19. TEARS!

Finalizada em: Out/2023

tears!

— Você disse que estavam fechados! — Louis suspirou, derrotado.
Mike fez a mesma expressão enquanto vestia seu colete vermelho do Kaliente de uma forma preguiçosa e até triste. Eram quase 11 da noite. Nem mesmo os pássaros daquela hora chiavam mais por entre as árvores nos fundos da garagem.
— Eu sei, eu sei. Mas o Gary disse que a casa está cheia e perguntou se eu poderia ajudar. Eu disse que não, mas ele me ofereceu o valor de 3 horas extras.
— Eles vão te fazer entregar pizzas até 2 da manhã.
— Como sabe disso?
— Hoje é o dia do jogo dos Bulldogs, aqueles carniceiros vão fazer alguma festa em algum lugar depois e o Kaliente é tipo o número de emergência desses boçais. E lembre-se: se ganharem, a quantidade de pedidos é maior.
— Não viaja — Mike franziu o cenho, se colocando à frente da casa, puxando o boné azul e brega dos bolsos do colete — Ele me prometeu 2 horas, então vou ficar 2 horas. Se quiser mais, vai pagar mais. É assim que funciona — ele dá de ombros, mas Louis continua com a mesma expressão vazia — Não fica assim, Partridge, a gente ainda vai ter tempo até o festival. Já estamos com tudo pronto.
— O festival é daqui a dois dias, Mike — Louis trincou os dentes. Ele não gostava de seguir por aquela linha; aquela que o transformava em um cara minimamente chato diante de coisas que ninguém achava legal, mas com Mike tinha essa liberdade, porque bem… Ele era a pessoa que achava aquilo legal.
Imediatamente, Mike ajeitou a postura e soltou uma exasperação pesada.
— Tudo bem, amanhã vou tirar uma folga. Custe o que custar. Mesmo que precisemos pegar a Delilah e fugir para o Canadá sem telefone.
— A Delilah mal chega na Academia.
— Não fala assim dela.
— Mas ela é minha.
— Dane-se, não fale assim dela — Mike olhou para o Mustang amarelo enferrujado por sobre o ombro e jogou um beijinho patético para a lataria — Então é isso, estamos entendidos. Te encontro amanhã depois da aula. Ou melhor: depois do almoço. Só uma síncope me faria assistir a aula do Miller por duas horas.
— Tudo bem — Louis acenou para o amigo, que desapareceu pela ruela em cima de sua scooter anos 90, assim como todo o ambiente da pizzaria.
Em desânimo, Louis caminha de volta para o carro, sentindo a temperatura cair vários graus assim que se acomodou no volante. Não havia mais nada que pudesse fazer, mas isso não fazia ninguém se sentir melhor.
Quando avançou pela mesma avenida que veio, podia ver com nitidez os carros e motos barulhentos que passavam judiando de buzinas pela torcida aos Bulldogs. Aqueles jogadores de hóquei eram alimentados por aquele tipo de coisa: fanatismo. E um fanatismo sem sentido, porque nada explicaria a falta de um lema ou uma torcida minimamente organizada.
Antes de chegar para a outra esquina, ele observa a única garota passeando na calçada. Parecia apressar o passo, bufando como um touro. Sua mochila pequena brilhava em prateado e preto à medida que se movia, e Louis se apegou na sombra tênue das telhas dos estabelecimentos acima que escondiam seu rosto.
Mas não foi difícil reconhecê-la. Era lógico. Ele reconhecia aquela coisa brilhante e brega, e também reconhecia a única pessoa da Academia que ainda ouvia músicas em um disquete antigo.
— Perdeu o caminho de casa, Johnson? — ele perguntou com uma breve buzinada, fazendo Skye dar um susto e agarrar os headphones finos para fora. O carro agora andava a 10km/h de propósito para acompanhá-la, e pelo menos naquela área não tinha trânsito, graças ao jogo.
Skye respirou fundo após o reconhecimento, revirando os olhos para a abordagem.
— Como é que você está aqui?!
— Eu estou sempre aqui. Como é que você não está lá? — ele levantou uma sobrancelha. Skye mordeu o lábio inferior e continuou a andar.
— Queria dar uma volta — ela mentiu, e Louis sabia disso. A situação era bem óbvia: Skye Johnson odiava jogadores de hóquei e achava que seguir suas amigas com um deles era uma parada rasa demais.
— É, imagino que “dar uma volta” seja mais interessante do que assistir aos babacas — e frisou a frase com os dedos. Skye não conseguiu deixar de concordar. Acima de seu irmão mais novo, apenas Louis sabia o quanto Skye escondia seus verdadeiros interesses, e era estranho ser tão transparente assim na frente dele.
Por um tempo, os dois ficaram assim, em completo silêncio, enquanto Skye insistia em andar mais devagar e Louis mantinha a direção do carro na mesma velocidade que a garota.
— Mas acho que a sua volta vai te custar um tempo muito longo pra chegar em casa, não acha?
— Eu tô bem, posso pegar um táxi.
— Táxis a essa hora podem ser perigosos.
— Pegar uma carona com você também pode ser — ela levantou uma sobrancelha, inatingível. Louis sempre parecia alimentar uma vontade indescritível nela de discutir — É isso que pretende fazer, não é? Me oferecer uma carona.
— Ficou tão na cara assim o quanto a Delilah é interessante?
— Delilah? — ela cruzou as sobrancelhas, mas entendeu rápido com um revirar de olhos — Claro que seu carro tem um nome.
Um sorriso sacana brotou dos lábios do garoto. Aquele nome tinha caído do céu. A ideia de colocar um nome em sua maior conquista pessoal também.
— Vem, entra. Aproveita que hoje ela tá de bom humor e nem vai reclamar tanto de chegar na sua casa.
Skye mordeu os lábios, sem responder de imediato. A rua ficava cada vez mais vazia. Ainda existiam pessoas ruins e cruéis no mundo. E, bem… Não tinha ninguém olhando o que estava prestes a acontecer.
Aceitando com um balançar de cabeça, viu Louis parar o carro e abrir a porta por dentro. Ela entra rapidamente e volta a fechar a porta, deixando seus olhos esquadrinharem cada pedaço de Delilah.
— Gostou dela, não é? — Ele perguntou com um sorriso de quem já sabe a resposta. Skye apenas dá de ombros.
— Não sei. É mais apresentável do que eu pensei.
— Não é nada comparado aos grandes caras do hóquei.
— Quem liga pra Volvos idiotas? — ela murmura, se empertigando no lugar.
Louis ri e finalmente, gira a chave para começar a dirigir. As borboletas em seu estômago se revolviam e cruzavam umas sobre as outras, como em um trânsito maluco, igual ao que estava acontecendo nas ruas de trás. As de Skye também se moviam incessantemente, mas como pequenos enigmas. Novamente, ela não entendia porque era tão estranho estar perto de Louis Partridge, ou não se atrevia a entender.
Quando ele estaciona na frente da casa dela, a música já estava quase no fim. Ele escolheu Cigarettes After Sex, porque sabia que Blaire odiava. E se Blaire odiava, era totalmente válido assumir que Skye gostava.
— Obrigada pela carona — ela agradece com um sorriso de canto e começa a desatar o cinto, mas para no meio do caminho quando vê as folhas de papel amassadas e totalmente preenchidas da pequena agenda jogada e aberta no banco de trás.
Quando olhou na mesma direção, Louis riu nasalado, levantando os ombros mais uma vez.
— São só algumas coisas que eu escrevo. Coisas que combinam com a batida e tudo…
— Tá falando do beatbox?
— É — Louis concordou, puxando a respiração — É uma coisa em que eu sou bom.
— Também acho que você seja bom.
Louis olhou para ela com as sobrancelhas arqueadas.
— Acha mesmo?
Skye segurou o riso. Ela viu claramente em seu rosto o quanto ele adorou a informação.
— Não compartilho de todas as opiniões das garotas, Louis. Seu nariz empinado me irrita mais do que a música, pode ter certeza.
O sorriso de Louis foi indisfarçável. Quando passou uma língua pelo lábio inferior, ele apenas disse com convicção:
— Você também tem um belo nariz empinado, mesmo que seja falso — e a encarou por mais tempo que o necessário, esperando uma rebatida que não veio — Vai ao festival no sábado? Assistir o meu nariz empinado, sabe.
— Por que eu iria gostar disso? — ela desviou os olhos para a frente. Talvez já tenha ficado tempo demais naquele carro. Talvez quisesse passar só mais um tempinho. Não era por um prazer puro de estar com Louis, ou o prazer dissimulado de caçoar dele. Era só… Vai saber.
— Porque você acha legal, mas não viu como pode ser sensacional. Confia em mim. Pode jogar na minha cara depois se for ruim.
— Vou poder dizer que você foi um fracasso?
— Claro. Com jeitinho, se puder.
Ela ri, mas não desvia o olhar dessa vez. Louis parecia feliz com sua resposta, mas parecia muito mais feliz com outra coisa. Parecia feliz com o festival em si. Feliz com o que faria, ou com o que tinha feito até agora. Skye reconheceu a estranha felicidade que vinha de amar algo sem saber por quê. E isso já o tornava o melhor de qualquer competição.
— Tudo bem. Vou aparecer.
Ela prontamente deixou o carro, abrindo o primeiro sorriso grande quando virou as costas para ele. Louis ainda ficou parado por um minuto, remoendo aquela estranha felicidade, e arrancou para longe.

🎧


— Por favor, não me diga que está olhando pra ele.
Yaz comentou ao ver o olhar de Skye pender para a frente de novo. Um sorrisinho teimoso não deixava aquele rosto, o que era estranho. Skye só sorria do nada quando ficava olhando aquelas estrelas do observatório.
E agora ela estava olhando para Louis Partridge sentado do outro lado do refeitório.
Skye acordou com a pergunta, feita sem mais nem menos. Yaz tinha aproveitado que Blaire tinha saído para buscar mais uma tangerina ou seja lá o que fosse, mas ainda queria uma resposta da amiga.
— Não estou olhando pra ninguém.
— Vai jogar essa pra cima de mim mesmo?
— Não estou! Eu só…
— As opções de cardápio desse lugar estão indo de mal a pior — Blaire não lhe dera tempo de responder (ou de se enrolar ainda mais) — O que vocês estavam falando?
— Nada — Skye logo lança um olhar esquemático para Yaz. Ela se pareceu muito com o jeito rabugento de sua mãe quando ultrapassava o horário de estar em casa. Yaz apenas balançou a cabeça.
— O que vamos fazer hoje? — Blaire voltou a perguntar — Sabe, é sábado. Fiquei sabendo que vai ter uma festa na casa do Jack pela vitória do time. O que acham?
— Acho que não vou poder — Skye respondeu.
Blaire logo torceu todo o tronco em sua direção.
— Por que não vai poder? Não estudamos aos sábados depois daqui, é a regra.
— Eu sei, eu só… — Skye se concentrou na comida, achando que não suportaria olhar para ela e mentir tão… Naturalmente — Só quero ficar um pouco em casa.
Em vez disso, olhou sucintamente para Yaz quando ela disse:
— Hoje é o dia daquele festival de música, não é?
— Minha nossa, é verdade. Que terrível — a outra bufou com indignação. Skye não disse uma palavra. Já tinha largado mão de tentar defender o que Louis fazia, mas também de criticá-los abertamente como Blaire — Você não está pensando em ir nisso, não é?
Skye levantou uma sobrancelha, demorando um minuto para entender que era com ela.
— Claro que não, por que diz isso?
— Porque sei da sua capacidade de não detestar aqueles esquisitos.
Cuidadosamente, ela afastou a bandeja, suspirando com um intenso pesar.
— Eles não são tão ruins assim.
— Então você vai premiá-los com a sua companhia? — Blaire desafiou.
— Não. Não, eu não vou…
— Então não tem porque não irmos à festa — Blaire lhe lançou um sorriso vitorioso, virando-se para a frente e parecendo mais feliz em comer — Combinado, então.

🎧

I don't need a reason to get high tonight, high tonight
I just wanna feel alive
[...]
I'll feel better
When I let myself sink deeper, deeper
I'll feel better
When I let myself see clearer, clearer


— Você tá pronto?
Mike se aproximou de Louis, quase pisando nos próprios pés enquanto o amigo entrelaçava os dedos nervosamente. Ali já estava a resposta de Mike: Louis claramente estava pronto pra fugir e se esconder na árvore atrás de sua casa.
— Você está? — Partridge retornou a pergunta. Mike apenas deu de ombros, sentindo seu estômago ficar gelado como o inverno, mas a sensação era estranhamente reconfortante.
— Gosto de pensar que sim, mas acho que tá estampado na minha cara que não.
— Vamos assim mesmo, não é? — A voz de Louis tomou um tom de urgência. Mike deu um sorrisinho de canto, apoiando uma das mãos em seu ombro.
— É claro, Louis. Nunca recuar, lembra?
— Aham…
Os olhos do mais novo se moveram deliberadamente pelo quadrado do camarim. O barulho lá fora era insano. A mistura de calor e frio na base do estômago era surreal. Seus passos se moveram cuidadosa e lentamente em torno do tapete no centro, estalando os dedos que já estavam estalados.
— Tá nervoso por outro motivo, não é? — Mike interrompeu os devaneios barulhentos de Louis — É a Johnson?
O som de seus dedos se quebrando foi diminuindo à medida que ele notava o quanto estava sendo transparente.
— Tudo bem, não esquenta, acho que ela não vai estar lá.
— Se estiver, vai mudar alguma coisa?
Louis apenas deu de ombros.
— Só o lugar que eu a chamaria pra sair.
Mike estalou a língua.
— Se ela não estiver, você ainda vai fazer o seu melhor.
— Claro que vou.
— Sei que vai. — No minuto seguinte, uma voz alta e imponente gritou ao microfone: “A próxima atração é dos dois estudantes da Academia, Louis e Mike Lee!”. O gelo se tornou ainda mais evidente, descendo pela espinha de ambos — Então, pronto?
Louis assentiu. Não achou que estivesse pronto de verdade, mas respondeu:
— Pronto.
E suavemente, eles trocaram um aperto de mãos e entraram pela cortina em direção ao palco.
No fundo, não importava muito se Skye estivesse lá ou não. A verdade era que Louis Partridge sempre teria os sábados e sempre teria o beatbox.


FIM.



N/A FIXA 📌: Obrigada por ter lido :)


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