29. If You Don't Know

Última atualização: 20/11/2015

Capítulo Único

- Me desculpa, ! Eu estava terminando de ver os últimos ajustes do vestido de noiva com as meninas!
Ergui o meu olhar para encontrar o de , completamente ofegante e com os cabelos castanhos bagunçados. Ela sorria extremamente cansada, com mechas caindo por seu rosto e fios colando em sua testa com o suor, e apoiava as mãos nos joelhos. Sua cabeça estava erguida com os olhos nos meus. Eu arqueei uma sobrancelha, brincando, ocultando o sorriso.
- Caramba, , eu te esperei por quase uma hora! - reclamei, fingindo. Ao contrário de mim, abriu um sorriso grande e se ajeitou, se aproximando mais de mim e beijando a minha bochecha. Ri abafado, envolvendo a sua cintura com os braços e a puxando até que caísse sobre mim, abraçando-a forte de uma maneira que a esmagava.
- , eu estou com calor! - bufou contra o meu peito, mas rindo e se debatendo. Procurei contê-la enquanto gargalhava e ignorava os olhares tortos das outras pessoas. - ! ! !
- Eu não vou te soltar! - protestei, pensando no quão vermelha deveria estar. Ela não tinha atrasado nem cinco minutos, para ser sincero, mas parecera uma eternidade. - Não me chama assim, ! - briguei, gargalhando, quando a escutei me xingar três vezes de uma maneira incompreensível.
Por fim, resolvi soltá-la quando o calor se tornou quase insuportável até para mim. Ela se soltou, recuando, rindo e me mandou o dedo do meio, mais descabelada do que antes. Agora mesmo a sua roupa estava amarrotada, como a minha - não que fosse uma grande novidade. procurou ajeitar os cabelos com a mão e sentou ao meu lado no banco azul de metal do parque.
- Eu tenho um convite para você, muito importante. - Engoli em seco, pensando em mil possibilidades. Eu sabia que tinha alguma relação com o seu casamento, e detestava qualquer coisa que me levasse a pensar no evento. Reprimi a vontade de rolar os olhos enquanto retirava alguns papéis da bolsa que carregava. Ao terminar, ela os deixou de lado e, com um olhar que eu não consegui definir, segurou as minhas mãos com as suas pequenas. Ela pulou, ainda sentada, acabando por aproximar ainda mais os nossos corpos. - Acho que, para esse casamento sair mesmo, eu vou precisar da pessoa mais importante na minha vida ali no altar comigo. - Ela sorriu leve, fazendo o meu coração saltar. Estranho. Ao invés de franzir o cenho, somente ergui as sobrancelhas e lhe sorri, incentivando-a a continuar. - , eu quero que você seja o meu padrinho de casamento!
Foi uma sensação inexplicavelmente estranha. Eu sentia o meu sorriso aos poucos se tornando forçado, ao passo que meu estômago revirava e uma ânsia de vomito me atingia. Provavelmente deveria estar fazendo uma careta agora, o que não era a minha intenção. Vi o rosto de se contorcer em expectativa e com um algo a mais que me tiraria o sono mais tarde, porque eu não sabia identificar aquela expressão em sua face.
O meu coração, que antes pulsava, agora parecia afundar. A minha garganta, entalada com as palavras que eu gostaria de conseguir dizer em voz alta. Mas eu não podia. Não podia negar e acabar com aquela felicidade de , que sempre sonhara se casar, negando o seu pedido. Eu teria de aceitar, por mais que fosse contra os meus próprios princípios, porque era e sempre fora a minha prioridade, não importava quanto tempo se passasse.
E eu não entendia por que ia contra o seu casamento, ou por que sentia todas aquelas sensações que todo mundo pensava ser ciúmes.
Inclusive eu.
Mas ciúmes do quê? De , por estar se casando e adicionando uma outra pessoa em sua vida?
Eu simplesmente não sabia, e odiava me confundir. Odiava pensar com o lado emocional em situações em que deveria raciocinar.
O sorriso de vacilou, tornando a sua expressão mais tristonha, e o meu corpo inteiro estremeceu com a ideia de entristecê-la. Engoli em seco, forçando um sorriso que eu imaginava ser o meu verdadeiro, ou algo semelhante a ele, e apertei as suas mãos ainda sobre as minhas, e afirmei, mesmo sentindo o meu peito dolorido e comprimido:
- Eu aceito ser o seu padrinho, . É claro que eu aceito, sua anta. - Insatisfeito com a minha voz um tanto trêmula, que aparentemente captou a atenção de , completei: - Eu me sentiria muito ofendido se você convidasse o ao invés de mim. - Brinquei. Mas, pensando bem, era uma completa mentira, exatamente como o meu discurso do quanto apoiava o seu casamento com .
- Minha nossa, , eu... - ela engoliu em seco e abriu o maior sorriso do mundo, aquele que mais me aquecia por dentro, e me puxou para um abraço tão apertado que quase me fez me sentir completamente bem. Suspirei, meio cansado, enquanto retribuía o seu aperto contente. - Muito obrigada. Muito, muito obrigada, . - E, então, ela enterrou o rosto na curva do meu pescoço com força, e sussurrou alguma coisa baixo demais para que eu conseguisse escutar. Eu me afastei minimamente a contragosto, encarando o seu rosto um tanto vermelho por conta do calor.
- O que você disse? - inquiri, voltando ao momento para tentar entender, sem sucesso. balançou a cabeça e piscou para mim com os dois olhos, dando de ombros e tornando a me abraçar.
- Nada, não. - Respondeu, pressionando a sua bochecha contra o meu peito. - Você tem alguma coisa para fazer, além de passear comigo, hoje? - piscou inocentemente, tirando o rosto e inclinando-o para cima para me olhar. Eu pisquei surpreso, mas gargalhei e neguei com a cabeça.
- Todo seu! - ela riu, assentindo e então se desvencilhou de mim e pôs-se de pé. Ela estava linda. Eu me coloquei ao seu lado, ajeitando a calça e vendo-a fazer o mesmo com a camiseta larga que usava. - Para onde nós vamos? Prova do vestido de noiva? - zombei, mas detestava esse tipo de brincadeira - essas que envolviam o seu casamento. Uma ardência percorreu o meu corpo conforme ela rolava os olhos, e eu não tinha ideia se isso era bom ou ruim.
- As meninas me levaram hoje, você não escuta o que eu digo? - fingiu-se de brava, mas ela era pior que na hora de mentir, então sorriu com a própria palhaçada. Eu tive que rir também. - Vamos almoçar, onde você quiser, prometo. Se quiser, podemos ir ao cinema ou eu te assisto jogar aquele videogame estúpido que só não é tão ruim porque você gosta. - Girei os olhos, empurrando-a fraco com o ombro enquanto nos virávamos para ir embora do parque. Nós começamos a caminhar um ao lado do outro, evitando trombar nas crianças menores que corriam ali.
, saltitante, começou a cantarolar uma música que tinha inventado quando tínhamos onze anos sobre aquele mesmo jogo de videogame que eu tanto gostava. Às vezes ela conseguia ser um saco de melhor amiga. Surpreendendo-a, virei para ela, sem interromper o andar, e segurei-a pela cintura, rodando-a no ar. Ela gritou, surpresa, chamando a atenção e balançando os pés para tentar alcançar o chão.
Eu me sentia muito mais do que feliz enquanto a rodopiava, escutando os seus gritos misturados com as risadas, acompanhando-a.
Quando ela começou a demonstrar mesmo sinais de irritação, eu a coloquei cautelosamente no cimento. Eu não consegui me conter e acabei dando risada da sua expressão brava, observando-a cruzar os braços sobre o peito, rolar os olhos e entortar a boca.
Ah, eu a tinha irritado!
-. - Cantarolei o seu apelido, chamando-a. Cutuquei a sua barriga, rindo do bico inconsciente e infantil que se formou em seu rosto; ela odiava quando isso acontecia, dizia que a tornava ainda mais criança, por mais que tivéssemos vinte e dois anos. - Você não vai ficar brava comigo, vai? Por favor. - Imitei a sua tromba, fazendo-a rir e logo tornar a ficar séria. Aumentei-o, copiando a voz que eu usava quando éramos crianças. - Eu te amo. Pu favô.
- Eu não te amo mais. Vou escolher o como o meu padrinho e abandonar você como um convidado comum. - Ela brincou, tentando não olhar para mim e rir, e eu soube que estava tudo maravilhoso de novo. Por isso, cutuquei-a novamente na barriga, fazendo-lhe cócegas. - Para, ! - gargalhou, mesmo que eu mal a tivesse tocado, e se pôs na ponta dos pés para beijar a minha bochecha. Eu não queria levar um tapa ardido no ombro, então não a chamei de bipolar como queria. Mais tarde, quem sabe. - Vamos fazer o que você quiser hoje, eu te disse?
- Qualquer coisa? - tentei, e aposto que os meus olhos brilhavam, assim como os dela. Ela pulou animada.
- Qualquer coisa! - confirmou, segurando a minha mão. Dei um soco no ar, comemorando, fazendo-a rir, e olhei para frente apenas para confirmar que já estávamos na calçada fora do parque.
- Quem te trouxe aqui? - perguntei, procurando pelo carro de , mas não encontrei. Quando a fitei novamente, sorria e não me olhava, esfregando a ponta do tênis direito no chão, as mãos cruzadas para trás e uma expressão culpada. E, ao me olhar de novo, lá estava aquele olhar, novamente me torturando, me fazendo pensar frustrado em seu significado que eu desconhecia.
- . - Disse, e, diante do meu silêncio, ela abriu mais um sorriso, desta vez triste, e me puxou em direção ao meu carro, estacionado há alguns metros. Ela procurou as chaves no bolso da minha calça e o destrancou, na maior intimidade que nós possuíamos, sem me encarar. E, eu, tampouco procurava os seus olhos castanhos.
Soltei a sua mão, relutante, sem entender por que aquela sensação me acometia com mais força ainda. E o porquê da minha antipatia por ter começado a crescer de repente. Eu estava tão confuso quanto alguém que levou um fora sem motivo, tão perdido quanto um foragido ou um garotinho perdido. Me sentia excluído, torturado, amarrado e não conseguia compreender nada daquilo.
Fui perceber que também levava a raiva no peito quando bati a porta do motorista com mais força do que deveria. Geralmente, quando estávamos juntos, quem dirigia o meu carro era e vice-versa. Mas, naquela hora, eu queria ter algum motivo para não ter que olhar para ela. E isso me deixava cada vez mais perdido. Quem diria que, algum dia, um de nós se negaria a encarar o outro?
- Você ainda acha que é errado, ? O meu casamento? - a sua voz embargada me pegou de surpresa, me fazendo querer chorar também. De tristeza, frustração, por tê-la feito chorar, por... por tudo que eu ainda não compreendia e não sabia se algum dia compreenderia. - Você... não... apoia? - falou, lentamente, entrecortado, como se o pensamento a matasse por dentro.
E, se a matava, me dilacerava.
- Eu... - fingir. Era o meu propósito. Fingir que amava aquela ideia, mesmo que fosse mais contra que qualquer outra pessoa. Talvez fosse o único que não gostava disso tudo, no fim das contas, porque todo mundo me repreendia quando eu entregava o meu ponto de vista. E as únicas pessoas que conseguiam me entender eram e a própria . Mas ela era a noiva. E ele não conseguia me aconselhar sem insinuar descaradamente que eu estava apaixonado pela minha melhor amiga, coisa que eu achava - e esperava - que não fosse. - Não, . Eu apoio. Mas não quero perder você. Somos melhores amigos desde que éramos duas crianças, você e são os únicos que estão sempre comigo, não importa se eu estou errado, vocês me defendem. Perder você para o ... - me corrigi, mantendo a pose de "adoro o seu noivo e sempre o chamo pelo apelido" - me deixa quebrado.
Eu não sabia se era esse o motivo. Em partes, aparentemente era. Mas, mesmo depois de ter despejado isso em , tinha mais alguma coisa me interrompendo. Algo que eu não saberia definir mesmo depois de anos, me deixando confuso demais novamente. Mas eu esperava que fosse, porque não tinha mais imaginação para criar e considerar outras razões para ser contra o casamento.
Enquanto ela permanecia em silêncio, brincando com as próprias mãos, eu me socava mentalmente e pensava em tudo o que tinha acontecido nos últimos meses.
Eu me socava por não apoiar aquilo. Por não conseguir estar feliz pela minha melhor amiga quando deveria ser o que mais estava empolgado por e com ela. Por não entender o que estava acontecendo comigo mesmo. Por ter deixado-a confusa, tanto quanto eu estava, por tê-la deixado zangada ou irritada. Por... novamente, por tudo o que eu ainda não entendia.
Suspirei, derrotado, querendo uma cama para dormir e afastar todo esse drama do meu relacionamento com a .
Éramos melhores amigos, sempre fomos, tudo bem. Nenhum de nós tinha sentimentos românticos um pelo o outro, tudo bem, também. Acontece que, depois de dois anos de namoro de com , eu recebi um convite de casamento debaixo da minha porta do apartamento, numa manhã de sábado, há quase exatos dois meses, marcando o casamento para o dia três de maio. Agora estávamos na contagem regressiva, há três dias do grande evento, e eu não conseguia aceitar porque sempre que pensava em fazê-lo, sentia uma angústia com razão inconclusiva me sufocando e uma indignação forte.
Fui surpreendido pelos braços de em torno do meu pescoço, me puxando para ela, espetando a marcha do carro na lateral de meu corpo. Eu senti uma lágrima solitária da molhando a minha blusa branca e o pano colando na minha pele. Suspirei, não querendo dividir com ela o que eu sentia e confundi-la tanto quanto os meus sentimentos estavam me confundindo, e me virei para abraçá-la do modo menos desconfortável que dava. Beijei o topo da sua cabeça, a sua testa e a sua bochecha, querendo levar o seu incômodo embora.
Fitei os seus lábios por um momento, querendo... Não.
Eu tentei me afastar para facilitar a repreensão dos meus pensamentos impróprios, mas olhou para mim sorrindo, e seus olhos pararam para me analisar por alguns segundos. Ela fitou um ponto exclusivo que eu não soube bem definir e fechou os próprios olhos castanhos, balançando a cabeça em negação.
Mas ela os abriu novamente e sorriu para mim.
- Obrigada por ser sincero. - Murmurou baixinho, aspirando o meu perfume na roupa. A minha garganta travou e o meu estômago pesou mais. Se ela soubesse... - Eu amo você, . E ninguém nunca poderia tomar o seu lugar. E você é tão importante para mim, ninguém tem ideia. Você também é a minha prioridade na vida, o meu vencedor, o meu primeiro lugar. Eu nunca, nunca, vou deixar que alguém entre no seu caminho, nos afaste ou qualquer outra coisa, eu prometo a você, . Não duvide disso. Ninguém nunca me roubará de você. - Discursou, calma, sorrindo leve, com um tom meigo e carinhoso que ela geralmente usava comigo. Aquele tom que me derretia, mudava o meu humor e me fazia acreditar em tudo o que me era dito.
Então, eu a amava também.
- Você é incrível, . - Beijei a sua bochecha, porém me sentia incompleto e sobrava algum incômodo em meu peito que eu fazia questão de tentar ignorar com fervor, embora não desse muito certo. - Espero que - a faça muito feliz.
- Eu espero também. - Sussurrou.
- Chega disso. - Determinei, relaxando o maxilar que eu não percebera que trincara, e os músculos tensos que eram normais para mim. Eu me sentia leve, ao mesmo tempo em que alguma coisa apertava o meu coração como garras. - Eu quero ir à sua casa, te ver no vestido de noiva, saber dos detalhes do seu casamento e ajudar. - Falei com um esforço imenso. Eu não queria nada daquilo, mas, talvez, somente talvez... Somente talvez participar do projeto me fizesse destruir o desconhecido que eu estava criando dentro de mim. Talvez me fizesse aceitar e não mais fingir, mentir, para a pessoa mais importante da minha vida e que merecia o mundo todo.
- O vestido? - riu. Liguei o carro, olhando-a rápido sem entender a graça. Dei partida. - Você não pode ver!
- Por que não? Achei que isso só funcionasse com os noivos! - reclamei, ofendido. Eu tinha que ver naquele vestido, não tinha? Tinha direitos! Era o padrinho!
- Não vou deixar! - ela se divertia. Ria, ria, ria, se contorcia e ria mais. Girei os olhos, querendo mandá-la ficar quieta.
- Por que não?!
- Porque não.
Ah, tá. Não era simples assim.
- !
- !
- !
- Tudo bem! - comemorei, gritando. Ela riu comigo depois, mas prendeu a respiração quando eu acelerei de repente para assustá-la. - Mas só amanhã, pode?
- Por que amanhã? - franzi a testa. Aproveitei que estávamos parados no farol vermelho e a olhei, que me encarava sorridente e - de novo - com aquele olhar e um semblante melancólico.
- Porque amanhã é a véspera, . - Soprou, parecendo contrariada. Contudo, logo sorriu um tanto estranha.
O que diabos estava acontecendo com o mundo? Eu só queria dormir e acordar em um planeta onde a minha melhor amiga parecesse a pessoa mais animada do mundo com o seu casamento, onde eu não estivesse confuso por nada e a apoiasse, principalmente nesse momento, onde ninguém me dissesse que eu estava apaixonado por e, principalmente, em mundo onde ela não me lançasse esses olhares que eu não entendia.
Ou um planeta onde ela não se casava, eu não mentiria, ela não me lançaria olhares estranhos e estaria tudo bem.
O sinal se tornou verde novamente, e eu acelerei o máximo que o limite permitia. abriu a janela, e eu sabia que ela estava adorando toda aquela velocidade por conta do vento que chegava ao seu rosto e bagunçava os seus cabelos ainda mais. No fim das contas, ela achava que o cabelo endurecia e ficava com nós. E ficava mesmo. Quem a ajudava a desenrolar sem quebrar os fios era eu.
- Próxima parada: meu apartamento! - gritou para quem passava na rua. Rolei os olhos e diminuí a velocidade, virando a esquina. provavelmente gritaria mais, se eu não tivesse fechado a janela do seu lado. Ela virou como um raio na minha direção, rindo e brincando com uma caneta que nós deixávamos ali por pura precaução. - Desculpa, .
- Não tem problema. - Ri. - E aquela vidente que vinha te perturbando?
tinha se inscrito, de brincadeira, em um site de vidência, e agora recebia e-mails aleatórios a cada três minutos, que enchiam a sua caixa de entrada a todo momento.
- Ela ainda manda de vez em quando, dizendo que sou muito azarada, ou que a minha sorte está mudando. Coisas de videntes. - Deu de ombros, encostando mais no banco. Ela jogou a cabeça para trás e a virou para mim. - , estou com sono. - Sussurrou, parecendo muito cansada. Eu a olhei de esguelha e me aproximei rapidamente para deixar um beijo em sua bochecha. Soltei uma das mãos do volante para tocar a sua, que estava na marcha do carro, e a retirei dali para não atrapalhar mais tarde, pousando-a em sua perna. Fiz carinho em sua pele com o polegar, sorrindo, sentindo o meu coração se aquecer ainda mais, como um forno, vendo-a fechar os olhos castanhos e abri-los novamente para sorrir tanto com eles quanto com os lábios para mim. Linda. Ela coçou os olhos, adorável, e bocejou.
- Dorme, . Eu te acordo quando chegarmos. - Prometi. assentiu, fechando novamente os olhos e sorrindo pequeno, sem me mostrar os seus dentes. Depois, em questão de poucos segundos, eu já escutava a sua respiração tranquila, demonstrando estar adormecida.
O resto do caminho foi silencioso, exceto pelo CD que coloquei com algumas músicas calmas que tínhamos regravado no estúdio do pai de , por pura diversão.

xx

- , , vem. Nós chegamos. - Chacoalhei o seu corpo com cuidado, me sentindo exausto. A casa de não era tão perto do parque, e dirigir até lá me deixava esgotado. Sorri quando ela murmurou alguma coisa, sussurrou o meu nome e abriu os olhos, piscando, fazendo o meu estômago revirar.
- ? - procurou confirmar, e eu lhe sorri. Peguei em sua mão, apertando-a e apontei para o lado de fora da janela, mostrando que estávamos em frente ao seu prédio. - Ah! Vem, vamos! Obrigada por nos trazer. - Ela beijou as nossas mãos juntas, sorriu mais uma vez e me soltou. Nós saímos do carro e seguimos para a portaria, onde nós entramos. - Pode deitar no meu quarto enquanto preparo algumas panquecas para você. Eu levo lá, não se preocupa! - suspirei, aumentando o sorriso que eu levava, e apertei o botão do elevador.
Eu simplesmente adorava as panquecas de mais do que qualquer outra comida. Ela queimava 99% de tudo o que cozinhava, exceto as panquecas, que geralmente saíam perfeitas. E o gosto era muito semelhante às panquecas que comíamos nas padarias cinco estrelas, porém melhor.
- Eu te ajudo. - ofereci, mas ela negou e acariciou o meu rosto.
- Não precisa. - Recusou, meiga. - Dorme um pouquinho, amor, você está cansado.
Arregalei os meus olhos, exatamente como ela, que retirou a mão do meu rosto como se tivesse sido eletrocutada.
Amor.
Amor.
Amor.
A palavra se repetia infinitas vezes em minha cabeça, conforme eu prosseguia analisando o rosto também chocado de à minha frente. Ela pôs a mão sobre a boca lentamente, discretamente, como se tivesse deixado escapar um segredo somente seu. Então, ela começou a rir. Nervosa, mas riu. E eu a acompanhei, por não ter entendido direito a cena.
Muito menos o meu coração disparado no peito, ou o meu estômago enchendo de formigas que me subiam as paredes, triplicando de tamanho e quantidade em poucos milésimos de segundos.
- Chegou. - Após a graça ter acabado, apontei para o elevador que tinha acabado de chegar. Ela assentiu e, sem me encarar, pegou na minha mão e me puxou para dentro do cubículo metálico.
O celular de tocou, embora o sinal estivesse muito baixo, e eu o peguei antes que ela pudesse atender. Dei risada sob o seu olhar de repreensão e atendi sem conferir o identificador de chamadas. E, juro, eu me arrependi profundamente ao escutar a voz do outro lado da linha.
- ?
A própria empalideceu à minha frente quando, no silêncio do elevador, a voz eletrônica da minha ex-namorada, Brittany, soou mais alta.
Caramba.
Caramba.
Caramba!
Enquanto eu permanecia estático e afrouxei o celular em minha mão, se pôs na ponta dos pés e roubou-o de mim, atendendo com a sua pior voz falsa:
- Tudo bem, Brit? - perguntou, doce. - Acho que sim! Se você confirmar, pode ir ao último ensaio amanhã à tarde, então pode revê-lo. - Eu tenho certeza de que o meu rosto ficou lívido. estremeceu, olhando para mim e então para o espelho. - Nos vemos amanhã! Ah, sim... Mas tudo bem para você? O.k... Boa tarde, Brit!
E ela desligou.
Controlei a mim mesmo para não gritar. Nós dois permanecemos em puro silêncio até que o elevador alcançou o décimo segundo andar. Eu abri a porta, empurrando-a forte, o suficiente para que e eu passássemos. Eu bufava como um touro, sentindo a adrenalina ordenando que o meu coração disparasse com a irritação. Enfiei as mãos no bolso da calça, não sabendo como me controlar diante da situação.
Brittany era maravilhosa. Mas, um erro. Um dos piores erros, no fundo, e tanto eu quanto sabíamos disso. E o ensaio era privado apenas aos padrinhos e madrinhas, e, se Brittany estava indo... Ela seria uma das madrinhas. provavelmente a colocou como o meu par.
Eu queria socar alguma coisa, urgentemente.
Senti os meus olhos chegarem a arder e passei a me sentir traído, de alguma forma.
Entrei logo após dela no apartamento, tudo silencioso, e passei como um furacão até o sofá. Aquele casamento ia ser a minha ruína. Eu já não apoiava a ideia, mas estava ali, por ela, pela minha melhor amiga. me considerava importante o suficiente para tentar facilitar alguma coisa para mim?
Afastei as minhas pernas e apoiei os dois cotovelos no sofá. Passei a mão pelo cabelo, puxando-o para trás num claro sinal de frustração, e trinquei o maxilar. Rangi os dentes e mordi a língua. Entortando a boca, a minha vontade era de simplesmente quebrar o apartamento inteiro. Era ótimo que eu não estivesse no meu, na minha casa, ou não teria onde morar mais tarde.
Senti se acercar de mim, lenta, cautelosamente, como se eu fosse matá-la de surpresa. Rolei os olhos diante da sua inocência. Eu poderia estar irritado demais, mas jamais faria qualquer coisa contra ela. Como fazia comigo quando estava zangada; no fim, ela sempre beijava a minha bochecha e as coisas ficavam bem entre nós novamente.
Contudo, eu sempre precisei de um tempo a mais para deixar a cabeça em ordem. Eu não conseguia me manter tão tranquilo ou me acalmar em pouco tempo. Era preciso alguns minutos até que o meu lado racional conseguisse vir à tona de novo. Todavia, tornava-se especialmente difícil quando a pessoa que me chateara, ao menos um pouco, era a minha melhor amiga, quando deveria ser incrivelmente mais fácil.
A sua mão tirou delicadamente as minhas de minha cabeça e as apertou, colocando-as entre as suas. Eu estremeci com o choque que o nosso contato físico me proporcionou. Engoli em seco quando fui forçado a encará-la, quando o seu dedo indicador suavemente puxou o meu queixo para cima, para que os meus olhos encontrassem os seus. Castanho no castanho. O meu coração disparou, e a raiva foi... praticamente esquecida.
Balancei a cabeça, mais confuso ainda.
Por fim, quebrou o silêncio.
- Eu não a convidei para o casamento. Foi uma coincidência. - Ela tomou a minha atenção. - Brittany é a prima de segundo grau mais próxima de . Os dois são colados desde crianças, como você e eu. - acariciou o meu rosto, me fazendo fechar os olhos para aproveitar melhor a sensação, ao mesmo tempo em que compreendia melhor e os pingos de irritação se dissipavam rapidamente, ao passo que o arrependimento chegava. - Ele queria deixar vocês dois juntos na hora da entrada, porque os dois estão solteiros, mas eu o convenci a arranjarmos alguma outra pessoa para te acompanhar no altar e meio que substituímos a loira bonita que ia acompanhar Denis para deixá-lo ir com a Britt. - Ela me abraçou, suspirando na minha camiseta. - Não duvida de mim, . Por favor. Eu sei que não está sendo nem um pouco fácil para você, mas prometo que estou tentando dar o meu melhor para te confortar na medida do possível.
Eu fiquei um pouco calado, pois estava pensando no que havia acabado de me dizer. Isso... O meu estômago estava engraçado enquanto a olhava. Ela estaria se casando em dois dias, e esses momentos estavam tornando a nossa amizade turbulenta.
Aos poucos, eu comecei a corresponder o seu abraço, apertando-a mais forte do que deveria. Mas não reclamou momento algum. Ela apenas me apertou mais forte, tanto quanto a sua força lhe permitia. Estávamos tendo muitas conversas sérias, momentos dramáticos, desde que recebi o convite de seu casamento. Talvez eu não tivesse, nem por um momento, apoiado o noivado, de jeito nenhum.
- Obrigado. - Sussurrei contra o seu ombro, beijando-o em seguida. Em meus braços, estremeceu. - Eu sinto muito, . Amo você, mas as coisas estão confusas para mim também. Mais do que você pode imaginar. - Murmurei extremamente baixo a última parte, crente de que ela não escutaria. Mas sempre escutava. Ela me olhou carinhosa e ajeitou o meu cabelo.
- Quando quiser desabafar, pode vir falar comigo, . - Ela sorriu, meiga, subindo um dos cantos da boca mais que o outro, e me estendeu a mão. Eu sorri, erguendo uma sobrancelha, sem entender, e agarrei a sua mão oferecida. Ela me puxou para cima, rolando os olhos quando fiquei de pé, muito maior que ela. - Vem! Vamos fazer panquecas!
- Eu, não! - fiz bico. - Sou convidado, ! - prolonguei a última sílaba de seu nome, porém já era tarde, e me puxava com determinação para a cozinha, basicamente me arrastando pelo carpete de madeira.
- Você se ofereceu para vir aqui, folgado! - brincou, estendendo a língua e tornando a olhar para frente. Fui solto quando chegamos na cozinha.
- Tá certo. - Me rendi, rindo, e buscando os ingredientes que começou a gritar para mim, rindo tanto quanto eu. - Cadê a farinha?!
- No armário, seu bobo. - Respondeu. Eu virei para trás querendo perguntar onde estava o armário, mas a minha garganta resolveu secar no momento em que os nossos olhos se encontraram. Foi instantâneo, esquisito, incomum. O meu estômago revirou uma dezena de vezes e o meu coração errava as batidas conforme se aproximava de mim com a expressão mais carinhosa que eu já havia visto em alguma mulher além das nossas mães, limpando as mãos cobertas de leite e ovos no avental que tinha pego da porta quando eu estava de costas, provavelmente. Ela me sorriu e se pôs na minha frente, encostando o seu corpo ao meu, e eu pude sentir que ambos prendemos a respiração.
Por puro impulso - um que eu estranhamente necessitava - toquei o seu ombro. engasgou, mas não a soltei. Riu nervosamente, como eu, e estendeu-se na ponta dos pés para pegar a farinha no topo do armário de parede. Para ajudá-la, e também por algo que eu não entendia, ergui-a segurando em sua cintura. O contato formigou as minhas mãos, os meus dedos, e a sensação circulou pelo meu corpo rapidamente.
- , peguei. - Ela sussurrou, e se virou para trás. Os nossos olhos fixaram-se um no outro e eu, por alguma razão, não conseguia nem desviar os olhos, quanto mais fechar a minha boca. O meu nariz não aspirava o ar, então sobrava para a minha boca a função de me manter respirando em partes. Engoli em seco com a nossa proximidade.
Era... indescritível.
E eu sentia uma enorme atração pela minha melhor amiga.
E essa iria se casar em dois dias.
E não comigo.
E esse pensamento me perturbava.
Fechei os olhos com força, trincando o maxilar, sem querer deixando escapar um grunhido, e soltei a cintura de , recuando alguns passos enquanto levava as mãos aos olhos para coçá-los, como se fosse acordar de um sonho - ou um pesadelo. Quando a fitei novamente, estava com uma expressão que me parecia... triste. E aquilo foi como um soco.
Até aquele soco se transformar em um soco duplo, porque lá estava, de novo, aquele olhar indecifrável.
Ela voltou ao normal bem rápido, me confundindo ainda mais, e foi-se, saltitando pela cozinha até o fogão, onde o liquidificador estava, e começou a jogar os ingredientes que tínhamos reunido até ali, tentando assobiar. Eu comecei a assobiar uma música para irritá-la, mas apenas rolou os olhos e apertou o botão para ligar a máquina que mexeria na massa para ela.

E estava linda, ali.

~~

- Porco! - gargalhou quando arrotei. Eu ri com ela, mas fiquei meio constrangido. - Gostou?
- São maravilhosas, como sempre, . - Não sabia por que ela ainda perguntava, mas gostava tanto quanto ela de reafirmar a resposta positiva. - Fiquei com sono.
- Dorme um pouco, . Eu vou lavando isso daqui, tá? - reuniu e empilhou todos os pratos perfeitamente, e não pude evitar encará-la. Ao perceber, resolvi me levantar e sair dali antes que fizesse algo estúpido. Assenti, sem palavras ou forças para emitir sons. - , , ! - ela me chamou, e eu tive que me virar. - Você vai amanhã com a gente em uma festa depois do ensaio? As meninas disseram que iam me levar, mas eu queria muito que você fosse. Posso te buscar, ou a gente se encontra lá, eu não sei... - soltou, um tanto acanhada, pondo uma mecha de cabelo castanho atrás da orelha. Eu lhe sorri, carinhoso, e caminhei até ela reprimindo a minha vontade de abraçá-la até sufocá-la.
- Eu vou! - decidi, e abriu um daqueles sorrisos. - Onde vai ser?
- Sete horas, naquele bar novo, no centro. Esqueci o nome. - Ela deu de ombros e se virou para abrir a torneira. A água caiu e, acidentalmente, molhou as mangas arregaçadas de sua blusa. Ela gargalhou de si mesma e fechou o registro, mexendo a cabeça de um lado para o outro, procurando por um pano, mesmo que estivesse com um avental. Rolei os olhos com a sua lerdeza, porém andei até um dos armários próximos à pia e abri todas as gavetas até encontrar o pano, entregando-o a ela, que sorriu e o pegou rapidamente. Depois que deixou os braços secos, deixou o tecido no encosto da cadeira atrás de seu corpo e concentrou novamente a sua atenção na pia, cantarolando sem mexer os lábios. Ela tinha essas maneiras estranhas que surgiam do nada.
Esperei pacientemente que ela terminasse de lavar e enxaguar a louça, e, então, eu me aproximei e a abracei por trás. A sensação do seu corpo contra o meu era incrível. Eu me sentia particularmente nas nuvens. Encaixei o meu queixo em seu ombro, inclinando-me bastante pela grande diferença de altura. Peguei a sua cabeça, encostando na minha carinhosamente, virada de lado, e deixou um beijo casto e suave no topo da minha cabeça.
Era aquela posição que eu queria estar eternamente.
Pigarreei, forçando a mim mesmo a me afastar brutamente. me encarou ali, estática na mesma posição, os olhos brilhando com a confusão que perdurava em todo o seu rosto. Sua boca semiaberta, os lábios secos, que ela molhou com a língua brevemente, e as mãos ainda apoiadas no balcão da pia, molhadas. encarou o chão, e pensei tê-la visto assentir lentamente, como se estivesse se conformando com algum pensamento, e girou nos próprios pés, virando completamente de frente para mim. Sorriu, crispando os lábios, sem graça.
Eu não sabia mais como normalizar a situação, muito menos controlá-la. Não conseguia pensar ou me concentrar em outras coisas, ainda, por mais que quisesse. Estava um absurdo que eu não compreendia. Eu precisava conversar, desabafar com alguém, mas, como, se a única pessoa que me entendia perfeitamente, me apoiava e me abria os olhos era - e ela não podia saber sobre isso de maneira alguma?
- , eu tenho que ir. - Me apressei quando abriu a boca para me perguntar o que estava errado. Eu me aproximei tão rápido quanto um raio, segurando em seus ombros e trazendo-a para mais perto, inclinando-me e beijando a sua bochecha, perigosamente perto do canto de sua boca - o que provavelmente me assombraria durante todo o caminho até a casa de . Eu a soltei como se o nosso contato me machucasse, empurrando-a acidentalmente no processo. Não se abalando, ela me seguiu.
- ! O que aconteceu? ! ! - eu a ignorei, transtornado pela sala de estar. A minha respiração estava mais do que desregulada, a minha cabeça uma confusão completa. A minha testa franziu enquanto tentei me distrair da voz doce, agora angustiada, de me pedindo para voltar e perguntando por que estava mal. Tentava respirar o máximo que conseguia pelo nariz, porém a boca me era mais do que necessária. Tropecei um pouco no meio do caminho à porta, correndo. - , por favor, eu... - cometi o erro de olhá-la nos olhos uma última vez, e arregalei os meus ao encará-la. Minhas pernas tencionaram e eu tremi.
Queria gritar. Na verdade, eu não queria nada além de entender o que estava acontecendo, e por que a minha vida inteira se tornou uma bagunça da noite para o dia.
Trinquei o maxilar, endurecendo a expressão, e percebi pelo espelho atrás de as veias do meu pescoço saltadas. O meu coração estava anormalmente pulsando como um louco, e eu duvidava muito que ainda estivesse intacto em meu peito. Respirei o mais fundo que consegui, embora fosse inútil tentar um sorriso, e eu me virei para correr para a porta de entrada. Sem hesitar, eu a bati com força e apertei o botão do elevador inúmeras vezes.
Ao escutar o barulho da maçaneta, eu me joguei contra a porta, batendo a cabeça e enterrando-a nas palmas das mãos em seguida. Eu queria ficar sozinho. Queria entender o que era tudo aquilo, por que estava sentindo logo agora que tudo deveria estar bem e em seu devido lugar - como de fato estava - as coisas estranhas que vinha guardando para mim, queria brigar comigo mesmo. Queria tirar a preocupação de , mas primeiro precisava acalmar a mim mesmo, e, confessava, eu não tinha a mínima ideia de como fazer isso, se tudo o que menos sentia perto de ou pensando nela era calma.
Escutei os sussurros de vindos de trás da porta, mas não a deixaria abrir. Fechei os olhos com força. Era a mesma sensação de se estar doente. Então, alguém poderia me receitar algum antídoto?

~~

Quando estacionei à frente da casa-mansão de , senti ainda mais desespero. E esperança. Aquilo tinha cura?
Atordoado, deixei o carro e empurrei a cerca para me aproximar da entrada. Fui um tanto cambaleante até chegar na porta dupla e apertei a campainha com força, além de pressionar o botão muitas vezes seguidas. O barulho ecoava do lado de fora, e eu somente sentia um grande temor e ansiedade.
Eu me sentia vigiado, exposto, humilhado. Sentia, também, que iria chegar a qualquer momento e me interrogar caso não abrisse logo a porta. E isso estava me matando.
Soquei a porta e estava prestes a me ajoelhar e enfiar a boca na fechadura, gritando alto por seu nome, se não tivesse aberto a porta bem a tempo. Ele ia reclamar, eu sabia, mas os seus olhos castanho-esverdeados se arregalaram ao me ver. Abriu a boca, mas, assim como eu, não saía som. Assim, observei a sua mão sendo estendida firmemente para mim e a agarrei com tanta força quanto conseguia reunir, de algum modo.
Ele me puxou para cima e me abraçou, meneando a cabeça positivamente, como se soubesse exatamente o que estava acontecendo comigo.
E eu me senti seguro pela primeira vez desde que aquela história de casamento tinha começado.

Nós estávamos sentados em silêncio há alguns minutos. em um sofá ao lado de onde eu estava sentado, e, assim como faria, ele evitava me encarar por muito tempo, mesmo que eu notasse o seu olhar queimando sobre mim algumas vezes por tempo demais. Eu simplesmente não sabia como começar a narrar o início da minha confusão.
- Então, eu... - suspirei, acabando por gesticular um pouco, mas desisti. Subi um dos cantos da boca e soltei todo o ar pelo nariz, erguendo os olhos para o teto de . Por fim, resolvi me encostar no sofá com os braços abertos. - De uns tempos para cá, eu tenho sentido umas coisas meio estranhas pela . O que eu não deveria sentir. - me encarava atentamente, prestando atenção, assentindo com a cabeça de vez em quando para mostrar que estava entendendo, mesmo quando estávamos os dois silenciosos. Ele brincou um pouco com os dedos, inclinado para a frente, mas sem tirar os olhos de mim, que estava ficando cada vez mais enrolado e sem jeito. Eu me sentia em um interrogatório. - Eu praticamente morri quando recebi o convite de casamento de e ... - engoli em seco, mais aliviado por não ter que fingir usar o apelido do noivo da minha melhor amiga o tempo inteiro. -, e piorou quando ela me perguntou pessoalmente se eu queria ser o seu padrinho. Me senti apunhalado, mas não podia dizer nada. E eu não consigo deixar de pensar nela, nem por um único momento. Mesmo quando estou dormindo - estremeci - ela me assombra, em sonhos, e fica mais difícil acordar e estar ao lado dela sem pensar naquilo. Aliás, ela tem me dado uns olhares estranhos, que me deixam confuso. - Balancei a cabeça em negação, desviando o olhar do chão para o de . Inclinei-me para frente, apoiando os cotovelos nas coxas e fingindo que as minhas mãos eram moles feito gelatina.
arregalou os olhos, abrindo a boca e fechando-a várias vezes seguidas rapidamente. Ele se movia, gesticulava, porém nada dizia. E aquilo estava começando a me deixar extremamente nervoso e aflito.
Tentei estimulá-lo de alguma forma, mas não resultou em nada, até que ele soltou a pergunta, puxando o colarinho da camisa do Batman que usava e engolindo em seco:
- Que tipo de olhar?
- Eu não sei. - Pus as mãos na cabeça, estressado. - Uma mistura de melancolia, tristeza e alguma coisa a mais... Sei lá!
grunhiu alto e se levantou, levando as mãos à cabeça, enquanto eu o observava sem compreender. Então, ele olhou para mim novamente, com as sobrancelhas quase juntas e um olhar de pena em sua expressão que eu nunca esqueceria. Remexi-me desconfortável no sofá sob a sua atenção.
- Você não faz ideia, não é? - ele negou com a cabeça e veio para o meu lado, colocando a mão em meu ombro em uma oferta de apoio. - ... Você está apaixonado pela , e eu sei o quanto você odeia que te digam isso. Mas, você não tem condições de negar nada agora. - Sorriu, triste. - te diria que é tarde demais. gritaria para você correr atrás de . - Ri, concordando. Falar de e era uma coisa capaz de animar as pessoas mais sombrias. - Eu te digo para pensar. Você também está claramente confuso. E vocês são amigos há anos. E, eu sei, você detesta prazos, mas tem um dia inteiro para decidir. Boa sorte, irmão . - brincou. E ele me puxou para um abraço forte, aquele que, novamente, eu me senti acolhido. Porque era isso o que sempre fazia às pessoas - era a sensação pacífica que ele trazia a todos.
- Obrigado, irmão. Você sempre me ajuda pra caramba. - Confessei, tapeando-lhe as costas.
- Não tem de quê. - me sorriu e apontou para a porta. - Vai pensar, . A gente se vê amanhã na festa que as meninas vão dar para a , certo? Pensa bem em tudo, cuidado pra não se arrepender depois.
- Hey... - eu me levantei. me acompanhou e nós dois seguimos lado a lado para a porta. - Quais são as minhas escolhas?
- Você decide os seus sentimentos. - Ele deu de ombros, sorrindo apologético pela resposta vaga. Parecia pensar por um momento em algo melhor para me ajudar, e estava tentado a lhe dizer que não precisava, que daria um jeito e agradeceria de novo pela ajuda, quando sorriu ainda mais. - Ou você decide que a ama e se declara, acabando com o casamento dela, ou você decide acabar com o casamento dela, mas não tem certeza do que sente, o que pode levar à perda da amizade depois, ou você fica na sua e a perde, mas com certeza vai tê-la como a sua melhor amiga. - abriu a porta e me deu alguns tapinhas nas costas. - Qualquer coisa, me liga, .
Puxei-o para um abraço.
- Obrigado, . Por tudo.
Ele assentiu, feliz, e eu entrei no carro às pressas. O meu coração batia descontroladamente no peito com a adrenalina que injetava em mim, mesmo distante. Eu não sabia de mais nada.
Não sabia o que sentia. E isso me matava aos poucos, porque tinha basicamente vinte e quatro horas para resolver o meu próprio dilema pessoal.

~~

Eu a observei dançar, segurando um copo de tequila e bebericando de tempos em tempos. vestia uma blusa que sempre pegava emprestada do meu guarda-roupa e um short que ela tinha me levado para comprar junto com ela uns dias antes. Apesar de todo o tédio que persistiu por alguns minutos - ao menos até vê-la pronta - foi um dos melhores dias em que pudemos passar juntos desde que o pedaço de papel enrolado em um envelope dourado chegou ao meu apartamento.
Meu coração acelerou e eu não soube muito bem como agir quando ela chegou perto, sorrindo como nunca e bebendo um pouco do meu copo.
De súbito, ela me abraçou com força, enchendo a minha bochecha de beijos como de costume.
- Eu fiquei tão feliz quando você entrou e quase não te dei atenção. Desculpa. - Pediu, gritando no meu ouvido pela música alta, com o seu melhor tom meigo.
- Não tem problema, . - Gritei de volta, abraçando-a mais forte. não reclamou, apenas intensificou o aperto.
E meu estômago estava engraçado, tanto que eu queria vomitá-lo. O meu coração estava lentamente se desintegrando e escapando pelo suor que escorria dos meus poros. Balancei a cabeça, ainda agarrado a ela. Depois de algum tempo onde estávamos colados, eu me desvencilhei, lutando fortemente contra a vontade de ficar naquele abraço eternamente. Mas eu não podia - não quando ia se casar amanhã, pela tarde, não quando ela tinha uma festa e noite inteiras para curtir.
Nós não tínhamos nos falado desde que saí transtornado de sua casa, mais confuso que nunca. Após a conversa com , eu tinha aceitado bem - talvez eu sempre tivesse aceitado estar apaixonado por . Tinha continuado contra o casamento, porém mandei um texto congratulando os noivos. Mesmo peguei o número de , adicionei-o e tivemos uma conversa cheia de mentiras - ele fingindo que adorava a minha companhia, eu fingindo estar dando todo o meu apoio de coração para aquele casamento estúpido acontecer.
tinha sido, como o usual, completamente compreensiva e mesmo se oferecera para me ajudar em qualquer coisa. Ela era sempre prestativa. O problema era que a situação estava se tornando extremamente difícil mesmo por causa dela.
Tantas pessoas espalhadas num raio de sete bilhões no mundo. E eu tinha que... Gostar... Da única que não podia ter. A minha melhor amiga, com quem eu definitivamente não queria estragar nada na nossa amizade, e a noiva de . Noiva. Uma esposa, amanhã à tarde.
Isso estava matando os meus neurônios, queimando-os em brasa.
Mas, antes que eu pudesse mesmo raciocinar, me puxou para mais um abraço. E nós ficamos simplesmente ali como se fôssemos gêmeos siameses, ou tentando nos fundir em um único ser humano. Aquilo me fazia pensar em tudo, menos no que me era apropriado. Como seria tocar o seu corpo fino com delicadeza. Como seria mimá-la todos os dias. Beijá-la a qualquer momento. Mandar flores todos os dias. Escrever poemas. Era tudo tão filme americano, todavia fazia o maior sentido. E eu conseguia compreender todas aquelas sensações famosas dos livros.
Contudo, ao mesmo tempo...
Eu não saberia a reação de . Não saberia, tampouco, como lhe contar. E muito menos como seria um relacionamento entre nós dois, pois eu não sabia se assumiria um compromisso sério, não por medo, mas, por falta de vontade. Ao mesmo tempo em que eu não sentia coisas extremas por , eu sentia coisas extremas por .
Loucura.
- Gente! - uma garota, que reconheci ser Andréa, uma das amigas de com quem eu não tinha muito contato, apareceu separando o nosso abraço. Não a soltei, contudo, mas tomamos uma distância maior. sorriu para a amiga bêbada, que carregava uma garrafa de vidro parcialmente quebrada na mão. - Vamos jogar Verdade ou Consequência do Pré-Casamento!
Achava que era eu quem não tinha ideias boas para a festa de solteiro de .
Achava.
- Você vem, ? - puxou a minha camisa suavemente, fraquinho. Eu encarei os seus olhos castanhos pacíficos, querendo agradar Andréa também, e concordei com a cabeça. Andréa comemorou com gritos e um abraço que envolvia a nós dois, gargalhando, tropeçando em si mesma de tão embriagada. A garrafa cortou um pouco do meu braço, porém, quando fez uma menção extremamente preocupada de se aproximar, neguei com um sorriso. Não doía, havia apenas um filete de sangue escapando. - Onde vai ser, Déa? - voltou a sua atenção para a morena.
- Lá fora. - Ela apontou alegremente para a saída de emergência da boate. Era no estacionamento.
Concordamos com um aceno de cabeça, e logo Déa já nos conduzia imprecisamente para a saída. Por vezes, pulava em sua frente ou a segurava para que não batesse em alguma coisa ou trombasse com alguém. Andréa tinha virado uma criança contente novamente. ria, aparentemente bem feliz, para as falas da morena ou de seus tropeços no meio do caminho.
Quando chegamos lá fora, a primeira coisa que senti foi o cheiro de álcool. Os amigos de já estavam completamente bêbados àquela altura. Depois, um vento cortante passou, e se aconchegou em meus braços como sempre fazia. Andréa, assim como os outros, não aparentava estar sentindo. Nós corremos para o círculo formado no chão, ignorando o frio, e Bianca não deixou que se sentasse ao meu lado. Com um bico nos lábios e um sorriso pequeno meu, a minha melhor amiga sentou à minha frente.
Deveriam ter ao menos quinze pessoas naquela roda, e algumas tanto eu quanto não conhecíamos.
O jogo começou, com a garrafa quebrada de Andréa posta de qualquer jeito no meio do círculo. Alguns cacos voaram, contudo, ninguém se importou. A brincadeira prosseguiu por, no mínimo, dez minutos completamente desinteressante para mim e para , que não havíamos sido escolhidos pelo vidro em momento algum. Beijos, amassos, abraços, lambidas e mesmo um início de sexo já havia acontecido por ali.
Eu até que estava ansioso pela minha vez. Mas, se eu soubesse o que ia acontecer ao chegar a minha vez, eu não teria participado.
A garrafa parou exatamente apontada para mim e para Andréa.
Eu sorri de canto para ela, nervoso por não conhecê-la muito bem. No entanto, no máximo eu acabaria beijando alguém. E desde que não fosse , eu estava completamente bem com isso. Sendo sincero, muito mais do que relaxado.
- , ... - ela parecia salivar, com um sorriso que chegava a ser maldoso nos lábios. - Você e com certeza já se pegaram alguma vez, certo? Nunca.
O sorriso de sumiu em seu rosto rapidamente, gotas de suor brotando em minha testa enquanto o meu nervosismo subia. Engoli em seco e entreabri a boca, franzindo a testa. Aquilo daria muito errado. Senti o meu coração pular com a ansiedade que estava me deixando angustiado.
- Eu quero que vocês se beijem. - Sentenciou, por fim.
E mesmo os mais embriagados silenciaram.
Dei um olhar nervoso para , mas ela mantinha a sua cabeça abaixada e não parecia ter coragem ou vontade de levantá-la. Brinquei com os meus dedos, apertando-os até que se tornassem brancos em alguns pontos. Eu estava tão, mas tão, frito.
No colo de , que estava com as pernas cruzadas em posição de índio, suas mãos se contorciam. O meu estômago afundou.
Então, ao invés de negar e sair do jogo, eu me levantei e caminhei até ela, procurando por seu olhar, que somente encontrei quando me agachei à sua frente. O seu semblante surpreso que misturava aquele "algo a mais" que me importunava há tempos. Suas sobrancelhas estavam quase juntas, e estava adorável. Ela negou com a cabeça quando afastei lentamente uma mecha de seu rosto, tentando se distanciar, porém segurei fracamente os seus braços para não machucá-la, mas impedindo-a.
Os nossos olhos se focaram apenas um no outro.
- Não, , por favor... Eu... - tentou implorar. Apertei os olhos, pensando.
Eu não entendia por que todos os seus amigos pareciam tentar me impedir com o olhar. Ou por que estava tão relutante. Éramos melhores amigos. Isso não afetaria a nossa amizade mais tarde.
Além de tudo, eu estava sendo extremamente egoísta, porém eu precisava.
Eu queria cessar aquela atração que eu sentia, findar toda aquela situação, estar verdadeiramente livre e feliz por estar se casando pela manhã. Era apenas um jogo. Poderíamos fingir que era culpa da bebida na próxima tarde.
Por isso, eu me aproximei um pouco. A minha mão, trêmula, se apoiou no chão, enquanto a outra tocou as pálpebras de com cuidado, suavemente fechando os seus olhos. Ela parecia prestes a chorar, e, estranhamente, frágil, prestes a se partir. Eu queria acabar com a sua dor, embora não a compreendesse. Quis desistir diante de seu olhar. Mas já começava a corresponder, inclinando-se para mim como se não tivesse mais forças para alguma coisa.
Eu estava tão confuso com aquilo.
E, então, nós quebramos a distância.
E foi muito melhor do que qualquer beijo que eu já tivesse experimentado.
Envolvia sentimentos que eu ainda não entendia por inteiro, e que eu sabia exatamente que não os descobriria com , porque ela iria se casar no próximo dia e o beijo não significaria nada para ela.
No começo, os lábios de se fecharam com força, e eu percebi que ela estava tentando pensar sobre aquilo. Mas, já era tarde. E, assim como eu, ela se entregou totalmente.
Eu senti fogos de artifício. As minhas mãos gelaram e o meu coração disparou, errando tantas batidas quanto lhe era permitido. Com os olhos fechados, eu me via em um dia perfeito, em um encontro perfeito, com . E, naquele encontro, a maioria das coisas que planejávamos dava errado. Mas continuava sendo perfeito. Porque éramos nós. Simplesmente por isso.
Eu me sentia excitado, feliz, alegre, contente, apaixonado, distraído... Sentia o turbilhão de sentimentos e sensações explodindo em cores em meu peito. O meu estômago revirava a cada mover simultâneo de lábios, a cada vez que os nossos lábios entravam completamente em contato, obrigando os nossos rostos a colarem-se um no outro por alguns segundos. A minha respiração já não era suficiente para me manter vivo, porém eu não queria, de maneira alguma, interromper tudo aquilo.
Era... perfeito. A sensação que eu nunca havia sentido antes. Como se todas as coisas boas se juntassem e as ruins ficassem para trás, em um passado distante. A sensação que permanecera inalcançável para mim durante todos aqueles anos, tanto em minha mente quanto em qualquer outro lugar. Porque era com que eu a encontraria.
Minha mão envolveu a sua nuca e a outra sua cintura, tentando trazê-la para mais perto, e o beijo passou a se tornar urgente, desesperado, entregue. Eu queria sorrir como um palhaço, o tempo inteiro, grande. Eu me sentia muito mais do que feliz. E sorria durante o beijo em alguns momentos.
Sua mão acariciava o meu braço com o polegar, delicadamente, com extremo carinho, eu podia sentir. Ela emanava doçura. Circulei com o dedo o seu quadril, suavemente, e movi a mão para a sua bochecha.
era perfeita.
E eu percebia aos poucos que era perfeita para mim também.
Cada parte de meu corpo gritava o quanto a queria. O quanto era perfeita, que aquele era o contato mais maravilhoso que eu já tinha provado algum dia. O meu coração me fazia querer me aproximar ainda mais, embora os meus pulmões começassem a clamar por ar. Mas eu não me importava. Eu poderia morrer por asfixiação se tivesse o beijo de , vivenciando-o. Eu sugava os seus lábios, tentando inutilmente conseguir mais oxigênio e tornar aquele momento eterno.
Eu não podia soltá-la. Não agora que a tinha encontrado de outra maneira. Da maneira certa.
Queria lamentar, implorar que a todos que nos deixassem para sempre daquele jeito.
Nossos corpos já estavam grudados, e o suor claramente me consumia. Mas, nunca foi das garotas que tinham nojo de pessoas suadas. Ela era a pessoa que mais me abraçava, forte, apertadamente, em todas as vezes em que eu ganhava alguma corrida. Ou alguma luta. Porque ela sabia, simplesmente, como aquilo me deixava feliz, e automaticamente elevava o seu humor também.
E tudo o que ela sentia, eu sentia duplicadamente.
Éramos assim.
E eu esperava que ela não me odiasse por beijá-la.
Eu podia sentir o seu coração batendo rápido, errando batidas, combinando com o meu. Eles se juntavam e buzinavam em nossos ouvidos, como carros em um congestionamento. Contudo, não possuíam buzinas irritantes. Era tudo tão certo.
Lamentando, eu me afastei rapidamente ao perceber a besteira que havia cometido. Como o egoísmo tinha me cegado. Como eu deixara a minha melhor amiga para baixo e me viciara em um beijo do qual eu jamais provaria novamente.
- ... Me desculpe... Eu... – não sabia o que dizer. Eu encarava a todos ali com as cabeças abaixadas, como se, mesmo tão bêbados, tivessem a consciência exata do que acabara de acontecer. Ao me virar novamente para , eu senti a dor que sentiria se fosse torturada diante de meus olhos. A minha alma se partiu em pedaços, em cacos, ao ver as lágrimas brilhantes deixando as suas íris castanhas ainda mais cintilantes.
Ela era tão bonita, mesmo chorando, e esse fato me matava por dentro. Eu queria envolvê-la em um abraço, lhe prometer que tudo ficaria bem, e fazer ficar. Beijar a sua testa consecutivas vezes, acariciar os seus cabelos, brincar com os seus fios. Amá-la, espantar a dor.
E não consegui ficar um segundo a mais ali. Covarde, busquei pelas chaves do carro enquanto corria boate adentro, empurrando com força todos que cruzavam o meu caminho, me arrependendo amargamente de ter negado deixar o carro no estacionamento da boate.
- Ele beija bem? Que amasso! – uma fora de órbita Andréa gritou, ao mesmo tempo em que eu escutava o meu nome ser chamado diversas e diversas vezes pela voz que eu mais amava.
Enquanto acelerava a corrida, agradecia pelas maratonas colegiais. Por ser mais rápido que .
Todavia, o meu peito ardia ao lembrar que havia deixado o meu coração, pela primeira vez, para trás.

~~

deveria estar a caminho. Estaria, se houvesse atendido o celular.
Mas ele não atendera.
A casa estava em repleto silêncio. Havia deixado as luzes apagadas para o caso de aparecer. Trancara o quarto, para qualquer caso, porque, assim como eu tinha as chaves de seu apartamento, tinha as da minha casa, e me conhecia bem o suficiente para ter de entrar e verificar antes de ir procurar-me em outro lugar.
Eu tinha beijado uma noiva. Uma noiva que era a minha melhor amiga e que a maioria das pessoas nos julgava apaixonados. E eu estava tão confuso quanto... Eu não conseguia raciocinar o suficiente para pensar em alguma comparação. E tinha gostado tanto, mas, tanto, que me depreciava.
Joguei a minha cabeça para trás. Se aparecesse, se me pedisse para ficarmos juntos...
Mesmo a amando como a melhor amiga que era, mesmo me sentindo atraído por sua aparência, mesmo venerando cada parte da sua personalidade meiga, mesmo tendo o seu cheiro impregnado em minha pele, mesmo viciado em seu beijo e em seus toques... Eu não saberia assumir um relacionamento. Não com . O medo de estragar tudo, de partir o coração de ouro dela...
Eu não podia participar do casamento amanhã. Eu não conseguiria encarar e muito menos . Eu não conseguiria esquecer os sentimentos que foram desembrulhados durante o beijo, e muitos menos o próprio beijo.
Fora suave, fora maravilhoso, trouxera sensações que eu não havia sentido nunca...
Tido sido perfeito. E isso me destroçava.
Foi uma conclusão extremamente apressada e repentina, mas, eu não conseguia me controlar, pensar em outra coisa além daquele momento que tivemos no estacionamento do lugar. Fora tudo o que eu sempre quis.
Quis socar as roupas dentro de uma mala e sair da cidade. Entrar em contato meses depois, quando tivesse superado. Mas eu não podia. Ainda por cima era padrinho.
Droga.
Passei a mão pelo rosto e apoiei a outra na cintura, andando em círculos no mesmo lugar. Chutei a cama em um acesso de raiva, estralando os dedos.
Droga, droga, droga, por que eu não consigo te tirar da cabeça, ?
Eu quero tirar você da minha mente!
Fechei os olhos, ofegante, surpreso, quando escutei um chamado vindo do andar debaixo. Arregalei os olhos em seguida ao me dar conta de quem era.
A única pessoa que eu não queria ver agora, ao mesmo tempo em que ansiava estupidamente por sua presença ao meu lado.
Eu me aproximei da porta trancada a passos largos, porém silenciosos, procurando amenizar qualquer barulho, mesmo da respiração. Prendi-a quando senti se aproximando, subindo as escadas, gritando por mim. Seu tom era preocupado e, ainda, deixava claro que tínhamos assuntos pendentes. Eu conseguia enxergar em minha mente a sua expressão agoniada enquanto sua voz seguia o mesmo caminho.
Cerrei as mãos em punhos, encostando a testa na madeira. estava correndo, muito próxima. E, então, ela tentou. Uma, duas, três, quatro vezes. A maçaneta simplesmente não cedia a ela.
- ... – escutei o seu sussurro. – Por favor, abre! Eu sei que você está me ouvindo!
Silêncio.
Eu queria abrir aquela porta e quebrar a distância entre nós dois. Abraçá-la e nunca mais deixá-la ir.
- , eu... Você me deixou tão confusa. Eu não queria me sentir assim, muito menos às vésperas do meu casamento. Caramba, , por que você teve que fazer isso comigo, quando tudo estava indo tão bem?! Eu não ia... Eu... – ela gaguejava de puro nervosismo, e eu não entendia nada. Meu coração saltava. – Eu... estava desistindo... Não, eu tinha desistido! Eu tinha desistido de você, tinha desistido do seu amor! – ela chutou a porta e eu recuei. Tanto pela porta ter tremido quanto pela revelação.
O quê?
A minha cabeça agora girava.
Eu abri a porta e logo se atirou em meus braços, me estapeando e chorando. Ela estava zangada, de uma maneira que eu nunca havia visto.
Vê-la naquele estado me matava.
- Eu achava que não ia mais amar você! Achava que estava tudo bem, porque eu finalmente tinha a sua amizade e nós continuávamos na mesma, e você... Mas você tinha que me beijar, !
- Do que você está falando, ?! – gritei, fazendo-a olhar para mim, puxando o seu rosto com o dedo indicador em seu queixo. Ela rangia os dentes, furiosa, e eu não me sentia muito diferente. E eu não conseguia pensar no quanto ela nunca deixava de ser linda. – Você é um idiota! Um... Um... Doido, louco, eu...!
E eu ri. Eu não sabia por que, mas acabei rindo, e, no fim, gargalhando.
Talvez fosse mesmo louco, afinal. - Me beija, . Por favor. Eu não vou suportar não ter o seu toque de novo... – pedi, suplicante.
Mas eu já a tinha beijado, misturando a fúria, a paixão, a atração, a raiva. Ela esquecera a raiva. Eu esqueci o resto. logo passou a me corresponder com fervor e carinho. E nós caímos na cama não muito tempo depois.

-x-

Tateei, sonolento, a cama ao meu lado. Gelada. Os lençóis desarrumados empurrados para cima de meu corpo.
Não fazia sentido.
Eu me sentei na cama, sentindo a cabeça latejar com as lembranças vívidas da noite passada. O momento confuso com , não tinha o mínimo sentido. Aliás, desde que começara a sentir tudo aquilo, a minha vida inteira não fazia sentido.
me amava? gostava de mim? O que estava acontecendo?
E nós havíamos dormido juntos, para piorar a situação.
E ela havia me deixado sozinho na cama.
Eu fechei os olhos, vulnerável diante das lembranças. Os toques, os gemidos, os beijos, os abraços, os movimentos... Fora tudo tão sincero. Fora tudo tão intenso. Eu não me concentraria em outra coisa.
Arregalei os olhos, encarando a parede.
Casamento de e .
Eu me levantei da cama em um pulo, alheio ao meu redor. Busquei pela calça e, mesmo sem a boxer, vesti-a. A camiseta. A camiseta.
Vasculhei cada canto possível do quarto, buscando pela camiseta que havia vestido na noite passada. Era a preferida de . Vermelha, com o símbolo de uma banda que eu nem me lembrava o nome por estar desesperado demais. Franzia a testa, arregalava os olhos e corria para a porta. sempre pegava a camiseta emprestada.
- ! – gritei, desesperado. Eu não podia perdê-la, nós tínhamos que conversar...
Ela queria que eu fosse em seu casamento?! Haveria um casamento?! O que aconteceu na noite passada?! Por que eu não tirava as suas palavras da mente, por que eu não conseguia me livrar de sua presença em mim, por que eu não conseguia me sentir completo?!
Eu não tinha entendido praticamente nada na noite passada. Tínhamos simplesmente nos entregado, surtado. E todo mundo estava confuso com aquilo. Inclusive nós.
Próxima à porta, eu via o cabelo castanho de . Ela parecia machucada, dolorida, com aquela expressão que agora eu entendia o que significava.
Amor não correspondido.
- , espera. – pedi, arfando. Ela se aproximou de mim, hesitante. – Eu quero entender o que aconteceu. Por favor, me explica. Porque eu não entendo mais nada.
Ela fechou os olhos, mordendo o lábio inferior e assentindo.

Tonight we’re fading fast
I just wanna make this last


- ... Eu amo você. Amo. – Disse, lentamente, e eu me senti o seu refém. Aquilo deveria aliviar a minha incompreensão. Mas, de alguma forma, apenas piorou. – Eu queria que todos os momentos da noite passada se repetissem de uma maneira muito diferente. É com isso que eu tenho sonhado todas as noites, quando eu sentia o meu coração partido por não ter o meu amor por você correspondido ser colado pouco a pouco com cola... É nisso que eu tenho pensado quando pareço distraída... – ela chacoalhou a cabeça, encarando-me com os olhos mareados. Eu senti as lágrimas vindo aos meus. – E você concretizou tudo isso. – Sorriu triste. Engoli em seco, sentindo o arrependimento me tocar como nunca. – Às vésperas do meu casamento. O casamento que eu usaria para me esquecer do que sempre senti por você. – Soltou, enfim, e desviou o olhar do meu.
E eu estava sem palavras, absorvendo toda a informação enquanto a encarava, incapaz de abraçá-la.
me amava. Desde... sempre. E eu nunca tinha percebido, tinha sido lesado demais. Porém eu tampouco a correspondera em situação alguma. Não até... agora. Não até sentir que a perderia de vez.
Fechei as mãos com força. Era por isso? Era por isso que eu tinha sentido tudo aquilo? Era por estar à beira de perder a minha melhor amiga? Ou era por estar apaixonado?
Somente o tempo me diria. Mas, infelizmente, nós não tínhamos tempo.

If i could say the things that I wanna say
I’d find a way to make you stay
I’d never let you get away
Catch you in all the games we played


Eu queria lhe dizer palavras bonitas. Queria, muito. Queria lhe acalmar e levar aquele choro embora.
A reação de seus amigos finalmente fez sentido. Eles sabiam da paixão de por mim o tempo inteiro. Sabiam. E respeitavam mesmo embriagados, como faria por qualquer um deles.
Especialmente por mim.
A minha cabeça girava e eu precisava pensar. Mas não tinha tempo.
Segurei o pulso de , ambos com as cabeças baixas, impedindo-a de ir embora quando ela se virou para a porta. Eu não podia deixá-la ir. Eu não queria que ela fosse e me deixasse ali. Muito menos que ela se casasse.
Eu deveria dizer isso a ela?
O que eu poderia fazer para fazê-la desistir daquela ideia insana de casamento?
O que eu deveria dizer a ela para fazê-la ficar ali, comigo, enquanto a sua maior vontade era partir e dar uma chance à sua felicidade, mesmo com outra pessoa?

So go ahead and rip my heart out
If you think that what love’s all about
Go ahead, rip my heart out
That’s what love’s all about


- Você acha que é um desperdício de tempo? – me perguntou, soltando-se da minha mão e sentando-se no encosto do sofá, mantendo o equilíbrio para não cair de costas. – , você sente alguma coisa por mim?
Respirei fundo.
- Sinto.
Ela prendeu a respiração
Era a verdade. Eu sentia alguma coisa por . Eu não tinha certeza do quê, mas, sentia. Era intenso, forte, apaixonante e distinto de tudo o que eu já havia vivenciado.
- Eu queria que você me mostrasse o que é. – Interrompi-a quando ia dizer alguma coisa. Recuei alguns passos, claramente frustrado e neguei com a cabeça. – Porque eu não faço ideia do que seja, . Eu estou perdido, e com você as coisas parecem se ajeitar um pouco e começam a fazer sentido conforme você me explica. Mas como se explica sentimento a alguém? – inquiri. Ela negou, compreendendo. – Eu queria que fosse você a me mostrar! – eu me aproximei, encubando o seu rosto com as duas mãos e deixando os nossos rostos muito próximos. Os nossos narizes se tocaram, e somente esse pequeno contato fez o meu corpo vibrar, meu coração saltitar, minhas mãos suarem e a minha mente enlouquecer. – Porque você é a única que consegue me fazer sentir isso.
- Isso...?
estava atordoada, era visível. Contudo, ela não podia estar anestesiada como eu para aquele tipo de conversa. Eu precisava que ela realmente entendesse o que ia dizer a seguir, pois eu sabia que seria confuso... demais. Por isso, eu me afastei, assistindo-a estremecer com a ausência de nossos toques.
Ela parecia mais sóbria agora, respirando fundo e me encarando, sem vestígios de choro.
Trocamos um olhar firme.
- Eu não sei o que é tudo isso o que eu estou sentindo. Talvez seja amor, eu simplesmente não sei, . – Ela assentiu. – Mas eu quero que você me mostre o que é tudo isso. Arranque o meu coração fora se for preciso. É disso que o amor se trata? Deixar o coração de alguém em pedaços? Tornar alguém a pessoa mais feliz do mundo, talvez? Eu não sei. Mas você parece saber do que o amor se trata. Então, eu quero que você me mostre como é amar. Porque eu sei que você é a única que tem esse poder agora. Por favor, . Mesmo que eu tenha sido egoísta e pensado apenas em mim, não tenha notado os seus sentimentos, eu estou te implorando agora. – Eu me ajoelhei, pegando em sua mão. Os nossos olhos não se desviavam. – Me ensine a amar. Me ensine como é tudo isso. Me explique o que está acontecendo. Por favor, fique comigo.

I want you to want me this way
And I need you to need me to stay
If you say that you don’t feel a thing
If you don’t know, let me go


- . – Ela saltou do sofá, ainda com as mãos entre as minhas, e ajoelhou-se à minha frente. Segurei a sua cintura automaticamente, enquanto ela segurava o meu rosto e o acariciava. Encostou as nossas testas e sorriu, triste. – Eu sempre quis isso. Eu sempre sonhei em escutar todas essas palavras. Sempre. E eu sempre quis que você retribuísse, que me amasse da mesma forma. Eu queria que você precisasse de mim aqui, como diz estar precisando agora. Mas eu preciso saber. Você acha que nós temos algum futuro?
Desvencilhei-me dela, bufando, indo até a mesa de centro, contornando toda a mobília da sala. Apoiei o meu corpo em meus braços sobre a mesa, encarando o vidro, o meu reflexo desfocado por conta da sujeira que se acumulava no material transparente.
Nós éramos melhores amigos, desde crianças. Sempre fomos aquele tipo bem unido. As pessoas nos consideravam um casal, porque fazíamos coisas de casal. Mas privilegiávamos a amizade sobre qualquer coisa. Eu sempre arranjava um tempo para , não importava o quão ferrado eu ficasse depois. E ela fazia o mesmo por mim. Sacrificávamos várias coisas um pelo outro, mesmo as nossas opiniões. Nos apoiávamos mesmo estando errados em público e, quando estávamos a sós, abríamos os olhos um do outro.
Se eu achava se tínhamos futuro?
Eu não sabia. Não fazia a menor ideia. Escutei o suspiro de atrás de mim e os seus passos de distanciando de meu corpo, e passei a sentir um aperto insuportável no peito.
- Me desculpa, . – Suas lágrimas. Eu provavelmente estava fazendo uma careta. A dor martelava o meu peito, arrancava o meu coração e o picava em pedaços. Era como assistir os meus pais, novamente, morrendo e estar ali, parado, inútil, somente ouvindo a gargalhada maldosa da vida ecoando em meus ouvidos. – Eu preciso ir embora. Eu preciso me livrar do que eu sinto por você, me desprender. Eu não consigo lidar.
- Por quê? – consegui reunir voz o suficiente, mesmo que rouca e frágil, para perguntar.
- Porque – diz, com a voz embargada. – se você não sabe, precisa me deixar livre. Eu preciso amar alguém que me ame também... Porque depois de todo esse tempo, amor... – o tom carinhoso fazia a minha garganta arder mais, e os meus olhos se fecharem. – Acho que nós dois precisamos de uma garantia. Não há espaço para um “talvez” quando temos a chance de seguir em frente.
Os momentos da noite passada vieram à tona mais uma vez. Eu tinha experimentado sentimentos ocultos que não havia sentido com ninguém, e duvidava que alguém me faria sentir daquela maneira novamente. Porque era única, e, mesmo que eu soubesse disso o tempo inteiro, jamais levara para o sentido romântico.
Aquelas lembranças, da música que tocava ao fundo enquanto nos tornávamos somente um, me fizeram mudar de ideia.
Não.
Eu tinha certeza.
A determinação preencheu o vazio antecipado que eu estava sentindo. Eu precisava tomar alguma atitude. Arriscar. era uma coisa que acontecia uma vez na vida, e eu não estava disposto a perdê-la. Não mais.
- Não, . – Protestei, finalmente me virando para ela. Sua expressão suavizou ainda mais.
Eu me aproximei, segurando suas mãos.
- Escuta. – Beijei a sua têmpora. – Eu sei que não significa muito perto do que você... sente. Mas eu amo você e sempre amei. É a minha melhor amiga. E pensando, eu notei. A dor de te perder para o -, para qualquer outra pessoa, te ter longe de mim, é insuportável. – Ela ia dizer algo, mas a interrompi. – Shh, não diga nada por enquanto. Eu amo você como amiga, e posso ser, algum dia, extremamente apaixonado por você como um homem para com uma mulher.

Let’s forget the past
I swear we’ll make this last


- E se nós esquecêssemos o passado? Ou levarmos apenas como aprendizado? – dei soluções, desesperado para fazê-la entender que o seu lugar era comigo, e não com . – O nosso futuro pode não ser o mais certo de todos, mas eu tenho certeza de que nós poderíamos dar certo. Nós não precisamos tornar tudo isso estranho. – As palavras se soltavam de minha boca com uma rapidez impressionante. Eu raciocinava e me emocionava ao mesmo tempo. Era tudo tão oposto. E eu não me importava mais em pensar antes de dizer alguma coisa a . Eu só estava pensando e soltando tudo ao mesmo tempo. Porque eu queria que tentássemos e déssemos certo. Porque era isso o que deveríamos fazer; não ter medo da opinião do outro sobre o que pensávamos. Eu finalmente entendia. – Todos os filmes românticos e dramáticos que nós assistimos por causa de nossas mães, naquele feriado que elas nos obrigaram a ir visitá-las. Você sabe o que todos tinham em comum? Os casais ficavam juntos. Mas por quê? – balancei a cabeça, correndo para prensar o corpo menor de contra a porta de madeira. Eu sorria e a via retribuir lentamente, ainda hesitante, da mesma forma. – Porque eles tinham força de vontade. É ficção, lógico, mas nós poderíamos. Nós podemos ser isso, , podemos ter tudo aquilo. Tudo o que você sempre sonhou e tudo o que eu estou sonhando agora. Não posso prometer que o meu sentimento se iguala ao seu, mas posso jurar que cresce a cada dia mais e continuará crescendo, como uma criança. Mas, diferente desta, continuará eternamente singelo, puro, inocente. Assim como você me contou enquanto sonhava na noite passada, o seu aumenta por mim. Está sentindo o meu coração? – pus a sua mão em seu peito, encarando os seus olhos cheios de lágrimas. – Ele está buzinando, aqui dentro. É por sua causa. Batendo em disparada por você. Exclusivamente por você, .
- ... Eu estou intensa, enlouquecida, insana, adoravelmente apaixonada por você. E por todos os seus defeitos. E por tudo em você. Eu quero que você seja a pessoa mais feliz do mundo ainda que não seja comigo, quero pôr você em um pedestal, e o faria se pudesse. Você é uma das pessoas mais importantes para mim e eu não poderia deixar de amar você nem que forçasse. Eu tentei, tentei, tentei, mas o que sinto por não se iguala em nenhum momento, ou ao menos se compara, ao que sempre senti por você. Porque é você, , que faz o meu coração pulsar, gritar, partir-se e, no fim do dia, voltar a ser o que sempre foi, pronto para mais uma. – Ela tomou fôlego, e eu sentia-me encantado. Encantado ainda mais. Eu estava bobo enquanto a encarava, sem palavras em resposta ou para definir o que eu sentia, aquela explosão de felicidade. – Você mantém o meu coração em cárcere privado, , exatamente como o resto de mim, que grita por você, pela sua presença, por tudo que te envolve. Eu não seria a sem você. Afinal, o que seria do dia sem o sol?
Permanecemos em silêncio, e eu pude escutar os nossos corações, juntos, com os nossos peitos encostados enquanto eu me abaixava para ficar da sua altura. O coração de disparado batia tão descompassado quanto o meu. E, naquele momento, era tudo o que se ouvia.
Então, eu a beijei novamente, tendo a certeza de que aquilo era tudo o que eu queria.

‘Cause I remember the taste of your skin tonight
And the way that you looked, you had those eyes
I remember the way it felt inside
And the name of the songs that made you cry


Eu tinha certeza. Tinha mesmo. Porque todos aqueles toques sensíveis, incríveis, ainda estavam marcados, tatuados, por todo o meu corpo. Os meus dedos inclusive coçavam agora por mais contato, e eu não negava. também se permitia livremente.
Eu me lembrava de tudo ontem à noite. Como o rádio estava ligado em uma estação que nós dois gostávamos e escutávamos quando viajávamos de carro quando éramos mais novos por diversão ou quando sofríamos alguma decepção – o que era o mais comum. Eu me lembrava de como chorava quando Daylight chegara a tocar, ou quando 3000 Miles também marcara o nosso momento.
Eu me lembrava de como me senti feliz, completo, pela primeira vez, e como todo o resto da minha vida pareceu apenas um desperdício, quando estava dentro de , sentindo todo o seu interior. Sentindo-a se tornar somente minha.
E os seus olhos. Que não se fecharam em tantos momentos. Nós estávamos sempre conectados. E eles brilhavam. Brilhavam como eu nunca havia visto. E ela levava um olhar diferente, como aquele que antes eu não sabia definir, embora esse fosse diferente. E, mesmo com essa barreira, quando me direcionou durante o sexo, eu entendi imediatamente.
Amor.
Eu esperava ver mais daqueles olhos a minha vida inteira.

You would scream, we would fight
You’d call me crazy, I would laugh
You were mad but you always kissed me
And the shirt that I had that you always borrowed, when I woke it was gone there was no tomorrow


- Eu espero que aconteça mais daquilo. – Sussurrei contra a sua boca, captando a sua atenção. Os olhos brilhante de , com aquele olhar, focaram nos meus. Ela acariciou a minha bochecha e a extremidade de meu braço, sorrindo tão carinhosa como nunca, mostrando todos os sentimentos que reprimira durante anos. - Aquilo o quê? – perguntou, procurando a resposta em minha expressão. Eu lhe sorri, selando os nossos lábios em um beijo casto.
- Quando você chegou aqui. Você estava brava como eu nunca tinha visto. Eu me assustei no começo, mas depois comecei a me irritar. Então nós brigamos. Mas, depois, eu não sei por que, mas alguma coisa me fez rir. Chegava a ser irônico. Éramos melhores amigos e estávamos brigando como um casal. – Ela sorriu, meiga, concordando, desviando o olhar para o chão. Peguei em seu queixo e a trouxe para perto. – Você ficou ainda mais furiosa, mas, mesmo assim, quando pedi, você me beijou. Eu espero que isso aconteça mais cedo.
“Mas não quero acordar na manhã seguinte e ver a minha melhor camiseta sumida, junto com você. Eu me senti sem chão na hora e bem desesperado. Sairia pelado para te procurar se não soubesse que isso te envergonharia.” Admiti. Ela gargalhou, parecendo sentir pena.
- Eu tenho um casamento, . Eu estava confusa, também. E não queria ficar para descobrir e acabar desistindo de tudo o que já tinha organizado. – Admitiu.
- Ei, sobre o casamento... – comecei, mas me interrompeu, deixando o seu sorriso lindo morrer.
- Eu preciso ir, . Eu vou consertar tudo isso para nós, certo? Fique aqui. Não vá embora. Eu demoro, mas vou voltar, eu te prometo. Vou arrumar toda essa bagunça. – Ela me beijou, me empurrou suavemente, e se virou de costas. Eu ia reclamar que estava recebendo atenção insuficiente e que poderíamos resolver o caso do casamento depois, embora não pudéssemos adiar, quando ela se virou para mim, gargalhando, e envolveu o meu pescoço e me beijou.
O melhor beijo, que me transmitia confiança.
Quando ela saiu pela porta, eu apenas esperava que desse tudo certo.
Eu me sentia a pessoa mais feliz do mundo.
Eu esperava claramente que as coisas se ajeitassem no fim. Esperava que desse certo para nós dois. Esperava que eu aprendesse o que era amar. Que todos os finais tristes se juntassem para formar um feliz com . Porque, agora, iríamos ter a nossa amizade junto ao nosso romance.
Ainda sonhador, me direcionei à janela, vendo entrar em meu carro e dar partida.
Babaca.
Rolei os olhos.
Quase pude escutar a sua gargalhada na casa, enquanto ela arrancava com o meu carro para acabar com o casamento. tinha roubado as chaves de meu carro. E eu entendi. Ela ia terminar com antes de eu acordar. Somente ficava a dúvida se ela retornaria para a minha casa ou se fugiria do ex-noivo e de mim.
Eu definitivamente a interrogaria mais tarde sobre isso.
“Ei, amor, você ia voltar para cá depois que terminasse com ?”


Fim.



Nota da autora: Oi, gente! Obrigada por lerem, em primeiro lugar <3
Eu queria escrever algumas observações aqui:
Sim, a história foi feita para conter muitos trechos confusos, pois o narrador é personagem e estamos vendo tudo do seu ponto de vista. Obviamente, ele está muito confuso com tudo o que está acontecendo e todas nós entendemos como é não conseguir raciocinar, ligar os pontos diante de uma situação que parece muito fácil, não é? Ele não tinha a menor noção do que estava fazendo, quem dirá do que pensar!
E, sim, foi a minha primeira história. Essa música tem um significado muito especial para mim e mesmo sabendo que poderia ter sido muito melhor, eu tive que pegá-la para mim e escrever! E, para finalizar, pode ser que, quando a música começou a tocar, as coisas tenham ficado um pouco mais confusas.
O caso é que a música narrava parte do ponto de vista da protagonista, embora ela não tenha narrado, e outra parte do ponto de vista do narrador, o próprio protagonista. E é isso <3 Muito obrigada por terem dado uma chance!
- Nina

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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