21. Modern Loneliness

Finalizada em: 24/02/2021

Capítulo Único

— SAI DAQUI! — Bethany gritou com a voz embargada por conta do choro, antes de bater a porta com força. O rapaz suspirou, tentando segurar as próprias lágrimas e falhando lamentavelmente.
se virou, saindo do deck da casa da agora ex-namorada. Sua cabeça pulsava forte, como se tivesse acabado de levar um baque. Não estava preparado para aquela briga, muito menos àquela surra de verdades na própria cara.
Só o dinheiro é importante para você?.
A discussão ecoava pela sua mente enquanto ele tentava, de forma falha, dirigir tranquilamente até em casa. Suas mãos suavam frias e o volante parecia escorregadio. Até mesmo a rua parecia mais estreita. Quando parou em um sinal vermelho, fechou os olhos ao mesmo tempo em que inspirava profundamente, com uma falta de ar repentina. Ele acabara de terminar o namoro, então por que estava se sentindo mal daquele jeito? Ok, ela era uma das poucas pessoas com quem ele sabia que podia contar, mas ninguém morre por amor. Ele superaria.
Você me machuca tanto...
Sacudiu a cabeça com força, como se pudesse espantar Bethany de seus pensamentos. Ele precisava beber, era isso! Um coração partido, nada demais. Nada insuperável.
Eu odeio te ver assim.

trancou o carro pouco antes de destrancar a porta de casa e entrar, pegando uma garrafa de cerveja na geladeira e seguindo até o quarto sem cumprimentar nenhum dos empregados. Largou a mochila no pé da mesa do seu grande aposento e jogou-se na cama após descansar a bebida sobre a escrivaninha. Sentiu o corpo todo relaxar minimamente mesmo que a tensão ainda estivesse ali, presente em seus pensamentos. O garoto piscou forte, pensando no que faria em seguida. Ele não queria pensar, não queria sentir, não queria nada. Nem mesmo a cerveja estava com um gosto bom, parecia mais amarga que o normal.
Exausto, virou o rosto para o armário que, ironicamente, estava com uma das portas abertas. Um sopro saiu da boca de sua boca enquanto ele se levantava e ia em direção à foto enquadrada no guarda-roupa. Lentamente sua mão se ergueu até o retrato com a imagem de uma criança e uma mulher. Os olhos de lacrimejaram pela quinquagésima vez naquele dia, mas ele não se importou quando elas começaram a escorrer por seu rosto. A criança de sete anos da fotografia sorria lindamente no colo da mãe e ele começara a sentir um aperto no peito.
Saudades.
Suspirando pesado, sentindo como se trezentas toneladas fossem colocadas em seus ombros, largou o quadro no armário, fechando aquela porta ao perceber que poderia passar horas e horas apenas admirando o sorriso de sua falecida mãe.
Aos poucos, toques indicando notificações no celular do rapaz começaram a soar pelo quarto silencioso. Sem pensar duas vezes, apenas desligou o aparelho e tacou-o sobre a pilha de roupas sujas no canto do cômodo. Ele não queria falar com ninguém, fosse por mensagem ou ligação, apenas queria ficar sozinho. Ele, o silêncio e a solidão.

O barulho das gotas pesadas acordou naquela madrugada. Reclamando, de olhos meio abertos ou fechados, ele se levantou e caminhou a passos cruzados até a janela, verificando se estava fechada. Não estava.
O murmúrio fora ainda mais alto quando o mesmo percebeu que a chuva molhara uma parte de seu computador. Droga, aquilo havia custado uma grana.
Você só liga para o dinheiro, .
— SAI DA MINHA CABEÇA! — Gritou a sete ventos enquanto pressionava os olhos com força. A voz de sua ex-namorada era tão presente em seu subconsciente que o deixava louco.
respirou fundo não uma, duas, ou mesmo três vezes. Na verdade, ele perdera a conta depois do sétimo suspiro.
— Eu espero que não tenha estragado o PC.
Ele então se sentou em sua cadeira pro gamer, clicando no botão de iniciar no computador. Fazia dias desde que ligara o aparelho da última vez. A primeira coisa que apareceu assim que o mesmo digitou a senha e destravou o acesso, fora uma caixa de mensagens no discord.

[ MeowMeow] "Cara, está tudo bem? Tu não entra desde ontem" Sab 14:19
[ MeowMeow] ", amigo, quer conversar?" Dom 23:41
[ MeowMeow] "Você trocou de número? Não consigo te ligar" Seg 17:36
[ MeowMeow] " me liga" Seg 20:28
[ MeowMeow] "Eu vou na sua casa" Seg 21:02
[ MeowMeow] " POR QUE DIABOS NÃO CONSIGO ACHAR SUA LOCALIZAÇÃO NO SNAP???" Seg 21:51
[ MeowMeow] "Ok, eu surtei ontem, me desculpe" Ter 00:12
[ MeowMeow] "Mas eu estou preocupada com você" Ter 00:12
[ MeowMeow] "Por favor, me mande uma mensagem quando você se sentir bem, tá legal?" Ter 00:13
[ MeowMeow] "?" Ter 19:57
[ MeowMeow] "Vi seu pai na TV hoje, ele disse que você está bem..." Ter 19:58
[ MeowMeow] "Cadê você?" Ter 19:58
[ MeowMeow] "Certo, vou parar de te mandar mensagens por que eu sinto que estou sendo uma insuportável que não respeita o seu tempo longe da internet" Ter 20:00
[ MeowMeow] "Mas é sério, me avisa qualquer coisa" Ter 20:01
[ MeowMeow] "Você é meu melhor amigo, eu tô morrendo de preocupação" Ter 20:02
[ MeowMeow] "Beijos, se cuida" Ter 20:02
[ MeowMeow] "Sério, se você estiver bravo comigo, pode falar" Qua 05:32
[ MeowMeow] "Meu Deus, eu sou muito chata o tanto de mensagem, credo" Qua 05:39

deu um sorrisinho de lado ao ler todas as mensagens, sentindo-se importante por alguns segundos.

o Grande está online no chat
[ o Grande] "eai ?" Qui 02:18
[ MeowMeow] "??" Qui 02:18
[ MeowMeow] "PELO AMOR DE DEUS POR ONDE VOCÊ ESTEBVE?" Qui 02:19
[ MeowMeow] "TÔ ATÉ ESVREVENDO ERRADO DE NERBOSO" Qui 02:19
[ MeowMeow] "ENTRA NA CHAMADA DE CALL" Qui 02:19

Com uma gargalhada sincera, que não soltava há dias, o rapaz andou rapidamente até o armário e puxou o headset junto do cabo, seguindo até a cadeira novamente e iniciando a chamada logo em seguida.
— Sentiu minha falta?
Claro que sim, seu bocó. Por onde andou? — a voz da menina soou alta e animada, demonstrando o quanto estava aliviada por saber que o amigo estava vivo e, aparentemente, bem.
— Estou com alguns problemas pessoais.
Quer conversar?
fechou os olhos, sentindo a cabeça rodopiar duas vezes. Ele queria conversar? Melhor, ele precisava conversar com alguém sobre todos os demônios que rodavam seus pensamentos? Sim, precisava. Mas ele queria falar sobre?
— Eu não sei...
Pelo fone, o rapaz escutou a amiga largando algo sobre a mesa e alguns passos apressados pelo quarto. Por alguns segundos, sentiu como se a garota tivesse corrido dele, mas ela logo voltou.
Desculpa, era o entregador. , eu espero que você saiba que sou todos ouvidos para você. Pode falar se quiser.
Um suspiro.
— Bethany terminou comigo.
Ah, me desculpe por isso.
— Está tudo bem. Eu achei que ficaria pior quando isso acontecesse, mas quase não penso nisso.
Então por que sumiu? — Ela parou por um segundo, como se engasgasse. — Digo, se eu não estiver sendo muito invasiva.
— Relaxa, . Não está sendo, não. — O rapaz olhou para o próprio colo, cruzando as pernas sobre a cadeira. — A gente discutiu e ela falou algumas coisas para mim que me fizeram refletir um bocado.
Aham... — Ele pôde ouvir a amiga abrindo algum saco, provavelmente de comida.
— Ela disse que eu sou muito ganancioso.
Que babaca!
— E eu percebi que sou mesmo.
Ah...
— Meu pai sempre me ensinou que o dinheiro é a coisa mais importante. Se eu quiser ter felicidade, preciso ter muita grana para poder viajar, comprar coisas caras e usar o dinheiro ao meu favor, sabe?
apenas murmurou, concordando. pensou que ela estava comendo algum hambúrguer de lanche, por isso não podia responder com palavras inteligíveis.
— E isso me fez acabar focando muito em ganhar e guardar dinheiro. Acabei discutindo com Bethany, pois ela queria que eu passasse mais tempo com ela e não ficasse toda hora me importando se os lugares que íamos eram os mais caros para "mantermos a classe". Ela me deu um belo puxão de orelha. — Finalizou com uma risada sem graça, mas percebeu que não fora acompanhado.
E como você está? — A voz de soou mais baixa, tomando cuidado com os sentimentos do amigo.
— Sobre o término? Bem. Com o que ela jogou na minha cara? Péssimo.
Um curto silêncio se instaurou entre os dois, o que não era muito comum visto que isso só acontecia quando estavam concentrados demais em alguma partida de World of Warcraft.
— Eu vou ir falando tudo, mas se você falar alguma coisa eu acho que perco a coragem. — desabafou, com os olhos fechados, ouvindo o barulhinho da chuva abafado por conta da janela fechada e dos fones.
Tudo bem.
desativou o microfone para que o amigo se sentisse mais à vontade enquanto ela ingeria seu hambúrguer com batatas fritas, mesmo que tivesse começado a sentir o estômago embrulhar por conta do tom com o qual falava.
— Estou me isolando porque realmente me acho merecedor desse sofrimento todo. — disse de uma vez só, sentindo a cabeça palpitar com o desabafo. Ele podia fazer aquilo. — Eu realmente fiz mal para algumas pessoas por conta da minha ganância e nem mesmo sei nomeá-las.
O rapaz abrira os olhos, dando de cara com as gotas grossas batendo no vidro e formando um caminho d'água. Sentiu os olhos lacrimejarem, mas se segurou.
— Durantes esses dias que sumi eu procurei motivos para tentar mudar um pouco, mas não sei dizer. Apenas não consegui. Tipo, eu não consigo encontrar razões para mudar, pois não sei se consigo mudar. Pelo menos não sozinho.
colocou a mão sobre o teclado, pronta para se desmutar.
— Mas eu também não quero ajuda.
Mais alguns segundos em silêncio até que se levantasse e olhasse para os próprios pés, viajando um pouco em seus pensamentos.
— Quero dizer, o dinheiro me deu felicidade mesmo que momentânea. Só que agora eu simplesmente o odeio, pois ele me afastou de todos que se importavam comigo. — Fungou. — Eu perdi minha mãe por conta do dinheiro. Você consegue entender isso?
A menina largou o resto do lanche dentro da caixinha aonde ele viera. Não conseguiria comer mais nada.
— Minha mãe se suicidou quando eu tinha oito anos. Eu não sei direito a história, pois era bem novinho quando tudo aconteceu, mas se não me engano aconteceu algo com algumas jovens da cidade e meu pai era o prefeito. Minha mãe pediu ajuda a ele, implorou para que tomasse alguma providência sobre o assédio que as meninas sofreram, mas ele não o fez. Disse que não podia gastar dinheiro com aquilo, que havia coisas mais importantes, não sei...
sentiu a ânsia subir depois de ouvir aquilo tudo. Ela sabia que o pai de era duvidoso, mas aquilo era demais para sua cabeça e estômago. Mesmo assim, ela permaneceu mutada para que o amigo continuasse o desabafo.
— Bem, a real é que eu preciso mudar. Sei disso! Apenas não sei como fazer isso.
A menina começou a se questionar diversas coisas. Como os empregados da mansão não fizeram nada sobre ? Como ele desapareceu daquela forma e ninguém disse nada? Mesmo que por "apenas" uma semana, como ninguém falou sobre isso? Principalmente em uma época de campanha política.
— O meu pai está se promovendo nas cidades do subúrbio, tentando conquistar votos para a eleição do mês que vem. Ele nem mesmo sabe da minha situação em casa. — disse, como se tivesse lido a mente da amiga. — Os empregados estão proibidos de entrar no meu quarto e eu ofereci um dinheiro a mais para que não espalhassem meu sumiço, muito menos contassem ao meu pai. — Alguns segundos em silêncio, como se o rapaz refletisse sobre o que diria em seguida. — Inclusive, eu só li suas mensagens aqui no discord porque está chovendo e acabou molhando uma parte do PC. Liguei o computador para conferir se estava tudo certo e li a conversa.
suspirou pesado, sentindo uma dor de cabeça repentina. poderia desaparecer por semanas e ela nunca saberia. Ela clicou no teclado, desmutando-se, mas antes de falar qualquer coisa, a voz do amigo se tornou audível mais uma vez.
— Eu quero te agradecer pela amizade, . Você é a segunda pessoa mais importante na minha vida. Só perde para minha mãe. Eu te amo, amiga.
Eu também te amo, amigo, mas por que você tá me agradecendo do nada?
— Eu nunca estive sozinho, pois você esteve do meu lado por todo esse tempo. Viramos amigos por conta dos jogos em, não sei, 2009? Foi pouco depois da minha mãe morrer. Eu sou muito grato a você.
...
— Agradeço, pois você nunca desistiu de mim e se mostrou uma eterna amiga. Obrigado, mesmo, mas eu continuo depressivo e não sei mais o que fazer.
! Ei, o que–
— Ninguém pode me ajudar, . — Ele a interrompeu, ouvindo seu choro.
, por Deus, amigo! Por favor, me escuta. Eu quero te ajudar, me deixa te ajudar.
— Eu tenho que fazer isso sozinho.
? ?
o Grande desligou a chamada de voz
o Grande está offline no chat


Anos depois

jogou o headset sobre o teclado, fazendo um barulho alto quando perdeu mais uma partida. Entretanto, com o impacto, o computador acabou abrindo uma janela antiga do discord. Mais especificamente a de .

[ MeowMeow] "Hey, garanhão! Como você está? Cara, eu sinto muito a sua falta..." Qua 04:32
[ MeowMeow] "Hoje eu vi a notícia sobre você..." Qua 04:33
[ MeowMeow] "Na real eu nem sei pq vim perguntar como tu tá, já que você nunca vai ler isso aqui." Qua 04:33
[ MeowMeow] "Seu bocó, eu te odeio." Qua 04:34
[ MeowMeow] "Eu sei que não nos conhecíamos pessoalmente, mas eu te amo demais." Qua 04:34
[ MeowMeow] "Espero que você tenha encontrado paz, meu amigo." Qua 04:34
[ MeowMeow] "Espero que você tenha se encontrado com tua mãe e ela tenha te ensinado coisas novas aí no outro lado." Qua 04:35
[ MeowMeow] "Espere por mim, viu?!" Qua 04:35
[ MeowMeow] "Se quando chegar meu momento de ir e você não se lembrar de mim, eu vou dar na sua cara." Qua 04:36
[ MeowMeow] "Te amo, cara. Sinto sua falta todos os dias." Qua 04:38
[ MeowMeow] "Pela madrugada, tô até colocando ponto final, olha o que tu fez comigo." Qua 04:39
[ MeowMeow] "Enfim, não te mandarei mais mensagens (só quando sentir muito a tua falta)" Qua 04:40
[ MeowMeow] "Descansa, amigo." Qua 04:40


Fim



Nota da autora: Oii anjinhos, tudo bem?
Minha nossa, desculpem por esse final, mas essa música pediu por isso! Aiai, chorei escrevendo hahah. Meu coração está sangrando pelo meu querido , mas agora ele está num lugar melhor, certo?
Espero que tenham gostado, aceito xingamentos nos comentários (já tô falando porque sinto que vão me xingar)
Mas enfim, hahah, um cheiro (e lencinhos), amores!! <3



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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