Finalizada em: 20/05/2021

Capítulo Único

Nova York

3:30 P.M.


encarava o copo à sua frente, servido até a metade com whisky, sem esboçar qualquer reação. Seu olhar estava perdido, e seus pensamentos, por incrível que pareça, estavam vazios.
Ela engoliu em seco e levou o copo de encontro aos seus lábios, bebendo uma boa quantia de uma vez só. O amargo da bebida descendo por sua garganta lhe agradava. A mulher sempre amou coisas amargas, e, por isso, talvez sua vida fosse basicamente feita de amarguras. No entanto, tudo havia passado do limite.
tinha tudo – tinha conquistado tudo muito cedo, na verdade. Conhecida como um dos maiores prodígios da década, como dizem os tablóides, se formou em Engenharia com apenas dezoito anos, e era filha de um dos maiores engenheiros do século. Seus pais faleceram em um acidente de carro quando ela ainda tinha vinte e um anos, e, com o ocorrido, a menina havia herdado todas as empresas da família , voltadas para armas de alta tecnologia.
Focou a sua vida inteira em não deixar o nome dos pais cair no esquecimento, trabalhando todos os dias para montar novos dispositivos, munições e armamentos. Claro que desfrutava de festas, sexo, bebidas e, de vez em quando, até de algumas coisinhas ilícitas, mas sempre teve alguém no controle.
Era ela, Daphne.
A única capaz de aguentá-la desde a faculdade. Levá-la para o dormitório em segurança quando exagerava nas coisas que usava durante as festas, distrair suas preocupações, cobrir seus rastros quando simplesmente decidia sair da festa logo no começo para ir a um quarto com algum homem que tivesse deixado-a mais interessada que qualquer asneira que poderia ouvir daquelas confraternizações ridículas, ou simplesmente a única pessoa que a entendia. E, agora, nem isso a engenheira tinha mais.
Daphne estava morta.
E não era qualquer amiguinha que ela poderia mandar um buquê de flores no velório e sequer comparecer. Era seu braço direito. Havia perdido sua única amiga.
De repente, várias ideias começaram a passar em sua mente: viajar para qualquer lugar afastado e fingir que sua vida nunca existiu, administrar as empresas de algum lugar no norte do Hawaii. Queria sumir, desaparecer.
Droga! — esbravejou, levantando-se bruscamente da poltrona de seu escritório.
Daphne odiaria vê-la fazer o que estava prestes a fazer, mas estava vulnerável. E só aquele maldito vício aliviaria, nem que seja por um momento, sua dor. Queria estar livre de seus problemas em um pico de adrenalina, e apenas aquela substância lhe daria aquilo. Abriu a gaveta atrás de sua poltrona e, em um fundo falso, pegou mais um saquinho naquele dia. Alinhou cada grãozinho em uma carreira com o auxílio de um cartão qualquer que tinha por perto e finalmente cheirou, sentindo o pó invadir suas narinas e a sensação de estar novamente drogada a invadir. Guardou tudo na mesma gaveta antes de alguém adentrar as portas do escritório de sua mansão e acabar com sua fúnebre diversão.
— Senhorita , você tem visitas — sua secretária anunciou, depois de bater na porta e autorizar.
— Avise que estou de luto e me drogando muito, sem espaço na agenda com todos esses compromissos importantes — ela soou irônica, apesar de estar falando a verdade, e virou para a loira que estava parada alguns metros à sua frente.
— Com licença, Susan?! — ouviu a única voz que, dentre todas, era a que menos queria ouvir. — Deixei você me anunciar para o cumprimento de seu trabalho. Vou entrar de qualquer forma — avisou, aparecendo ao lado da funcionária. Ela encarou sua chefe com dúvida, e ele logo adentrou o escritório.
, enquanto tomava uma careta de insatisfação, fez sinal para Susan se retirar, e assim a secretária fez.
— Vim assim que soube do que aconteceu com Daphne — engoliu em seco após notar o estado da mulher à sua frente.
— Flores brancas com um cartão já seriam o suficiente, mas obrigada pela sua ilustre presença — caçoou mais uma vez.
Agora, mais do que nunca, sua maior ferramenta de defesa era o sarcasmo.
— Eu não iria deixar você sozinha, não agora — ele encarou a mulher de cima a baixo.
— Claro, já me deixou antes — ela revirou os olhos. — Por favor, , eu não preciso de lindas frases motivacionais saídas da sua fofa voz com sotaque . Eu não lhe servia antes, e agora muito menos — começou a tentar usar as palavras para mantê-lo longe.
Não que realmente não concordasse com o que estava falando, mas o principal motivo de o querer bem longe era que não saberia administrar perder mais alguém, mesmo que estivesse fora de risco. Pensava que meter-se com ela era pedir para estar em risco, já que ela sabotava tudo que amava.
, eu não quis deixar essa impressão quando… — o homem engoliu em seco, sem conseguir terminar a frase.
— Me deixou? — ela perguntou retoricamente. — , você tinha todos os motivos. Eu o entendo perfeitamente — riu sem humor. — Eu sou um kamikaze — terminou sem o encarar e engoliu em seco novamente.
O homem à sua frente era, talvez, a única pessoa além de Daphne que deixou que a conhecesse de verdade. Mostrou à a frágil, que tem inseguranças e não é tão sarcástica. A que precisava de alguém. Aquela que, apesar de estar muito bem em um dia, no outro estaria surtando ou tendo alguma crise de ansiedade. A mesma que mal conseguia pregar os olhos porque, se o fizesse, teria pesadelos com todos que já prejudicou de alguma forma.
E era exatamente essas lembranças que a faziam ser uma pessoa fechada. Lembranças dos pais, que poderiam estar vivos se não vivessem trabalhando para dar o melhor para ela; de Daphne, que sempre movia a vida inteira para se ajustar nos seus planos. Não queria isso para . Ele não merecia viver uma vida conturbada ao seu lado.
Quando notou que o único homem que amou de modo romântico em sua vida estava cada dia mais cansado e com o semblante caído, deu um jeito de fazê-lo ir embora. O evitou, começou a esfriar quando queria simplesmente conversar. Massacrou qualquer vontade que ele poderia ter de aproximação e o fez deixá-la. Como fazia com todos, o afastou.
tinha certeza que não merecia alguém tão valioso quanto , por isso o deixou ir.
— Não, eu… — limpou a garganta. — , você sabe que eu não fui embora do dia para a noite, e muito menos porque quis — encarou-a, sério.
Nunca quis deixá-la, mas era impossível ficar perto de quem afastava você cada vez mais.
, eu não sei o que você quer e nem por que escolheu o dia de hoje, mas eu quero que você desapareça! — disse entredentes, sem encará-lo, e pousou uma mão nos olhos. Estava começando a tontear.
— Eu só quero ficar próximo, não deixar você sozinha — ele pediu, tentando se aproximar.
— Eu juro que, se você der mais um passo, eu atiro no seu ombro. E é bom torcer para não furar algum lugar que comprometa seus batimentos cardíacos — ela ameaçou, preparando a mão para pegar sua pistola na gaveta.
— Você nem tem uma arma, ! — debochou e continuou andando na direção da ex, que imediatamente sacou a arma da gaveta e apontou-a em sua direção.
travou e ergueu as mãos, em sinal de rendição.

— Vamos, , um motivo pra não cumprir minha ameaça! — ela se levantou, ainda mirando o ombro de , mas totalmente tonta.
, você não quer fazer isso! — ele engoliu em seco e falou manso.
— Por que não? Eu já perdi tudo! PERDI TUDO O QUE EU TINHA! NÃO TENHO MAIS NADA A PERDER! — começou a gritar, ainda com a arma levantada, mas já sem mira nenhuma. Mal conseguia distinguir qual era o verdadeiro dentre os cinco que enxergava.
— Você ainda tem a mim, , eu estou aqui por você! — ele tentou continuar a aproximação, quando percebeu a mulher tontear ainda mais.
— Pare de me chamar com esse apelido que você inventou! — ela reclamou e revirou os olhos, sem controle do corpo.
Começou a sentir-se mole, e uma ânsia tomou conta de si. jogou a arma na mesa e pôs uma mão no peito, pressionado-o com força. Em seguida, gritou pela dor repentina.
Gritou por não aguentar a força da dor, mas estava satisfeita, porque aquele era possível e finalmente a porra de seu fim.
jogou o casaco que segurava no chão e correu o mais rápido que pôde em direção à . Segurou-a antes que ela caísse no chão e conseguiu amortecer o impacto. Gritou o mais alto que conseguiu para que alguém chamasse uma ambulância, e rapidamente foi atendido.
Não deixou de segurar nos braços até os paramédicos chegarem, e, quando aconteceu, a acompanhou até onde os médicos deixaram.
Droga, não podia deixar nada acontecer com ela, porque a amava.


•••


Hospital

Um mês depois.


mexeu o corpo, sentindo um incômodo. Estava ouvindo um barulho incomum, mas preferiu ignorar e continuar seu sono naquela poltrona terrivelmente desconfortável. Resmungou algo, quando ouviu novamente alguém o chamando e pediu mais um tempo de sono.
, por favor, onde nós estamos, droga? — o cutucou pela vigésima vez e o viu se remexer mais uma vez. — Meu deus! — reclamou e jogou um de seus travesseiros no colo do homem à sua frente, que acordou assustado.
— O que aconteceu? Meu deus, você está bem? — ele perguntou, olhando para os lados. — Céus, você acordou! — a ficha de caiu e ele se levantou.
— Como assim, “acordei”? , por que estou aqui? Quer dizer, ontem você estava me enchendo o saco, eu queria atirar no seu ombro e quem para no hospital sou eu? — questionou, confusa.
— Ontem? — a encarou, mais confuso que ela. — , você está aqui já tem um mês — ele soltou, sem cerimônia, e viu cair para trás, totalmente surpresa.
— Droga, como estão as empresas? — foi a primeira coisa que se lembrou, e logo começou a tentar se levantar.
, se preocupe com você. Já tem mais de dez anos que você investe nessas empresas. Elas jamais irão desmoronar por você ficar um mês fora. As melhores pessoas trabalham lá, todas escolhidas por você — pôs as mãos nos ombros da mulher, que suspirou. — Pergunte como você está, vamos!
— Eu não ligo — ela respondeu, fazendo pouco caso, e revirou os olhos.
— Agora muito bem! Você teve uma overdose, álcool e cocaína. Sério? Sabia que seus instintos suicidas eram aflorados, mas não nesse nível — ele brincou, e os dois riram.
— Babaca, eu estou de luto — se justificou, lembrando de sua melhor amiga. — Porra, Daphne! — seu semblante murchou novamente.
— Ei, por favor! Não fique triste, quer dizer, não deixe isso tomar conta de você! — ergueu o rosto dela e, quando a viu fazer menção para falar algo, a interrompeu. — Eu sei que você não precisa de babá, mas eu não quero cuidar de você como alguém responsável. Quero cuidar de você como… eu não sei, como você deixar. Só não fique sozinha — disse, ainda a encarando, e notou engolir em seco.
Era sua única chance. Se não o fizesse agora, ela nunca mais deixaria.
Pouco a pouco, aproximou mais o rosto, e os dois finalmente uniram os lábios em um beijo. Um beijo nada a ver com nenhum deles, mas que se encaixou perfeitamente no momento. Algo suave e romântico e… caramba, era aquilo que precisava.
— Talvez uma tatuagem com o nome de Daphne seja uma boa homenagem — disse ao separar o beijo. riu.
— Fica quieto — ela o beijou novamente enquanto os dois riam.
Algum tempo depois, chamaram os médicos para a examinarem. Deixaram claro que, se não estivesse com ela exatamente no momento das convulsões, a mulhernem estaria ali. Ela prometeu não usar mais nada que a prejudicasse tão negativamente, e finalmente começou a triagem para uma possível alta.
— Obrigada, por tudo — agradeceu ao homem ao seu lado, que observava tudo o que faziam com ela. Por um momento, o viu desviando o olhar para si.
— O quê? — ele fingiu não ouvir e levou um empurrão leve, logo rindo. — Eu faria tudo de novo se fosse para terminar com você.
— Que egoísta, disposto a me ver quase morrendo — ela debochou.
— Para depois ver o brilho nos seus olhos novamente? Me mostrou o quanto te amo. — soltou, sem pensar.
— O que disse? — dessa vez, fingiu não ouvir e riu, ruborizado.
— Babaca.
— Eu também, também amo você.
E assim, sorriram um para o outro, sabendo que, mesmo depois de rodarem tanto, o lugar certo para os dois era aquele. Lado a lado.


•••


— Eu não acredito que você me convenceu a fazer essa bobagem — revirou os olhos, rindo.
Estava saindo do estúdio de tatuagens, de mãos dadas com . Pouco tempo depois, ouviu ele dar uma risada anasalada.
— Oras, você a homenageou, nunca a esquecerá e ainda ficou bonito. Não vejo desvantagens — ele deu de ombros e recebeu um empurrão.
— Obrigada. — ela disse brevemente.
sabia que aquilo era a ponta do iceberg de muitas coisas que ela queria agradecer, e sabia que ele entenderia. Sorriram mutuamente.
— Disponha — ele deu de ombros, ainda sorrindo. — Sem contar que agora você ficou muito mais sexy na sua versão tatuada.
— É só uma, e no ombro, mal dá para ver sem regata! — ela argumentou depois de gargalhar alto com o comentário.
Eu posso ver sempre que quiser falou baixinho, dando de ombros.
— Quem lhe garante? — ela perguntou, desafiadora.
gentilmente tirou alguns fios de cabelo da frente do ombro de , que o impediam de enxergar o galho com folhas de louro¹ tatuadas ali. Olhou-as por um tempo e sorriu.
— Viu só? A hora que eu quiser — debochou.
— Hm… Boa — eles riram e foram em direção ao carro dele.
Mais tarde, iriam jantar em um restaurante qualquer ou pedir alguma coisa para comerem em casa. O mais importante, para ambos, é que estivessem sempre juntos, sem precisar mais olhar para trás.


¹ Folhas de louro: Louro é a folha da árvore loureiro; Daphne significa loureiro.


Fim



Nota da autora: Heeeey! Tudo bem?
Eu genuinamente espero que tenham gostado dessa one, me esforcei nela principalmente por ter sido minha primeira ficstape \o/.
Enfim, caso tenham curtido minha escrita, não deixem de conferir minhas outras artimanhas pelo site. Nenhum drama como este, mas feito com muito carinho, posso afirmar.
Obrigada a todes que me ajudaram e suportaram os atrasos hehehe
Era só!
Beijinhos, Dana!


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