Última atualização: 19/01/2018

Capítulo 1

“Seus serviços não são mais necessários, senhor Montgomery.”


Aquela maldita frase dançava por todos os cantos de sua cabeça e descia em uma fria espiral por sua espinha. Acontece que sua irmã, no final das contas, tinha razão: nada é tão ruim que não possa piorar.
A maré de azar que tinha o acertado há três meses parecia ter virado um tsunami e o havia deixado em estado de calamidade por completo. Gregory já havia sido muitas coisas na vida, mas desempregado, falido e a beira de um colapso nervoso nunca fizeram parte da lista. E era difícil assimilar a recente realidade.
Tão difícil que ainda eram 10:17 da manhã e ele já havia ficado bêbado e deixado de estar por duas vezes. Sua língua parecia uma lixa dentro da boca e ele podia jurar que até mesmo seus cabelos estavam cheirando whisky, contudo, estava tranquilo que seus últimos quarenta dólares haviam sido investidos na metade de garrafa velha de White Horse que o fez esquecer parcialmente a razão de estar sentado no meio da manhã na mesa da calçada de um pub que parecia nunca fechar.
Encostou a bochecha com a barba loira escura que ameaçava crescer no tampo mesa sentindo-se miserável pela enésima vez. Ficar pensando em todos os ‘e se’ da sua vida o estava fazendo perder a cabeça.
E se tivesse tratado Erin como ela merecia, ela teria pedido o divórcio mesmo assim?
E se tivesse levado em conta os conselhos do pai sobre os investimentos de alto risco que estava fazendo, ainda assim estaria quebrado?
E se as alternativas anteriores não existissem, ainda assim teria entrado em parafuso e batido boca com seu chefe por nada, perdido o emprego e seus contatos profissionais?
Não ter essas respostas o estava envenenando pouco a pouco, uma vez que a vida já não lhe parecia tão apetitosa quanto a alguns anos atrás. Encontrar-se em uma deplorável boemia, sozinho, perdido e abandonado não parecia em nada com seus sonhos de juventude. Trinta e três anos de vida, dez deles dedicados ao trabalho, e tudo isso para que? Para ter em seus bolsos somente um cartão da sorte medíocre que havia ganhado num restaurante chinês decadente.
“A força o encontrará mais cedo do que imagina.” Repetiu o conteúdo do cartão em voz alta ainda com a cara enfiada na mesa, numa esperança quase vazia de que isso, de fato, fosse acontecer. Mas a realidade é que ele já não sabia mais se queria ser encontrado por o que quer que a força fosse.
Levantou-se sem vontade, tinha que tomar o rumo da casa que logo iria perder para a hipoteca. Iria selar a garagem, ligar o carro, sentar ao volante e admirar sua vida se esvaindo por entre os dedos no melhor lugar da arquibancada, já tinha decidido antes mesmo de se embebedar. O mundo estaria melhor sem alguém tão decadente que servia para tomar espaço e não fazer nenhuma diferença.
Estava no cruzamento da Lexington com a 42, pronto para fazer seu caminho para o ponto do ônibus distraído o suficiente pelas pequenas e irritantes pontadas em sua cabeça que mal percebeu o que o levou ao chão em questão de segundos.
Infelizmente não foi um caminhão desgovernado, fez a piada recheada com seu atual humor negro para si mesmo ainda largado de costas no chão.
“Meu Deus, moço! Você se machucou? Não me ouviu gritar? Ai, moço, eu não consegui desviar, não sei o que aconteceu com o freio da bicicleta. Olha só pra essa bagunça, meu almoço já era.” Greg permaneceu estático ouvindo uma mulher tagarelar bem ao seu lado. Ela ao menos parecia respirar entre as frases. “Moço, você está vivo? Meu Deus, ele não me responde!”
“Estou vivo, levemente ferido, mas vivo.” Garantiu pondo-se sentado.
Gregory tentou focar na mulher ao seu lado com sua jardineira vermelha chamativa. Estava ajoelhada ao seu lado, os cabelos castanhos bagunçados ao redor do rosto oval e delicado, o qual tinha um corte no pequeno queixo. Não deveria ter mais que trinta anos. Tinha os olhos cinza em formato de amêndoas, as sobrancelhas marcantes subiam e desciam conforme ela continuava falando, agora com as pessoas ao redor. Ela sorriu para alguém atrás dele e o sorriso era largo e os lábios cheios o lembraram de alguém.
“Moço, você tá me ouvindo?” A mulher repetiu passando a palma da mão ralada na frente de seu rosto fazendo-o despertar.
“Estou.”
Tentou levantar, porém ela o impediu segurando-o pelo ombro.
“É melhor esperar a emergência chegar. Sei que não parece muita coisa, porque bem… Eu te acertei com uma bicicleta, mas eu estava com alguma velocidade.” Explicou por entre o sorriso lindo “Desculpe, outra vez. Só quero ter certeza de que não te machuquei pra valer.”
“Não machucou.” Achou melhor deixar claro. “Não é necessária à ambulância, estou bem, juro.” Disse já se levantando e batendo a sujeira da roupa. Checou os próprios cotovelos com alguns ralados e o quadril que latejava com a dor do impacto. Nenhum ferimento mortal verificado.
A mulher logo estava em pé ao seu lado também, tentou ajeitar o próprio cabelo sem muito sucesso atrás da orelha e tombou a cabeça para o lado com uma expressão quase infantil no rosto.
“Eu insisto.”
“Não é necessário.” Reforçou olhando ao redor e vendo os olhares curiosos presos neles.
“Então vamos naquela farmácia passar um antisséptico nesses arranhões.” Insistiu mais um pouco, apertando os olhos pidões em sua direção e apontando para a farmácia a menos de um metro de distância. Greg sentiu-se vacilar por um momento. “Eu até te pago um almoço depois. Baratinho, claro. Por favor, moço! Eu estou me sentindo bem culpada, nunca tive um acidente de trânsito, ainda mais um que a vítima se recusa a ter atendimento. Você pode imaginar como eu vou ficar se você acabar morrendo por causa de alguma concussão que eu tenha te causado sem que-”
“Vamos à farmácia!” Cortou-a com a concordância ao ter a impressão de que ela tagarelaria o dia inteiro se negasse.
O farmacêutico a olhou desconfiado enquanto ela encostava a bicicleta no bicicletário. A cestinha, torta pela colisão, estava lotada de pacotes de compra amassados quase caindo da mesma. Greg não pode deixar de notar que ela mancava conforme se arrastava para dentro da loja com ele.
A pequena farmácia já devia estar à beira da falência, pelo menos era o que as prateleiras quase vazias contavam. Já não tinham mais antisséptico, tiveram que se contentar com o frasco aberto de álcool 70 que ardia como o inferno e um par de band-aids da Hello Kitty. A morena saiu satisfeita ostentando um no queixo, enquanto o homem saiu contrariado com um no cotovelo arrebentado.
“Obrigada, Fredericksen!” A mulher agradeceu sorridente para o farmacêutico idoso que os havia atendido e puxou Gregory pelo pulso até a saída como se isso fosse algo comum entre eles, o que deixou o homem sem jeito. “Agora nós vamos comer.” Avisou. “Minha melhor amiga tem um bistrô muito bacana a duas quadras, você vai gostar. Não está enjoado, está? Ouvi dizer que enjoo e dor de cabeça são sinais de concussão. Você me avisaria se tivesse, certo?! Aliás, você come carne? Ela tem o melhor bife com fritas do mundo lá…”
O loiro até pensou que logo ficaria irritado com toda a falação animada da morena, mas logo se pegou sorrindo conforme andavam devagar empurrando a bicicleta pela calçada seguindo até o restaurante.
“Farrah!” A mulher entrou como uma tempestade pela porta de madeira e vidro do local e seguiu até o extremo oposto, que deveria ser o caixa, onde uma mulher negra estava.
O loiro ficou parado no meio do caminho olhando ao redor o pequeno bistrô vazio. Suas mesas redondas de madeira com cadeiras altas, as grandes janelas com vidros escurecidos, os vários espelhos com molduras lindíssimas decorando as paredes juntamente os vasos de flores e suculentas, o jazz suave combinado com as luminárias que deixavam tudo na penumbra, mesmo sendo meio dia, o fazia se sentir dentro do segredo de alguém.
“Vem.” A morena o puxou outra vez pela mão até a mesa mais próxima a janela que dava para a rua. Sentaram-se um de frente para o outro, as sacolas amassadas rodeando a mulher.
“Ela disse que vai fazer um bife com fritas e um suco de couve reforçado pra levantar a gente do caixão.” Disse risonha.
Gregory encarou os olhos cinza, certo de que ele a lembrava alguém. Queria entender porque não havia levantado daquela calçada, sacudido a poeira, desculpado a moça e seguido para casa e terminado tudo do que jeito que havia planejado. Entretanto, ali estava ele, sentado em frente à moça que falava pelos cotovelos se sentindo tentado a deixar seus planos para mais tarde, porque conforme ela falava sem parar algo nele ia anestesiando.
“Qual seu nome?” Perguntou ligeiro antes que ela engatasse outro assunto no qual ele sentia que ela poderia discorrer por horas até que ele tivesse chance de falar outra vez. “Você me lembra de alguém, mas não consigo lembrar quem…”.
Ela esticou o sorriso, dessa vez mostrando os dentes perfeitos. Seus olhos o analisaram por alguns segundos e ela deu um risinho cheio de graça.
“Você também me lembra de alguém.” Concordou se recostando na cadeira de modo mais confortável. “A minha primeira paixão do jardim de infância.” Confessou em meio a uma risada. “Ele era o garotinho mais lindo da sala, mesmo sem o dente da frente. Desenhava as Tartarugas Ninjas como ninguém! Dividíamos o lanche todos os dias, minha mãe já até sabia que ele gostava de muffin de blueberry e colocava um a mais na minha lancheira. Ele tinha seis anos e já era apaixonado por música, acho que foi por isso que me apaixonei. Isso e porque ele me deu uma figurinha do Batman pra completar meu álbum. Oh, eu chorei tanto quando tive que mudar de escola. Minha amiga disse que no ensino médio ele formou uma banda. Eu daria tudo para ter visto ele tocando Sweet Child O’Mine pra mim.”
Gregory se sentiu distante conforme ela detalhava seu amor de infância com um tom tão saudoso. Sua mente montou a imagem perfeita de uma memória muito vivida: uma garotinha bochechuda de marias-chiquinhas abraçada com seu álbum do Batman, algo que ele no auge de seus seis anos não esperava de uma garota. Ela havia sido sua primeira melhor amiga e tinha um gosto peculiar por pinturas com giz de cera. Lembrou que seu eu infantil achava graça ela ter nome de estado, tinha até a rebatizado depois de um tempo.
Mas qual era mesmo o nome?
“Ele me chamava de Arizona.” Ela disse quase ao mesmo tempo em que seu cérebro gritou a informação, dando um clique. “Dizia que Alasca não combinava comigo porque…”
“No Alasca é frio e você é quente como o Arizona.” Completaram em uníssono.
Ela arregalou os olhos fazendo as sobrancelhas expressivas quase alcançarem a linha do cabelo. A boca se abriu em um “o” mudo enfim ficando sem palavras. Ao se dar conta do que estava acontecendo a cor de seu rosto mudou, deixando as bochechas pinicando de vermelhas.
“Não! Gregory?” Testou chocada. “Gregory Montgomery?”
Greg sentiu uma vontade irresistível de rir enquanto sacudia a cabeça positivamente. Ela parecia adorável em sua expressão desconcertada, o que tornou quase impossível para ele se sentir culpado por tê-la deixado assim.
“Você está brincando comigo!” Ela por fim tornou a sorrir, animação acendendo em seu rosto vermelho. “Quais as chances de isso acontecer?” Ela sussurrou ao se inclinar para frente, analisando com cautela cada centímetro do rosto do homem a sua frente.
“Você não está brincando comigo, está?”
“Não.” Disse se sentindo repentinamente bem humorado. “Eu sabia que você me lembrava de alguém, mas Arizona... Uau. A senhorita Fitzgerald odiava as músicas que nós inventávamos na aula dela.” Brincou ao lembrar-se da jovem professora irada com a dupla que brincava de soprar a flauta em qualquer tom aleatório e irritante que eles pareciam adorar.
“Você fica muito diferente sem o cabelo amarrado pra cima.”
Alasca rolou os olhos para a constatação do homem e riu. Seus pratos chegaram antes que ela pudesse resmungar mais alguma coisa, mas não aguentou mais que três garfadas em silêncio, logo tendo uma crise de riso.
“Oh meu Deus, o jeito que eu falei sobre você… Você deve achar que eu sou uma maníaca!”
“Só um pouco. E eu nunca aprendi a tocar Sweet Child O’Mine, só pra deixar isso claro.”
“O que você tem feito da vida, Gregory? Aposto que ficou famoso com seus desenhos abstratos, já que não aprendeu a tocar Guns N’ Roses.” Alasca sorriu por trás da batata espetada no garfo.
O sorriso do loiro foi morrendo aos poucos conforme era arrastado para a realidade com sua pergunta. Lembrou-se da garagem de casa e das chaves balançando na ignição do carro. Aquele almoço não era sua realidade e aquela não era sua felicidade, estava sendo influenciado por toda a aura de leveza que Alasca trazia consigo.
Naquele momento ele se sentia muito mais como uma mariposa enquanto ela era uma chama brilhante, atraindo-o para luz. Nem sentiria a dor quando ela o terminasse.
Ele precisava ir para a garagem.
“Greg? Você está se sentindo bem?” Alasca esticou a mão por sobre a mesa, alcançando a sua que apertava o garfo com força.
Ele não respondeu, apenas afastou a cadeira e levantou-se pronto para agradecer todo o cuidado e ir embora. Contudo, a morena foi mais rápida, enfiando-se no meio de seu caminho, as mãos pequenas sem vergonha alguma de lhe segurar pelo peito parado no lugar. Greg viu o leve desespero nos olhos da mulher e sentiu-se ainda mais fracassado, não era culpa dela tudo o que estava acontecendo, ela só estava tentando ser gentil.
“O que aconteceu? Foi alguma coisa que eu disse? Desculpe-me se foi isso, estou apenas empolgada em te rever.” Ela disse tudo em um só fôlego, levantando o queixo em direção ao homem.
“Eu já vi esse olhar antes, Greg.” Disse com pesar. “Não vá embora, por favor. Converse comigo. Eu vou te ajudar.”
Alasca suplicou como se soubesse o que ele faria depois de sair por aquela porta. Ele não soube dizer os motivos que o fizeram ficar, apenas soltou um suspiro derrotado e deslizou para longe das mãos da mulher, sentando-se novamente na cadeira. Os olhos verdes pareciam ainda mais perdidos.
“Eu não sei o que está acontecendo com a sua vida. Mas se você quiser falar, eu vou ter prazer em ouvir e te ajudar no que for necessário. O que quer você esteja pensando em fazer… Não é a saída. Nunca é.”
“Você não sabe o que eu estou pensando.”
“Talvez eu saiba.” Os olhos cinza se abaixaram para o prato na mesa, ele percebeu como ela lutou contra a careta de choro que se formou em seu rosto. “Meu pai tinha esse mesmo olhar. O sorriso mais lindo do mundo, mas o mesmo olhar sem esperança. Ele se suicidou a dois anos, mas não tem um dia que eu não me culpe por não ter lido direito seus olhos. Então eu sei que não tenho direito nenhum de pedir isso, sou só a estranha que te atropelou com uma bicicleta, mas… Por favor, me deixe te ajudar.”
Não soube dizer se foi o peso das palavras ou os olhos cinza cintilando tão doces quanto um caramelo a sua frente, mas quando deu por si já estava despejando tudo, desde Erin, sua ex-esposa o deixando, até quando perdeu seu dinheiro em um investimento que deu errado e sua demissão. Contou sobre se sentir sozinho, uma vez que seus amigos tinham desaparecido, e sem esperanças, pois sua discussão com o chefe havia o queimado para outras empresas. Apesar de nada ter solucionado, sentiu como se o peso do mundo tivesse aliviado um pouco sobre seus ombros depois de vomitar aquilo.
Alasca sorriu doce uma segunda vez. Ela havia ficado quieta o tempo todo, somente balançando a cabeça indicando que estava compreendendo todo o assunto, o que Greg desconfiava ser um grande recorde de silêncio para a mulher.
“Você ainda gosta de música?” Foi tudo que teve a dizer após ouvir o relato do homem.
Gregory tombou a cabeça confuso com a pergunta. Música ainda era uma das suas poucas paixões, mas não conseguiu entender onde a pergunta se encaixava ali. Ainda assim balançou a cabeça assertivo.
“Então vem, quero te mostrar um lugar.” Ficou em pé em um pulo, assustando-o. Pôs-se a recolher os pacotes aos seus pés e seguiu para o caixa se despedir de Farrah. Ele a olhou desconcertado, ainda em seu lugar na mesa, a comida fria e praticamente intocada a sua frente. “Vamos!” Repetiu Alasca em uma animação que lhe parecia estranha.
Seguiu-a para fora, onde a mesma já estava desatando a bicicleta do bicicletário e ajeitando suas compras na cestinha outra vez.
“Você pedala.” Avisou, recebendo o olhar assustado do homem. “O que? Você é muito pesado para eu levar. Além disso, se precisar frear vou ter que usar o pé e eu não alcanço o chão muito bem em cima da bicicleta.” Percebeu um leve sorriso desenhar no rosto do homem ao ouvir a confissão. “Ora, não ria. Suba logo, quero te mostrar um lugar que você vai amar.”
Não teve pressa ao subir na pequena e delicada bicicleta vermelha que destoava de seu estilo. Sentiu atrás de si a mulher se sentar de lado no bagageiro e passar os braços por seu lado, abraçando sua cintura, deixando-o levemente desconfortável com o jeito íntimo que a mulher parecia ter. Conforme pedalava seguindo as instruções dela tentava abstrair que algo no fundo de sua cabeça parecia aprovar o aperto morno da mulher em torno de si.
Quando pararam em frente a uma escola primária os músculos das suas coxas e seu pulmão já reclamavam pelo esforço. Amaldiçoou-se internamente por ser tão sedentário.
Alasca estava elétrica ajudando-o a guardar de novo seu meio de transporte e entrelaçando seus dedos para arrastá-lo para dentro do prédio que parecia deserto. Era final de agosto e todos deveriam estar em férias escolares. A porta principal estava aberta, mas a mulher seguiu para onde ele suspeitava ser a diretoria, batendo com os nós dos dedos contra o vidro chamando a atenção do senhor que estava lá dentro - parecendo dormir na cadeira inclinada.
Ele empertigou-se e abriu um sorriso para a mulher, levantando em um flash para abrir a porta.
“Olá, menina Thornberry, perdida por aqui no meio das férias?” disse em um tom quase paternal que arrancou um sorriso da mulher.
“Oi, Leroy! Preciso das chaves do lado B emprestadas para mostrar uma coisa pro meu amigo.” explicou apontando para Greg que estava encostado na parede.
Leroy lançou um olhar desconfiado para o homem e então estreitou os olhos azuis para a mulher que rapidamente compreendeu o que aquele olhar significava soltou um ‘oh, não!’ ultrajado e sussurrou algo para o mais velho que suavizou sua expressão e voltou para dentro da sala trazendo consigo um molho de chaves.
Leroy sorriu para Greg e lhe deu um aceno antes que Alasca o puxasse pelo corredor sem lhe dar a chance de responder.
“O que você faz aqui nessa escola?”
“Eu dou aula para o jardim de infância.” Explicou quando pararam em frente a enorme porta de ébano e ela precisou procurar qual chave abria a enorme fechadura.
“Você é uma professora de educação infantil?” Perguntou desconcertado.
“Olha, pelo seu bem eu não vou levar a mal o tom de descrença.” Resmungou bem humorada. “Agora seja bonzinho e feche os olhos.”
Greg obedeceu, não sem antes lhe lançar um falso olhar receoso. Novamente ela o pegou pela mão, arrastando-o para dentro da sala e então o autorizou a abrir os olhos.
Um sorriso escorregou sem permissão da sua boca. Ao seu lado um enorme piano de cauda, bem no centro da sala, ao fundo um violoncelo encostado em seu suporte, várias cadeiras pequenas e porta partituras espalhados pelo lugar. As paredes eram decoradas como teclas de piano e várias notas musicais espalhadas. Localizou mais instrumentos no fundo e um armário colorido que parecia combinar com todo o resto.
Seus olhos pararam sobre uma Alasca ridiculamente sorridente com as mãos escondidas nas costas, como se parecesse ansiosa com a avaliação crítica. Ele parecia encantado, porém sem entender o motivo de estarem ali.
“Ela é sua, se você quiser.” Disse como se respondesse a pergunta em sua mente.
“Como assim?”
“Bem, você disse que estava sem emprego e nós estamos sem um professor de música no momento. Você gosta e sabe fazer música, eu suponho, então pensei ‘por que não?’” Disse animada indo se sentar na cadeira do piano.
“Mas eu não sou professor, Alasca.”
“Eu também não era, até ser.” Deu ombros levantando a tampa do instrumento e dedilhando aleatoriamente as teclas.
“E se eu for péssimo como professor e as crianças me odiarem?”
“Você está com medo das coisas darem certo?” O encarou com tanta intensidade que o fez sentir algo dentro do peito formigar enquanto a observava virar o corpo em sua direção. “Pare de colocar empecilhos no caminho, Greg. Você não vai ganhar milhões aqui, mas é um trabalho digno e você vai trabalhar com pessoas que vão te ouvir atentamente e adorar cada pequena coisa que você as ensinar. E eu não estou falando só de mim.”
“Mas, Alasca…”
“Só tente. Se você odiar pode ir embora e eu não insisto mais no assunto. Mas eu garanto que você vai amar. E nós temos todas as refeições de graça aqui.” Completou a última frase em um sussurro sapeca.
Ele riu junto com ela, percebendo o quanto isso parecia fácil agora. Não lhe deu resposta alguma na hora e ela respeitou seu silêncio, lhe dando a chance de pensar com calma.
Alasca engatou em seus dedos novamente e seguiram pelo corredor depois de trancar a porta, entregando as chaves para um Leroy sorridente antes de sair.
Gregory a observou soltar a bicicleta, ela sorriu ainda ajoelhada no chão lutando contra o cadeado e ele teve medo de ela ser apenas o brilhante fruto da concussão do acidente que sofrera.
“Quer uma carona até em casa?” Perguntou brincalhona. “Se você não morar muito longe te deixo pedalar minha bike envenenada.”
“Moro no Clinton, não é longe, mas não quero te tirar do seu caminho.”
“Tudo bem, estou indo para Chelsea. Vai ser bom dar um descanso pras minhas pernas e deixar você assumir o volante no centro.” Disse risonha. “Só lembre-se de usar os pés como freio, não queremos passar por cima de mais ninguém hoje.”
Novamente subiram na bicicleta e Alasca o abraçou pela cintura, dessa vez descansando a cabeça no meio de suas costas enquanto tagarelava o caminho todo sobre tudo e nada. Seu coração estava tão morno que ele não quis chegar em casa tão cedo, queria continuar escutando-a falar sobre como foi a vida depois que seguiram caminhos separados no jardim de infância, anos atrás. Quase se sentiu culpado ao ver a árvore que marcava a esquina da sua casa. Parou de pedalar e foi arrastando os pés no chão até fazer o veículo parar em frente a sua casa.
“Eu fico aqui.”
A morena foi a primeira a pular da bicicleta, encarando a casa com afinco. Então se virou para o homem que segurava sem jeito o veículo. Ela sorriu antes de o abraçar, o deixando sem reação. Estava desacostumado com demonstrações de carinho de qualquer espécie, Nova York poderia ser brutal com qualquer pessoa que estivesse emocionalmente debilitada como ele.
“A gente mora perto, como eu nunca te atropelei antes?” Disse logo depois de soltá-lo ganhando um sorriso como resposta.
“Acho que você estava só esperando a hora certa de me encontrar.”
“Reencontrar.” Corrigiu-o rapidamente. “Você vai pensar na minha proposta?”
“Vou.” Respondeu com sinceridade.
Alasca sorriu e deu passagem para ele entrar, apesar de parecer saber que os pés do homem tinham grudado no concreto, uma vez que ele não conseguia se mover um centímetro dali. Com algum esforço ele se afastou alguns passos, logo parando quando a morena o chamou.
“Você não me deu seu telefone.” Acusou. “E nem pegou o meu.”
Balançou a cabeça conformado com o jeito espontâneo e descomedido da mulher. Trocaram os aparelhos para dedilhar seus respectivos números e então tornou a fazer seu caminho.
“Greg,” Chamou-o com um berro da calçada “Promete que vai me ligar antes de dormir.”
“Por quê?”
“Promete!” Insistiu.
“Ok, prometo. Vou ligar antes de dormir.” Deu um falso suspiro de derrota, arrancando uma risada da mulher.
“Promessa é divida, senhor Montgomery! Vou esperar acordada a noite toda se você não me ligar, pense bem nisso.” Disse montando na bicicleta e acenando sem nem esperar a resposta.
E Gregory ficou na soleira da porta entreaberta vendo-a sumir por entre o trânsito. Seu olhar caiu na porta da garagem, mas ele não sentiu o mesmo impulso de entrar lá e acabar com tudo, seu coração e sua mente pareciam mais claras agora.
Não eram nem cinco da tarde quando decidiu tomar banho e esperar a hora para fazer seu jantar. Só viu o cartão da sorte caído ao lado da calça suja quando saiu encharcado do chuveiro.
A força o encontrará mais cedo do que imagina.
A imagem risonha de Alasca e seu curativo de Hello Kitty no queixo piscou no fundo de sua cabeça e ele não pode deixar de sorrir ao enfiar o cartão na gaveta do criado mudo. Talvez ele estivesse certo e a força o tinha reencontrado com a força de uma bicicleta contra um pedestre.
Naquela noite enfiado embaixo das cobertas ele ligou para a morena que o atendeu no primeiro toque. O que Greg mal sabia era que aquela seria a primeira das inúmeras ligações que logo virariam um hábito noturno que o fariam esperar religiosamente pelas 21h.
Ele ainda estava sozinho, com tão pouco dinheiro que se comprasse um maço de cigarros estaria falido, mas já não se sentia tão perdido. Tinha encontrado um pouco de força em um lugar incomum e já se sentia um pouco mais disposto a nadar, em vez de esperar seu lento naufrágio.

UM ANO DEPOIS


Greg espiava pela pequena janela de vidro no meio da porta o final da aula que acontecia lá dentro.
Alasca estava sentada no chão em um círculo com quinze crianças que esperavam calmamente pelo fim do livro que ela lia compenetrada. Seu rosto expressivo dançava conforme avançava na narrativa, enfeitiçando não só as crianças atentas, mas o homem que espreitava atrás da porta.
Ela parecia linda com seu vestido azul escuro cheio de gatinhos desenhados como planetas que ele havia a presenteado em seu aniversário e o cabelo trançado jogado sobre o ombro caindo sobre o peito. Greg não conseguiu conter o leve sorriso que deu quando ela gargalhou junto com as crianças. Alasca Thornberry era, sem sombra de dúvidas, encantadora.
“Tio Greg, você é namorado da tia Ally, né?!”
Deu um pequeno pulo com o susto de ser pego no flagra pela pequena Olivia, uma de suas alunas do primeiro ano. Tentou disfarçar dando dois passos para o lado, saindo da linha de visão da janelinha, e cruzando os braços em frente ao peito. A pequena ainda o encarava querendo uma resposta.
“Você é, não é?” Insistiu.
“Não querida, não sou.”
Olivia fez uma careta confusa com a resposta.
“Mas você gosta dela, né!”
“Gosto, claro. Ela é minha amiga.” Respondeu achando graça com o rumo que o assunto estava tomando. Olivia era muito esperta para uma garotinha de sete anos.
“Não Tio Greg! Gosta como namorada. Igual meu pai gosta da Phyllis, a namorada dele.”
“Da onde você tirou isso, mocinha?”
“Ué, você olha pra ela igual papai olha pra Phyllis. E ela olha pra você igual a Phyllis olha pro papai.” Deu ombros expondo sua lógica o que fez o mais velho levantar uma sobrancelha, assombrado pelo tom observador da criança.
“Eu não olho pra e-” Pegou-se a beira de fazer uma pequena birra, como se tivesse a mesma idade de Olivia, logo se recompondo e apertando os olhos para a menor. “Aliás, o que a senhorita está fazendo fora da sala de aula?”
“Eu vim fazer xixi.” Explicou rapidamente.
“Então já pode voltar, nada de ficar perambulando por aí.” Resolveu apelar para o tom de professor que havia aprendido para fugir dos questionamentos certeiros de Olivia. Mais alguns anos e a CIA teria uma ótima interrogadora entre eles.
Com um biquinho emburrado ela se foi sem dizer mais nada e Gregory arriscou dar uma última olhada para dentro da sala vendo Alasca desenhar algo no quadro branco. Sacudiu a cabeça tentando espantar o ar de sorriso que o acometeu, não precisava de mais nenhuma criança o questionando pelos corredores. Deu meia volta, pronto para seguir para sua sala quando encontrou Leroy o encarando miticamente atrás de seu carrinho de limpeza.
Sentiu-se miserável ao ser flagrado rindo para um vidro pela segunda vez em menos de cinco minutos.
“É uma droga, não é?” O senhor disse passando por ele lentamente, observando-o com seus olhos de águia deixando-o desconfortável.
“O que?” Desconversou sentindo a súbita necessidade de assobiar para cima para poder disfarçar melhor.
“Quando até uma criança pode ver o que vocês dois ficam escondendo um do outro.”
“Ora essa, até você Leroy?”
“O tempo está passando, Gregory. Vocês não estão ficando mais novos.” Foi tudo que disse antes de dobrar o corredor. “Parem de perder tempo!” Cantarolou mesmo estando além da visão do professor, o que o fez rir sozinho.
“Ótimo. Agora estou ganhando conselho de todos os especialistas da região.” Resmungou para si mesmo fazendo o caminho para sua sala.
O questionamento de sua pequena aluna ficou rondando sua cabeça enquanto sentava-se ao piano, não podia negar que estava curioso sobre o tipo de olhar que Olivia falava. Tudo o que sabia, no entanto, era que lhe parecia quase impossível não esquadrinhar os ambientes em busca de Alasca se soubesse que ela estaria lá. Ela era como o sol em um dia de inverno, não tinha uma pessoa que não se sentisse confortável com sua presença falante.
Estaria mentindo se dissesse que era indiferente a ela. Thornberry trouxe a revolução nos piores dias de sua vida. Foi ela quem o ajudou a achar um emprego que amava, a organizar suas finanças, por Deus ela tinha até o ajudado a parar de fumar.
No começo achou que o leve formigar que sentia no peito cada vez que ela o abraçava ou segurava sua mão poderia significar algo a mais, contudo logo notou que aqueles gestos nada mais eram do que um hábito sem qualquer significado íntimo para Alasca, era apenas sua personalidade espontânea. E ele era um homem crescido que não queria bagunçar sua vida novamente por sentir uma quedinha por sua amiga e colega de trabalho. Inclusive o sentimento era perfeitamente normal, ela havia o resgatado do buraco mais escuro em que já estivera, estava confundindo a gratidão com alguma paixão boba e infundada. Pelo menos era o que tentava se convencer.
“Você não vai acreditar no que eu acabei de ganhar!”
Como se evocada por um feitiço, Alasca passou pela porta entreaberta parecendo uma tempestade, trazendo um papel na mão junto com suas inúmeras pastas e bolsa transversal.
Um sorriso enorme em seu rosto levemente corado. Sem ao menos saber por que Greg se viu sorrindo junto.
“O que?”
“Um desenho de uma aluna da primeira série.” Disse lhe estendendo a folha de caderno rasgada. “Ela capturou direitinho sua barba.” Pirraceou, sentando-se ao seu lado, enquanto ele olhava o conteúdo do desenho.
Dois bonecos de palito davam as mãos no centro do desenho. A boneca usava um macacão azul, tinha duas tranças castanhas e um enorme sorriso vermelho que ocupava quase todo o rosto redondo da figura. O boneco ao lado tinha uma blusa azul e calça marrom, os cabelos encaracolados como um ninho de passarinho no topo da cabeça e um leve enrolar castanho abaixo da linha do nariz, o que Greg suspeitou ser a tal barba. Vários corações vermelhos haviam sido desenhados entre eles e abaixo de cada boneco os nomes com a letra infantil: Tia Ally e Tio Greg.
Restou a Gregory rir do adorável trabalho de Olivia, certo de que ela não desistiria tão fácil.
“Ela só errou no seu sorriso, na realidade ele é bem maior.” Entregou o desenho que foi guardado com cuidado em uma das pastas da morena. “Hoje mesmo ela ficou insistindo que você era minha namorada.”
“Ah, ela falou isso pra você também?” Gargalhou. “Algo sobre o olhar do pai dela para Phyllis?”
“Aham.”
“Não sei da onde ela tira esse tipo de coisa, mas agora quero conhecer Papai e Phyllis.”
“Por quê?”
“Fiquei curiosa para saber qual é o jeito que você me olha.” Disse dando ombros e abrindo a tampa do piano e deslizando o dedo por algumas teclas dando as notas iniciais de Dance Of The Sugar Plum Fairy, o que arrancou um sorriso do loiro. “Como eu olho pra você, Greg?”
Oh, droga.
Sentiu algo pressionar em seu baixo ventre quando ela levantou o nariz em sua direção, os olhos cinza semicerrados e o leve mordiscar em seu próprio lábio inferior como se mordesse um sorriso. Nunca saberia dizer a forma como ela o olhava, mas sabia perfeitamente que naquele momento a olhava como um homem esfomeado a beira de beijá-la até que as batidas de seu coração se acalmassem.
Refreou o impulso de arrumar o os fios bagunçados em sua bochecha, sabia onde aquilo os levaria. Ao invés, deu uma batidinha na ponta de seu nariz com o indicador e sorriu para o breve biquinho que ela fez. Desconversar seria o caminho mais fácil.
“Como uma mulher que quer ir jantar risoto de cogumelo no bistrô da Farrah!”
“Aposto que sim.” Soltou parecendo levemente desapontada, mas logo afastando a expressão e lhe abrindo um sorriso. “Hoje é um dia especial, então precisamos ir logo pra pegar nossa janela. Você sabe, o Bee Happy agora é um bistrô importante, se formos muito tarde perdemos nosso lugar.” Alasca juntou suas coisas com uma rapidez impressionante e se pôs de pé, puxou-o pela mão, entrelaçando seus dedos. “Pedi pra Farrah fazer uma coisa que você vai amar. Tem gosto de infância! Aliás, você viu como eu estou aprendendo Tchaikovsky?”
E ela fez exatamente o que Greg achava ser o ponto alto de seus dias: discorreu docemente sobre seu dia, sem respeitar as vírgulas e pontos, falando sem pausas com a cabeça encostada em seu ombro enquanto seguiam de ônibus para o centro.
“E então, como foi com a doutora Pinard ontem?” Alasca perguntou depois de mais uma garfada do prato especial que Farrah os havia servido.
O loiro deu ombros, se recostando no encosto almofadado da cadeira, estava cheio demais para ter uma conversa complexa sobre sua consulta com a psicóloga que acompanhava seu caso. Havia sido mais uma das pequenas insistências da morena sobre a saúde do homem: consultas regulares e comer uma maçã por dia. De uma coisa ela estava certa pelo menos, os médicos realmente estiveram bem longe dele naquele ano, com exceção da doutora Pinard.
“Normal. Conversamos sobre meus planos para o futuro e minha vontade de ter filhos. Ela perguntou se eu tinha visualizado minha casa com crianças ou imaginava o nome delas com frequência.”
“Huh!” Grunhiu interessada com a boca cheia de vinho. Engoliu sonoramente o líquido ansiosa para fazer suas perguntas. “E quais são os nomes?”
“Eu nem disse se imaginava ou não.”
“Ora, é claro que você já sabe o nome dos seus hipotéticos futuros filhos! Você compra dois tubos de maionese no mercado com medo de não ter pra vender na próxima vez que você voltar, então é óbvio que você já tem alguns planos pré-escritos aí dentro dessa cachola.” Alasca apontou. “Agora, qual vai ser o nome da garotinha?”
Greg sentiu sua garganta secar, repentinamente sem graça com a pergunta. Ele sabia com clareza o nome que queria, mas dizê-lo em voz alta faria tudo muito real e tinha medo de Alasca o achar patético.
“Não me diga que você pensa em chamá-la de Erin.” Sussurrou inclinando-se para mais perto do homem depois de notar a careta que ele fez ao ser questionado.
“Não!” Negou de imediato, sentindo-se um tanto insultado pela ideia.
Conhecendo Alasca como achava que a conhecia o atormentaria o resto da noite querendo saber. Que se dane, pensou. O máximo que ela faria seria rir de sua cara mesmo.
“Por um momento pensei que teria que te enfiar algum juízo pra dentro de você a força.” Resmungou bem humorada escondendo um de seus lindos sorrisos atrás da taça de vinho.
“Pensei em algo mais como Arizona, talvez.” Soltou de uma vez, como quem não quer nada.
No mesmo instante o sorriso se apagou do rosto da mulher e ele soube que tinha ferrado com tudo. Seria a hora em que ela levantaria, avisaria que ele estava interpretando tudo errado e o largaria sozinho.
Exceto que ela balançou a cabeça espantando o desconcerto e deu um sorriso quase mítico para ele.
“Lisonjeiro.” Murmurou. “Mas você não pode chegar, roubar o nome que eu vou dar pra minha futura filha e achar que vou deixar tudo assim.”
“Bem, nós dois podemos ter filhas chamadas Arizona.”
“Não. Acho que estamos em um impasse aqui.” Constatou em uma falsa seriedade, batendo o indicador contra o próprio queixo. “Só vejo um jeito de termos um win-win aqui, senhor Montgomery: eu e você vamos ter esse bebê juntos, não vai ter jeito.”
A brincadeira fez uma foto de família piscar atrás dos olhos de Gregory e sentiu seu pulso acelerar com a ideia.
“E ainda podemos lhe dar um irmão chamado Phoenix.” Alasca completou parecendo adorar o desconcerto do amigo. “O que acha?”
“Acho que você não deveria me dar esse tipo de ideia, eu posso gostar. Nós seríamos a sensação no parquinho gritando ‘Phoenix! Arizona!’ como se estivéssemos anunciando voos.”
“Definitivamente meu family goals.
Foi o jeito como ela falou e o brilho reluzente em seus olhos que o fez acreditar que ela estava sendo sincera ao dizer aquilo. A pequena faísca de esperança cruzou seu peito causando um pequeno incêndio, fazendo-o imitar o sorriso que tinha no rosto da mulher. Aquele plano soava como o paraíso para ele.
Não pode responder, Farrah irrompeu com um prato cheio de cupcakes com velinhas em cima cantando parabéns para ele. Alasca se pôs de pé, batendo palmas animadamente, contornando a mesa para abraçá-lo pelos ombros e beijar seus cabelos.
“Feliz aniversário, Tio Greg.” brincou quando ele passou o braço por sua cintura, puxando-a para um abraço na posição correta. Assoprou as velas antes de plantar um beijo na bochecha da morena.
“Obrigada, Tia Ally.
Já estavam chegando na portaria do prédio de Alasca, andando de braços entrelaçados enquanto a mulher mexia compenetradamente em algo em seu celular.
“Você acha que Olivia iria aprovar se eu colocasse a legenda dessa foto como ‘Papai & Phyllis’?” a morena gargalhou virando a tela para que o homem pudesse ver uma foto dos dois abraçados atrás do prato de cupcakes, ele beijando sua bochecha. Alguma das meninas do bistrô devia ter tirado enquanto estavam distraídos.
“Leroy iria.” Apontou risonho lembrando o discurso do mais velho. “Prontinho. Está entregue, senhorita Thornberry.”
Haviam parado em frente ao primeiro degrau que dava entrada para o prédio. Alasca guardou o celular na bolsa o encarando risonha.
“Não quer entrar pra terminar com esses bolinhos de blueberry ai? Faço um café pra acompanhar.”
“Não posso.” Respondeu com certo pesar, a ideia de ficar parecia tentadora. “Minha mãe está chegando a qualquer segundo e tenho que fazer minha cena de bom anfitrião.”
O mais adorável de todos os biquinhos se formou nos lábios da mulher. Na leve luz do luar daquela noite de verão ela parecia como uma miragem logo a sua frente. Tão linda, inteligente e dedicada. Tão longe de poder ser sua.
“Boa noite então.”
“Boa noite, minha linda Arizona.” Murmurou puxando-a para perto, depositando um beijo carinhoso em sua testa.
Alasca enrolou seus dedos na cintura da camisa que o homem usava, mantendo-o perto. Soltou um suspiro mantendo os olhos fechados contra seu peito. Pela primeira vez o loiro achou ter percebido exaustão em algum movimento da mulher.
“Greg?” Chamou-o em um sussurro baixo. Os olhos cinza se abriram lentos e turvos, esquadrinhando com cuidado seu rosto e não tiveram a chance de encarar em seus olhos, pararam em sua boca e se fixaram lá.
“Sim?”
“Você nunca vai me beijar?”
Não teve o que responder nos breves segundos que sucederam a pergunta. Seus neurônios pareciam incapazes de fazer sinapses e o encontro dos olhos de Alasca com os seus o fez soltar qualquer gaguejo que estava preso na garganta. A observou balançar a cabeça e arfar pesadamente contra sua boca.
“Que se dane.” Foi tudo que grunhiu antes de enfim beijá-lo.
As pequenas mãos se enroscaram na nuca de Gregory, puxando-o para frente impaciente para mordiscar e sugar seus lábios com vontade. Alasca o beijou com gana, quase o deixando perdido em sua atmosfera. Por alguns momentos Greg pensou se algum dia em sua vida já tinha tido tal sensação celestial, nem uma dança lenta na lua poderia se comparar com o toque quente da mulher a sua frente.
Sentiu-se derreter ao ouvir o leve suspiro que ela soltou ao apertá-la contra si, seus dedos desfizeram de qualquer jeito a trança da mulher, quase doente para enfiar as mãos nos cabelos castanhos dela.
Poderia morrer feliz naquele momento.
Seu coração batia quase nos ouvidos, praticamente o primeiro beijo de um garoto adolescente. As mãos de Alasca acariciando seu ombro o peito o faziam esquecer que era um homem adulto. Só se separaram quando o toque estridente do celular de Greg o fez lembrar-se de sua mãe na cidade.
“Droga.” Grunhiu exasperado, tentando recuperar o fôlego brevemente antes de atender e trocar algumas palavras com a mulher do outro lado da linha.
Desligou o aparelho para encontrar Alasca mordendo o lábio inferior com um ar travesso em seu rosto. Enfiou o celular de qualquer jeito no bolso, só para segurar as bochechas rosadas da mulher entre suas mãos e beijá-la uma última vez.
“Posso ligar pra sua mãe e avisar que estou te sequestrando por essa noite.” Ofereceu depois que se separaram. “Ou eu posso simplesmente te arrastar pra dentro e não avisar nada.” Gregory riu e morena aproveitou-se de sua breve distração para abraçá-lo e afundar o rosto em seu peito, o que fez o loiro temer que ela pudesse escutar seu coração batendo descompensado lá dentro.
“Queria muito ficar, mas minha mãe é uma figurinha difícil quando quer.” Disse com pesar.
“Vou ligar pra você antes de dormir.”
“Sim, faça isso.”
Conseguiu se afastar três passos quando a ouviu pigarrear a suas costas.
“Última chance! A gente sobe e você avisa sua mãe que surgiu um imprevisto no trabalho e você precisa atender.”
“Eu sou professor de música do ensino infantil.” Gargalhou e Alasca deu ombros.
“Preciso de umas aulas particulares com urgência.” E lá estava o adorável biquinho em seu rosto outra vez fazendo-a parecer o ser mais inocente da face da Terra.
A morena dançou no lugar trocando peso de uma perna para a outra e algo dentro de Gregory cantou não resistindo dar um sorriso antes de cortar os passos que os separavam.
“Quer saber, que se dane, ela pode usar a chave reserva e almoçar comigo amanhã.”
Alasca gargalhou graciosa o enlaçando pelo pescoço e arriscou beijá-lo antes de seguirem aos tropeços até seu apartamento.

ANOS DEPOIS


“Vó Ally, o Kieran e a Debra não me deixam tocar piano com o vovô!”
A voz fininha veio logo atrás de si soando tão emburrada quanto podia direto do alto de sua fofura. Alasca teve o cuidado de colocar o bolo que havia acabado de tirar do forno sobre a tábua de madeira que a aguardava sobre a pia, antes de virar-se para a garotinha que havia se agarrado na barra de sua calça.
“Seus primos estão tendo uma lição, Adele.” Pegou a garotinha no colo e ajeitando a franja que caía sobre seus olhos cinza como os da avó. O biquinho no rosto da menor não se moveu um milímetro. “Vamos fazer assim: eu e você fazemos o melhor bolo de todos e levar para eles. Depois que todo mundo comer vai ser sua vez de tocar piano com o vô Greg.”
Adele piscou longamente, o dedinho indicador enfiado dentro da boca em sua melhor expressão pensativa. Ao pouco o biquinho se desfez e a garotinha acenou positivamente para a avó que apenas sorriu e a sentou sobre o balcão de mármore de sua cozinha.
Pela próxima meia hora se divertiram cortando o bolo e derretendo chocolate para a cobertura. Adele cismou em fazer um desenho com confeitos sobre o bolo que terminou parecendo um grande embolado de bolinhas coloridas. Alasca prontamente elogiou as flores, recebendo um sorriso satisfeito da neta. Então arrumaram a mesa para o café e a menor saiu aos pulos chamar os primos e o avô para comerem o bolo que tinha feito.
Estavam todos reunidos à mesa conversando animadamente. Arizona e Lucas, filhos de Greg e Alasca, haviam chegado com seus respectivos parceiros enquanto a mãe servia o bolo fazendo a sala ficar cheia do jeito que os mais velhos gostavam.
Gregory ficou calado contemplando a cena, seu coração cheio de um sentimento que não sabia explicar. Ao seu lado tinha a mulher mais linda e falante do mundo tagarelando junto com seus netos. Ela havia lhe dado o maior presente de todos ao atropelá-lo em uma manhã de verão em Nova York e por isso ele sempre estaria em débito com ela.
Sorriu para a esposa que enfiava uma colherada de bolo na boca de Adele. Alasca havia envelhecido ao seu lado, dado um novo significado para sua vida e uma família para voltar para casa todos os dias.
Debra, a neta mais velha, percebeu o sorriso bobo no rosto do avô e sorriu junto, pronta para fazer um pedido que a família não cansava de fazer sempre que tinham a oportunidade:
“Vô, conta de novo aquela história de como você e a vovó se conheceram?”
Alasca olhou para o marido e seus lábios se esticaram em um sorriso cúmplice e ele alcançou sua mão sobre a mesa acariciando o dorso com o polegar. O observou piscar para ela antes de limpar a garganta e garantir que o mais absoluto silêncio pela próxima hora.
“Tudo começou quando fui demitido do meu emprego…”.
A morena adorava todos os detalhes dramáticos que o marido colocava em sua história, mas o que mais gostava era de saber que certo cartão da sorte de um restaurante chinês estava mais do que certo, a força o encontraria mais cedo do que ele imaginava, por isso gostava de mantê-lo emoldurado junto com o desenho de uma aluna em sua sala de jantar. Elas eram as relíquias que marcavam o início de suas vidas.


In the end, will you sink, will you float?




FIM



Nota da autora: Olha a gente aqui, reunidas mais uma vez pra enaltecer a bandinha emo top do Arizona, vi-a-do! ♥
Antes de mais nada eu queria pedir desculpas por não deixar interativo, mas infelizmente perderia a conexão dos nomes e os trocadilhos. Espero que não poder colocar seu nomezinho não tenha interferido na leitura. One Pack Of Smokes foi a primeira história que eu não levei meses pra escrever e eu acho ela tão amorzinho que meu Deus. Quem me conhece sabe que eu demoro (três anos pra terminar uma long de 15 capítulos, alguém?!), mas eu queria tanto saber o que ia acontecer com Ally e Greg que não me aguentava.
Vou abrir o microfone agora para os agradecimentos: primeiramente o squad do amor, obrigada por sempre estarem lá e pelos incentivos, eu amo minhas bebês Reh, Ceci, That e Lizi. ♥ Mamma, eu te amo, apesar de você mandar os feedbacks nas costas de uma tartaruga. Mandy, eu vou te dedicar essa só pra você ver porque Agridoces não atualizava mais kkkk
Então vocês já sabem né, se gostou comenta e divide com as amigas. Se não gostou comenta também e divide com as amigas porque amigas que odeiam fics juntas permanecem juntas.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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