A cozinha em formato de ''L'' era mais do que suficiente para suportar duas pessoas na bancada e raramente fazíamos uso da mesa de jantar no canto alemão - literalmente - que tanto insistira para comprarmos assim que chegamos a Munique. Sua paixão por decoração era notável.
Ouvi o barulho das chaves rodando enquanto pegava os talheres e sorri para no instante em que a vi. Ela era minha motivação em diversos momentos mas, principalmente, nos mais difíceis.
- Oi, meu amor. Como foi o seu dia? - Disse, dando-lhe um selinho.
- Bom! Hoje foi a entrega do trabalho de Desenho Geométrico e a livraria teve um número razoável de clientela. Estou um pouco cansada, e você? Tudo certo na KSC? - ela perguntou, curiosa e também com olheiras no rosto. nunca deixava de perguntar um dia sequer sobre o decorrer do meu trabalho, ainda que todos eles tenham sido exatamente monótonos. Particularmente, eu não me sentia muito confortável em compartilhar meus dias quando ruins, não queria preocupá-la; mas aquele eu não podia evitar.
- Não foi como eu esperava - seu semblante mudou - amor, preciso te contar algo. Acho melhor você se sentar.
Ela obedeceu e eu sabia que estaria se mordendo por dentro, imaginando situações possíveis e impossíveis. Então, continuei:
- Está preparada?
- Não - ambos rimos, tentando disfarçar o nervosismo.
- É sério, boba. A KSC foi comprada pela MICEN ontem, e hoje recebi o pedido de demissão. Pelo visto, eu não sou o melhor contador de lá; o que eles querem são novos engenheiros. Infelizmente, essa não é minha praia - completei, chateado.
- Amor… - seus olhos começaram a lacrimejar e ela me abraçou - todos passamos por momentos como esse, tá tudo bem. Vai ficar tudo bem. Sinto muito que você tenha sido o alvo da vez, mas logo podemos achar um novo emprego. Eu prometo que vou te ajudar a encontrar.
- Eu te amo, . Não me abandone agora, por favor - tentei segurar o choro.
- Eu também te amo, . E eu nunca vou te abandonar.

Fim do Flashback

3 dias depois
Rayne Stein

era 3 anos mais velha do que eu quando nos conhecemos na famosa praça Trafalgar Square, em Londres, ainda crianças. Tenho uma memória nítida deste dia como se fosse da tarde passada: a atrapalhada garota dos cabelos lisos, corridos pelo ombro, chorando incessavelmente sentada na beira da fonte e eu, encarando feio, só conseguia pensar no motivo das lágrimas. Sorte a dela que eu sequer sabia o que significava a palavra timidez e me aproximei; minha mãe costumava dizer que eu não tinha papas na língua e sempre fui madura para a idade, e foi graças à essa sem-vergonhice que descobri que havia se perdido da avó, Julie. Dali em diante, nós descobrimos que morávamos relativamente perto uma da outra e não havia um dia em que não nos falávamos. Tia Rosana conhecia meus hábitos e me tratava como uma segunda filha; eu me sentia em casa. Antes que eu me esqueça: avó Julie estava sentada o tempo todo observando e rindo. Eu amava aquela mulher.
Em meio àquelas lembranças, fui interrompida por uma ligação de na tela do meu celular:
- Alô?
- Rayne, é hoje!
- É hoje o quê? - Perguntei, perdida.
- A , garota, a ! - ele disse, como se fosse óbvio, e eu me lembrei que minha melhor amiga chegaria dali algumas horas. Peguei meu casaco rosa-claro.
- Estou indo aí. Esteja pronto.
- QUÊ? - Não queria ouvi-lo contestando sobre, então apenas desliguei.
O pouso estava marcado para às 18 horas, segundo a foto que havia me enviado por mensagem. Ela não pediu que fôssemos buscá-la, mas eu sabia que aquele era o seu desejo oculto. Talvez quisesse uma surpresa, conhecendo-a bem e, depois de uma perda tão fatal, e eu achamos que ela merecia uma recepção decente; ele também precisava fazer algo para se desculpar.
Depois que me mudei para Munique, nós não morávamos perto como em Londres e tive que sair de casa às 15:30 de bicicleta para chegar no apartamento às 16:00. Por uma fração de segundo, desejei ter um carro e um namorado. Sacudi meus cachos em sinal de negação.
Toquei o interfone do prédio no número 31 e permitiu a entrada - com ela, minha pseudo-falta-de-ar após subir três andares de escada; ele já estava na porta, me esperando.
- Que exagero, Stein.
- Não reclama, - sorri e o cumprimentei, dando tapinhas em suas costas.
- Temos menos de duas horas para decidirmos tudo que iremos fazer até o aeroporto. Não tenho muita grana, mas guardei um pouco da…
- Para com isso, idiota - o interrompi - sabe que não tenho problema com dinheiro, posso te emprestar por uma boa causa.
- Obrigado, Ray, de verdade.
- Tá, tá, sem muito afeto. O que você pretende comprar?
- Hum, acho que o clássico. Um buquê de rosas vermelhas - ele curvou uma sobrancelha, buscando minha aprovação.
- Só?
- É o que a verba permite - revirei os olhos.
- Podemos comprar algo pro jantar: vinho acompanhado de alguma massa, talvez?
- Vinho barato. Ela prefere.
- Fechado.



Nada de construir novas lembranças, apenas recordar momentos vividos. Com a morte de vovó, era só isso que vinha à minha mente. No velório, mamãe estava paralisada, se esforçando ao máximo para não ser tomada pelo imenso desespero de não ter mais uma presença materna para contar. Foi um dia terrível, como pode imaginar, todos choravam e, vez ou outra, eu conseguia escutar uma alta e demorada lamentação de alguém. Talvez o momento mais difícil de estar ali fosse ter que ver seu corpo pálido, vestindo uma roupa que provavelmente não usava há um tempo, seus ossos pequenos e magros se encaixavam em um caixão marrom de tamanho médio. Me aproximei dela e toquei em suas mãos, uma sobreposta à outra, cobertas pelo tecido branco, repleto de furinhos. Derrubei lágrimas incessantes sobre Julie e só consegui pensar no quanto ela era incrível; felizmente todos ali reconheciam isso. Gostaria de ter conversado com ela uma última vez: esse é o maleficio de viver sem saber; nós, humanos, só aprendemos dar valor às coisas e pessoas quando as perdemos. Em resumo, eram tempos difíceis que me fizeram refletir, por um momento, o que eu faria se algo de ruim acontecesse com o meu . Tentei afastar aqueles pensamentos malucos e me esforcei para pensar nas vezes em que vovó e eu estivemos juntas, nas quais ela dizia, sorrindo:
- Minha vida é maravilhosa. Gosto de ser dessas poucas pessoas que sabem ter vivido e coletado o máximo de experiências possíveis, sem arrependimentos.
Era aquela afirmação que me trazia um pouco de calma quando a dor da perda só desejava me despedaçar por dentro. “Minha avó foi feliz”, eu repetia comigo.



Sempre fui fã de viagens: ansiedade e curiosidade por uma cultura diferente despertava a minha vontade de conhecer vários lugares. Os únicos momentos em que me senti insegura em relação a isso foram na ida definitiva à Alemanha e há duas semana atrás, na vinda para Inglaterra. Eu odiava despedidas. Pelo menos uma coisa me conforta ao acordar: saber que os primeiros rostos que verei são os de papai e mamãe. Pela manhã, geralmente os encontro sentados na cozinha, terminando a refeição que meu pai preparou. Taylor Collins é um cozinheiro de primeira, isso é inegável. No entanto, como sempre fui considerada a dorminhoca da família, só apareço quando todos já têm terminado de comer. Hoje não foi diferente.
- Aonde pensam que vão? - falei, quando ambos deixavam a cozinha.
- Olha só, a dorminhoca acordou - disse papai, dando meia volta. Ele se aproximou e beijou minha testa. Enquanto nos sentávamos, mamãe pegou a garrafa com café e disse:
- Ah, como é bom servir minha filha. Nunca pensei que diria isso, mas depois de tanto tempo, faço questão de preparar tudo.
Naquele momento, pude notar o quão forte e incrível minha mãe era - não que não fosse óbvio para mim - mas depois de tudo que passara, ela ainda tinha a gentileza de ser tão amável comigo e colocar um sorriso no rosto. Não havia como eu amar menos essa mulher.
- Eu te amo tanto, mãe - falei, enquanto me levantava para abraçá-la.
- E eu? - disse papai. Nós três rimos. Em seguida, falei que o amava também.
Depois de terminarmos, lavei a louça e fui para a sala, esperando que me seguissem, quando de repente, minha mãe disse:
- Como está o ? Você não fala dele desde que chegou. Como vai o novo emprego? E Rayne? Sinto tanta falta dela…
- É, preciso mesmo conversar com vocês - senti o olhar deles sob mim e ambos pararam suas atividades naquele instante - nós… eu e o não estamos muito bem…
- Vocês terminaram? – Rosana perguntou.
Eu não sabia ao certo se tínhamos terminado de fato. Ponderei por um segundo e optei pela sinceridade:
- Não. Não sei, honestamente. Antes da viagem, tivemos uma discussão e, nos últimos dias, a única pessoa com quem ando conversando é a Rayne.
- Filha, você não pode deixar que pequenas brigas afetem o relacionamento, muito menos trazê-las para frente – disse meu pai.
- Isso não é tudo. Ele perdeu o emprego na KSC há 10 meses. A MICEN comprou a empresa.
- , por Deus! Por que não nos contou antes? Poderíamos ter ajudado! – Minha mãe alterou o tom de voz.
- Não queria preocupar vocês. Os dois têm uma vida pronta e suas próprias dores de cabeça! E, além do mais… a livraria pôde cobrir a maioria dos gastos. Não precisava de ajuda. – Finalizei. Aquilo era metade verdade; em tese, e eu passamos por tempos difíceis e todas as contas foram pagas com muito aperto no bolso. Ele não gostava de ficar parado e o desemprego, junto ao fato de não poder ajudar financeiramente em casa, aumentava ainda mais o estresse e o clima de tensão entre nós.
- , vocês precisam conversar. O seu voo parte hoje; se chegar muito cansada, use o dia de amanhã para resolver este mal entendido. Você ainda o ama?
- É óbvio que sim, Rosana! – Papai me interrompeu, e eu ri.
- Ele tem razão, mãe. é o homem da minha vida.
- Então bobinha, está mais do que na hora de ambos amadurecerem e fazerem as pazes. Eu vou ter uma conversa séria com o senhor sobre tudo isso – ela completou.



Um moreno de olhos verdes e óculos de grau parou no corredor do avião em frente à minha poltrona, colocando sua bagagem de mão sob o armário superior e encarando a numeração dos assentos. Sua voz grave despertou minha atenção, ao perguntar:
- Com licença, você está sentada na J10? A indicação dos lugares está meio embaçada.
- Acredito que sim, por quê?
- Uh, esse era o meu lugar. Você deveria estar na janela, no J12 - ele arqueou as sobrancelhas.
- JURA? Eu ADORO ir na janela! Ahhhh!
- Já era, agora é meu! - Disse, dando uma piscadela e sorrindo de canto. Devia ser daqueles caras que mal nos conhecem e acham que tem intimidade, mas resolvi entrar na brincadeira.
- Você não é alemão, é? - Indaguei.
- Não, como você adivinhou?
- Alemães não costumam ser cuzões quando conhecem novas pessoas - segurei o riso.
- O QUÊ???
- HÁ, te peguei. Agora, devolve a janela, ela é minha - ele ainda tinha uma expressão confusa no rosto e resolvi explicar - percebi pelo sotaque, querido.
- Tá tudo explicado - suspirou - sou Ary Martin, e você? Também não tem cara de alemã - ele esticou a mão para me cumprimentar.
- , sou inglesa.
- Curioso. Lembrei que me chamou de cuzão. Fato mais curioso: eu também sou inglês. Touché - Ary sorriu de canto (de novo).
Em meio à conversa e quase duas horas de voo, Ary e eu acabamos virando bons colegas. Ele me contou que iria à Alemanha a trabalho - tinha uma empresa de desenvolvimento de games, era programador e tinha formação acadêmica como engenheiro da computação, agora estava tentando expandir os negócios pela União Europeia e, futuramente, pelas Américas e Ásia. Imediatamente pensei em .
- Você é sempre tão aérea assim? Ouviu alguma palavra do que eu disse? - perguntou Ary, que apesar do tom brincalhão, parecia interessado no meu olhar inquieto.
- Claro que ouvi! Sou uma moça centrada. Duvida disso? - perguntei sorrindo.
- Você sentou no meu assento neste avião e se considera uma pessoa centrada? Tá mais para uma barata tonta, garota! Ary conseguiu me tirar um sorriso sincero.
- Bem, eu não costumo falar da minha vida com quem acabo de conhecer - continuei - mas é inevitável. Minha cabeça está nas nuvens ultimam... - Ary interrompeu minha fala apontando para a janela, levando para o sentido literal por estarmos em um avião. - Rindo, continuei timidamente:
- É sério... Eu fui para a Inglaterra porque precisei me despedir de uma pessoa importante. Para piorar, , meu namorado, se desentendeu feio comigo e, desde então, nosso contato não tem sido dos melhores para um casal. Sabe o que é voltar para um lugar que costumava ser seu lar e não saber se tudo pode ter mudado?
- Pera, pera, pera! Eu não sei o que aconteceu, mas vejo que isso é sério. Não quero te fazer chorar, então vamos pular a parte da despedida e pensar no agora, ok? O que houve com seu namorado?
Naquele momento, falei tudo para aquele desconhecido, que pareceu atento a cada palavra que saía da minha boca. Tinha uma intensa sensibilidade, parecia sinceramente tocado com a minha história. Por fim, concluiu:
- Eu gostei desse , parece um cara bacana. Vocês precisam conversar, resolver tudo isso, poxa. Olha, faz o seguinte: anota meu contato e procura conversar comigo. Se for tão legal quanto parece e merecer, posso oferecer um lugar na empresa para ele. Além disso, o cara é formado em uma universidade de grande reconhecimento, . Preciso de profissionais de qualidade comigo.
Agradeci imensamente a Ary, que já me parecia um grande amigo.



Finalmente em Munique. Cansada e me sentindo solitária, Ary me acompanhou até a saída do aeroporto. Estava tão perdida e pensando em como seria de agora em diante que nem percebi o chamado de alguém. Foi ele mesmo quem me avisou:
- Existe uma moça gritando pelo seu nome. Acorda, garota! - disse ele, me dando um leve empurrão.
- Onde? - Falei, desorientada - Não me empurra, não, ô, imbecil! Ary riu e concluiu:
- Lá.
Segui na direção em que seu dedo indicador apontava e reconheci. Rayne estava radiante, como de costume. Seus cachos eram tão bonitos que era impossível não reconhecê-los, mesmo longe. Ela sorria, mostrando todos os dentes, enquanto andava em minha direção. Ao seu lado, havia um homem, bem vestido e completamente focado. Era , perplexo, olhando fixamente para Ary. Aquilo me fez rir por dentro, reconheço seu olhar que revela ciúmes. Me sentir desejada por ele retomou minha coragem e esperanças em relação a nós dois, como um casal. Ele trazia consigo o mais lindo buquê de rosas, um vermelho tão intenso que me fez sorrir; por impulso, larguei minha mala em qualquer lugar e corri para o seu abraço, pulando em seu colo sem pensar se aguentaria o meu peso ou não (e quase caímos), tornando aquela cena de fofa à engraçada em poucos segundos.
- Eu te amo - sussurrou - menos quando volta acompanhada de caras gatões!
- Eu também te amo, bobinho - respondi no mesmo tom.
- Ei, e eu aqui? Que consideração é essa, ? - Rayne se manifestou, indignada.
- Amiga… - me aproximei dela e a abracei - você sabe que é muito especial para mim!
- Sei? - Ela perguntou, fazendo todos rirem.

Em meio aquele cenário receptivo, segurou minhas malas e me chamou de canto, um pouco tímido:
- , me desculpe por ter sido um babaca contigo, não sei o que deu em mim… eu prometo que vamos resolver isso, preparei um jantar especial lá em casa e… - interrompi sua fala com um beijo longo, senti seus lábios quentes e incertos, como se estivesse perguntando a si mesmo sobre sua atitude, se deveria realmente me beijar. Na verdade, ele não precisava se preocupar com isso, mas deixei que sentisse uma pitada de culpa sobre seu comportamento nos últimos tempos, embora aquilo já o tivesse consumido o suficiente. Me senti má. Fomos atrapalhados pelas palmas de Rayne, gritando coisas do tipo ''LINDOS'' e ''MELHOR CASAL'', enquanto sorria de orelha a orelha. também sorriu no meio do beijo e eu não pude deixar de fazer o mesmo.
Ary ainda estava no modo planta, nos encarando, quando voltamos ao posto inicial, junto à minha amiga. Por impulso, comentei:
- Terá um jantar especial de ''boas vindas'' no meu apartamento. Ary e Ray, vocês aceitam?
Rayne arregalou os olhos e fitou . Ary, por sua vez, soltou um rápido:
- Claro! Nunca recuso um bom prato de comida, principalmente gratuito! Ah e, prazer, sou Ary Martin - ele estendeu a mão para e eu percebi que havia me esquecido de apresentá-los. Burra.
- O prazer é meu. - sorriu de canto.
- Já vi que vou ter que aceitar o jantar também, casal - ela respondeu, arqueando as sobrancelhas.



Vi com meus próprios olhos a ideia ir por água abaixo. Plano: surpreender . Ato: ser surpreendido. Eu estava completamente confuso: de antemão, ela me beija quando eu sequer sabia se estávamos juntos ou não; depois, ela convida todo mundo para o nosso jantar em casal. Porra, eu decorei minhas falas de trás pra frente, desde a parte do perdão até uma oração do amor em japonês! Tentei manter a calma e respirar fundo, olhei para Rayne, que deu de ombros como se não houvesse solução. Por um segundo, pensei em Ary Martin e se não tinha nada melhor pra fazer: quem era ele? Haviam se conhecido na Inglaterra? No voo?
Saímos do aeroporto e eu pedi um Uber pelo aplicativo, aguardamos o carro próximos à uma área coberta. O motorista, careca, chegou em poucos minutos e pediu que entrássemos – sentei na frente, enquanto , Ray e Ary se acomodaram no banco de trás, nessa ordem; não pude deixar de notar pelo retrovisor que o bonitão não parava de olhar à sua esquerda. Mais uma vez, respirei fundo para conter o ciúme.
O caminho só não foi silencioso porque Stein insistia em abrir a boca para falar sobre qualquer coisa a cada 2 metros; me impressionava o fato dela conseguir puxar assunto com o motorista, Ary e ao mesmo tempo - ainda que não conhecesse dois deles. Quanto a mim, apenas ria para disfarçar o nervosismo.
Não muito tempo depois, chegamos ao apartamento:
- Ary, seja bem-vindo. Não vou dizer o mesmo a Rayne porque ela já é da casa - disse , e ele agradeceu.
- Não tem elevador, então vamos subir 3 andares de escada - completei.
- Tudo bem, eu fiz levantamento de peso na academia por 5 anos. 3 andares e uma mala são de boa - ele respondeu, sorrindo - quer que eu leve a sua também, ?
- Ui, fortão - Rayne comentou. Revirei os olhos.
- Não precisa, Martin. Obrigada.

Virei a chave do apartamento 31 e imediatamente olhei para , que estava com as bochechas coradas. Com a ajuda de Rayne, colocamos o jantar sobre a mesa, com um conjunto de pratos, talheres e copos para duas pessoas. Também enfeitamos o teto com algumas bexigas vermelhas em formato de coração, quase na mesma tonalidade do buquê que eu entregara para ela no aeroporto.
- , o que é isso? Meu Deus, eu…
- Era pra ser uma surpresa de casal, mas já que você convidou o povão, virou uma surpresa de casais - passei a mão pelos cabelos, um pouco sem jeito, e sorri.
- Amor, eu não sabia, me desculpe… mas eu amei! Tenho certeza que nossa noite será divertida da mesma forma! - disse, dando pulinhos de alegria enquanto largava a mala em qualquer canto da sala e vinha em seguida me abraçar.
- Não há motivo para se desculpar. Aliás, agradeça a Rayne, ela me ajudou com tudo isso.
- SABIA! Você não teria capacidade de fazer tudo isso sozinho!
- Ei, que audácia é essa, mocinha? - retruquei, rindo.
- Vocês vão ficar parados aí? Pode entrar, Ary, não tem nenhum urso! E Ray, venha cá - ela puxou a amiga para um abraço repleto de felicidade.

But we're gonna start by
Drinking old cheap bottles of wine
Shit talking up all night
Saying things we haven't for a while
A while, yeah
We're smiling but we're close to tears
Even after all these years
We just now got the feeling that we're meeting
For the first time


Enquanto e Ary se acomodavam na mesa de jantar, pedi a ajuda de Rayne para acrescentarmos mais dois pares de talheres e um par de taças e pratos. Esquentamos a travessa com spätzle e depois servimos, acompanhada de uma garrafa de vinho tinto barata.
- Com licença, , o que é isso? - Martin perguntou, apontando para o emaranhado de massa.
- É algo entre o nhoque e o macarrão. Nos ingredientes, tem queijo, cebola e, por incrível que pareça, não tem batata - ri baixo - você não é daqui, é?
A partir daquele momento, ele explicou um pouco mais sobre a própria história e o que fazia ali, contou que era inglês, assim como eu, e Ray (era de se esperar devido ao sotaque britânico fortíssimo dele); também disse que pretendia expandir a empresa e que nunca havia pisado na Alemanha até então. , em meio ao assunto, comentou, olhando para mim:
- Como você deve imaginar, Ary e eu nos conhecemos no voo de volta para Munique… - na verdade, eu não imaginava nada além da atitude irracional de de trazer um desconhecido ao nosso apartamento. Segurei o riso de desespero e deixei-a continuar:
- Ele já havia me contado da empresa… agora, pergunto a você, Martin: a proposta ainda está de pé?
Eu estava completamente confuso.
- , sabendo dos empecilhos nos quais você e sua namorada vêm enfrentando, acredito que seria bacana agendarmos uma entrevista de emprego para você na nova sede da AMS, minha empresa. Se minha memória não falha, você é formado em Ciências Contábeis, certo?
- Siiiiiiim! Caralho… er, quero dizer, Santas palavras! - Respondi, tentando corrigir o palavrão que expressava minha felicidade, e todos riram.
- Cara, relaxa. Não precisa dessa formalidade toda. Vou ficar um bom tempo por aqui, até acertamos todos os documentos e entrarmos na ativa. Tem muito chão pela frente, mas assim que fizermos a entrevista, já será meio caminho andado; sua participação será essencial e só o fato de você morar aqui, facilita a burocracia.
- EU OUVI EMPREGADO NOVAMENTE? MACHO SUSTENTADO NÃO HABITARÁS NESTA CASA! - Rayne disse, empolgada.

Na medida em que as taças de vinho eram enchidas, o papo fluía mais naturalmente e estávamos nos acostumando com a presença um dos outros. Aquela noite rendeu risadas e criou laços que há muito tempo eu não possuía, mas, principalmente, me deu esperança para ser alguém melhor. Ary, afinal, parecia ser um cara honesto e gentil. Ele, então, levantou-se da mesa e chamou pela minha companhia em direção ao sofá, dizendo baixinho:
- , só tenho mais um assunto para resolver contigo esta noite – arregalei os olhos – essa mulher é sensacional!
- O quê??? Quem? - Aumentei o tom de voz, confuso.
- Como assim, quem? Ela é linda, simpática, alegre… como consegue?
- Tá maluco? Ela é minha namorada, porra!
- An? Você é burro, caralho? - Ele respondeu, ainda tentando não falar alto - Tô falando da amiga da , essa tal de Ray!
- AAAAAH TÁ, a Stein… QUE SUSTO, CARA!
- E aí, será que tem como você me falar mais dela? Comentar sobre mim pra ela? - Martin disse, dando uma piscadinha de olho e sorrindo.
- Beleza. Tá me devendo uma, ein.
- Relaxa, a vaga na empresa já é sua.
- Sério???????
- Não. Tenho que fazer a entrevista antes, foi mal - ele riu.
- Merda.
- Confio em você, ouvi muitos elogios da sua namorada. Fica tranquilo, vai dar tudo certo.

Rayne Stein

- Amiga, vamos aproveitar que eles saíram pra fofocar! Que sapão é esse que você arrumou? Já tenho interesseee!
- Menina, que fogo é esse?
- Espero que eles estejam falando sobre um encontro duplo, eu adoraria…
- Vamos ver - ela respondeu, muito calma (como sempre).
Poucos minutos depois, vinha em nossa direção, pronto para falar o esperado:
- Ray…
- Ele me quer, né?
- Está tão óbvio?
- Não, só chutei e torci pra não ser decepcionada - suspirei - na verdade, o que me decepcionou foi essa frouxidão dele. O que custava vir aqui por si mesmo?
- Bom, num ambiente repleto de bexigas vermelhas, vinho e um jantar romântico para dois, acho que é normal ficar um pouco desconfortável em flertar contigo. - Concordei com a cabeça.
- E agora? Me sinto uma adolescente de ensino médio.
- Agora arrumem um quarto e o sucesso tá garantido - sorriu, sarcástico, fazendo um estalo com os dedos.
- Pelo visto, a atitude vai ter que ser minha, né… - os dois assentiram - homens… por quê tão lerdos?
- Eu tô aqui, viu?
- Não se iluda, amorzinho. Você não é exceção - disse, levantando os ombros e recebendo um olhar de indignação do namorado. Ri sozinha, observando a cena. Ponderei por um minuto sobre como iria incluir Ary no assunto, que até então continuava no sofá, fitando a televisão desligada. Sorte que tenho amizades indelicadas.
- Martin, cola aqui, rapidão - fez um gesto com a mão, o chamando de volta à mesa. Respirei fundo e disse:
- Gato, vou ser bem direta. Eu, você e um after na minha casa saindo daqui, topa?
- Eu te amo, Ray. Precisa me ensinar a não ter papas na língua! - comentou em voz alta.
- A vida é uma só amiga. Ouvir um ''não'' de macho não vai mudar muita coisa. 7 bilhões de pessoas no mundo, alguém deve me querer; e, se não quiser, eu tenho vocês, amigos. É tenso deixar de fazer as coisas por medo da consequência; claro que, às vezes, devemos pensar duas vezes antes de realmente realizar algo, mas vamos deixar esse assunto para outra história.
- Palmas!!!! - disse, animado e batendo palminhas de verdade.
- Er… eu tô um pouco cansado por conta do voo, mas… - Ary começou a falar, mas o interrompi.
- QUÊ?????? RETIRO O DISCURSO, OUVIR ISSO DOEU MUITO, TÁ OK? JURAVA QUE VOCÊ ESTAVA NA MINHA, ARY MARTIN!!!!!
- ELE VAI, RAY, SE ACALMA - por essa e mais várias razões eu adorava . Além de fazer minha melhor amiga feliz, ainda incorporava a louca comigo.
- É, EU VOU, FALEI ERRADO NAQUELA HORA!!! - Ary disse, no mesmo tom. Já amei.
- Uh, acho bom. Melhor irmos indo, podemos deixar o casal finalmente a sós…
- Isso, isso! Ótima ideia! - deu pulinhos no chão e eu senti pena dos vizinhos do andar debaixo.
- Vem, bonitão, teremos uma longa noite pela frente, assim como os pombinhos. Boa noite, povo, amei o jantar! - Concluí, puxando Martin pelo braço e dando abraços rápidos nos meus amigos. Eu estava satisfeita e, sobretudo, feliz por todos.



Me senti imensamente grata por aquela noite. Estar ali, vivendo o presente, com minha melhor amiga, um (novo) amigo e o meu amor era insubstituível. De algum modo, eu sabia que aquele dia ficaria guardado para sempre em minha memória. Assim que Rayne e Ary saíram, fechei a porta do apartamento e senti me abraçando por trás, seus lábios encostaram minha nuca com vontade e desejo; me virei em sua direção, sorrindo timidamente e debruçando ambos braços sob seu ombro, enquanto ele encostava suas mãos na minha cintura. Fechei os olhos e deixei que nossos corpos se aproximassem quase que de forma involuntária. Em poucos segundos, senti sua boca tocar a minha, e eu permiti passagem da sua língua, tornando o beijo intenso e, há muito tempo, esperado.
conhecia minhas fraquezas. Sabia de como minhas pernas estremeciam quando tocava meu pescoço; sabia como eu sentia meus pelos arrepiarem quando passava os dedos pelo meu cabelo e, principalmente, sabia como me deixar com tesão com toques graduados pelo meu corpo. Fomos nos beijando com mais desejo a cada passo dado, quando ele me deitou no sofá e sussurrou:
- Você quer?
- Estou enferrujada. Mas você nunca falha em me deixar com vontade de ti, amor.
riu, descontraindo a situação. Não demorou muito para que encontrasse uma posição confortável e desabotoasse minha calça jeans; me julguei mentalmente por não ter escolhido uma calcinha melhor ao invés da rosa com bolinhas - e eu acho que ele percebeu, decifrando a expressão facial que fiz. Tirei as botas por conta própria e senti, em seguida, dois dedos dentro de mim. Eu amava a sensação que aquilo me proporcionava, desejava mais e mais; implorei para que ele tirasse o resto de pano que eu usava e, da mesma forma, tirei as peças dele. sempre teve um corpo invejável, e talvez eu não me recordasse o quão invejável era, porque me surpreendi com o que vi.
- Andou malhando, amor?
- Não. Isso é de tanto correr atrás de você, bobona - respondeu, sorrindo. Continuamos o beijo - ainda quente - e, sem roupas, pude finalmente senti-lo dentro de mim. Pude sentir o prazer que há muito não sentia, pude gemer alto e irritar os vizinhos, pude me sentir desejada. O sexo representava, finalmente, o amor. E, em meio ao suor, aos movimentos de vaivém e gritos (não pude evitar), ambos atingirmos o ápice da relação sexual, e eu sussurrei no seu ouvido, ainda por cima do seu corpo:
- Eu te amo, .
- Eu também te amo, . E eu sempre vou te amar.




A mesa de jantar estava uma completa bagunça, mas eu não me importava com isso - nem meu toc, por coincidência. ainda estava debruçada sob meu peito, quase dormindo pelada, e me questionei o por quê de não termos ido direto para o quarto. Parecíamos dois adolescentes apaixonados, como na primeira vez que nos encontramos. Sorri sozinho, ao lembrar a facilidade das coisas na época e as preocupações quase nulas. A vida se torna complicada e deixamos de valorizar quem sempre esteve ao nosso lado; sorte a minha, que recuperei minha garota antes que fosse tarde demais.
Ela parecia cochilar quando me levantei sem fazer movimentos bruscos, pegando-a no colo e levando ao nosso quarto. Cobri seu corpo com o lençol branco amassado da cama e a vesti com um samba canção do Batman - era a única que sempre serviu nela - e uma blusa simples, também minha. Embora dividíssemos o quarto, eu nunca sabia onde ficavam as roupas de ; ela insistia que arrumava o guarda-roupa todo mês, mas eu tinha minhas dúvidas, sem contar que dizia constantemente que estava sem roupas. Vesti uma calça de moletom e apaguei as luzes do apartamento, deitando ao seu lado. Era impossível enxergar qualquer ponto no quarto, mas eu desenhei com os dedos os traços de , no próprio ar. A enchi de beijos no rosto e disse, antes de me virar para dormir:
- Obrigado por ser minha namorada. Amo o seu jeito, sua beleza, seu corpo, cada risquinho de estria que você não gosta. Amo quando você sorri e quase fecha os olhos, amo suas piadas sem graça e amo sua dedicação em tudo o que faz. Perdão pelas vezes que te magoei, mas eu prometo, , que nós vamos tentar de novo e de novo, até conseguirmos dar certo, porque você é o amor da minha vida. Nós vamos viver cada dia como se tivéssemos nos apaixonado pela primeira vez. Não desista de mim. Eu te amo, te amo, te amo. Pra sempre.
- Nunca vou desistir de você. Eu também te amo, te amo, te amo. Pra sempre. - Ela repetiu, quase inaudível, e me abraçou.
Assim dormimos e acordamos pelos dias que se seguiram: juntos.

For the first time
We just now got the feeling that we're meeting
For the first time

Oh, these times are hard
Yeah, they're making us crazy
Don't give up on me, baby


Epílogo (4 anos depois)



Mais um dia de trabalho na AMS concluído com êxito. Sexta-feira à noite, definitivamente eu e não estávamos nem um pouco afim de cozinhar; enquanto segurava o volante, chamei a Siri, inteligência virtual do iPhone, em voz alta:
- Siri, ligue para '' Bobona''
- Ligando para: Bobona - respondeu, assemelhando-se à voz do Google Tradutor. Ri sozinho e ela atendeu.
- Alô? - Mesmo diante da nova rotina, conseguia transmitir calma e doçura em seu tom de fala.
- Oi, amor! Tudo bem?
- Tudo, bobão. Fala rápido, estou dirigindo.
- VOCÊ NÃO TÁ SEGURANDO O CELULAR ENQUANTO DIRIGE, NÉ?
- Estou, por isso mandei falar rápido.
- Desliga agora - eu estava preocupado, era óbvio.
- Fala, antes. Vou colocar no autofalante e apoiar no banco do passageiro.
- Uh, tá se achando de carro novo. Arrasou, mocinha.
- Você pagou metade, não é uma conquista só minha. - Aquilo era o mínimo que podia fazer por ela, pensei.
- O que acha de passarmos no Mc Donald's? Você está perto?
- Quase em casa, podemos ir naquele antes da avenida.
- Ok, até já, amorzinho.



- Boa noite, senhor, qual seria o seu pedido?
- Um combo Big Mac, outro de Mc Chicken e um Mc Lanche Feliz. Uma salada e uma torta de maçã também, por favor. As bebidas serão Cola-Cola, suco de uva e de laranja.
- Certo… mais alguma coisa, senhor? - Perguntou a atendente, quase pálida e de olhos verdes.
- Sim. A moça de trás vai pedir e diga a ela que o pedido dela já está pago. Ah e, pode falar pra ela que a achei muito gata.
- Pode deixar - ela respondeu, disfarçando o riso.



Confesso que ainda estava me acostumando com o carro novo e, a cada curva, meu corpo tremia e minhas mãos suavam frias; reforçava em mente que era questão de costume. Pouco antes do fast food, avistei sorrindo bobo pelo retrovisor e sorri de volta - o segui até o drive-thru e o observei fazendo o pedido, até chegar a minha vez:
- Boa noite, senhora. Antes que faça o pedido, o motorista da frente pediu que eu lhe dissesse que você é ''muito gata'' - a atendente riu.
- Meu Deus. Esse cara é maluco - acompanhei o riso dela - vou fazer meu pedido.
- Ah, ele também pediu pra avisar que já tá pago.
- O quê? – Arregalei os olhos.
- O seu pedido, moça. Pelo que entendi, ele já o fez. Vocês se conhecem? - Olhou confusa.
- Lilith - li o nome em seu crachá - esse doido é o meu marido.
Um ''aaawn'' quase sem fôlego foi dito por, pelo menos, três segundos.
- Que vocês sejam muito felizes, então. Alegraram minha noite. Voltem sempre!
- Obrigada! - Sorri.
- Eu quem agradeço. Até – ela sorriu de volta.

Even after all these years
We just now got the feeling that we're meeting
For the first time


Estacionamos os carros lado a lado, agora em uma casa grande, diferente do apartamento em que e eu moramos por tantos anos. O avistei fechando a porta do veículo, com os lanches na mão e sorrindo de canto, como sempre fazia. Caminhou em minha direção, deu um selinho em meus lábios e entrelaçou sua mão livre na minha.
- Será que o dia correu bem com a sogra aqui? - Ele perguntou antes de virarmos a chave.
- Vamos descobrir.
Da janela, vi minha mãe acenar, contente, e não hesitou em abrir a porta para nós. No mesmo segundo, a maior alegria das nossas vidas correu para o colo de , que largou as compras no chão, abriu os braços e disse, arrancando um sorriso meu:
- Vem cá, amor da vida do papai. Eu te amo, princesa.





Fim!



Nota da autora: Por Júlia: AAAAAAH, eu simplesmente amei escrever essa história e espero que, de alguma forma, eu tenha feito você, leitora ou leitor, sorrir! Se você caiu aqui de paraquedas, seja bem vindo à minha primeira fanfiction. Comentem se gostaram para motivarem nosso trabalho (não foi fácil, hahaha) e deixem sugestões também para outras possíveis narrativas. Para qualquer erro, informe no meu e-mail (ju.vbyamasaki@gmail.com) e me ajude a melhorar essa ficstape. Eu sou completamente apaixonada por essa música e sou imensamente grata pela minha companheira de escrita, . Sem ela, nada disso seria possível. Sigo apaixonada pelos pps e, claro, pela Rayne. Impossível não amá-la, hahaha! Um beijo e obrigada por ter lido até aqui! Com carinho, Júlia. Por Rebecca: Essa foi a primeira vez que escrevi algo do gênero e foi muuuito bom viver isso. Sou muito grata a Ju, que foi um amor me convidando para fazer parte da escrita, dividindo a história comigo e fazendo eu me sentir confortável em compartilhar ideias. Espero que, assim como nós, vocês se alegrem com a personalidade dos personagens e saibam que, como na narrativa, se algum(a) de vocês está passando por dificuldades em algum relacionamento, seja amoroso ou não, torcemos para que a parte ruim de tudo isso chegue logo ao fim. Obrigada por lerem e fazerem parte disso. Com amor, Becca.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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