Última atualização: Fanfic Finalizada

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I remember being young and so brave
(Eu lembro de ser jovem e valente)
I knew what I needed
(Eu sabia o que precisava)
I was spending all my nights and days
(Eu passava todas as minhas noites e dias)
Laid back day dreaming
(Deitada, sonhando acordada)
Look at me I'm a big girl now
(Olhe pra mim, eu sou uma menina grande agora)
Beyoncé – Grown Woman



Antes

Se dois meses atrás alguém me dissesse que eu estaria num avião voltando para Maryland, eu diria que essa pessoa deveria parar de beber e se internar. Essa não era nem uma possibilidade na minha vida, essa ideia não era cogitada nem nos meus desejos mais estranhos. A verdade é que eu não contava com dois problemas que surgiriam na minha vida semanas depois:
O primeiro e mais grave: o problema de saúde repentino do meu pai. Quando um senhor de 67 anos sofre um infarto, todos ao seu redor ficam em estado alerta, caso algum problema mais grave venha a acontecer.
O segundo e mais vergonhoso: a traição do meu “namorido”/sócio. Meu mundo desabou na minha cabeça, quando eu entrei no nosso restaurante e o vi embolado com a nova sous-chef, muito bem recomendada, que eu havia acabado de contratar. Quando admiti uma jovem de 25 anos, não imaginei que estaria trazendo o perigo para dentro do meu próprio território. Porque me trair dentro do meu restaurante é ainda pior do que fosse na minha cama. Também não imaginei que ela levaria o “sous” tão a sério e iria parar bem debaixo do meu Leornard. Talvez os sete anos de diferença entre eu e a nova ‘senhora Manson’ falassem mais alto que os dez anos que relacionamento amoroso e profissional que tínhamos.
Agora eu estou aqui, me despedindo de tudo o que construí em Nova York nos últimos treze anos e voltando para a minha cidade natal, a bela, pacata e esquecida Frederick. Só que eu precisava esconder a minha frustração de voltar para casa, pois meu pai está se culpando por isso desde o dia que avisei que estaria me mudando de volta. Tudo bem que ele tem uma “parcela de culpa”, mas não é o único motivo. O Provença é um restaurante respeitado em Nova York, eu e Leornard já havíamos aparecido dezenas de vezes em revistas de culinária, programas de tv e recebido diversas críticas excelentes dos nossos serviços e, principalmente, da nossa comida. Só que o acontecido se tornou público e eu não sou mulher de engolir o orgulho e aceitar uma traição só para manter as aparências. Então o problema de saúde do meu pai caiu “como uma luva” para acelerar meu processo de mudança. Recomeçar em Nova York seria difícil, já em Frederick parece que será bem mais fácil. Ou não. As coisas não tem sido fáceis pra mim de qualquer forma.
Depois de um pouco mais de duas horas de voo, busquei minha bagagem e me encaminhei para o setor de desembarque. Tentei encontrar meu irmão em algum lugar, mas não tive muito sucesso. Fiquei calculando quando tempo e dinheiro gastaria se pegasse um táxi de Baltimore até Frederick. O percurso dura cerca de uma hora, talvez um pouco mais. Resolvi que esperar meu irmão atrasado chegar, seria melhor para o meu bolso recém-separado.
Quando você abre um negócio com alguém e tem direito a metade dele, as coisas se tornam bem complexas quando você resolve vender. Assim que descobri a traição do Leornard, eu sabia que não poderia conviver no mesmo lugar que ele, pois era claro que eu não teria mais pleno respeito dos meus próprios empregados. Afinal, todos foram testemunhas do que eu presenciei naquela cozinha. Então a minha primeira providência foi procurar um advogado que pudesse me ajudar a vender meus 40% do restaurante. Minha ideia inicial era vender para o próprio Leornard, assim ele poderia afundar sozinho, sem levar ninguém, a não ser a pequena sous, pro buraco com ele. Mas após a primeira oferta que ele me fez, eu sabia que ele estava querendo me enrolar. Aparentemente, depois de dez anos, só me trair não era o bastante para ele, “roubar” parte do dinheiro que me pertencia parecia bom o bastante. Talvez tudo isso que ele aprontou no curto espaço de três semanas tenha sido o fato primordial para tirar qualquer sentimento bom que eu ainda poderia nutrir por ele. Para um homem de mais de quarenta anos, Leornard se mostrou mais irresponsável e menos maduro do que um rapaz de dezessete anos. Eu já sou uma mulher crescida, poderia lidar muito bem com uma separação, não morreria por isso. Mas depois de tudo, eu não queria morrer, queria matar. Matá-lo, para ser mais exata. Então depois de abrir meus olhos, minha advogada, a senhora Jackson, me aconselhou a dividir o percentual que me era cabível e vender separadamente. Assim Leornard teria mais dificuldade de comandar tudo com mão de ferro, já que ele não seria sócio majoritário tendo 40% das ações. Caso os compradores se juntassem numa decisão, as coisas poderiam ficar bem complicadas. Os 20% restantes cabiam a uma conhecida nossa, que nos ajudou com um montante quando resolvemos abrir o negócio. Porém, quando já havia decidido dividir os lotes e vender separadamente, recebi a visita de Molly, a nossa financiadora inicial, dona dos 20%. Ela veio me confortar pela traição e conversar sobre meus planos quanto ao restaurante, já que havia chegado aos ouvidos dela que eu estava vendendo minha parte. Então eu expliquei a ela o que planejava fazer, mas a sua resposta foi a melhor possível:
“Venda tudo para mim e eu acabo com a vida dele.”
Ela não precisou listar mais motivos. Só esse já era o bastante. As pessoas costumam dizer que a raça masculina é unida, mas não há nada no mundo que una mais as mulheres do que uma traição, ainda mais pública. É como se ferisse o orgulho de todas. E será que alguém já explicou aos homens que eles não devem enfiar a cara num vespeiro? As chances de saírem na merda são grandes. Bem grandes. E foi assim que Molly não só me ajudou a acabar com a vida profissional de Leornard, como também me pagou um montante substancial, que me faria capaz de recomeçar em Frederick. Talvez um restaurante pequeno ou um apartamento só meu. Porque voltar para a cidade natal já parece um retrocesso. Se alocar definitivamente na casa dos pais é fim de carreira total. Sabe o que também é terrível? Esperar pelo irmão mais velho durante quase duas horas num saguão lotado e quente de um aeroporto. Esse mês de julho estava especialmente quente. Lá em Nova York já estava meio absurdo. Aqui em Maryland estava um absurdo completo. E como se não estivesse um minuto sequer atrasado, veio o rosto de Colin surgir na multidão. O sorriso falso que ele trazia nos lábios já o denunciava: ele havia esquecido.
 — Nem precisa começar a inventar desculpas, Colin. Quem te lembrou? – perguntei, assim que ele estava perto o bastante para me ouvir. – Aposto que foi a Mel. – rolei os olhos e ele sorriu abertamente. – Sério, não sei o que seria da sua vida sem essa mulher. – exclamei e ele pegou duas das minhas malas e saiu arrastando. Peguei a que sobrou e o segui.
 — Também não sei o que seria da minha vida sem ela, por isso não deixo que ela fuja. Dezoito anos de cárcere privado.
 — Que horrível, Colin. Por que você fala da sua esposa desse jeito? – ri alto. – Pior, ela sabe?
 — Claro que sabe, Melanie ama meu senso de humor. – ele brincou, enquanto saíamos da parte coberta - e refrigerada - do aeroporto. – E além de senso de humor, tem muito amor envolvido também. – Seguimos debaixo de um sol absurdamente quente até o carro de Colin. Ele colocou as duas malas maiores no porta-malas e a menor foi no banco de trás. Entramos no carro e eu tratei de ligar o ar condicionado e virar as paletas para a minha direção.
 — Tudo isso é calor ou menopausa? – meu irmão perguntou, fazendo com que eu o olhasse com uma expressão nada fraternal.
 — Nem vou me dar ao trabalho de responder, Colin. Você sabe o quanto eu odeio piadinhas com a minha idade.
As pessoas pensam que conforme o tempo passe, as brincadeiras entre os irmãos tendem a ficar menos agressivas e mais inteligentes. Concordo com o “menos agressivo”, porque não tenho mais espírito para tentar bater no Colin, mas às vezes parece que ele - nós - não cresceu. Não parece que ele tem um trinta e oito anos, muito menos um filho, o Nicholas, prestes a completar vinte e um anos e uma gracinha de doze anos, chamada Anabelle. Ele e a Mel se conheceram no ensino médio, estudaram juntos por um longo tempo e quando estavam prestes a se formarem, ela engravidou. Eu sempre tive o desejo de abrir minhas asas e voar para o mais longe de Frederick que o vento poderia me levar. Colin me disse algumas vezes que ele queria fazer a mesma coisa, só que com a gravidez da Mel, as coisas se tornaram mais difíceis para ele, que acabou preso lá a vida toda. Não que isso tenha sido ruim, eles realmente têm um casamento muito bom, é até bonito de ver a cumplicidade dos dois, mas não acho que isso é algo pra mim. Tudo bem que eu tinha o Leornard, mas nosso relacionamento nunca foi igual ao do meu irmão e da minha cunhada, nem mesmo a metade. Parecia que estávamos juntos mais pelo negócio do que pelo amor. Eu achava que eu o amava, mas agora... Não se esquece alguém que amamos assim tão rápido, certo?
Conforme fomos deixando Baltimore, as construções foram desaparecendo e dando lugar a plantações. Uma seguida da outra. E mais outra. E mais outra. Aquela imensidão verde estava me deixando um pouco nervosa. Algumas vezes a continuação era quebrada pela entrada de alguma cidade, assim eu conseguia enxergar algumas construções ao fundo, mas nada que pudesse me tirar a sensação de estar cada vez mais longe do mundo. Depois de morar tantos anos num grande centro urbano, sair dele é mais difícil do que parecia antes. Mas, tudo bem, pelo meu pai tudo vale a pena. Conversei um pouco com Colin sobre o estado de saúde do papai no caminho. Ele me explicou que não é nada que inspire extremo cuidado, mas ele precisa se respeitar mais do que antes. Nada das comidas gordurosas que ele gosta e costumava comer. Agora ele tem uma dieta especial e que está sendo bem difícil para ele seguir, mas nada que os dotes culinários da filhinha não possam ajudar. Bem, isso foi o que o meu irmão disse. Por experiência própria, eu sei que deve estar sendo um inferno fazer o meu pai comer direito. Ele sempre se portou como se fosse um rapaz e não tivesse que se preocupar com saúde. Pelo menos agora ele sabe que não pode brincar com isso. Aprendeu da pior maneira.
Senti um leve frio na barriga, quando vi que estávamos nos aproximando da entrada da cidade. Era uma sensação estranha, uma mistura de algo bom com algo ruim, não saberia explicar se tentasse. Era bom estar voltando para casa depois de tanto tempo, mas também é muito ruim deixar tudo o que construí nos últimos treze anos para trás. Cruzamos o centro bem rapidamente, mesmo sendo o fim de tarde de uma sexta-feira, não havia muitos carros na rua. Na verdade, nunca tem muitos carros na rua aqui em Frederick. As coisas são tão próximas uma das outras, que é mais fácil se locomover a pé ou de bicicleta. As construções antigas me fizeram sorrir, a cidade era bonita de verdade. As ruas bem arborizadas, o ar calmo e acolhedor. As pessoas sorrindo uma para as outras e se cumprimentando, era um inverso meio bizarro da correria constante que era Nova York. Talvez eu demorasse para voltar a me acostumar com isso. Chegando à área residencial, me senti com doze anos de novo, quando meu pai me fazia uma surpresa e ia me buscar na escola. Ele jogava minha bicicleta amarela na caçamba da caminhonete e eu ia toda feliz ao lado dele na frente. Era um tempo bom, sem complicações e problemas. Já agora parecia que a minha vida era feita somente disso. Não tinha nem uma coisinha sequer para amezinhar a confusão. Quem sabe essa coisinha não fosse minha família?
Colin parou seu carro na entrada da garagem e saiu para tirar as coisas do porta-malas. Peguei a menor no banco de trás e deixei as outras com ele, Colin daria um jeito. Parei na porta da casa, respirando fundo algumas vezes. É claro que eu já havia voltado, mas a minha cabeça era outra e a situação também. Eu estava de passagem, sabendo que voltaria logo para a minha vida corrida. E agora, o que eu faria da minha vida? Tantas perguntas, tão poucas respostas...
 — Querida! – minha mãe exclamou, abrindo a porta num rompante e quase correndo pela entrada. – Sabia que havia ouvido o barulho do carro. – ela jogou os braços ao meu redor e me abraçou daquela forma que só ela sabe, tão quente, tão aconchegante. Foi o bastante para eu me sentir, definitivamente, em casa. Ainda agarrada a mim, ela me guiou até a sala, onde meu pai estava largado numa poltrona. Seus pés estavam para cima e parecia que ele estava tirando uma soneca, antes de ser bruscamente acordado pela minha mãe.
 — Olha quem finalmente chegou! – ela gritava, fazendo que meu pai se espreguiçasse e levantasse.
 — Não, pai, não precisa levantar. – falei apressadamente e ele só rolou os olhos.
 — Não estou morto, meu bem. Posso estar só meio morto. – ele sorriu e me abraçou fortemente. – Fez boa viagem?
 — Sim, tudo tranquilo, sem turbulências ou outras complicações. Na verdade, acho que demorei mais esperando o Colin do que dentro do avião.
 — Deixa de ser ingrata, ok? – meu irmão falou, chegando à sala com as minhas malas gigantes. – Quer que eu deixe no seu quarto?
 — Por favor. – falei, sorrindo abertamente. Colin xingou baixo, mas logo sorriu também e tratou de subir com uma das malas.
 — Hmm, tudo bem. O que tem pra comer? – perguntei, passando a mão na barriga. Essa é uma das vantagens de passar uma temporada na casa dos pais: a comida da mamãe. Acho que não há chef no mundo que faça algo mais gostoso que a comida da minha mãe.
 — O jantar tá quase pronto, só precisamos esperar a Mel e as crianças. – ela comentou, passando por mim e caminhando até a cozinha.
 — Crianças? Sério, mãe? Nicholas vai fazer vinte e um anos daqui a uns dias e você continua forçando a barra nessa coisa de criança. – ri e ela balançou a cabeça e me olhou.
 — Ah, querida, isso é difícil de mudar. Pra mim até você e seu irmão são crianças ainda.
 — Já estou vendo que essa conversa está prestes a se transformar numa sessão nostalgia. Então eu vou fugir antes, ok? Preciso de um banho, essa cidade está muito mais quente do que eu me lembrava. – ela apenas sorriu em resposta e fez um sinal para que eu fosse, enquanto tirava a tampa de uma das panelas e mexia com uma colher de pau. Subi as escadas rapidamente e cruzei com Colin pelo caminho. Ele disse que estava indo para cada buscar o restante da família e que já voltava. Continuei meu caminho até a última porta do corredor. Achava incrível como meus pais conseguiram manter meu quarto da mesma forma que eu deixei treze anos atrás, não havia nada de diferente. Até mesmo as pequenas coisas que denunciavam meu gosto ainda estavam lá, indo das paredes amarelas, minha cor favorita, até mesmo o pôster dos Backstreet Boys na porta do meu armário. O que posso dizer? Eles faziam sucesso...

Depois de comer enlouquecidamente no jantar e me sentir um pouco culpada por isso, sentamos todos na sala de estar. Eu tinha Anabelle empoleirada em mim e eu não me importava. Ela estava agarrada a mim praticamente desde o momento em que ela chegou na casa dos meus pais. Acho que criamos esse laço mais intenso durante as duas semanas que ela passou comigo em Nova York no último verão. Nós fizemos quase tudo juntas, até mesmo a ensinei a fazer cupcakes. Acho que a minha antiga cozinha nunca havia ficado tão bagunçada. Mas isso não importou nem um pouco quando vi o sorriso que ela estampava em seu rosto, completamente sujo de cobertura cor de rosa. Dessa forma, acho que ela juntou a minha pessoa àquelas semanas, já que não passamos muito tempo juntas antes disso. Já Nicholas esta naquele período da vida que não costuma demonstrar muito seus sentimentos. Ele me deu um abraço forte e bem caloroso quando chegou, mas agora já agia como se me visse todos os dias. Ele também passou alguns dias comigo em nova York, mas isso já faz muito tempo. Depois que ficou mais velho, ele arrumava algum emprego fácil no verão, assim conseguia arrumar algum dinheiro a mais para si. Ou, muito provavelmente, para levar alguma garota para sair. Conversamos sobre o aniversário dele, que se aproximava, e eu insisti que deveríamos fazer uma festa, já que eu não estava aqui nos outros aniversários. Algumas vezes eu conseguia fugir, mas nos últimos anos tinha sido difícil. No fim, eu acabava enviando algum presente bacana, junto com um pedido gigantesco de desculpas. Nicholas não se animou muito, mas depois de eu insistir bastante, ele aceitou. Prometi que usaria meus dotes para lhe fazer um bolo maravilhoso e do sabor que ele sempre pedia quando ia me visitar: bolo de chocolate, com recheio de frutas vermelhas e cobertura de chocolate trufado. Vi um sorriso surgir em seu rosto e sabia que havia lhe convencido. E, como sempre, peguei mais um pelo estômago.

Quando cai na cama naquela noite, eu senti o peso de uma mudança. Assim que a noite chegou, eu senti que estava difícil manter os olhos abertos, mas eu consegui levar numa boa, porque estavam todos conversando comigo, então era mais fácil. Só que quando eu sentei na cama para mexer na mala, eu senti como se tivesse caído numa poção do sono, porque eu não conseguia me manter acordada. E isso porque eram nove da noite. Talvez a velhice estivesse chegando de verdade. Com muita força de vontade, eu fui até o banheiro e relaxei um pouco debaixo da água morna, quase fria. Estava calor demais para eu me dispor a um banho quente. Vesti uma roupa velha e me deitei, sentindo a brisa fresca que vinha a janela. As luzes apagadas me deixavam ver as estrelas que eu havia colado no teto. Era meio bizarro olhar aquilo, parecia que eu tinha voltado muitos anos no tempo e, por alguns minutos, me senti com dezenove anos novamente.

O dia parecia ter acabado de amanhecer, quando Colin começou a buzinar enlouquecidamente do lado de fora e bem debaixo da minha janela. Gritei algumas coisas com ele, antes de perder o sono de vez. Lavei o rosto e escovei os dentes antes de descer. Encontrei todos juntos na cozinha, tomando café e conversando sem um assunto bem definido. Me juntei a eles, comendo um pedaço de bolo de laranja e acompanhei no café. Percebi que Colin ficava olhando para mim e mordendo os lábios, exatamente como ele fazia quando era mais novo e estava me escondendo algo. Quando ele fez isso pela quarta vez, eu cansei.
 — Ok, que você tá me escondendo? – perguntei, vendo meus pais sorrirem junto dessa vez. – É tipo um complô isso aqui?
 — Não. – meu irmão se limitou a responder, pousando a xícara na mesa. – Quero te mostrar uma coisa e se você ficar pronta bem rápido, te levo lá antes de ir para o trabalho. – Colin trabalhava na imobiliária da cidade e eu esperava que ele pudesse me ajudar a encontrar algum lugar bacana para morar.
Subi rapidamente para o quarto, pegando um vestido simples na mala, um que eu não precisava passar ou algo do tipo. Quinze minutos depois eu já estava descendo as escadas novamente. Meu irmão se despediu dos nossos pais e eu o segui até o carro. Ele dirigiu até o centro, sem me dizer onde estávamos indo. Vi que ele parou o carro perto da Praça da Carroll Creek, que era um lugar muito bonito. O canal passava no meio da via, dividindo-a em duas, cada margem era coberta com uma série canteiros, onde pequenos arbustos e algumas flores coloriam o chão. Toda parte do calçamento era feita com pequenos tijolos vermelhos, num tom quase de barro, e que também compunham as paredes das construções que acompanhavam o leito do canal. Aquele lugar era realmente maravilhoso, ainda mais num dia bonito como o de hoje. Dessa forma o azul do céu, contrastava com o verde das árvores, os tons multicoloridos das flores, o vermelho bruto do calçamento e das paredes. Era o meu lugar preferido da cidade.
 — O que a gente tá fazendo aqui? – perguntei, enquanto ele saia do carro. Ele acenou com a mão, pedindo que eu o acompanhasse. Seguimos a pé por uma das margens e caminhamos cerca de cinco minutos, até que ele parou em frente a uma loja fechada. Logo abaixo da grande janela, que cobria a fachada, havia um canteiro com margaridas amarelas e algumas trepadeiras que subiam pela parede e tomavam grande parte da mesma, chegando ao segundo andar e indo até bem perto do telhado. Uma porta verde, de madeira e vidro, terminava de compor o visual logo da entrada.
 — O que acha? – ele perguntou, colocando a mão no bolso.
 — É uma loja?
 — Sim. E é um apartamento na parte de cima. – ele respondeu e eu me afastei um pouco, para tentar enxergar melhor.
 — Nossa, é muito bonita. – comentei, virando o corpo em sua direção.
 — É sua, se você quiser. – Colin falou, como se fosse algo bem simples. Eu arregalei os olhos e levei uma mão à boca. – Eu comecei a fazer umas pesquisas quando você disse que vinha. Encontrei alguns apartamentos até maiores que esse por aí, só que eu sei o que você ama esse lugar e tem essa loja. Pensei que seria uma boa forma pra você recomeçar, ter algo só seu. – ele deu de ombros e ficou esperando uma resposta, mas eu ainda estava congelada no lugar, sem ter a mínima noção do que falar para ele. – E então?
 — Colin... – ele murmurei, ainda em choque. – Isso é maravilhoso.
 — Você me deu uma faixa de preço e eu consegui um desconto. Dá pra comprar o imóvel e ainda sobra para comprar a mobília da loja, sua aparelhagem e fazer alguns reparos. Ainda bem que o mercado imobiliário de Nova York é bem mais caro que o daqui, sua parte no Provença e no apartamento que dividia com o Leornad dá para fazer tudo isso. – ele continuava falando, mas eu estava completamente apaixonada pela minha nova loja, minha nova casa, por tudo. Meu irmão não esperava pelo abraço louco e apertado que eu lhe dei, tanto que quase caímos dentro do canal, tamanha a força que eu imprimi.
 — Acho que nunca te amei tanto como agora. – confessei, ainda agarrada em seu pescoço.
 — De nada, eu acho.

Três semanas depois

Eu havia ocupado a garagem dos meus pais com toda a minha mudança, que chegou de Nova York duas semanas e meia depois de mim. Até mesmo o meu carro tinha vindo de caminhão, porque eu me recusei a fazer essa viagem de carro, ainda mais sozinha. Então eu deixei tudo estocado num pequeno galpão e pedi que fizessem o frete apenas quando eu estivesse perto de me mudar para a nova casa. E ter um irmão corretor ajudou muito nesse processo. Como eu pagaria o montante à vista, eu consegui que o processo fosse acelerado e assim eu tive a papelada e as chaves em minhas mãos duas semanas depois. Resolvi fazer algumas mudanças, pintar alguns cômodos do apartamento e fazer umas mudanças simples na loja. Por sinal, eu já havia decidido que faria lá. Quando vi o espaço, fiquei encantada pela região e pela sua aparência, nem me preocupei ou foquei na questão do tamanho. Dias depois, quando fui até lá ver o que queria mudar, percebi que, tanto o salão, como a cozinha, eram pequenos demais para eu abrir um restaurante. Fora que eu precisaria de muita ajuda e muitos funcionários custam caro, não poderia me dar o luxo de abrir um negócio e falir meses depois. Então me lembrei de um antigo sonho que tinha. Sempre quis trabalhar com comida, mas eu tinha um ramo certo em mente: a parte de confeitaria. Sempre amei trabalhar com doces, fazer bolos e todos os tipos de sobremesa, tanto que era responsável por isso lá no Provença. Conversei com os meus pais sobre isso, já que conhecem melhor a região que eu. Eles disseram que, realmente, fazer um restaurante render aqui seria complicado, porque esse pessoal não está acostumado com o tipo de comida “chique” que eu servia antigamente. E que um café mais simples, onde eu servisse alguns doces, bolos e sobremesas em geral, seria mais atrativo. Principalmente pela região que seria a loja. As pessoas gostam muito de passear pela Carroll Creek no final da tarde e um lugar para tomar um café ou um suco cairia muito bem. Então, sem ter muitas dúvidas, resolvi que abriria o café. Um dia dirigi até lá e fiquei sentada num banco de madeira que tinha bem em frente. Precisava de um nome e esperava que algo ali me desse uma dica. Observei atentamente cada detalhe do entorno, as cores que compunham aquele cenário. E quando o sol estava se ponto e os raios, fracos e alaranjados, tocaram os tijolos avermelhados da parede da minha nova casa, eu tive uma ideia. O sol fazia com que a aspereza do tijolo fosse disfarçada, então tudo se tornava aparentemente macio, suave, confortável e aconchegante. Assim como um veludo. Um enorme veludo vermelho.

 — Red Velvet, esse será o nome do meu café. – falei para a minha família. Nós estávamos reunidos para celebrar a minha ida para a nova casa no dia seguinte. Tudo estava sendo motivo para celebração ultimamente.
O bom resultado dos últimos exames do meu pai, tinha resultado num enorme almoço no domingo passado, com direito a presença dos pais da Mel e tudo mais. Foi uma ótima oportunidade para eles lamentarem o término do meu casamento e ficarem tristes pelo fato de eu ainda não ter filhos. Eu apenas acenei com a cabeça, sem esboçar muita reação, por dois motivos:
1. Eu não era casada com o Leornad;
2. Para ser sincera, não sei se quero filhos.
Eu sei que esse assunto é bem complicado, porque meu pai sempre comentou que era louco para ver essa casa repleta de crianças. Ele queria ter seus netos – meus filhos – por perto, para poder deixá-los fazer a bagunça eu não deixaria fazer na minha casa. Só que eu nunca me prendi muito nessa questão da maternidade, até porque Leornard sempre dizia que não queria ter filhos. E estando com ele, essa também seria a minha realidade. Só que depois de tanto tempo focando na minha vida profissional, eu meio que deixei isso passar. E com 32 anos, sem nem ter um namorado, acho que a minha chance passou de verdade. Não me imagino tendo filhos perto dos 40, essa é fase que eles já estão chegando à adolescência e você tem que lidar com suas saídas escondidas, não com suas fraldas.

Acordei cedo na manhã seguinte, o sol já brilhava alto no céu. Era um sábado maravilhoso. Convoquei todo mundo para me ajudar a carregar as caixas, menos o meu pai e minha mãe. Até mesmo Anabelle estava ajudando, ela levava uma caixa pequena nos braços, deveria ser alguns utensílios de cozinha, então não pesavam muito. Nicholas e Colin levaram o sofá para cima, tendo bastante dificuldade com as escadas. Esse foi o maior problema, visto que a maior parte dos móveis estava desmontada. Eu me arriscaria a montar alguns, mas meu pai não permitiu. Ele disso algo como: “Não posso carregar peso, mas ainda posso apertar alguns parafusos”.
Quando estava perto da hora do almoço, tudo já estava dentro do apartamento, por mais que ainda estivesse dentro das caixas. Meu pai já havia montado minha cama, a estante da sala e o pequeno rack da televisão. Então eu falei que eles já haviam sido uma ajuda sensacional, mas que precisavam descansar, comer ou fazer qualquer outra coisa. Eu poderia assumir dali em diante, até porque eu ainda iria descobrir onde guardar cada coisa. Comecei pelo mais fácil e arrumei meus livros na estante, começando pelos de culinária e terminando pelos muitos romances que eu comprava, mas nunca tinha tempo para ler. Depois fui para o quarto, arrumando todas as minhas roupas no pequeno closet do quarto maior. Eu ainda ia decidir o que faria com o quarto menor. Percebi que tinha que comer alguma coisa, quando olhei para a janela e vi o céu quase escuro. Eu estava sentada no chão da sala, organizando os cds no rack. Levantei os braços, me alongando um pouco. Uma dor aguda me atingiu na coluna, denunciando meu cansaço. Percebi logo que precisava de uma bebida também. Sem disposição para continuar arrumando, empurrei as caixas de coisas de cozinha para perto da mesma. Já que a do apartamento era extremamente pequena, eu levaria algumas coisas para a loja. Só que não faria nada disso hoje. Precisava só de quatro coisas pelo restante da noite: um banho, uma refeição, uma boa bebida e minha cama. Então segui para o banheiro e assim resolver o primeiro item.
Parei na frente do meu apartamento e pensei por um segundo para onde iria. Talvez a cidade tenha mudado um pouco desde que eu fui embora. Queria ir a um lugar em que eu pudesse comer, beber e relaxar um pouco. Talvez um bar fosse uma boa opção, mas será que teria algo assim por aqui? Desci um pouco a rua, tentando procurar algum lugar que parecesse legal. Depois de uns dez minutos de caminhada lenta, avistei algumas luzes acesas e, ao me aproximar, ouvi o som de alguma música animada. Quando cheguei mais perto, vi que era algo como um barzinho que reunia grande parte dos jovens de Frederick. Era sábado à noite, afinal. Assim que entrei, pensei que aquele lugar não seria o ideal pra mim. Havia muitos jovens e poucos adultos, eu me sentia um pouco deslocada. Só que no mesmo minuto vi um garçom passar por perto, levando um hambúrguer absurdamente saboroso na bandeja. Talvez aquele lugar não fosse ideal, mas a comida parecia.
Eu tinha acabado de devorar um hambúrguer e estava sentada numa mesa perto da janela, mordiscando as batatas-fritas que vieram como acompanhando e bebendo minha terceira cerveja. A noite estava quente e o líquido gelado amenizava um pouco a situação. Olhei na direção do bar pelo canto dos olhos e vi que tinha um rapaz me encarando. Ele sentou de frente para a minha mesa e não tirava os olhos de mim. Mexi no cabelo, um pouco desconfortável, e olhei na direção da janela, tentando evitar o olhar dele. Só que eu senti alguém se aproximando e, ao olhar para o lado, vi que o mesmo rapaz estava em pé ao lado da mesa.
 — Posso te fazer companhia? – ele disse, baixo. Seus olhos foram direto para os meus e eu prendi a respiração por alguns segundos. O deles era algo surreal. Fiquei em silêncio por alguns instantes, imaginando que ele fosse desistir. Mas pelo contrário, ele simplesmente se sentou na cadeira de frente para a minha. – Nova por aqui?
 — Tecnicamente, não. – respondi, vendo que não teria como ignorá-lo. – Eu nasci aqui, mas me mudei para Nova York quando terminei o colégio e tô voltando agora.
 — Hmm, Nova York. Deve ser por isso que você se destaca num ambiente como esse. – ele comentou, tomando um gole de sua bebida logo depois.
 — Me destaco? – perguntei, estranhando seu comentário. Ele sorriu de lado, colocou a garrafa de cerveja na mesa e apoiou o braço na mesma.
 — Bastante, tanto que eu não conseguia tirar os olhos de você. – abaixei a cabeça, um pouco envergonhada. Eu não sabia lidar com pessoas me cantando, ainda mais depois de tanto tempo. Suspirei, bebendo um pouco da minha bebida. – Desculpe se te deixei sem graça. Aliás, , muito prazer. – ele estendeu a mão.
 — .
 — E então, o que você faz? – me perguntou.
 — Sou uma chef de cozinha. Eu tinha um restaurante lá em Nova York e agora vou abrir um café/confeitaria aqui. Um pouco mais lá na frente. E você?
 — Sou... Jornalista. – ele respondeu, meio incerto. Franzi a testa, achando meio estranha a sua dúvida na hora se responder. Talvez fosse mentira, mas não estava no clima de contestar. Observei mais atentamente o sei rosto pela primeira vez, percebendo um ar meio jovial.
 — Quantos anos você tem? – perguntei sem pensar. Ele levantou os olhos, aparentemente surpreso com a pergunta, mas respondeu rápido.
 — Vinte e seis, e você? – péssima pergunta e resposta pior ainda. Bem, se ele podia mentir sobre a profissão, talvez eu pudesse mentir sobre a minha idade sem sentir peso na consciência. Que diferença faria também? Não é como se eu fosse conviver para sempre com ele ou algo do tipo.
 — Vinte e sete. – falei, mordendo o lábio em seguida. Se ele me conhecesse, saberia que eu estou mentindo. Talvez esse seja o lado bom de ter voltado depois de tanto tempo: as pessoas não me conhecem mais. Não é como se eu aparentasse menos do que a minha idade, mas fingir ser cinco anos mais nova poderia me fazer bem.
 — Parece menos. – comentou, sorrindo de lado. E eu percebi que ele era bonito, como o seu sorriso era charmoso e a facilidade que ele tinha de conversar, fazendo com que você falasse com ele mesmo se não quisesse. Ele deveria praticar todas as noites e sempre com uma mulher diferente. Só que eu deveria ter em mente que ele era seis anos mais novo e que isso poderia soar muito errado. Deus, agora eu estou cogitando ficar com ele? Esse não era o plano para essa noite. Esse não era o foco para a minha vida no momento. Não quero e não preciso de nada disso. Não, . Não, não e não.

Abri os olhos e senti aquela pontada de pânico por não saber onde estava. Fechei os olhos de novo, achando que seria passageiro, afinal aquela tinha sido a minha primeira noite na nova casa. Só que quanto eu olhei novamente, percebi que aquele tom acinzentado não era o que eu tinha escolhido, será que o pintor fez besteira? Abaixei os olhos, vendo que, nada verdade, eu havia feito besteira. Havia muita roupa espalhada, montes de peças em vários lugares. Uma parede era quase revestida de posters de banda e em outra tinha uma prateleira com alguns troféus de escola, aparentemente. Aquele não era o meu novo quarto. Sentei rapidamente, vendo que eu estava completamente nua. Merda!, pensei. Varri o cômodo com os olhos, procurando pelas minhas roupas e a encontrei jogadas aos pés da cama. Quando fui me levantar, percebi que o meu acompanhante já estava acordado e me encarava da mesma forma da noite anterior. Nota mental: não permitir que ele me olhasse dessa forma, já que as consequências se mostraram terríveis. Fiz menção de cobrir meus seios, mas vi que tudo já estava perdido de qualquer forma. Deixei a cabeça cair nas mãos e suspirei, ouvindo-o rir ao meu lado.

 — Seu desespero te faz parecer ainda mais jovem. – comentou, colocando um dos braços atrás da cabeça e se acomodando melhor.
 — É exatamente por não ter mais dezoito anos, que eu não deveria ter permitido que isso acontecesse. – respondi, puxando meu vestido do chão e colocando-o de qualquer jeito.
 — Bem, ontem parecia que você estava gostando bastante. – deu de ombros e eu balancei a cabeça. É claro que ele estava preocupado com as questões mais irrelevantes no momento.
 — Não estou questionando sua habilidade sexual, . – falei, vendo seu sorriso aumentar. – Fora que esse assunto é praticamente desnecessário agora. Eu só preciso sair daqui logo.
 — Pra que tanta pressa? Posso te oferecer um café, pelo menos? – ele perguntou, pegando algo no chão e vestindo, mas antes que eu pudesse responder, ouvi batidas na porta, seguidas de uma voz feminina. Era só o que faltava mesmo.
 — Você tem namorada? – sussurrei, vendo-o jogar a cabeça para trás e rir alto. – É sério, como eu vou sair daqui? – mil planos mirabolantes passavam pela minha cabeça, incluindo um que eu pulava a janela, só que esse poderia ser dificultado pelo fato de eu não saber se estava no segundo andar ou algo assim.
 — Relaxa, ok. É só a minha mãe. – engasguei, virando para encará-lo.
 — Você mora com a sua mãe? – deixei o corpo cair na cama e cobri os olhos com as mãos. Não, aquilo não estava acontecendo. Não comigo. Nesse momento, algo importante passou pela minha cabeça: será que ele também havia mentido sobre a sua idade? Aquele não parecia o quarto de um jornalista de vinte e seis anos. Enquanto pensava em mil coisas e bolava mil perguntas, senti uma aproximação e depois seus lábios nos meus. Tudo bem, que eu fui surpreendida, mas também não fiz nada para romper o beijo. Seus lábios ficaram pressionados aos meus por alguns segundos, tempo suficiente para eu sentir meu corpo menos tenso.
 — Mais calma? – perguntou, com o rosto ainda próximo ao meu.
 — Quantos anos você tem? – falei, ignorando sua pergunta. Ele torceu os lábios antes de responder:
 — Vinte e seis.
 — Não. Quantos anos você tem, de verdade. – ele abaixou os olhos e ficou em silêncio por alguns segundos.
 — Vinte e quatro. – disse, juntando nossos lábios rapidamente, antes de levantar. Senti uma pontada no meu peito, já ouvindo diversas acusações da minha cabeça e a palavra “oito” sendo repetida num looping infinito. Oito anos de diferença, talvez eu fosse julgada em praça pública.
 — Por que mentiu pra mim? – perguntei, me sentindo um pouco culpada de acusá-lo, até porque eu havia mentido também.
 — Se eu falasse minha idade real, você não teria me dado uma chance. Vocês, mulheres, tem esse lance chato com idade. Não vejo motivos, é só um número.
 — Eu preciso ir embora. Como eu saio daqui sem a sua mãe me ver? - ignorei seu comentário sobre a idade, precisava sair dali o mais rápido possível, antes que o estrago fosse maior e irreparável.
 — Tenho uma entrada privativa. Minha mãe não precisa e não pode mais controlar meu horários. – disse, tentando parecer maduro. Mas morando com a mãe, sua tentativa pareceu falha. Apena rolei olhos, buscando meu sapato pelo chão.
 — Ok, então me mostre logo essa entrada. Preciso ir embora logo. – me apressei, levantando e me ajeitando o quando dava. Vi um pequeno espelho na parede e tratei de arrumar o cabelo de uma forma que não parecesse que eu acordei agora. Esfreguei um pouco os olhos, mas logo desisti, não havia muito a ser feito. Muito a contra gosto, ele levantou e caminhou até o fundo do quarto, parando perto de uma porta. Me aproximei rapidamente, mas antes que pudesse colocar a mão na maçaneta, me colocou contra a parede e parou com seu corpo bem perto ao meu. Sua respiração pesada batia em minha bochecha, enquanto ele abaixava a cabeça na direção do meu pescoço. Meu primeiro pensamento foi afastá-lo, só que da mesma forma que seus lábios me acalmaram antes, eles, dessa vez, me fizeram esquecer qualquer pensamento que não fosse beijá-lo. Era como uma espécie de encantamento, bastava apenas um toque dele, eu estava entregue. Péssima combinação. Seu corpo se colou ao meu e ele fez com que eu o olhasse. me encarou mais uma vez e, de novo, tive sentimentos opostos em relação a isso. Parte de mim sentia como se ele estivesse me invadindo, sendo completamente ousado e atrevido. Mas a outra parte... Ah! A outra parte. Ela estava adorando esse olhar tenso e intenso. Como se toda essa tensão que rolasse entre nós dois pudesse explodir o mundo a qualquer momento e a única forma de impedir que isso acontecesse, era se ele me beijasse. E ainda bem que ele beijava. Ele sempre beijava. Era absurdamente diferente dos beijos secos e distantes que eu trocava com Leonard. Parecia que ele queria me descobrir por inteira com apenas um beijo e, vendo que era impossível, ele continuava tentando, tentando e tentando... E a cada tentativa, sua busca se tornava mais intensa, mais voraz, tornando impossível que eu saísse daquele quarto e contrariando tudo o que eu achava que queria. Na verdade, bem no fundo da minha cabeça, eu sabia que queria voltar para cama e deixar que aquele garoto fizesse com que eu me sentisse realmente bem. Da forma exata que eu estava quando acordei: satisfeita. E de uma forma que eu não me sentia há tempos. Mas como se algo em mim estivesse bloqueando essa minha “libertação”, a razão falou mais alto. Me vi obrigada a tirar meus dedos de seu cabelo e afrouxar a forma com que eu trazia para mais perto de mim.
Pelo amor de Deus, , esse rapaz tem quase a idade do seu sobrinho., minha razão gritava.
Mas ele beija tão bem!, a emoção gritava de volta.
 — Eu... – tentei falar, mas minha respiração ofegante e minha mente embaralhada impediam. – Eu tenho que ir.
 — Ok. – respondeu, cruzando os braços e me encarando um sorriso no canto dos lábios. E essa foi a última imagem que tive dele, antes de fechar a porta. Eu, definitivamente, tinha perdido a cabeça.

Duas semanas depois

Os dias que se seguiram foram uma loucura, a reforma na loja estava a todo vapor, muitas viagens para comprar os equipamentos, mobília e tudo mais que viria a precisar na loja. Mas o resultado foi bem proveitoso, estava praticamente tudo pronto, só precisava arrumar alguns pequenos enfeites e contratar alguns funcionários. E por mais que eu tentasse focar no trabalho, organizar as coisas da Red Velvet e tudo mais, a imagem do rapaz continuava a surgir na minha mente. Não sei se era pelo fato de ele ter sido o primeiro cara com que eu fiquei, depois de muito tempo tendo apenas o Leonard, ou por ele ter sido bom de verdade no que fez, não vou negar. Eu sempre me pegava pensando nele, lembrando-me da cor bonita dos seus olhos, seu sorriso meio debochado e quase arrogante que ele tinha. Bem, talvez eu esteja pensando demais nele. Talvez eu tenha passado perto da casa dele algumas vezes, quando estava indo ver meus pais. O estranho e complicado disso tudo é que ele mora bem longe do meu destino, pra ser mais exata, do lado oposto da cidade. Não sei se era possível definir isso como loucura total, perda de parte da razão ou apenas lapsos de insanidade.
Fiz a última curva da rua em que Colin morava com cuidado, havia muita coisa dentro do meu carro que não podia virar, quebrar ou estragar. Eu havia virado a última noite fazendo boa parte dos doces do aniversário do meu sobrinho. Não daria para fazer tudo na parte da manhã e fazer com muito tempo de antecedência não funcionava para mim. O gosto alterava demais na geladeira e eu era perfeccionista o bastante para ter horror a isso. Por mais que ele fosse fazer vinte e um anos, eu estava tratando aquele aniversário como de criança, pois o último que participei efetivamente, foi o de sete anos, logo, pra mim, era como se ele estivesse fazendo oito. Tentei tirar o máximo da aura infantil de tudo o que fiz, acrescentando alguns ingredientes diferentes e que trouxesse uma cara especial ao prato. Como a mini torta de limão que fiz, trocando a massa tradicional por uma com amêndoas trituradas, que davam outro sabor ao doce, ou o leve tempero de licores variados que adicionei aos que levavam chocolate. Nada muito forte ou que fizessem os amigos mais jovens dele ficarem bêbados, mas saborosos o bastante para saberem que não é apenas chocolate. Eles eram quase adultos e não se interessariam por chocolate puro, certo?
Buzinei com vontade quando parei na entrada da garagem, claramente chamando reforço para me ajudar a descarregar. Nicholas logo surgiu na porta, com dois amigos ao lado. Peguei o bolo, que eu mesma decidi carregar para não ter problemas e apontei para o porta-malas, onde as outras coisas estavam, acenando rapidamente para os rapazes, antes de adentrar a casa a direção da cozinha, que também estava a todo vapor. Eu havia me encarregado dos doces, Mel, sua mãe e minha mãe, dos salgados e os rapazes das bebidas e do churrasco. E pelo cheiro de fumaça, Melanie já havia colocado meu irmão para trabalhar.

 — Onde coloco o bolo? – perguntei, sorrindo para todos que estavam no recinto.
 — Pode colocar lá na sala, deixei uma mesa livre pra ele. – Mel disse, se aproximando e me dando dois beijos no rosto. – Posso ver? – perguntou, erguendo a sobrancelha, em expectativa.
 — Claro. – falei, destampando a caixa com cuidado. – Não é o melhor que eu posso fazer, mas minha cozinha ainda não está 100% pronta, então...
 — Pare de ser modesta, está maravilhoso. – ela comentou, roubando um pequeno pedaço do chocolate que fazia parte da ornamentação. Eu havia feito o que bolo que ele sempre me pedia quando me visitava, porém, tentando dar um ar ao mesmo tempo mais decorado e jovial. Era uma combinação meio complicada, ainda mais sendo para um rapaz. Então optei por um bolo quase naked, quase porque tinha cobertura, mas ela era mais como uma “pele” de chocolate que envolvia todas as camadas do bolo. As frutas que usei no recheio terminavam de compor a decoração do bolo, juntamente com alguns filetes de chocolate. Exatamente igual ao que Melanie havia roubado segundos antes. Olhei feio em sua direção, que logo correu, voltando para o seu lugar. Levei o bolo até a sala, desmontando a caixa com cuidado, para que nada acontecesse. O acomodei no centro da mesa de vidro, deixando o espaço ao redor livre, para colocar alguns outros doces, para que as pessoas se sentissem livres para experimentar.

 — Meu Deus! – Colin exclamou, entrando na sala. – Pra que tudo isso? O Nicholas nem merece.
 — Deixa de ser implicante. Estou querendo compensar treze anos em um dia, posso? – falei, desmontando de vez a caixa de papelão. – Seja prestativo e peça para o Nick trazer os doces que ele pegou lá no carro.
 — Nunca vi, pensa que pode mandar em mim bem debaixo do meu próprio teto. – ele saiu resmungando, até sumir pelo corredor. Coloquei as velas, que eu havia trago, com cuidado no topo do bolo, tomando todas as medidas necessárias para que tudo ficasse perfeito.
 — Agora sim isso é uma festa de aniversário. – ouvi uma voz masculina atrás de mim e os olhos de Nick quase brilhando, enquanto olhava para o bolo. Eu sabia que o garotinho que morava dentro dele estava feliz. E, me permitindo ser uma tia babona, eu estava completamente realizada. A missão estava cumprida. Puxei meu sobrinho pelo braço, dando-lhe um abraço forte. Ele não recuou, ficou lá preso nos meus braços pelo tempo que eu desejei e eu me senti muito bem com isso. Aparentemente ele não estava velho o bastante para ser paparicado pela tia.
 — Tentei fazer tudo ao seu gosto e da melhor forma que eu podia. Tudo para compensar o tempo longe. – falei em seu ouvido. – Feliz Aniversário. – completei, beijando sua bochecha. Vi que ele estava um pouco vermelho quando nos afastamos.
 — Para com essa coisa de compensar, não tem nada a ver. – ele falou, no estilo Nicholas de ser, ou seja, totalmente desencanado, como se realmente não importasse. – Mas pra uma coisa tudo isso servirá, pra fazer um pouco de marketing pro Red Velvet. – ele deu de ombros e eu pisquei um olho pra ele, querendo que ele entendesse que isso também estava nos meus planos. – Ah! Por falar nele, todas as vagas já foram preenchidas?
 — Não, nem comecei as entrevistas ainda. Por que, quer trabalhar? – perguntei, rindo.
 — Eu, não, mas tenho um amigo que tá precisando bastante de um emprego. Ele tá largando a faculdade e quer arrumar um trabalho, pra mãe dele não perturbar muito e tal.
 — Tudo bem, fala para ele levar um currículo lá na segunda-feira. Coloquei um aviso lá na porta e vou começar as entrevistas na próxima semana. Mas não garanto nada, ok? Deixa ele avisado que ser amigo do meu sobrinho não vai lhe dar mais chances. Agora vai lá com os seus convidados que eu vou terminar aqui. – sorrindo, vendo-o repetir meu gesto, antes de sumir pelo corredor.

O churrasco estava pronto, as bebidas geladas e os doces fazendo um enorme sucesso. Tanto que algumas pessoas vieram me parabenizar por eles e falando que iriam até a loja quando ela abrisse. Sorri verdadeiramente cada vez que ouvi essas palavras. Não sei se era o fato de já estar aqui há um tempo ou se era toda aquela atmosfera da minha cidade natal, mas eu estava me sentindo completamente em casa. Muito mais do que todos os outros milhares de dias da minha vida que passei em Nova York. Talvez não tenha nada a ver com a cidade em si, afinal Nova York é um lugar incrível. Sim, incrível. Não consigo pensar em qualquer coisa que lá não tenha. Mas olhando meus pais rindo, abraçados num sofá, Anabelle correndo pelo quintal, Colin e Mel conversando ao pé do ouvido e trocando um beijo rápido perto da churrasqueira, e Nicholas conversando alegremente com seus amigos num canto qualquer, chego à conclusão que existem seis coisas que lá não tem.
Ouvi a campainha tocar, mas deixei para outra pessoa atender. Continuei sentada na varanda, olhando as outras pessoas ao meu redor. Não estava conversando com alguém até porque não conhecia muito bem as pessoas que estavam ali, mas ouvia um papo aqui e ali, me entrosando sempre que achava conveniente. Nicholas voltou para onde estava seus amigos, mas trouxe alguém com ele. À primeira vista, não era ninguém que eu conhecia. Bem, pelo menos era o que eu achava até ouvir sua voz. Acho que nunca esquecerei aquela voz, porque ainda lembrava muito bem das reações do meu corpo ao ouvi-la. Se eu fechasse os olhos, ainda seria capaz de sentir o toque de seus dedos em minha pele, ou sentir o gosto do seu beijo. Isso não seria tão ruim. Não seria ruim se não fosse amigo do meu sobrinho. O copo que estava em minhas mãos foi de encontro ao chão e eu me levantei rapidamente, praticamente correndo até o banheiro. Provavelmente pensariam que eu estava passando mal, mas eu estava torcendo para que ninguém viesse atrás de mim. Por que, Deus? Por quê?, era o que se passava em minha mente naquele momento. Por que entre todas as pessoas que moram nessa cidade, ele tinha que ser amigo logo do meu sobrinho? Esse tipo de coincidência não é boa pra ninguém, não ajuda ou acrescenta em nada. Encarei meu reflexo no espelho, enxergando minha própria vergonha. Não bastava ter dormido com um rapaz oito anos mais novo, ele tinha que ser amigo do seu sobrinho, tinha que ter o mesmo grupo de amigos e frequentar a casa do seu irmão. Eu deveria ter imaginado que isso iria acontecer, mas ninguém nunca consegue ser tão pessimista assim. Eu me imaginava cruzando com ele pela cidade, estava até mesmo treinando minha capacidade de fingir que não o vi. E o pior é que, no fim das contas, o velho ditado é verdade: “todo castigo para corno é pouco.”
Depois de quase vinte minutos escondida no banheiro, percebi que não poderia agir como uma garotinha, eu teria que sair e encarar o meu problema de frente, de uma forma bem literal. Passei a mão pelos cabelos e tentei parecer normal, o que parecia impossível no momento. Então desisti, abrindo a porta do banheiro num rompante de coragem e caminhando até a porta do quintal. Conforme eu me aproximava, meu coração parecia que ia sair pela boca. Eu nunca havia ficado tão nervosa em toda a minha vida. Sua voz parecia se sobressair no meio das outras, porque era a única que eu escutava. Parecia que só havia ele naquele ambiente cheio de gente. Parei ao lado do batente, feliz por ele estar de costas para mim, assim ele não notaria minha presença ali. Mas tudo foi por água abaixo, claro.

 — , tá tudo bem? Você sumiu de repente, tá passando mal? – Mel perguntou numa altura normal, mas ainda assim chamou atenção de todo mundo. Inclusive de . A sua expressão também se alarmou ao olhar em meu rosto, pude ver as maças de seu rosto ficarem levemente avermelhadas, mas ele conseguiu conter sua surpresa de uma forma mais adulta que eu. Nossos olhares se cruzaram e eu tive que me controlar para não correr mais uma vez, porque eu acabaria nos denunciando a qualquer momento.
 — Tá tudo bem, eu recebi uma ligação, coisas da confeitaria e tal. – dei de ombros e Mel acenou com a cabeça, como se acreditasse na minha desculpa esfarrapada. – Vou buscar alguns doces para deixar aqui fora. – falei rápido, querendo sair dali o mais rápido possível. Segui até a cozinha, me escorando na pia e fechando os olhos por alguns, respirando o mais fundo que conseguia.
 — Tia. – a voz de Nicholas chamou minha atenção e virei o corpo, me deparando com a minha frente. Senti minhas pernas bambearem e me encostei a pia, usando-a como apoio. Sua expressão denunciava que ele estava tão sem graça e nervoso quanto eu, o que era bom. – Esse é o amigo que eu falei, que tá precisando de um emprego e tal. – claro que era ele, eu não tenho sorte mesmo. – Então achei que seria bacana se você soubesse como ele é, pra reconhecer quando ele for levar o currículo. O nome dele é .
 — Prazer em te conhecer e obrigado pela chance. – ele disse, estendendo uma das mãos, que tremia assim como a minha. Tocar sua pele novamente foi muito estranho, principalmente pela forma que o meu corpo reagiu.
 — Sem problemas. – falei rápido e alto demais, fazendo meu sobrinho olhar em minha direção com uma expressão engraçada. – Acho que as poucas horas de sono e as cervejas que bebi não foram uma boa combinação. – comentei, inventando uma desculpa para meu comportamento estranho. Ele sorriu, balançando a cabeça e caminhando na direção do banheiro, pedindo que o amigo o esperasse. continuou parado perto da porta, me encarando de forma intensa e desnecessária para o momento. E queria sair da cozinha, mas eu teria que passar por ele, mas com a postura que ele havia adotado, não sei o que ele faria quando eu me aproximasse. Não sei o que tem na cabeça dele, a noção de perigo ou algo assim. Bem, eu tenho muito a perder. Já ele...
 — Olha, eu não sabia... – começou a falar, se aproximando um pouco. Eu fiquei alarmada, não queria ter essa conversa agora e muito menos na cozinha do meu irmão.
 — Não, não quero falar disso agora, por favor. – pedi, quase implorando. Ele afirmou com a cabeça, enquanto se afastava um pouco, mas sem tirar os olhos de mim. Continuei inquieta e desconfortável com aquele olhar, até Nicholas voltar e os dois seguirem para o quintal. Aquele fim de tarde seria longo, bem longo.


Desde o momento em que coloquei os pés na loja na segunda-feira seguinte, eu olhava rapidamente para a porta a qualquer sinal de aproximação. Meu nervosismo estava transparecendo, tanto que ouvi de uns três candidatos a pergunta: “tá tudo bem?” Queria responder que não, contar toda a história e gritar para o mundo o péssimo exemplo de tia que eu era, mas eles me achariam louca e eu precisava de funcionários. Pedi que eles esperassem meu contato para marcarmos uma entrevista, meio que desesperada para que fossem embora antes de aparecer. Não sabia exatamente o motivo, mas eu queria estar sozinha quando ele chegasse.
Esperei impacientemente o dia todo, vendo as horas se arrastarem lentamente, como se os ponteiros do relógio caminhassem uma vez para frente e três vezes para trás. Só que quando vi que já eram quase seis da noite, desisti. Fechei tudo, apaguei as luzes e subi para o meu apartamento. Deixei os sapatos perto da entrada e segui para um banho morno, um que pudesse fazer algum tipo de milagre e tirá-lo da minha cabeça. Até aquele momento, eu já havia percebido que havia mais do que medo de encontrá-lo. Na verdade, eu queria vê-lo, mais do que qualquer coisa. Queria perguntar se tudo aquilo havia realmente acontecido ou se era fruto da minha louca imaginação. Só que enquanto a água caia pelo meu corpo, eu percebi que nenhuma das sensações que eu havia experimentado com ele poderiam ser coisas imaginadas. Eram boas demais para não serem reais. Elas ainda eram reais, bastava eu fechar os olhos, que conseguia sentir seus dedos percorrendo meu corpo sem nenhum tipo de restrição. Isso era loucura demais, até mesmo pra mim. Terminei meu banho e deixei o banheiro, tentando deixar aqueles pensamentos presos lá dentro.
Ouvi a campainha e estranhei um pouco, porque ninguém tinha me avisado que viria aqui. Apertei o botão do interfone, perguntando quem era e apenas a voz fez com que todos os pelos do meu corpo ficassem arrepiados:
 — É o , vim trazer o currículo.
Senti meu coração e respiração acelerarem. Cogitei dispensá-lo, pedir que voltasse no dia seguinte e no horário comercial. Só que antes que eu pudesse formular qualquer palavra, meus dedos já haviam apertado o botão que destrancava o portão e o barulho estridente do mesmo se abrindo, me acordou. Ele estava aqui e estava subindo. Sem ter muita noção do que fazer, corri até o espelho, checando minha condição. Meu Deus, eu parecia uma adolescente, será que isso era mesmo necessário? Fiquei parada ao lado da porta, até mesmo depois de ouvi-lo bater levemente. Precisava tomar coragem e encarar aquela situação como qualquer mulher de trinta e dois anos faria, como uma adulta. Respirei fundo e destranquei a fechadura, abrindo a porta rapidamente. mordia levemente o lábio inferior, demostrando o mesmo nervosismo que eu. Ficamos nos encarando durante alguns segundo, deixando a situação ainda mais constrangedora.

 — Não fica parado aí fora, entra. – falei, dando espaço para que ele passasse. caminhou até o meio da sala e voltou a me olhar, eu abaixei a cabeça, indo até o sofá. – Senta. – pedi.
 — Obrigado por me receber essa hora, é que eu tive que resolver umas coisas na faculdade e acabei perdendo o dia todo, mas aqui está. – ele estendeu um envelope branco em minha direção, antes de sentar numa poltrona do lado oposto ao que eu estava. Ótimo, ele estava mantendo distância de mim. – Não tem nada de muito importante, muitas referências ou experiências, mas... – ele deu de ombros, deixando a frase morrer no fim.
 — Todos tem que começar em algum momento, não é mesmo? – sorri de lado, fazendo menção de abrir o que ele havia me dado, mas ele me interrompeu.
 — Você vai mesmo me avaliar assim, pessoalmente?
 — Eu terei que fazer isso em algum momento. – retruquei, puxando a folha de papel. Comecei a ler seu nome completo, mas logo pulei essas informações básicas, não queria ter que me deparar com sua data de nascimento. Estranhei o fato da parte destinada à formação acadêmica estar tão grande para alguém de sua idade, mas logo entendi o motivo. – Três faculdades iniciadas e nenhuma terminada?
 — Na verdade, são quatro. Acabei de trancar o curso de jornalismo. – ele comentou, como se não fosse nada de muito importante. Franzi a testa e tentei entendê-lo, sem sucesso.
 — Por quê? – perguntei, verdadeiramente interessada.
 — Primeira faculdade: Direito. Muita pressão da minha mãe para que eu fizesse, mas logo depois de um período e meio percebi que não era o que eu queria. Nós brigamos e eu tranquei o curso; Segunda faculdade: Biologia. Queria mudar completamente de ares, mas logo nas primeiras semanas, percebi que as aulas que matei no ensino médio fariam muita falta; Terceira faculdade: Engenharia mecânica. Eu ajudava meu tio a fazer pequenos consertos na oficina dele e pensei que poderia me dar bem, mas vi que toda aquela matemática não era pra mim. Fiquei apenas um semestre e abandonei. – ele sorriu abertamente, deixando o corpo relaxar, indo de encontro ao encosto da poltrona. – Quarta faculdade: Jornalismo. No começo eu estava gostando bastante e pensei ter encontrado o meu rumo, mas tudo desandou no terceiro período, acabei perdendo o interesse e desisti. – ele deu de ombros, encerrando a breve explicação de sua vida acadêmica.
 — Você parece desistir fácil das coisas, por que deveria te contratar? Vai que você não gosta do emprego e deixa de vir no segundo dia? – sua expressão se abriu num sorriso, aquele mesmo que ele usou para me “conquistar” naquela noite do bar. Um sorriso do tipo que deveria ter uma placa em neon avisando: PERIGO!
 — Bem, eu não desisto fácil de tudo. E ver você todos os dias me parece um incentivo bom o bastante para me fazer querer trabalhar dia após dia. – abaixei a cabeça, visivelmente envergonhada. – Vamos lá, alguém teria que entrar nesse assunto. – comentou.
 — Eu preferia que não. – respondi, levantando rapidamente e caminhando até a cozinha. Me servi de um pouco de água e tentei clarear minha mente.
 — E por que não? – ouvi sua voz bem perto e me virei, vendo que ele estava a apenas alguns passos de mim.
 — Você é amigo do meu sobrinho, não parece um motivo razoável o bastante pra você? – perguntei, cruzando o braço na altura do peito.
 — O Nicholas não verá nenhum problema nisso.
 — Nisso o que exatamente? – perguntei, enquanto ele dava três passos em minha direção e eliminava a distância. Uma de suas mãos tocou minha cintura e a outra o meu rosto. – Você é oito anos mais novo do que eu. – falei, enquanto via seu rosto cada vez mais próximo do meu. – Isso é loucura.
 — A diferença de idade é realmente tão importante pra você? – questionou, parando a aproximação, mas sem tirar suas mãos de mim. – Porque eu não vejo nenhum problema. Se fosse o inverso, se eu fosse oito anos mais velho que você, ninguém falaria nada, seria normal. Por que nós não podemos ser normais? – sua pergunta me pegou de guarda baixa, porque também tinha uma diferença grande de idade entre eu e o Leonard, mas ninguém nunca questionou, fez brincadeiras ou perguntas constrangedoras.
 — Porque as pessoas não entenderiam. Você precisa aceitar que o que rolou entre nós foi um erro, ele não pode ser consertado, mas pode ser evitado. Vamos deixar que tudo acabe por aqui, você segue com a sua vida e eu com a minha, da mesma forma que éramos semanas atrás. – pedi, vendo-o balançar a cabeça, lentamente, negando.
 — Não dá, é tarde demais pra mim. Você pode me pedir qualquer coisa, menos pedir que eu finja que nada aconteceu. Eu não paro de pensar em você desde aquela manhã que você deixou o meu quarto, apressada. Não estava acostumado com isso, as garotas com quem eu me envolvo, geralmente, não somem no mundo, mas você sumiu, desapareceu. Cheguei a me questionar se você realmente existia, porque não parecia ser real. Só que o seu cheiro no meu travesseiro me fazia acreditar. – ele se aproximou do meu pescoço, deixando com que o seu próprio rosto roçasse no meu no caminho de volta. – O problema é que ele desapareceu e eu fiquei sem nada.
 — , não... Não faz isso. – pedi, fechando os olhos, já prevendo uma derrota. Não tinha forças para lutar contra e, no fundo, bem no fundo, eu não queria.
 — Eu nunca me senti assim antes, . Nunca foi desse jeito, você consegue me entender? Duas semanas atrás eu estava bem, passava minhas noites no bar, arrumava algumas garotas, nada de muito importante. Mas agora eu só quero você.
 — Você não é novo demais para realmente saber o que quer? – tentei fugir, mas ele não aceitaria qualquer tipo de desculpa boba.
 — Não tente usar minha idade para desqualificar qualquer sentimento meu. – pediu, falando baixo, com os lábios próximos ao meu ouvido. – Eu sei muito bem o que sinto.
 — Você vai me deixar louca. – murmurei, quase rendida, com os olhos fechados, quase como uma súplica, um pedido de ajuda.
 — Que bom, porque eu já perdi o juízo há exatos dezesseis dias.
 — Como as pessoas reagiriam em saber que eu estou envolvida com um rapaz que tem idade para ser meu sobrinho? – perguntei, sem pensar, percebendo que havia falado demais logo depois.
 — Então se você já está envolvida. – ele comentou, puxando meu corpo para mais perto do seu e me fazendo perder o ar por alguns segundos. – É tarde demais para você também.
Sem que eu tivesse muito tempo para racionar e entender o que estava acontecendo, seus lábios já estavam pressionados contra os meus, suas mãos já me agarraram de uma forma que demonstrava claramente que ele não me deixaria ir. E bem, eu não estava querendo ir a lugar algum mesmo.

Talvez eu tenha passado longos segundos sem respirar ou então o ar não estava chegando da forma que deveria em meus pulmões. Porque cada vez que tentava inspirar, não adiantava, eu continuava ofegante, com a pulsação acelerada e o corpo ainda meio trêmulo. Da outra vez que acabei na cama de , eu não sabia bem o que estava acontecendo, porque tinha bastante álcool em meu sangue e isso apagou parte das memórias daquela noite. Mas hoje, essa noite, ficaria completamente gravada em minha mente, porque nunca havia sido tão bom em toda a minha vida. Era como aquele clássico clichê: ele tinha sido feito para me completar perfeitamente. Ele, provavelmente e apesar da idade, deveria ter mais experiências do que eu, que sai da casa dos meus pais, tive uns dois namorados e já me mudei para a casa de Leonard anos depois.
Tentei respirar fundo mais uma vez, sentindo meu coração mais calmo. Olhei para o lado e vi me encarando de forma curiosa. Ele mantinha os braços cruzados atrás da cabeça e a mesma virada em minha direção. Um sorriso escapava dos seus lábios. Tentei olhar em outra direção, mas me vi presa novamente, mas dessa vez não havia suas mãos para me segurar, apenas o brilho dos seus olhos.

 — Eu falei que também era tarde demais pra você. – ele murmurou, deitando de lado e me puxando para que eu ficasse mais perto. – Vai continuar mentindo pra você mesma? – perguntou e eu balancei a cabeça, negando. Seria louca demais até mesmo pra mim.
 — Mas você precisa entender como isso é errado. – falei, vendo sua expressão se tornar confusa.
 — Errado?
 — Talvez errado não seja a palavra certa, complicado talvez. – me consertei, vendo seu olhar se tornar mais claro outra vez.
 — Complicado pra você, porque parece bem simples pra mim. Eu quero ficar com você e você comigo, essa não é a premissa de um relacionamento?
 — Relacionamento? – me assustei com a palavra, reagindo de uma forma mais arisca. Estava cedo demais para uma palavra com tanto peso. – Você não tá indo rápido demais?
 — Quero pular todas as etapas com você, fazer mil loucuras e não me importar com nada. – falou alto, gesticulando bastante, fazendo com o clima ficasse mais leve. – Ok, talvez eu tenha usado a palavra errada dessa vez. Mas eu quero ficar com você, ter o que você quiser, com o nome que você quiser. Desde que isso me permita te beijar quando eu quiser.
 — Você tem vinte e quatro anos, não deveria querer exatamente o inverso disso? Digo, não ter apenas uma garota e sim várias?
 — Bem, qual a lógica de ter várias, se eu já encontrei a minha garota? – ele perguntou, fazendo meu coração derreter completamente. Eu estava perdida, era como se tivesse dezoito anos e me apaixonando pela primeira vez. – E sobre os vinte e quatro anos, tenho algo pra te contar. – falou, ficando um pouco mais sério. – É que eu não tenho vinte e quatro anos, tenho vinte e dois. – meus olhos se arregalaram, juntamente com a minha boca. Eu não havia me acostumado com os oito anos de diferença e, de uma hora pra outra, eles tinham se tornado dez. Fiquei alguns segundos o encarando, tentando entender porque ele havia mentido pra mim.
 — Por que você mentiu pra mim? – falei baixo, ouvindo minha voz soar como um sussurro. Não que eu tivesse sido completamente honesta com ele, mas isso piorava bastante a situação.
 — Porque eu sabia que você não me daria atenção se soubesse minha idade de verdade. E, bem, eu não fui o único a mentir aqui, mas não estou me comportando como você... – ele comentou, deixando a frase morrer.
 — Como é? – perguntei, sentando na cama e olhando de cima.
 — Eu sei que você não tem vinte e sete anos, e nem por isso estou criando caso. – ele respondeu no mesmo tom que eu, imitando meu gesto, sentando-se de frente pra mim. – Eu perguntei quantos anos você tinha e o Nicholas me contou.
 — Você vendo como tudo se torna cada vez mais complicado? Não vejo como isso dar certo, . Eu sou dez anos mais velha que você, as pessoas nunca aceitarão isso. – falei, deixando a cabeça cair nas mãos. – Isso é loucura.
 — Hey, olha pra mim. – ele pediu, colocando seus dedos em meu queixo e fazendo com que eu o olhasse. – Eu não me importo com o que possam falar, só me importo com você. – seus dedos passaram pelo meu cabelo, tirando-os do meu rosto. – Se você não quiser, não precisamos tornar nada disso público, podemos manter entre nós. Só quero ficar com você, do seu jeito, do meu jeito, de qualquer jeito. – seus lábios tocaram os meus de forma suave e calma, fazendo com que eu ficasse um pouco mais calma, de forma que os oito ou dez anos não importassem mais naquele momento. A única coisa que me preocupava era a demora dele em me beijar de novo. Eu já estava meio perdida. E entre estar meio ou totalmente, eu fico com a segunda opção.

x

And I never saw you coming
(E eu nunca previ você chegando)
And I’ll never be the same
(E eu nunca mais serei a mesma)

Taylor Swift – State of Grace


Durante

Seis meses depois

Depois de ter decidido ignorar a questão da idade e forcar no que estávamos sentindo um pelo outro, eu e continuamos nos vendo com frequência, ainda mais porque eu resolvi dar a ele um emprego na confeitaria, para unir o útil, já que ele precisava de um emprego, ao agradável, assim poderíamos nos ver e dar umas escapadinhas sempre. Até então temos nos comportado de uma forma que ninguém ainda havia descoberto, ou se tiverem, não comentaram nada. Nenhum dos outros três funcionários falou nada a respeito, não que eu tivesse ouvido. atendia os clientes junto com a Hanna, enquanto Grant ficava no caixa e Lily me ajudava na cozinha. Tudo estava indo muito bem, no quesito “empreendimento”, não que o lucro fosse algo absurdamente enorme, mas, pelo menos, eu não estava tendo prejuízos e estava conseguindo me manter.

 — . – meu irmão chamou minha atenção, ele estava sentado numa mesa na parte interna do Red Velvet, tomando um café e olhando o jornal. – Posso falar com você por um minuto?
 — Claro, estou contando. – brinquei, olhando para o relógio. Ele rolou os olhos, balançando a cabeça.
 — É um assunto meio chato, mas a Mel insistiu muito para que eu falasse com você. – franzi a testa, achando aquilo estranho. – É que ela cismou que você deve estar se sentindo sozinha aqui, em casa todas as noites e tal. Então seria bom que você tivesse companhia para sair. – ele coçou a cabeça, ainda sem jeito.
 — O que ela quer fazer, sair pra jantar? Podemos ir hoje e... – falei, mas ele me cortou.
 — Não é sair assim, é tipo um encontro. – ele disse de uma vez, fazendo com que eu arregalasse os olhos. – Sim, eu sei que é bem inconveniente, mas eu tenho enrolado demais para falar com você sobre isso, então resolvi abrir o jogo de uma vez, antes que a Mel brigue comigo de novo. Enfim, tem esse cara do meu trabalho, o Ed, que ela jura que é perfeito para você. Ele tem trinta e três, eu acho, mora lá perto de casa e ficou louco quando mostramos sua foto.
 — Colin! – falei alto demais, chamando a atenção das pessoas ao redor. – Por que diabos você mostrou minha foto pra ele? – continuei, mais baixo.
 — Não fui eu, foi a Mel, reclama com ela, eu só estou servindo de mensageiro, contra a gosto, por sinal.
 — Pode deixar, eu vou me acertar com ela. – comentei, apoiando a cabeça em uma das mãos.
 — Então é o seguinte: ele vem te buscar mais tarde, por volta das nove.
 — Como é? – indaguei, elevando demais o tom de voz novamente. – Que história é essa?
 — A Mel fez uma reserva para vocês no restaurante mais chique lá do centro, tudo isso para você não recusar.
 — Você sabe que eu posso recusar de qualquer jeito, não sabe? Com reserva e tudo mais. – falei, vendo-o afirmar com a cabeça.
 — Mas ela fez com a melhor das intenções, será que você não pode ir nesse jantar só pra ela não ficar desapontada? Assim, caso você não se interesse, você só pode dispensar o Ed de uma vez. – respirei fundo, tentando decidir entre os muitos palavrões que surgiam na minha cabeça no momento e formulando a melhor desculpa que conseguia. – Eu juro que se você for hoje, eu não deixo mais ela fazer nada disso, por favor. – ele continuou, me fazendo rolar os olhos. Talvez fosse melhor encarar um jantar para evitar mais alguns.
 — Ok, Colin, eu vou. Mas diga a Mel que se ela aprontar outra dessa, ela vai se ver comigo. – ameacei, vendo Colin sorrir abertamente.
 — Não ficarei no caminho.


 — Um jantar, com um cara do trabalho do seu irmão. Por que você não recusou? – perguntou, me fazendo ficar sem jeito. Estávamos na cozinha da confeitaria, já tínhamos encerrado pelo dia e, por isso, não tinha mais ninguém além de nós.
 — Eu fiquei sem graça de recusar, . – respondi, cruzando os braços, sem saber como lidar com o ciúme repentino dele. – A Mel não fez por mal, ela não sabe que eu não estou sozinha.
 — Talvez ela devesse saber logo de uma vez, assim ninguém tentaria empurrar nenhum outro cara pra você.
 — Já conversamos sobre isso mais de mil vezes e sempre chegamos à conclusão de que estamos bem assim, sem ninguém saber de nada. – falei, vendo-o se encostar perto da mesa, do lado oposto onde eu estava. não costumava ficar tão longe de mim dessa forma, talvez ele estivesse bravo de verdade.
 — Nós nunca chegamos a essa conclusão, porque você decide sozinha e eu aceito. – ele murmurou, sem olhar para onde eu estava.
 — Por que isso está se transformando numa discussão de relacionamento desnecessária? – perguntei, vendo-o olhar em minha direção lentamente, demorando mais do o necessário.
 — Então temos um relacionamento agora? – sua pergunta pairou no ar por longos minutos, me deixando sem saber o que falar. Vendo que eu não o responderia, saiu da cozinha num rompante, me deixando lá sozinha.
 — Aonde você vai? – perguntei, acelerando o passo para o alcançar.
 — Eu vou pra casa, meu expediente já acabou. – ele disse, seco. Bufei, já cansada dessa briga sem motivo.
 — Tinha necessidade disso tudo mesmo? – perguntei, caminhando para mais perto de onde ele estava. As luzes estavam quase todas apagadas, então eu não conseguia o enxergar por completo, mas seus olhos brilhavam como dois grandes faróis, iluminando meu caminho. – Você sabe que eu gosto de você e que é com você que eu quero ficar. Meu irmão e minha cunhada podem me arrumar mil pretendentes, mas nenhum será bom o bastante pra mim. Porque nenhum deles é você. – falei baixo, tendo uma dificuldade absurda de olhar em seus olhos enquanto dizia cada palavra. Ainda era muito difícil falar de qualquer sentimento com ele, porque era tudo muito, muito intenso. As chances de alguém sair ferido eram gigantescas. Sem me dizer uma única palavra, me puxou em sua direção, me beijando de uma forma que deixou minhas pernas amolecidas. Meu corpo se chocou contra a parede e eu o senti tão próximo de mim, que conseguia sentir seu coração bater junto ao meu.
 — Eu queria muito que você entendesse que qualquer possibilidade de não estar com você me incomoda bastante, porque meu mundo mudou depois que eu te conheci. – ele dizia tudo isso olhando em meus olhos, sem ter nenhuma dificuldade, ao contrário de mim. – E só pensar nesse cara, que tá lá na casa dele achando que pode ter alguma chance com você... Ele pode te levar de mim e eu não vou aceitar isso.
 — Ninguém vai me tirar de você. – falei baixo, me forçando a manter meus olhos presos aos seus. E então, o que parecia ser uma briga, se transformou em um momento decisivo para nós dois. Ambos sabiam o que aquelas palavras significavam. Talvez nenhum de nós falasse as palavras mágicas, mas estava tudo tão claro, tão palpável, que qualquer palavra pareceria desnecessária. Até mesmo aquelas palavras. Então, de uma hora para a outra, no salão escuro de uma pequena confeitaria, eu percebi que estava apaixonada. Verdadeira e enlouquecidamente apaixonada.

I'm thinking 'bout how people fall in love in mysterious ways
(Penso em como as pessoas se apaixonam misteriosamente)
Maybe just the touch of a hand
(Talvez só o toque de uma mão)
Oh, me, I fall in love with you every single day
(Oh, eu, me apaixono por você todos os dias)
And I just wanna tell you I am
(E só quero dizer que estou apaixonado)

Ed Sheeran – Thinking Out Loud



Desde o momento em que me despedi de horas antes, ele não saia da minha cabeça. Mesmo enquanto eu me arrumava para sair com outro, ele continuava lá, ocupando todos os espaços e cantinhos do meu pensamento. Parecia um erro gigantesco sair com um cara momentos depois de me descobrir apaixonada por outro. Mas seria um mal para remediar outros, saindo com o Ed essa noite, eu evitaria que surgissem outros.
Me olhando no espelho, percebi como a mínima vontade que sentia de sair influenciou diretamente na minha roupa. A calça jeans simples e a blusa de botões não parecia a melhor escolha para o primeiro encontro, talvez se fosse algo profissional. Ouvi a campainha tocar e olhei para o relógio: 19:37. Ele estava bem adiantado. Destranquei o portão lá debaixo, gritei que a porta estava aberta e corri para o quarto, para terminar de me arrumar. Passei um batom meio sem graça e coloquei um par de brincos. Voltei para a sala e encontrei um belo buquê de lírios brancos me esperando, mas quem o carregava era uma pessoa bem conhecida.

 — O que você tá fazendo aqui, ? – perguntei, me apoiando na parede e cruzando os braços.
 — Vim ver minha garota sair com outro e esperar ela voltar, esquentando a cama para nós dois. – ele disse dando de ombros. – Ah, e vim trazer isso aqui também. – completou me entregando as flores. – Pra você desculpar meu comportamento estranho de horas atrás e pelos próximos, provavelmente. Não ganho tão bem assim para comprar flores cada fez que faço algo errado.
 — Talvez você mereça um aumento. – pisquei um olho, pegando as flores e seguindo para pegar um vaso. Depois de tudo devidamente arrumado, coloquei o vaso na mesa de centro da sala, sorrindo de lado para ele. – Primeira vez que recebo flores.
 — Primeira vez que eu comprei também. – comentou, abraçando minha cintura e beijando meus lábios rapidamente. – Talvez não sejamos tão diferentes como você imagina.
 — Você vai ficar aqui me esperando mesmo? – perguntei, vendo-o afirmar com a cabeça. – Você sabe que ficarei pensando em você o tempo todo, certo?
 — E pra que você acha que eu estou aqui? – ele sorriu abertamente, me empurrando gentilmente, até que caíssemos no sofá e lá ficamos, por longos minutos, até que o barulho da campainha nos atrapalhou. Ele levantou rapidamente, correndo pelo corredor, até chegar ao quarto. Esperei que ele estivesse escondido para apertar o botão para destrancar o portão. Ouvi os passos ecoarem pela escada e pararem perto da porta, ouvindo algumas batidas logo depois. Olhei como estava no espelho, antes de segurar a maçaneta e abrir a porta. A primeira vista, Ed não era tão atraente, mas eu não sabia se era porque eu só tinha espaço para na minha cabeça, ou se ele não era lá grandes coisas mesmo. Ele sorriu abertamente, pronto para falar alguma coisa, mas algo chamou minha atenção antes: estava nu.
Completamente nu.
No meu corredor.
Fechei a porta por puro instinto e quase acertei o nariz do homem do lado de fora. sorria de forma despreocupada, apoiando-se na parede. Eu pedi mil vezes para que ele voltasse para o quarto, mas ele continuava lá parado e algo me dizia que ele não iria sair dali. Aquele era um sinal claro de que eu não iria a lugar nenhum naquela noite. Abri a porta novamente, vendo a expressão meio confusa e meio irritada do meu acompanhante.
 — Me desculpe por fechar a porta da sua cara, eu me assustei com uma coisa que pensei ter visto. – pedi, abrindo um espaço mínimo da porta, para que ele não entrasse sem que eu pudesse impedir. Pelo canto dos olhos eu podia ver meio que dançando no meu corredor e não conseguia conter o riso, deixando Ed ainda mais confuso.
 — Você tá pronta, precisa de mais um tempo para terminar de se arrumar? – ele perguntou, deixando transparecer que estava estranhando bastante meu comportamento.
 — Nós temos um problema, minha mãe me ligou e disse que meu pai tá passando mal, então eu terei que ir correndo pra lá. – menti, tentando parecer convincente, mas era difícil me manter séria, o que deixava minha desculpa bem questionável.
 — Tem algo que eu possa fazer? Posso ir até lá com você. – ele se ofereceu, tentando parecer bem solicito. Mas nada no mundo, nem um convite para ir à Lua, me faria sair de casa naquela noite.
 — Não precisa, eu pego seu número com o Colin e te ligo para marcamos para outro dia, ok? Boa noite. – falei, fechando a porta em seguida, sem dar tempo para que ele respondesse. Virei-me na direção de , vendo-o sorrir de forma vitoriosa.
 — Você vai ligar pra ele? – ele perguntou, caminhando em minha direção.
 — De jeito nenhum. – respondi, no momento em que ele estava perto o bastante para que eu pudesse tocá-lo.
 — Que bom então.
 — Você é louco! – falei, sentindo seus dedos abrirem os botões da minha blusa.
 — Nunca disse que não era. – respondeu, antes de me pegar no colo e seguir para o meu quarto, enquanto eu deixava minha blusa cair pelo caminho.

All this time been tripping
(Todo esse tempo viajando)
And sleeping around
(E dormindo por aí)
You got me, now I'm swimming
(Você me tem, agora estou nadando)
Swimming in clouds
(Nadando nas nuvens)

Grouplove– Let Me In



Depois que escapou logo cedo, pela manhã, resolvi voltar para a cama e dormir mais um pouco, mesmo sabendo que tinha combinado de tomar café na casa dos meus pais. Como todo domingo. Eu sabia que perderia a hora, mas eu merecia um pouco mais de desconto. E, sim, não deu outra. Corri desesperada pela casa, quando vi que já estava meia hora atrasada. Me aprontei de qualquer jeito e voei pelas escadas, percorrendo o caminho até o carro em tempo recorde.
Quando cheguei, todos já estavam sentados na mesa, até mesmo Nicholas estava lá, dormindo sentado, mas estava. Senti os olhos de Colin em logo que entrei, então soube logo que seu amigo já tinha lhe falado sobre a minha desculpa esfarrapada. Torci para que ele deixasse o assunto para depois, não precisava colocar nossos pais no meio. Abracei e beijei todo mundo, antes de me servir de um enorme pedaço de bolo cenoura com cobertura de chocolate, uma das minhas paixões.
Assim que estávamos todos satisfeitos, me ofereci para lavar a louça e comecei a recolher tudo, enquanto todo mundo foi em direção à sala, para ficarem se fazer nada ou dormir, no caso do Nicholas. Vi que Melanie ficou sentada na mesa e me encarava com curiosidade. Depois de um tempo, ela levantou e começou a guardar o que não tínhamos comido e o restante das coisas que voltariam para a geladeira. Ela se manteve em silêncio durante longos minutos, o que me deixou um pouco incomodada, era como se ela estivesse chateada comigo. Tudo bem, eu ignorei o cara que ela tinha me arrumado, mas, pra mim, não parecia um motivo para tanto. Resolvi ignorá-la de volta, tratando de lavar a louça, que era bastante coisa.

 — Você tá diferente. – Mel comentou, encostando-se a pia, ao meu lado. Ela tinha sorriso no canto dos lábios, mostrando que ela não estava chateada comigo no fim das contas.
 — Diferente bom ou diferente ruim? – perguntei, arqueando as sobrancelhas.
 — Diferente muito bom. – ela falou, olhando para ver se alguém estava vindo para a cozinha.
 — O que você tá vigiando aí?
 — Tô vendo se o Colin não veio ouvir nossa conversa. Ele é muito fofoqueiro! – Melanie comentou, me fazendo rir um pouco mais alto. – Estamos sozinhas, de verdade, agora você pode falar.
 — Falar o que? – indaguei, fechando a torneira e me virando para ela.
 — Quem é o cara? – sua pergunta me pegou de guarda baixa, tanto que não consegui conter meu espanto, mostrando logo de cara que, realmente, tinha um cara.
 — Você tá louca. – falei, voltando para os pratos, visivelmente nervosa. Ela fechou a torneira, segurando minha mão e me forçando a olhar pra ela.
 — Você sabe que pode confiar em mim, não é? – eu respirei fundo, balançando a cabeça devagar, afirmando.
 — É tão complicado e eu nem sei como começar a te explicar. E nem sei se posso. – choraminguei, desistindo de vez dos pratos sujos.
 — Ele não é casado, né?
 — Claro que não. – sorri, aliviando um pouco a tensão. Fiquei imaginando qual seria sua reação se eu lhe falasse que é um amigo do filho dela. Seria, no mínimo, engraçado. – Ele não tem nenhum compromisso, só é bastante complicado.
 — Ele tá te fazendo bem. – ela comentou, sorrindo de lado. – Você não para de sorrir, é incrível.
 — Eu nunca me senti assim antes, Mel. Nunca. Nem no começo foi assim com o Leonard. É tudo tão intenso e vivo, que eu ainda não sei como lidar com a forma que ele faz com que eu me sinta. É como o vento que antecede a chuva, como um sopro de vida.
 — Você tá apaixonada. Completamente apaixonada! – ela exclamou, me fazendo cobrir o rosto, provavelmente vermelho.
 — Eu tô. – suspirei alto, rindo em seguida. – Apaixonada e parecendo uma adolescente.
 — Faz uns treze anos que eu não te vejo assim, tão feliz. Parece que você rejuvenesceu uns dez anos. – Melanie mordeu o lábio inferior, diminuindo o tom de voz. – Não vai me dizer quem é?
 — Não posso, me desculpa. Não sei se estamos prontos para isso, é tudo tão recente.
 — Eu conheço? – insistiu, enquanto eu rolava os olhos e voltava para a louça. – Só diz sim ou não.
 — Não sei. – dei de ombros, vendo que ela não tinha acreditado.
 — Eu vou adivinhar, você sabe que essa cidade é pequena e, uma hora ou outra, alguém vai descobrir. Então por que você não me conta logo? – ela me ameaçou, cruzando os braços.
 — Ninguém descobriu até agora e ninguém vai descobrir até eu falar. Se eu falar...

You're stuck on me and my laughing eyes
(Você preso a mim e meus olhos risonhos)
I can't pretend though I try to hide
(Não posso fingir, embora eu tente esconder)
I like you, I like you
(Eu gosto de você, eu gosto de você)
I think I felt my heart skip a beat
(Eu acho que senti meu coração pular uma batida)
I'm standing here and I can hardly breathe
(Eu continuo parada aqui e eu mal posso respirar)
You got me, you got me
(Você me tem, você me tem)

Colbie Caillat – You Got Me



Tirei mais uma fornada de cupcakes de chocolate do forno, coloquei para esfriar e já comecei a preparar a forma para colocar mais alguns para assar. O Red Velvet havia inaugurado há três meses e, até agora, estava sendo um sucesso. Nada comparado ao que era no Provença, mas eu o resultado era um pouco animador. Algumas senhoras vinham sempre comer um pedaço de bolo de laranja e tomar um cafezinho, já as jovens vinham atrás dos meus já famosos cupcakes que davam nome à confeitaria. Havia recebi algumas encomendas para festas e me sentia feliz por estar, finalmente, fazendo o que sempre quis.

 — Precisa de ajuda com mais alguma coisa? – Lily, minha confeiteira auxiliar, perguntou, chamando minha atenção.
 — Não, querida. Só vou deixar os cupcakes assados para a parte da manhã e vou encerrar por hoje também. – comentei.
 — Então estou indo. – ela disse, pendurando seu avental no local indicado na parede e tirando a touca protetora de seus cabelos. – Até amanhã.
 — Até amanhã. – respondi de volta, colocando o relógio para marcar o tempo que faltava para os cupcakes ficarem prontos. Levantei os braços, me espreguiçando, e no meio do movimento, senti duas mãos em minha cintura, apertando levemente.
 — Já está tudo limpo, arrumado e organizado da forma que você gosta: mesas guardadas, chão limpo, porta fechada e luzes apagadas. – falou, enquanto fazia com que eu ficasse de frente pra ele. – Algo mais? – balancei a cabeça, negando. – Estou liberado? – balancei a cabeça, novamente, só que afirmando dessa vez. – Ótimo, porque já posso fazer isso. – ele falou, antes de juntar nossos lábios com desejo.
Suas mãos se tornaram fortes contra a minha pele, fazendo com que eu em arrepiasse. Afastando alguns objetos que estavam em cima da mesa e fazendo com que eu me sentasse na mesma. Encaixando seu corpo entre as minhas pernas, ele aprofundou o beijo, fazendo com que eu deixasse escapar um suspiro pesado. Seus lábios desceram pelo meu pescoço e minhas mãos foram para o seu cabelo, encontrando alguma barreira, que eu percebi ser a touca, segundos depois. Quando seus dedos percorreram minhas pernas e apertaram fortemente a região do quadril, percebi que era o momento de parar, pelo menos por agora.
 — Nós só temos uns dez minutos até o alarme tocar, tem certeza que quer continuar com isso? – falei, chamando sua atenção.
 — Olha, nós podemos fazer muitas coisas em dez minutos. – respondeu, mordendo o lábio para não rir.
 — Sim, eu sei que podemos, mas você esqueceu que eu não sou mulher de dez minutos. – ele pareceu pensar por alguns segundos antes de falar:
 — Posso dormir aqui hoje?
 — Sua mãe não vai reclamar? – perguntei, quase não contendo o riso ao pronunciar a palavra mãe, eu não estava completamente acostumada com a situação. Por mais que a maior crise já tivesse passado, ter em mente que a mãe de alguém pode ser um problema, torna tudo um pouco engraçado, ainda mais quando se tem mais de 30 anos.
 — Minha mãe mal sabe a hora que eu chego ou saio. Posso ir pra casa, jantar com ela e voltar pra não dormir com você. – ele propôs, sorrindo de lado para me intimidar, como sempre.
 — E se ela sentir sua falta e perguntar depois?
 — Eu digo que dormi na casa da minha namorada, que é dez anos mais velha que eu. – ele brincou, usando a minha desculpa de sempre.
 — E quem disse que eu sou sua namorada? – perguntei, achando graça da nomenclatura que ele cismava em adotar. Eu já havia dito que não precisávamos dar nomes ao que tínhamos, mas parecia ter um dom de nunca concordar comigo.
 — Eu estou dizendo e acho melhor você aceitar logo de uma vez, não vou continuar pedindo.
 — Isso é uma ameaça? – indaguei, vendo-o sorrir abertamente.
 — Não, eu vou, simplesmente, afirmar que você é minha namorada independente da sua resposta. Você nunca me disse não e quem cala, consente. – balancei a cabeça negativamente, sorrindo junto com ele. Coisa que, aliás, eu estava fazendo muito nos últimos meses. Acho que nunca tinha sorrido tanto na vida como nesse espaço de tempo.
 — Vai jantar com a sua mãe. – falei, mudando drasticamente o assunto. – Vai, mas volte para mim mais tarde. – pedi, colocando as mãos em seu rosto e puxando-o para mais um beijo longo e intenso, até sermos interrompidos pelo alarme do relógio. – Agora me deixe trabalhar, não quero queimar meus cupcakes.


 — Eu estava aqui pensando. – disse, chamando minha atenção. Ele tinha jantado com a mãe e voltado algumas horas atrás. – Acho que vou voltar pra faculdade.
 — Pra valer ou pra completar cinco cursos incompletos?
 — Tô falando sério. Eu vi uns horários e acho que dá pra te ajudar na loja durante um turno e estudar no outro.
 — Não precisa se preocupar com a loja, . É a última coisa da sua lista de importância. – falei, vendo-o rolar os olhos.
 — Mas o Red Velvet foi o ponto de partida para a ideia toda. Pensei em fazer administração pra te ajudar de verdade. Sei que o seu campo não é esse e que você acaba se enrolando bastante com as contas, então cheguei a essa brilhante conclusão: você se preocupa com o que sabe fazer e eu cuido da parte chata.
 — Seria como se fossemos sócios? – perguntei, juntando as sobrancelhas, um tanto quanto confusa.
 — Isso! Mas só você que manda. – ele sorriu abertamente, como se fosse a melhor ideia do mundo.
 — Não parece um pouco rápido demais pra você? – fiquei com medo que minha pergunta o magoasse, mas eu não estava disposta a jogar tudo fora por um passo errado dado logo no começo.
 — Bem, depende do ponto de vista. Eu quero construir uma vida com você, então me parece bom o bastante. Não te quero só na cama, , eu te quero em tudo. Claro que na cama é maravilhoso e eu poderia passar a vida toda aqui com você, mas eu gosto de pensar no futuro e não quero ser alguém que te puxe pra baixo ao invés de te ajudar a subir. – olhei em seus olhos e fiquei sem palavras. sempre me pegava de guarda baixa quando começava a pensar no futuro. Eu tentava viver um dia de cada vez, não planejando mais do que a noite seguinte. Mas aí vem ele e joga todo esse futuro planejado em cima de mim, me deixando sem saber o que fazer. – Você não pensa no futuro?
 — Eu cheguei num ponto da vida que pensar no futuro é muito difícil, meu bem. Gosto de pensar no agora, enquanto tenho você aqui comigo. Às vezes tenho a sensação de que se eu pensar muito a frente, posso não enxergar mais você. – sua expressão se transformou em algo confuso e ele sentou na cama, me encarando intensamente.
 — Como assim? Do que você tá falando?
 — , eu sei que você leva o nosso relacionamento como se não tivesse nenhum fantasma nos cercando, mas não é bem assim, não é tão fácil. – falei e sua expressão se manteve a mesma.
 — Então me explica. – ele pediu, quase exigindo que eu falasse aquilo que era tão difícil pra mim.
 — São dez anos, . Como eu posso ter certeza que daqui a uns meses ou dias você não vai se dar conta dessa diferença absurda e ir embora? Como eu posso ter certeza que um dia você, com seus vinte e cinco anos, não vai parar e se perguntar o porquê está deitado ao lado de uma mulher de trinta e cinco anos, que não é mais tão bonita como pode ter sido, não é mais tão sexy, tão interessante... Eu sei que parece maldoso da minha parte, só que é como se houvesse essa necessidade de que eu me feche, uma barreira “antidecepção”, sei lá.
 — Você realmente pensa assim? Desde o começo? – sua voz estava dura, como se ele estivesse magoado. – Me desculpa, mas se você pensa assim, por que estamos juntos? Porque não vejo motivo. Você entra num relacionamento sem se entregar por medo de como você vai se sentir quando acabar? Você previu o futuro e sabe que vamos terminar de um jeito ou de outro, né? E pior, sabe que eu vou terminar com você. Então eu tenho uma péssima notícia pra você: eu não vou a lugar nenhum. Eu não vou terminar com você, nem hoje, nem amanhã, nem daqui a dez ou vinte anos. Eu te amo. Amo a pessoa que você é. Sua idade, sua aparência, seus defeitos, nada disso importa. Tudo está nesse pacote maravilhoso que você é! Então tire essas ideias bobas da sua cabeça e aceite que você não se verá longe de mim assim tão fácil. – sorri de lado, respirando fundo e tentando me recompor. Dessa vez ele tinha pegado pesado demais. E no bom sentido.
 — Você tem certeza absoluta de tudo o que você me falou? – perguntei, sem tirar os olhos dele. Meu coração estava acelerado e eu sentia minhas mãos tremerem.
 — Eu nunca tive tanta certeza de algo na minha vida. – sua voz soou tão segura, que eu mal consegui controlar o sorriso que surgiu em meus lábios. Coloquei uma das mãos, que não tremia mais, em seu rosto e fiz com que ele olhasse pra mim.
 — Eu amo você e não poderia ter mais orgulho do que tenho em te chamar de namorado. – sorri de lado, vendo como aquelas palavras o atingiam. – Ouviu? Meu. Namorado. – repeti, pausadamente, puxando seus lábios para se juntarem aos meus e selarem a promessa que fizemos um ao outro.

x

This hope is treacherous
(Essa esperança é traiçoeira)
This daydream is dangerous
(Este devaneio e perigoso)
This hope is treacherous
(Essa esperança é traiçoeira)
I, I, I like it
(Eu, eu, eu gosto disso.)

Taylor Swift – Treacherous


Depois

Seis meses depois

estava na faculdade e eu enfiada dentro da cozinha. A massa de um dos cupcakes não tinha dado muito certo e eu estava correndo para refazer tudo. Isso da massa desandar estava me incomodando, porque isso nunca acontecia comigo. Quando algo dará errado na minha cozinha, era porque algo ruim estava por acontecer. Não sou do tipo supersticiosa, mas nunca se sabe.
Assim que tive uns minutos de folga, peguei o telefone e liguei para a casa dos meus pais, não estava me sentindo bem, tinha um aperto em meu peito, como um nó que não desatava nunca. Só que mesmo depois da minha mãe afirmar categoricamente, e mais de dez vezes, que estava tudo bem, eu não conseguia relaxar. Expirei fortemente, como se fosse possível colocar aquela angústia pra fora, mas não serviu de nada. Hanna apareceu na porta da cozinha, chamando minha atenção.

 — , tem uma senhora lá fora querendo falar com você.
 — Sobre? – perguntei, ainda meio aérea.
 — Ela não disse. – Hanna respondeu, dando de ombros.
 — Ok, diga a ela que eu já vou. – pedi, sorrindo de lado. Lavei minhas mãos, tirei o avental sujo e pedi que Lily ficasse de olho nos cupcakes que estavam no forno. Caminhei lentamente até o salão, vendo Hanna apontar para uma moça que estava sentada perto da porta. Ela não era bem uma senhora, lembrava um pouco a minha cunhada na aparência. Parei em frente à mesa, recebendo um olhar confuso vindo dela. Ela retirou os óculos escuros e me olhou da cabeça aos pés. Me senti um pouco incomodada com a forma que fui medida, mas decidi ficar quieta.
 — Você é a ? – ela perguntou, com sua voz beirando o choque.
 — Sim, por quê? – perguntei, estranhando o rumo da conversa.
 — Eu sou Margot , a mãe do .
Merda.
Era a única coisa que eu poderia pensar. Ela não estava aqui para falar do emprego do , muito menos para conversar e agradecer o que eu tenho feito por ele. Ela sabia. Merda, ela sabia mesmo. Tentei manter minha expressão facial controla, para não dar todas as respostas que ela queria só com um olhar, mas era muito difícil. Se já é difícil ter que lidar com uma sogra, imagina lidar com uma sogra que não parece nada feliz de te ter como nora?
 — Aconteceu alguma coisa com o ? – perguntei, tentando manter a calma e falhando vergonhosamente.
 — Aconteceu, sim. Aparentemente ele perdeu o juízo de vez. – seus lábios formavam uma linha em seu rosto e seus olhos se mantinham em mim, me julgando mais a cada minuto. – Mas eu não posso culpá-lo, não é mesmo? Ele é quase uma criança, outra pessoa deveria saber se portar melhor.
 — Eu não acho que devemos ter essa conversa aqui. – pedi, falando baixo. – Eu moro aqui em cima. Podemos subir e conversar de forma mais tranquila. Por favor.
 — Tudo bem. – ela se colocou de pé e saiu do café antes mesmo que eu falasse qualquer coisa. Me virei para Hanna, pedi que ela tomasse conta de tudo e que ligasse para o , falando que eu precisava que ele estivesse aqui o mais rápido que ele pudesse. Que era um código vermelho, ele entenderia.
Me encaminhei para o lado de fora, respirando fundo a cada passada. Sorri de lado para Margot quando passei por ela, indicando por onde seguiríamos. Senti o celular vibrar no meu bolso assim que cheguei à porta de casa. Era uma mensagem do . Ele chegaria em dez minutos. Fiquei na dúvida se pedia que ela se sentasse, se oferecia um café ou qualquer outra coisa. Eu não sabia o que fazer, o desespero estava tomando conta de mim.

 — Sente-se, por favor. – falei por fim. Margot caminhou até o sofá sem olhar em minha direção. Seus olhos percorreram a minha sala, como se ela estivesse fazendo uma pequena revista. Eu ainda estava sem saber o que fazer, então decidi seguir algumas regras básicas de educação. – Posso te oferecer algo? Café, água ou um suco.
 — Eu só quero que me responda uma coisa: o que você tem com o meu filho?
 — Ele é meu funcionário. – desconversei, rezando para que ela não notasse o nervosismo em minha voz.
 — E você paga materiais didáticos para todos os seus funcionários? Me desculpe, mas não parece que o seu café tenha tanto lucro assim... – ela meneou com a cabeça.
 — precisava de um incentivo, uma ajuda para começar a faculdade. Foi apenas isso, uma ajuda.
 — Então, se foi apenas uma ajuda – disse, abrindo a bolsa e pegando um talão de cheques – Você não vai se importar se eu lhe pagar, certo? Ele é meu filho e eu devo arcar com os seus gastos.
 — Não precisa, de verdade. Nós combinamos que seria uma espécie de adiantamento e eu estou descontando do salário dele todos os meses. – tentei usar todo o meu poder de convencimento.
 — Não tá parecendo que foi um incentivo, ajuda de custo ou qualquer outra desculpa que você inventar. Eu não sou boba, quero saber a verdade. – sua voz soou firme.
 — Essa é a verdade. – repeti, desejando enlouquecidamente que ela acreditasse em mim.
 — Não é mais fácil você assumir de uma vez que está dormindo com o meu filho? – perguntou, sem dar mais voltas. Perdi o ar por alguns segundo, me limitando apenas a encará-la. – Será que você não era capaz de arrumar alguém da sua idade? Meu filho é quase uma criança comparado a você.
 — Me desculpe, mas não é bem assim. – pedi, vendo que não tinha mais escapatória e mentir não seria uma solução. – Eu gosto do . – confessei e ela riu. Riu alto, a ponto de sacudir o corpo todo e ter lágrimas em seus olhos. Encarei aquela cena, sentindo um misto de vergonha, culpa e confusão. Era como se alguém apontasse o dedo pra mim e dissesse que eu não deveria sentir nada pelo .
 — Agora vai me dizer que você o ama? – indagou, ainda com vestígios de diversão em sua voz. E nesse caso, eu era a piada.
 — Eu não sei quanto a ela. – ouvi a voz de antes mesmo que ele passar pela porta. Ele estava ofegante, como se tivesse corrido quase uma maratona para chegar aqui. passou seu braço pela minha cintura e tocou minha testa com seus lábios. – Mas eu a amo.
 — Pelo amor de Deus, . O que você sabe da vida para falar de amor? – Margot levantou do sofá, demonstrando certo descontrole. – Você está enfeitiçado por essa mulher.
 — Provavelmente, estou mesmo. – ele me olhou pelo canto dos olhos, sorrindo de lado. – Sou louco por ela.
 — Pois trate de ficar são novamente, porque isso acaba aqui e agora. Eu não quero mais você com ela. – ela foi firme, usando o tom autoritário que toda mãe possui. – Você não precisa se sujeitar a isso por um emprego ou pela faculdade, parece que você está se prostituindo.
 — Olha, não precisa baixar o nível dessa maneira. – intervi, não gostando nem um pouco da comparação que ela havia feito.
 — Não se meta, por favor. É uma conversa de mãe e filho. – pediu, se forma bem grossa, me deixando até mesmo sem palavras.
 — A senhora não pode me destratar dentro da minha própria casa. – rebati, sem medo dessa vez. – Procurei ser cortês e educada durante esses últimos minutos, mas você não tem feito outra coisa além de ser grossa e agressiva. Você nem me conhece, nem me deu a chance de mostrar e explicar o meu lado da história. Parece até que cometemos algum tipo de crime.
 — Mostrar que lado da história? – ela perguntou, com o tom de voz mais elevado. – Explicar que você não conseguiu manter a compostura só porque tem um jovem bonito trabalhando com você? é amigo do seu sobrinho, essa seria um motivo bastante apropriado para que você não se deixasse envolver. Por que não age de acordo com a sua idade?
 — Idade é só um número, mãe. – disse, suspirando em seguida. – Fora que eu já tenho 23 anos de idade, eu posso fazer o que quiser da minha vida.
 — Pois bem, eu repito o que você disse: idade é só um número. Tudo isso só serve para provar que você ainda tem uma mentalidade altamente infantil, . Eu só quero o seu bem, meu filho. Que futuro você terá ao lado dela? Não imagina o que as pessoas vão falar, como vão reagir?
 — Eu não me importo com a opinião de ninguém, mãe. – ele deu de ombros. – E a única pessoa com a qual eu imagino um futuro é ela. Tudo o que eu faço é por ela. – seus olhos encontraram os meus e a única coisa que vi neles foi amor. E era tudo o que eu precisava. – Se eu voltei para a faculdade foi por causa dela, que me ajudou, me apoiou, tanto financeiramente, como me incentivando. Você acha que tendo isso tudo para pensar, eu vou me ligar na diferença de idade?
 — Isso não está certo. – Margot afirmou, demonstrando que nada faria com que ela mudasse de opinião. – Você vai embora comigo agora e não vai voltar aqui nunca mais. Você quer apoio financeiro? Quer dinheiro? Eu te dou. Quer incentivo? Eu dou também, isso não é difícil. Eu sou sua mãe, esse é o meu trabalho, é a minha função no mundo. O problema é você querer achar que sabe o que está fazendo com a sua vida. Ela é dez anos mais velha que você, isso é uma vida, . Que tipo de futuro você vê ao lado dela? Casar? Ter filhos?
 — E por que não? – ele perguntou e vimos a expressão dela se transformar.
 — Não me diga que você está, realmente, cogitando se casar com ela? – Margot balançou a cabeça, negando. – Isso é uma loucura.
 — Mãe, vamos para casa, nós conversamos lá. Você não parece estar disposta a ter uma conversa civilizada e ninguém merece ser desrespeitada dessa forma dentro da sua própria casa. – pediu, caminhando até onde ela estava e a direcionando para a porta. Fiquei parada no meio da sala, ainda sem reação. Eu tinha ouvido muitas coisas que não merecia num curto espaço de tempo. Senti as mãos de tocarem meu rosto e ele fez com que eu o encarasse. Seus olhos me transmitiram um pouco de calma, mas eu precisava de mais do que isso. Ele selou nossos lábios rapidamente e murmurou:
 — Eu já volto. – mirei seus olhos novamente, buscando a certeza em suas palavras. E, felizmente, ela estava lá. – Eu volto.

I'll run now, this time
(Eu vou correr agora, dessa vez)
Oh, my love is true
(Oh, meu amor é verdadeiro)
Tell me, something that I wouldn't do
(Me diga, alguma coisa que eu não faria)

OneRepublic – What You Wanted



Olhei no relógio e vi que já era quase meia noite. O chá que eu tinha feito já deveria estar gelado e não tinha bebido nem mesmo um gole. Eu encarava a porta como se isso fosse fazê-la abrir mais rápido. Como isso fosse fazer se materializar, dizendo que ele estava de volta pra mim. Mas a cada minutos que se passava, com menos certeza eu ficava. Ele tinha dito que voltaria e eu acreditava nele, mas aquela sensação de aperto no peito não havia me deixado. Era uma situação muito difícil, como se ele tivesse que escolher entre eu e a mãe, o que não é justo. Eu não queria que fosse assim, mas ela não parecia que iria aceitar numa boa. Fora que agora nós não poderíamos manter tudo em segredo, porque ela acabaria contando para alguém e tudo sairia ainda mais do controle.
Ouvi um barulho de chave na porta e me alarmei. A mesma se abriu e eu vi lá parado. Ele tinha uma mochila pendurada no ombro e uma mala ao seu lado. Ficamos apenas nos olhando durante alguns segundos. Aquela mala já dizia bastante coisa a respeito da conversa que ele teve com a mãe. Me levantei e caminhei até onde ele estava, passando o braço pela sua cintura e o abraçando. Ele me puxou para mais perto e eu aninhei a cabeça e em seu peito.

 — Foi tão ruim como parece ter sido? – perguntei. Ele deu de ombros, sem me dar uma resposta de verdade. Me afastei um pouco e olhei em seu rosto. – Tá tudo bem?
 — Eu não queria que tivesse sido assim, mas minha mãe é uma pessoa muito difícil. Com o tempo ela vai aceitar. – disse, puxando a mala para a sala, deixando a mochila em cima do sofá e sentando no mesmo em seguida. – Você sabe que agora não vamos mais conseguir manter as coisas em segredo, o que vamos fazer?
 — Bem, nós vamos contar pra todo mundo. – suspirei, sentando ao seu lado. – E rezar para que dê tudo certo.

Logo pela manhã, liguei para Colin, pedindo que ele fosse para a casa dos nossos pais naquela noite e que levasse todo mundo com ele, porque eu tinha uma novidade. Mesmo muito curioso, ele desistiu de tentar me convencer a falar de uma vez e disse que levaria todo mundo. Passei o restante do dia pensando em como eu contaria tudo para a minha família. Eu nem sabia por onde começar e o que falar sem causar mais confusão. Eu precisava me acalmar, mas o relógio parecia correr, de forma que antes que eu pudesse pensar direito, já estava na hora da loja fechar.

Parei o carro na frente da casa dos meus pais, vendo o de Colin parado na entrada da garagem. Olhei para ao meu lado e sua expressão estava calma até demais. Ele riu do meu nervosismo e pediu para que eu ficasse calma. Fixei meus olhos nele por alguns segundos e perguntei como ele podia estar tão tranquilo em relação a tudo aquilo. E a resposta dele foi bem simples:
 — Eu estou tranquilo porque, finalmente, não foi precisar mais esconder o que sinto. – ele piscou um dos olhos e eu rolei os meus. Não era o momento para romantismo.
 — , é sério, o que eu vou falar? Você vai entrar comigo, vai ficar aqui esperando? O que a gente vai fazer? – perguntei, me desesperando mais do que o necessário.
 — Hey, fica calma. – colocou as mãos em meu rosto e fez com que eu o olhasse. – Pare de agir como se fossemos errados nessa história, como se fossemos criminosos. A gente se gosta e quer ficar junto. O que quer que digam lá dentro vai mudar o que temos?
 — Não. – respondi, suspirando em seguida. – Nada vai mudar. Somos nós dois contra o mundo, lembra? – sorri de lado, recebendo um beijo em seguida. saiu do carro e caminhou até a porta do motorista, abrindo a mesma e oferecendo sua mão para que eu segurasse.
 — Não vou deixar você segurar essa barra sozinha de novo, nós vamos juntos. – segurei sua mão, me sentindo um pouco mais calma. Entrelaçando nossos dedos, caminhamos pelo gramado, até chegar na entrada. Segurei na maçaneta e respirei fundo. Abrindo a porta, vi que todos estavam sentados na sala. Eles olharam em minha direção ao mesmo tempo, ansiosos para a minha notícia. Aposto que Colin fez questão de deixar todo mundo louco.
 — Oi, gente. – sorri, sem graça. – Eu queria apresentar uma pessoa pra vocês. Alguns aqui já devem conhecer bem, mas gostaria de apresentar formalmente como meu namorado. – a última palavra fez com que todos se alarmassem e assumissem uma postura mais curiosa. – Esse é o .
Puxei para dentro da casa e olhei atentamente para o rosto de cada um conforme iam processando o que eu tinha acabado de falar. Colin estava com os olhos arregalados, Mel me encarava com um sorriso de quem não acreditava, minha mãe levou uma das mãos à boca e me olhava como se eu estivesse louca, Nicholas estava com as sobrancelhas arqueadas, como se perguntasse para que diabos ele estava fazendo de mãos dadas com a tia dele, Anabelle parecia não estar entendendo muito bem o que estava acontecendo e meu pai manteve a expressão calma e serena, foi o único que não pareceu chocado.

 — Esse não é aquele seu amigo, Nick? – Anabelle perguntou, rompendo o silêncio que tinha tomado conta do lugar.
 — E aí, gatinha, tudo bem? – sorriu de lado para ela, que lhe retribuiu o sorriso.
 — Filha, vai lá no quarto antigo da sua tia e pega aqueles brinquedos que você deixou lá. – Colin pediu, vendo a menina fazer uma careta.
 — Se você quer que eu saia, é só falar. – ela disse, levantando do sofá e caminhando até as escadas. – Odeio esse negócio de conversa de adulto. – Anabelle murmurava, enquanto passava em nossa frente e subia os degraus.
 — Eu sei que você devem ter mil perguntas em suas cabeças agora, mas... – comecei a falar, sendo interrompida por Nicholas.
 — Você tá dormindo com a minha tia? – ele perguntou, com a voz mais alta do que deveria.
 — Nicholas! – Mel o repreendeu, mas ele se levantou e parou na frente de , o encarando.
 — É bem menos sujo do que você pode estar pensando, cara. Eu gosto da sua tia, de verdade. Lembra de tudo o que eu falava sobre a tal garota? Era tudo sobre ela.
 — E qual é o próximo passo, pegar minha irmã? – Nicholas continuou. Toquei seu braço e fiz com que ele me olhasse.
 — Nick, não faz assim. A gente não sabia de nada quando nos conhecemos, só descobrimos essa coincidência terrível no dia do seu aniversário.
 — Vocês estão juntos desde antes daquele dia? – Colin perguntou, parecendo ser capaz de falar novamente.
 — Não juntos namorando, mas nós já tínhamos nos conhecido, sim. – respondi, querendo rir da expressão do meu irmão, ele parecia que teria um treco a qualquer momento. – Nós estamos namorando a cerca de seis meses.
 — Um ano. – corrigiu, rindo baixo. Rolei os olhos e balancei a cabeça. – Não é minha culpa se você não aceitava.
 — Minha filha, por que você não nos contou antes? Por que agora? – minha mãe perguntou. Sua voz suave estava baixa e ela não parecia muito confortável com toda a situação.
 — Olha bem para vocês, a reação que tiveram. Nós não estávamos querendo ter que lidar com essa reação vinda de todo mundo. A gente sabe que não é convencional, que as pessoas iam comentar, fazer fofocas e comentários maldosos. Poderíamos conviver com o que pensariam ao nosso respeito, mas não com uma postura contrária de vocês. Então resolvemos não fazer disso tudo um circo, mantemos entre nós dois e iríamos manter assim, se a mãe dele não tivesse descoberto tudo. – respirei fundo, pensando bem no que falar antes de continuar. Olhei para por alguns segundos e peguei sua mão, entrelaçando nossos dedos. – A verdade é que nós não viemos aqui para, não sei, pedir algum tipo de permissão, até porque eu já sou grandinha o bastante pra saber o que fazer da minha vida, sem precisar da aprovação de ninguém. E agora, o que eu quero mesmo é ficar com o , independentemente da opinião de qualquer um. Pode ser você ou um desconhecido qualquer. Eu o amo e ficaremos juntos pelo tempo que ambos quisermos. Ele está lá em casa agora e provavelmente ficará por lá, sei que pode parecer muito apressado, mas as coisas nunca caminharam devagar para nós dois. Então eu gostaria de pedir que vocês tentem levar tudo isso da forma mais normal que conseguirem. E caso não consigam, tentem não criticar. De falta de apoio, já basta a mãe dele.
 — Bem, eu não vou te criticar, minha filha. – minha mãe falou, levantando e vindo até onde estávamos. – Confesso que foi um choque, porque estava acostumada a olhar esse rapaz como amigo do meu neto, algo completamente longe da minha realidade como família. Mas se vocês se gostam e querem ficar juntos, não vejo motivos para ser contra. – ela sorriu de forma doce, com os cantinhos os olhos franzidos e duas covinhas marcando as bochechas. – Eu só quero a sua felicidade, minha querida.
 — Eu sabia que alguma coisa estava acontecendo, meses atrás eu te perguntei e você desconversou. Sim, é um pouco assustador, ainda mais para nós que vimos o crescer junto com o Nicholas, mas não podemos fingir que não vemos como você é feliz com ele. Que o brilho dos seus olhos voltou ou que o sorriso não sai dos seus lábios. – Melanie sorriu de lado, olhando nossas mãos dadas. – E eu não posso ver algo que te faça bem e achar errado. Sua felicidade é maior e mais importante que qualquer convenção. E, , eu te conheço tão bem, que é como se você fosse da família, então não tem nada de diferente pra mim. – ela sorriu mais abertamente, colocando a mão no ombro de seu marido. Colin olhou em nossa direção e me encarava como se fosse meu pai e eu estivesse muito encrencada.
 — Eu sei que manter uma coisa tão importante quanto essa em segredo deve ter sido difícil, em todos os aspectos. Quando você tá feliz, gosta de fazer com que essa felicidade contagie as pessoas ao seu redor, e com ele você tinha que manter tudo isso guardado, preso dentro de você. – Colin parou de falar por alguns segundos e respirou fundo, como se precisasse clarear a mente. – Também sei que eu sempre sou aquele que implica com tudo relacionado a você, porque independente da idade, eu sou seu irmão mais velho e nós servirmos pra isso, pra implicar. Mas também servirmos para apoiar e é isso que eu farei, vou te apoiar até o fim, independente do que você escolha fazer com a sua vida. Confesso que pode demorar um pouco para que eu me acostume com tudo isso, mas farei de tudo para que as coisas sejam simples para vocês. – ele deixou o corpo encostar no sofá e olhou para Melanie, falando:
 — Ser compreensivo é mais difícil do que parece.
Nicholas encarava com uma expressão nada amistosa. Sei que deve ser difícil pra ele aceitar ou até mesmo entender. Garotos devem ter alguma espécie de códigos onde familiares estão protegidos e fora de cogitação em casos de envolvimento amoroso. Mas no nosso caso foi uma coincidência tão grande, que isso deveria ser levado em consideração.
 — Eu só quero que você saiba de duas coisas, cara. – Nick começou a dizer, chamando a atenção de todo mundo. – Primeiro: se você machucar a minha tia, não importa que você seja mais velho ou maior do que eu, juro que vou fazer você sofrer muito. – mordi o lábio, segurando o riso. – E segundo: não espere que eu te chame de tio. – deixei que uma risada escapasse e pedi desculpa para Nicholas, que me olhou meio bravo.
E então olhei na direção do meu pai, que tinha se mantido em silêncio desde o momento em que cheguei. Fiquei observando-o para ver se suas expressões denunciavam o que ele estava pensando, mas ele tinha se mantido impassível, como se eu não tivesse falado nada. Todo mundo ficou em silêncio e percebeu que eu estava o encarando, inclusive ele mesmo. Seu olhar se dirigiu ao meu e sustentamos esse contato visual por alguns segundos. E ali eu tive todas as respostas que eu precisava. Palavras em desnecessárias, até porque meu pai sempre foi um homem de poucas palavras. Suas opiniões sempre eram demonstradas através de gestos, muitas vezes os mais simples. E como se lesse minha mente, ele se levantou e caminhou até onde estávamos, falando:
 — Não sei por que estão todos olhando pra mim, deve ser porque querem minha opinião, mas ela é tão simples, que acho que nem precisava dizê-la. Eu só acho que se fosse o contrário, se a aparecesse aqui ou em qualquer outro lugar com um namorado anos mais velho que ela, todos achariam normal, assim como foi com o Leornard. Tudo isso é uma baboseira sem fim, porque o amor não vê idade. Mas as pessoas cismam em complicar o que é simples, por isso eu só tenho uma coisa a falar. – ele estendeu a mão na direção de , que segurou e apertou fortemente. – Bem-vindo à família, garoto. Cuida bem da minha menina.

Now, how about I'd be the last voice you hear tonight?
(Agora, que tal minha voz ser a ultima a ouvir esta noite?)
And every other night for the rest of the nights that there are
(E todas as outras noites pelo resto das noites que existem)
Every morning I just wanna see you staring back at me
(Todas as manhãs só quero te ver olhando para mim)
'Cause I know that's a good place to start
(Porque sei que esse é um bom lugar para começar)

Justin Timberlake – Not a Bad Thing



Cinco anos depois

Conforme o tempo passou, tudo foi voltando ao normal. Claro que as pessoas reagiam da forma que imaginamos no começo, todos muito surpresos com a nossa diferença de idade, mas nada que pudesse atrapalhar o que tínhamos. Essa era nossa promessa e sempre seria assim. A mãe de passou a me aceitar um pouco mais quando, cerca de cinco meses depois que passamos a morar juntos, eu engravidei. Era como se o neto que estava a caminho fosse mais importante que qualquer conflito. se apegou na ideia que deveríamos casar, porque nosso filho deveria nascer numa família de verdade. Mas nós já éramos uma família, a diferença é que não tínhamos oficializado. Só que junto com esse pedido de casamento, veio a certeza que ele teria que sair da faculdade novamente, para ajudar mais na loja. E essa nunca foi uma opção. Então, pela primeira vez, eu e sua mãe concordamos num ponto: esse curso ele terminaria.
Depois de muita conversa, muitas pequenas brigas, eu lhe fiz a seguinte proposta: eu me casaria com ele, sim, mas depois que ele se formasse. Além de empurrar os planos de casamento para anos depois, eu lhe dei o incentivo que precisava. Porque eu nunca tinha visto um homem com tanta vontade de casar com ele. E sempre que lhe perguntava o motivo, ele respondia: “é porque eu te amo tanto, que eu quero que o mundo todo saiba disso.” E conforme o tempo passava, a barriga aumentava, o peso de suas palavras ficava ainda mais forte. Ele foi incrível, em todos os momentos. Até mesmo quando eu estava enlouquecida pelos hormônios, reclamando de tudo e de todos, ele se mantinha calmo e disposto a me ajudar no que quer que fosse. Era até difícil acreditar que ele tinha apenas 23 anos, era maduro demais pra idade dele. Ele dizia que ele mudou por mim, que eu o fiz crescer, tanto como pessoa, como na vida. Mas não só isso, ele também me mudou profundamente. Eu sempre fui uma pessoa sem muitas realizações pessoais, minha vida era meu trabalho, até meus relacionamentos eram o meu trabalho. Mas ele surgiu na minha vida e tudo mudou, meus sonhos, minhas prioridades e meus desejos. Nunca pensei em ser mãe, não estava nem tão dentro da maternidade até sentir o pequeno chutador dentro de mim. Não existem palavras para explicar o que senti primeira vez que Noah se mexeu dentro de mim. Naquele momento foi como se tudo mudasse na minha vida, porque seria tudo por ele e para ele. Já , bem, ele foi pai desde o primeiro instante.
Louco e imediatista como sempre foi, bastou receber o diploma para marcar nosso casamento. Uma cerimonia pequena, no jardim da casa dos meus pais, apenas para os familiares e amigos mais próximos. Meu pai me levou até o altar, onde me esperava como se eu fosse a coisa mais importante do mundo dele. Noah também ficou no altar improvisado, entre nós dois, e enquanto eu segurava sua mão, ele segurava a do seu pai, criando assim um laço eterno de união da nossa pequena família.

E como hoje é domingo, tive que tirá-lo mais cedo da cama, para tomarmos café na casa dos meus pais, como manda a tradição. Coloquei-o no assento infantil e depois me acomodei no banco do carona, vendo sorrir pra mim antes de dar partida no carro. O dia estava lindo: o céu estava num azul absurdamente encantador, o sol brilhava, os pássaros cantavam, a brisa fresca tocava o meu rosto e eu me sentia muito grata por estar viva. Por estar aqui, ao lado do meu marido, do meu filho, da minha família. Ai, que droga, o tempo me fez ficar muito emotiva. Talvez seja a idade, talvez seja a maternidade ou então apenas a felicidade.
parou o carro próximo ao meio fio e Noah saltou no banco de trás assim que abri a porta. Sem nos esperar, saiu correndo enlouquecidamente para dentro de casa. Esperei chegar ao meu lado, segurei sua mão e percorremos o pequeno caminho até a porta. Já estavam todos lá, até Nicholas, que mesmo morando com a sua namorada agora, aparecia sempre que podia e trazia Nicolle com ele. Quando entramos na sala, Noah estava pendurado no pescoço de Anabelle, pedindo para que ela brincasse com ele, e meu pai estava sentado na poltrona de sempre. Ele sorriu para nós dois, da mesma forma que sempre fez, como se eu e fossemos as pessoas mais importantes do mundo pra ele. Colin e Melanie estavam na sala de jantar, ajudando minha mãe a servir o café, peguei algumas coisas que faltavam na cozinha e logo estávamos todos sentados ao redor da mesa. Meu pai, sentado na cabeceira, pediu que déssemos as mãos para fazer o agradecimento. Segurei a mão do meu filho e do , fechando os olhos e agradecendo muito por tudo o que a vida tinha me dado nos últimos anos. Eu era mais feliz do que eu sequer podia imaginar que seria um dia, tinha tudo o que precisava, literalmente, em minhas mãos.



Fim.




Nota da autora: (04/09/2015)
Mil anos pra terminar essa história, pensei que não ficaria pronta nunca! HAHA
Sempre quis desafiar os clichês e fazer uma fic onde a principal é mais velha que o seu amado e espero ter feito de uma forma decente, pelo menos. Essa música da Bey é sensacional demais e me faz bem, porque eu sou uma Grown Woman, só falta fazer anything that I want.
Beijo da That, até a próxima!

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