Cantina do medo

Betado por: Paula | Revisado Por: Thai Barcella




I - Sumiços

Eu estava em mais um de meus devaneios quando me perguntaram que tipo de tesoura usar para fazer as bordas dos cartazes. Aqui todos me perguntam tudo como se eu fosse a estilista internacional.
Geralmente isso é legal, mas não hoje. Estou confusa e acho que boa parte das pessoas por aqui também está. O motivo é que um de nossos colegas de classe desapareceu misteriosamente. A polícia está à procura, já vieram aqui e nos interrogaram.
Wesley era... Ou melhor, é o nome do garoto. Espero que esteja vivo. Eu não sou muito amiga dele, então o último lugar em que o vi foi na aula de biologia. Minha amiga é parceira de laboratório dele e me parece um pouco arrasada, com o olhar distante e torturado. Tenho certeza que ela gosta dele um pouco mais do que uma parceira de laboratório deveria gostar.
- Hey Naty, me parece cansada. Quer ir pra casa? – Eu sentei ao chão e Nathalia encarava um ponto imaginário na parede da sala de aula. Mudou a direção do olhar para encontrar meu rosto preocupado.
- Não, tudo bem. Ainda tem muito que fazer! – Ela levantou e foi ligar a pistola de cola quente na tomada.
Hoje completa uma semana que estamos decorando a escola e saindo mais tarde todos os dias. Nessa época do ano, a escola comemora o fim dos torneios de vôlei, basquete, handebol e futebol. A data geralmente é perto do Halloween, então não precisamos discutir muito o tema da decoração.
e estavam conversando sobre fantasias, eu pude ouvir. Então me aproximei.
As duas têm preferências parecidas, até me admiro continuarem sendo amigas depois de terem disputado tantas coisas; namorados, vestidos, minha atenção e a da Nathalia... Não duvido nada que comecem a discutir agora para saber qual virá de enfermeira.
- Esqueceu que meu pai tem uma loja, ? Eu e minhas amigas podemos pegar fantasias à vontade, contanto que tenhamos cuidado! – alertava, sacudindo um lápis de cor no ar.
- Ainda não sei o que vestir! – Cheguei apoiando meu braço sobre o ombro de e percebi que ela tomou um leve susto. Ela fez uma careta e rebaixou o ombro para o meu braço cair. É um pouco mais baixa e se irrita quando descansamos o braço nos ombros dela.
- Amanhã vamos à loja do meu pai e então escolhemos!
- Pois é, só espero que a não escolha a mesma coisa que eu! – jogou uma aranha de borracha nela.
- Eu?! Você é quem escolhe as minhas coisas! – Ela jogou de volta e eu tive de desviar. Pontaria não é um dos dons de .
O tempo passou rápido depois que começamos a cobrir as paredes de um dos corredores com milhares de aranhas de borracha.
Eu notei que o número de pessoas passando pra lá e pra cá estava diminuindo gradativamente. Já fazia horas desde o pôr-do-sol e nós ainda trabalhando. A festa é depois de amanhã e faltam muitos detalhes. Mas por hoje chega. Preciso ir pra casa, preciso... Preciso ver meu namorado!
- Cadê o ? – virei-me de repente para . Ela estava tagarelando sobre alguma coisa e eu a interrompi. Foi sem querer...
- Ele não saiu com Gabriel? – respondeu em dúvida.
- Ah, é verdade. Gabriel, e . Já deviam ter voltado, não? – Assim que acabei de falar, senti uma cotovelada de do outro lado e virei o rosto. estava entrando no corredor com um braço apoiado no ombro de e o outro em Gabriel. Seu cabelo fora varrido da testa, deixando à vista um corte logo acima da sobrancelha. Escorria sangue pela lateral do rosto. Meu coração parou ao ver a dificuldade com que ele andava e a expressão dolorida em seu rosto. O que aconteceu? Estou surtando aqui!
- ! – Eu fui andando como uma louca com uma flanela sacudindo na minha mão direita. Gritei ainda a meio metro deles.
- ! O foi atropelado por uma pata! – começou a explicar eufórico, mas... O que?! Pata?
- Não era pata, seu besta! – sussurrou entre dentes e os quatro começaram a rir. A essa altura eu já tinha percebido que era xarope de groselha. O que inclusive, era o que eles tinham ido buscar, juntamente com o mel karo, anilina e coisas para o sangue falso que vamos preparar. Passei o dedo na testa do e lambi sem preocupação.
- Er! E aí, ? – acenou com um sorriso de quem vai sair de fininho. e Gabriel, que seguravam os braços de , largaram-no.
coçou a cabeça e me mandou um sorriso torto depois que os amigos saíram. Eu devia estar com a minha pior cara de brava.
- Ah, ! Não faz essa cara, você sabe como são os meninos! Me obrigaram a fazer essa brincadeira ridícula, que eu não vi graça nenhuma e... – Havia um tom exagerado na voz dele e ele começou a rir ao ver que minha boca também já estava quase se curvando em um sorriso.
deu um passo à frente e passou os braços pela minha cintura, mas eu recuei em alerta. Conhecendo-o como conheço, aposto que ia me sujar o máximo possível com esse xarope.
- Nem chegue perto, Sr. ! Trata de ir lavar esse rosto! – Dei um tapinha no braço dele ao me afastar e bati com a flanela na bunda quando ele passou.
Não tem como não perceber quando o chega em algum lugar. Ele brinca com todo mundo. Ao passar por Nathalia, ele esfregou a mão no topo da cabeça dela, bagunçando-lhe os cabelos completamente. E, como sempre, ela sorriu e pediu carinhosamente que ele fosse se foder. Eles são irmãos, mas passaram a infância separados... Ainda bem que conseguiram manter um bom relacionamento. Enfim, agora tudo retorna ao sossego e eu fiquei aliviada ao saber que ele não estava machucado de verdade. Acho que sairia matando pelas ruas se alguém ferisse o !
Eu e as meninas guardamos as aranhas de borracha que ainda restavam no armário da Nathalia. Era o que estava mais vazio. Os garotos estavam guardando as caixas de xarope na cantina, o cozinheiro autorizou.

Estávamos a caminho da cantina. Restava uma caixa e ela estava nas mãos de .
Eu caminhava de mãos dadas com . e fofocavam alguma coisa do meu lado e Nathalia ia à nossa frente, jogando um giz branco pra cima o tempo todo. Ao lado dela estava . Os dois pareciam não estar conversando muito.
- A Naty ficou mesmo abalada com o sumiço do Wesley, né? – se inclinou para mim e falou baixo. Eu torci a boca e assenti devagar.
- Tomara que ele apareça...
- Coitada da Naty! – continuou a falar. – Cadê aquela menina que falava pelos cotovelos? Ela falava mais que eu. Lembra? A gente até disputava o primeiro lugar em tagarelice, mas hoje?! Hoje eu mal escutei a voz dela!
- Eu acho que ela é a fim dele! – se inclinou ao lado de para fazer a observação. Eu também penso isso.
- Mas por que ela não disse antes? – cruzou os braços. – Nós teríamos ajudado para ela ficar com ele antes que ele sumisse! Não é não, ?
- Claro! – concordou. – Tem que ser como eu, todo mundo sabe que eu tenho uma queda, um barranco, um penhasco, pelo David!
David é filho do dono da cantina. Essa equipe de cozinheiros foi contratada pela escola há poucos meses e as garotas do colégio adoraram por causa do filho e do sobrinho do Sr. Ciro, David e . Os pais do morreram e ele agora mora com o tio. A casa deles é aqui ao lado da escola... Parece que a família toda veio trabalhar junto. A mãe do David aparece pouco para os clientes, fica mais na cozinha. Chama-se Mirian. Ciro deve cuidar da administração e essas coisas. Os dois primos ficam no balcão atendendo.
- Hm, disseram que o hambúrguer daqui tem algo diferente, alguns dias está mais gordo. – comentou quando chegamos e sentimos um cheirinho de alguma coisa assando.
Estão preparando os lanches da turma da noite, provavelmente. Ficamos parados em frente ao balcão vazio da cantina, enquanto desceu as escadas para entrar na cozinha. Nathalia continuou a caminhar junto a ele. Estavam falando do Wesley, era o único assunto no qual ela ainda prestava atenção.
- Comi o hambúrguer daqui hoje... Não vi nada de especial, só estava mais gordo que o normal. Especial mesmo foi o jeito que David entregou meu lanche. Ele deixou os dedos tocarem nos meus e me olhou de um jeito que me deixou até fraca! – suspirou e sentou-se na escada. Mordeu o lábio enrolando uma mecha de seus cachos vermelhos no dedo. Ela sempre fica de um jeito meio bobo ao falar do David, eu já acostumei.
sentou ao lado dela na escada que sobe para a biblioteca, sala de vídeo e afins. Instantaneamente, elas começaram a falar sobre os cabelos loiros de David e eu me virei de costas para elas, ficando de frente para , para abraçá-lo. Ele sorriu e passou os braços em volta de mim. Não estávamos falando nada, apenas nos olhando. Eu dei um sorriso sapeca e posicionei meus pés em cima dos pés dele, que fez careta, mas depois voltou a sorrir e me abraçou mais forte para que eu não caísse.
Ouvimos a voz da Naty bem ao longe, me pareceu que ela estava rindo. Fiquei feliz por ela estar voltando ao normal e com certeza o também ficou.
Encostei a cabeça de lado no peito dele e fiquei escutando a respiração calma. Enquanto e continuavam a falar sobre David, eu me lembrei do primo, o .
Ele é menos simpático do que o David. Mais introvertido, eu acho. Porém ele é mais bonito, na minha opinião. Ele tem um jeito misterioso que dá vontade de decifrar! E o olhar dele é tão estranho... Não sei descrever direito o que sinto quando meus olhos encontram os dele. Sem dúvida é um olhar intenso. Quando ele me olha assim, eu me sinto o peru de natal no meio da mesa. Pronto para ser cortado, garfado e triturado... Acho que é isso. O que sinto por ele é medo, mas é uma espécie de medo-excitante que não sei definir. E, na maioria das vezes, é desagradável.

Afastei esses pensamentos e descolei a orelha do peito de . Também desci dos pés do coitado! Eu dei um selinho nele. E depois outro... Senti falta dele praticamente o dia todo hoje, ninguém merece isso. Quando os lábios macios de encostam nos meus, eu fico com a certeza de que o pode mandar quantos olhares profundos ele quiser, porque eu não terei medo. Muito menos atração.
Quando abri os olhos novamente e eu e nos soltamos, vi que e tinham ido embora. Mas Nathalia e ainda estavam lá embaixo, na cozinha. A luz acesa escapava pela porta aberta.
- Não acha melhor a gente ir? Parece que eles não vão subir tão cedo!
- Mas você não vai esperar sua irmã?
- Ah, a Nathalia já foi para casa sozinha outras vezes e a gente não mora longe. – argumentou e nós tivemos a mesma idéia de inclinar um pouco o corpo na direção da escada, para tentar ver ou ouvir alguma coisa lá embaixo. Eu quase caí.
- Está bem, vamos! – Eu concordei, afastando-me da escada depois que ele me segurou.
- Naty, a gente já vai! Não demore pra ir pra casa! – soltou um berro no topo da escada e a voz dele ecoou pelo pátio vazio.
Não houve resposta.
Eu estava sentindo frio sem agasalho e como se tivesse adivinhado, passou um braço pelo meu ombro. A minha casa fica no caminho para a casa dele e viemos conversando sobre a festa.

A manhã de sexta veio com um sol fraco e tímido, mas ainda que o tempo estivesse totalmente encoberto, eu acordaria radiante.
Hoje não teve aula. Acordei mais tarde, me sentindo no paraíso. Mesmo que eu tenha acordado com uma voz do inferno gritando comigo! Brincadeira... Era a me ligando.
- Você não vem? Vocês são todas umas dorminhocas, tratantes, mimadas! Ninguém apareceu ainda!
- Está nervosa? Já acabou? Eu estou no caminho, relaxa. – Desliguei o celular e voltei a enfiar a cabeça no travesseiro. A caminho da terra dos sonhos, só se for... Um minuto depois, resolvi abrir os olhos de uma vez, antes que eu dormisse de novo. Espreguicei legal na cama até meus ossos estalarem e eu me sentir esticada. A gente combinou de escolher nossas fantasias na loja do pai da . É uma loja de aluguel de roupas. Depois de escolher as fantasias – aliás, a minha já está escolhida – teremos de passar a tarde na escola, terminando de embutir um pouco de magia do Halloween naquelas paredes sérias.


- Hey, vocês duas desapareceram ontem! – Eu parei em frente a elas. Estavam sentadas na fachada da loja, que ainda nem estava aberta para os clientes.
- Você e o começaram a se engolir! – apontou, sorrindo, para mim.
- Eu e o não nos engolimos! A gente tem muito bom senso na frente dos outros...
- Eu vou fingir que não ouvi isso logo pela manhã! – ergueu as palmas das mãos fazendo careta. – Vou ficar enjoada. E o meu cachê não inclui servir de vela, não mesmo. – E levantou-se dando tapinhas no short amarelo que estava vestindo.
Entramos na loja e eu já sabia o que procurar.
- Por que não vamos todas de bruxinhas? Tem quatro roupas de bruxas aqui, só falta a Nathalia aparecer e provar a dela.
- Ah, sinto muito, . A gente já foi de bruxa em algum outro ano e eu já escolhi outra coisa.
- O que é? – entrou na conversa, curiosa.
- Depois que vocês nos abandonaram e eu estava voltando para casa com , ele me fez uma sugestão muito fofa!
- Hey! Não pode ser nada fofo, a festa é de Halloween! – cruzou os braços.
- Ela vai de fada e ele de príncipe! – começou a rir. Minhas amigas sabem ser muito irritantes.
- Deixa eu terminar, inferno! – Bati com um cabide na cabeça de cada uma. – Ele disse pra gente ser um casal de vampiros! Porque um casal de vampiros fica junto para sempre e o sempre deles é muito tempo... – Eu terminei de falar e devia estar com aquela cara de boba. Até elas estavam assim. Nosso momento “ouuuun!” foi cortado pelo toque do meu celular. Demorei um pouco para achá-lo na bagunça interna da minha bolsa, mas aí eu peguei e vi que era ele. Não morre tão cedo!
- Oi, ! Não morre tão cedo... Estávamos falando de você e das fantasias de vampiro.
Ele não respondeu logo. Só escutei um suspiro como se ele estivesse pensando no que dizer.
- ...
- Que foi?
- É a Nathalia. Ela não voltou para casa.
- Ah! C-como que...? Mas... Ela foi pra onde? – Fiquei nervosa logo de cara.
- Não sei, fiquei sabendo agora que ela não dormiu aqui! Meu pai viu a cama dela arrumada e veio me acordar perguntando onde ela está! E eu não faço idéia, porque a última vez que a vi foi lá na escola.
- Você acha que ela pode ter saído com o ?
- Pensei nisso e liguei para ele, mas cai direto na caixa postal. Já o celular dela, chama e não atende... Eu estou ficando agoniado! O que vou fazer se ela não aparecer?
- Mantenha a calma, ! Ela vai aparecer. Faz assim, daqui a pouco vai lá pra escola. Tenho certeza que pelo menos o vai estar lá. Eu vou passar em casa e deixar nossas fantasias, depois vou pra escola também.
- É... Já basta o meu pai de desesperado!
- Eu te amo, fica bem.
- Também te amo, . Até mais.
Coitado. Será que aconteceu alguma coisa com a Naty?
- ! Por que essa cara? O que aconteceu? – deu um tapa no meu ombro.
Fiquei tão absorta que esqueci que as meninas poderiam me fuzilar com os olhos de tanta curiosidade.
- disse que a Nathalia sumiu.
- Sério? Mas a gente estava com ela! Sumiu como? – entrou em choque e olhava para os cantos enquanto falava numa reação espontânea, como se estivesse procurando Nathalia ali mesmo.
- Não sei, ela foi vista por último na escola, ontem à noite. Eu vou pra casa agora e depois encontro vocês na escola. Ainda por cima, falta terminar aquela decoração...
Fui direto pegar a fantasia que eu queria, sem enrolar. Despedi-me das meninas e fui para casa. O caminho todo e também ao chegar em casa eu fiquei lembrando dos meus últimos instantes na escola ontem. Eu estava com e a luz da cozinha da cantina acesa. Ouvi a risada da Naty uma vez e ela parecia bem. Não posso imaginar o que aconteceu! Ela e não têm nada além de amizade. Se bem que ele gosta dela, eu já percebi. A Nathalia nunca contou para nenhuma de nós quando estava a fim de alguém. Então eu suponho que ela sempre gostou do Wesley, e não falava nada por algum motivo que eu não sei explicar... Talvez ela não goste de ficar contando em quem ela põe os olhos. Eu sempre conto esse tipo de coisa para alguma amiga, não consigo guardar segredo sobre isso! Inclusive, foi para Nathalia que contei quando percebi que estava gostando do com um pouco mais de intensidade do que antes. Ela me deu apoio. Não quero perder essa amiga, ela precisa aparecer logo ou eu ficarei desesperada!

A escola estava com 60% da decoração pronta. A festa é amanhã à noite e, por isso, durante a tarde de hoje nós precisamos correr. Eu não sei como é que vai ser isso se eu ficar distraída pensando em que lugar estaria a vossa excelência desaparecida Nathalia .
Avistei no portão da escola. estava com ele e de longe me pareceu que estavam discutindo. Acelerei o passo para tirar a dúvida.
- Eu não tenho culpa se você a deixou sozinha! – gritou apontando o dedo no peito de e ele pareceu murchar os ombros, dando razão ao outro.
- O que está acontecendo? – Cheguei e fiquei ao lado de .
- Fala para o seu namoradinho não vir botar a culpa em mim porque a irmã desapareceu.
- Você... Estava... Com ela. – falou entre dentes, raivoso.
- Mas eu já disse que não vi nada! Olha, , eu estava saindo da cantina e podia jurar que Nathalia vinha logo atrás. Eu até continuei falando sobre o que conversávamos lá dentro com tio Cid, mas quando cheguei ao meio do pátio, percebi que estava sozinho.
- Está certo, . A gente acredita em você, não é, ?
não respondeu, apenas torceu a boca como uma criança mimada.
- , ela vai aparecer! Você mesmo já disse que ela fugiu uma vez. Talvez esteja procurando o... Wesley.
deixou que o último nome saísse com a voz mais pesada que o resto da frase. É por essas e outras que eu digo que ele gosta da Naty. Ele deu uns tapinhas no ombro de e entrou na escola. Passei um braço pelo ombro dele e o fiz entrar também.
- Será que ela está presa em algum armário? – já tinha um certo humor na voz.
- É o que veremos... Precisamos ir até a cantina, ouvir o que o Cid tem para dizer.
Percorremos o caminho até a cantina. Ao chegar, os olhos de já estavam em mim e me deu até um pouco de frio aquele olhar. Fiquei calada enquanto falava com ele.
- E aí, , o seu tio está por aí?
- Hm, ele não veio hoje. Já que nem todos os estudantes estarão aí, o movimento é reduzido.
- Ah... Ele te contou alguma coisa sobre ontem?
- Sim, ele avisou que vocês deixaram umas caixas aqui.
- E depois disso?
- Depois... Depois ele começou a atacar o jantar e não disse mais nada. – deu um sorriso e desviou o olhar para mim de novo.
- Por acaso não comentou sobre dois alunos que conversaram com ele até tarde?
- Não.
estreitou os olhos pra ele e ergueu uma sobrancelha.
- Por que essas perguntas? O que aconteceu?
- Minha irmã desapareceu nessa área ontem, por volta das nove horas. – Senti o falando de um jeito muito CSI, Cold Case! Ele anda assistindo televisão demais.
- Sua irmã é a Naty?
- Sim. – Um sopro de esperança invadiu os olhos e a voz de .
- Então é isso... – sussurrou, mais para ele mesmo, mas eu escutei.
- Isso o que? – Entrei na conversa.
- É que uma das caixas estava rabiscada de giz. Dizia “volto logo, Naty”...
esbugalhou os olhos e me olhou de canto. Eu tive a mesma reação.
- E cadê a caixa? – A voz dele saiu falha.
coçou a orelha.
- Hm, eu acho que já pegaram.
- Merda. – socou o balcão da cantina. – Quem pegou?
- Os seus colegas que estão fazendo sangue...
- Tudo bem, nós vamos procurar com eles. – Puxei pela mão, ele parecia fixado na idéia de procurar a caixa lá dentro, porque olhava na direção da escada.
Eu sei que alguém podia me bater se eu dissesse, mas não dei asas à idéia dele porque tive medo de ir lá. Ou pior, ficar esperando lá em cima com enquanto ele procurava...


II - Festa

Nós perguntamos pela caixa e ninguém notou nada escrito em caixa alguma, mas pedimos para avisar caso ela fosse encontrada. Por insistência, acabou retornando à cantina. Eu tive medo por ele, mas não o acompanhei. Medrosa, eu sei. Graças aos céus ele retornou em poucos minutos dizendo que a tal caixa rabiscada também não estava lá.
A tarde passou sem nenhum acontecimento. Os desaparecidos continuaram desaparecidos, os presentes continuaram decorando a escola, e ficaram preparando a mistura do sangue falso que nós vamos guardar no freezer da cantina e , de vez em quando, recebia uma ligação do pai. Toda vez que o celular dele tocava, meu coração dava um salto. Com certeza o dele saltava ainda mais alto porque se trata da irmã caçula dele. Apesar de não terem crescido juntos, e Naty se dão muito bem. A história deles é um tanto diferente... Os pais deles se separaram e Nathalia foi criada pela mãe, enquanto cresceu na casa do pai. Eu não sei se há acordos de separação que deixem um filho com cada parte, mas foi assim que eles resolveram. Aconteciam algumas visitas a cada mês de férias e eles nunca trocavam os filhos. se apegou ao pai e Naty à mãe. As duas moravam no sul do país, até que a mãe dela morreu e Nathalia veio morar com o pai. Ela devia ter uns treze anos na época. Eu e somos um ano mais velhos, mas isso não me impediu de formar laços de amizade com ela. As minhas amigas também ficaram amigas dela e quando junta com os amigos do , só dá merda. Mas é uma merda boa, garanto...
Eu conheço o desde a quarta série. Posso dizer, sem medo de errar, que até dois anos atrás ele só me provocava ódio. Tudo bem, talvez nem sempre... Ao mesmo tempo em que ele tinha umas brincadeiras insuportáveis, ele também tinha aquele sorriso de criança que não quer dormir, e tinha as bochechas macias, e tinha os olhos pidões de um ursinho de pelúcia. Acho que acabo de dizer porque eu gosto dele e não porque odiava. Tudo bem, eu pensei errado. Nunca o odiei mesmo.
Ele está sentado agora ao lado de um armário de metal frio, com os olhos distantes e as pernas dobradas. Acabou de desligar o celular. Não gosto de vê-lo assim, com esse olhar de preocupação... Pelo jeito dele, o pai não deu boas notícias.
- E aí? – Sentei ao lado dele no chão.
- Nada. Já está escurecendo e nada.
- Seu pai foi à polícia?
- É, ele foi. - Nós ficamos em silêncio e eu encostei a cabeça no ombro dele enquanto observava suas mãos girando o celular. Era como se as frases “fique calmo” e “ela vai aparecer” tivessem perdido a validade, porque nem eu conseguia me sentir mais confortável ao escutá-las. - Sou um péssimo irmão mais velho. Não devia ter deixado que voltasse sozinha.
Ele cortou o silêncio e eu ergui a cabeça. Não consegui concordar com as palavras dele.
- Não diga isso. Você foi o melhor irmão mais velho que ela podia ter no mundo.
- Mas tudo aconteceu porque eu a deixei lá! E se ela desapareceu como Wesley? E se foi a mesma pessoa que seqüestrou os dois?
- Shh, não diga besteira! Ela não sumiu como Wesley.
- Eu não sei o que pensar, mas pelo jeito que aconteceu, pode ser que ela tenha fugido. Não seria a primeira vez que foge de casa. Quando morava com a mãe, fugiu sem nenhum motivo aparente. Sabe onde ela foi aparecer? – Perguntou-me rindo. – Lá no meu quarto! Viajou até lá em casa sem a mãe saber. Depois nós ligamos e mami pegou o primeiro avião para buscá-la.
- Só pode ser isso, ela ficou estranha depois que Wesley sumiu. Deve ter fugido para procurá-lo. – Dei de ombros e torci a boca.
Ele segurou meu rosto e colou os lábios nos meus. Depois levantou do chão. Quando fiquei de pé também, vi se aproximando. Ela tinha uma caixa de papelão nas mãos.
- , eu achei no lixo. – Ela entregou a caixa sem muitos rodeios. Seu olhar pra ele era de compaixão.
O “volto logo” estava em giz branco, na lateral da caixa de xarope de groselha. Como descrevera.
- Parece a letra dela, mas não tenho certeza.
- Precisa entregar isso à polícia. – Acabei falando o que é óbvio.
assentiu vagarosamente enquanto o olhar ficava perdido nas letras. Nós ficamos um tempinho tentando ver se era a letra dela.
- Cadê a ? Não precisamos de mais nenhuma desaparecida! – Rompi o silêncio.
- Ela foi levar uns baldes de sangue que preparamos para guardar no freezer até amanhã. Gabriel está ajudando... – A última frase saiu em tom diferente, como que insinuando algo.
Quando ela disse que Gabriel estava ajudando, percebi porque ela mesma não estava ajudando também. E continuou, sarcástica.
- É que são muitos, sabe... Estão pesados.
Dei um meio sorriso e abafamos o caso por aí. não entendeu nossos olhares e eu mudei de assunto.
- Conseguimos fazer uma ótima decoração de Halloween, né? Apesar de tudo que está acontecendo...
- É, conseguimos, ! Mas agora vou para casa.
despediu-se de nós com beijinhos na bochecha. mexeu no cabelo e olhou para mim.
- Vou entregar logo isso ao meu pai.
- Er, ... Você ainda vem amanhã? Na festa?
- Venho. Pode parecer estranho, mas fiquei um pouco aliviado depois que vi essa caixa. – Ele passou um braço pelo meu ombro e começamos a andar. – Quando encontrarmos a Nathalia, me lembre de dar uns tapas nela!
- Que tapa o quê! Deixe de castigo sem comprar chocolate da Cacau Show por um mês! – Nós rimos, a Nathalia é viciada. – Mas então... Se você vai à festa, pode passar lá em casa antes de entregar isso ao seu pai? É para pegar a sua fantasia que está lá.
- Claro.
me deu um beijo na cabeça e nós fomos para minha casa. A fantasia dele estava estirada no sofá, ao lado da minha.
Ele ficou olhando um pouco e sorriu de leve. Acho que gostou.
Eu coloquei numa sacola para ele.
- Amanhã eu passo aqui às sete para te buscar.
- Ok!
Nos despedimos e ele foi embora. Mesmo com o problema que está passando, quer ir à festa para me deixar feliz... Eu não sei como ele poderia ser melhor do que já é.

Hoje, sábado, eu não acordei tão relaxada quanto ontem. Dormir simplesmente parecia uma tarefa complicada, eu não sei o que houve. Fechar os olhos era o mesmo que dirigir meus pensamentos por um mar de imagens sobre o mistério dos desaparecimentos na escola. Primeiro aquele garoto que eu não conhecia muito bem e agora minha amiga... Não sei até que ponto eu acredito que ela fugiu mesmo!
Tentei voltar minhas atenções para a festa de hoje. Passei o dia me arrumando e fiz tudo que não pude fazer durante essa semana porque estava decorando a escola.
apareceu em casa quando eu estava ao telefone com . A estava desesperada porque não conseguia encontrar um penteado que combinasse com a roupa.
só queria mesmo um esmalte e me ajudou a procurar uma revista sobre penteados. Encontramos um que era exatamente a cara da , foi feito para ela. Tentamos descrever o modo de fazer o penteado pelo telefone, ela estava com preguiça de vir até minha casa buscar a revista. Agora eu só quero ver como ficou um penteado descrito pelo telefone!
- Espera, , sem desespero! Divide essa juba aí em três partes...
estava explicando enquanto eu pintava as unhas dela de roxo. As minhas, para combinar com todo o clima da minha fantasia, foram pintadas de vermelho escuro. É cor de sangue, estava escrito no próprio frasco: “Bloody Fingernail”.
Depois que pareceu ter conseguido arrumar o cabelo e desligou o telefone, também foi embora para se vestir. Eu fiquei sozinha de novo com meus pensamentos. Mas não por muito tempo, eu logo tinha que ir fazer um lanche e colocar minha roupa. Dentre as várias fantasias de vampira da loja do pai da , a que eu escolhi era a mais incrível, sem dúvidas! Tudo bem que eu sou suspeita pra falar, afinal eu escolhi. É um vestido vermelho que pode ser usado em outros lugares, com certeza. Ele é ousado, sedutor... O decote é prolongado, vai afinando até perto do umbigo. Tiras na diagonal vão ligando um lado ao outro, até não precisar mais. Para quem olha da cintura para cima, pensa que o vestido é daquele tipo todo justo e longo, mas a saia é rodada e linda! Vem até o meio das coxas... Para completar, tem um casaquinho preto com botões e costuras na cor do vestido. Também fiz uma maquiagem vampiresca, deixando minha pele muito branca, os olhos carregados e a boca meio empalidecida com um batom rosa claro, que quase nunca uso, mas, para hoje, ficou bem legal. Eu me empolguei a ponto de pensar em comprar lentes de contato, mas a consciência me alcançou antes que eu fizesse isso. Ter conseguido boas imitações de presas de vampiro para mim e para o já foi bom demais. Já ia esquecendo-me de pegar minhas meias de nylon pretas, lá fora faz um friozinho! Usei-as junto com o vestido e scarpin preto.
A campainha tocou às sete, como prometido. Ele não me ligou o dia todo e eu não sabia se isso era bom ou ruim. Quando abri a porta, vi como ele estava lindo e acho que parei de respirar. Eu tive medo de errar o tamanho, mas ficou perfeito! O jeans da calça era escuro e os detalhes perto do zíper eram vermelhos como meu vestido. O casaco seguia o mesmo padrão e por baixo dele a camisa branca de gola rulê.
não estava com a camisa toda à mostra agora porque o casaco estava fechado, mas eu vi a camisa com todos os seus detalhes. Ela é branca até a altura do estômago, mais ou menos, e dali pra baixo fica vermelha de um jeito irregular. Como se ela fosse mergulhada em uma piscina de sangue. O branco da gola da camisa deixava seu rosto ainda mais branco com o reflexo. Ele deve ter feito alguma coisa no rosto, deve ter usado as maquiagens da irmã.
- Quem é você? O que você fez com a ?
Ele já foi perguntando. Entrou sem tirar os olhos de cima de mim.
- Eu agora sou assim... – Aproveitei que tinha as presas em minhas mãos e as coloquei na boca rapidamente.
- Nossa, essas presas não são aquelas de plástico, huh! Onde comprou?
- Eu tenho um pai odontólogo, caso não se lembre!
- Ah, é verdade... Um odontólogo que faz tudo que a filha pede, até desperdiçar material em presas de vampiro!
- Reconhece, vai, meu pai é foda! Tinha que trabalhar pra Hollywood!
- É... Até que são bem reais. Cadê as minhas?
Peguei minha bolsa em cima da mesa junto ao vaso de flores que minha mãe esqueceu-se de trocar. Para alguém como a minha mãe, as melhores flores são as de plástico! Mas voltando a minha bolsa... Peguei dentro dela um saquinho plástico com as presas de . Ao entregar-lhe as presas, ele ficou alegre feito criança.
- Não se empolga muito não com a dentadura. Nem dá para falar direito! – Acabei tirando a minha para poder falar sem deixar que acontecessem tragédias, como babar ou borrar batom nos dentes.
Eu senti que ficou animado por alguns segundos, mas disfarçada com a animação ainda havia a preocupação. Eu aproveitei o momento pensativo em que ele se enfiou de repente, olhando as presas.
- ... Você não ligou hoje para dar notícia. O que aconteceu?
- Nada, não tinha o que dizer. A polícia só vai interrogar as pessoas da escola segunda-feira. Mas estão procurando pela cidade.
- Olá, .
Minha mãe e meu pai apareceram atrás de mim. os cumprimentou e eles ficaram passando suas mensagens de apoio. E depois...
Tiraram fotos da gente.
Eu já tinha tirado foto sozinha para não passar por esse momento constrangedor de novo, mas eles quiseram foto do casal.
Passaram-se quarenta minutos entre a chegada de em minha casa e a nossa chegada na escola. Dá para imaginar quantas fotos nós tivemos que tirar antes de sair?! Bom, pelo menos o álbum fica cheio.
foi a primeira amiga que eu avistei ao chegar e o penteado dela estava di-vi-no! Me pergunto se foi ela mesma quem fez, ou se não estava com um cabeleireiro de plantão no quarto. Ela parecia uma infectada do Resident Evil, só que com muito mais classe.
estava com ela, vestido de Harry Potter. O que não é surpresa para ninguém que o conhece porque ele adora.
Por falar em filmes, eu fui à lua e voltei quando nos chamaram de Casal Twilight! Foi tão emocionante e... Ok, parei.
não havia chegado e nem o lobisomem que ela ia trazer! Faz semanas que nós sabemos que o Gabriel está a fim dela e acho que hoje o lobisomem vai pegar de jeito aquela mula sem cabeça que fica pensando no David! A é mesmo uma sortuda. Sabe, o tem um amigo que ele gosta muito, é o fofo do . Digo que é fofo porque ele era realmente fofo antes, no sentido literal da coisa. Eu me lembro dele com onze anos, uma bolinha... E ele é muito legal, apesar de ser meio nerd! Ele e a já tiveram um lance, mas a foi uma idiota que tinha vergonha dele. Não assumia que estava com ele e quando ela percebeu que isso não tinha importância e quis ficar com ele de verdade, ele já estava muito chateado com ela. Então eles se afastaram e o ficou mal pra caramba... Mas ele superou muito bem e até fez uma dieta. Passou de fofinho para gostosinho em dois anos! Eu tenho certeza que a ainda gosta dele, principalmente depois...
- E aí, qual é a da presa? – veio falando e interrompeu meu pensamento.
Quando olhei para ele, quase não o reconheci. Ele pintou o cabelo, mudou o corte, fez alguma coisa... E estava de Edward mãos de tesoura. Se visse, ela ia pirar, porque ela adora o Edward. E estava muito bem.

Outro que eu quase não reconheci foi um garoto da minha turma de filosofia. Ele estava com a cara toda preta e, por um acaso, o escutei contando para o amigo que estava de Fumaça de Lost. Deve haver algum prêmio de fantasia mais tosca hoje, vi um cara com a roupa toda bege e a pele maquiada para ficar no mesmo tom, um “chapéu” estranho na cabeça e nas costas um papel colado, “Seu Pinto”. Ele era um pinto. Que graça...
Havia professores na festa, – claro, quem seria doido de deixar três mil alunos (e mais um pinto gigante) sozinhos?! – zeladores, bibliotecários, cozinheiros, toda a equipe da escola.
Ocorriam também algumas encenações. Por ironia, o professor de biologia fingia estar dissecando corpos. Até que os bonecos ficaram bonitinhos com os intestinos para fora, nadando em xarope de groselha.
O professor de português estava lendo uma coisa em latim, que eu nem sabia se era verdadeiro mesmo ou se ele estava apenas enrolando a língua! Ele atuava no exorcismo de uma menina de branco. A menina era a professora de física, ela tem um corpo miúdo e feições juvenis, parece adolescente.
Cenas desse tipo estavam espalhadas por toda a escola. Quem passasse ficava assistindo, mas tinha atrações pagas também. O quarto paranormal era uma. A pessoa entra em uma sala transformada em quarto escuro e deita numa cama – não vale casais, só pra constar. É uma pessoa por vez. Lá dentro não tem nada nem ninguém. É simplesmente uma sala vazia com um rádio num canto para tocar alguns barulhos, casualmente; passos, gemidos, correntes, sussurros e risadinhas estranhas. A pessoa fica por dez minutos, sendo que antes de entrar, ela ouve uma história sobre a sala. Há realmente um mito na nossa escola sobre aquela sala, mas claro que na hora de contar eles exageravam. Alguns bêbados chegaram a sair de lá assustados com os barulhos! Obviamente ninguém era informado sobre o CD player escondido em algum lugar da sala. Um rapaz começou a gritar demais lá dentro e tentou acender a luz, mas a equipe que elaborou aquela sala teve o cuidado de inutilizar o interruptor, o que, na minha opinião, é mais apavorante ainda. Pior que não ter interruptor é ter um que não funciona! Esse rapaz saiu perturbado dizendo que alguma coisa tocou o braço dele... Testemunhas disseram que ele já havia entornado umas garrafas, então deve ser normal mesmo. Não estão vendendo bebidas alcoólicas na festa, mas o barzinho logo ali deve resolver o problema.
Estava combinado que o DJ da festa seria o Wesley. Mas depois do desaparecimento dele, seu amigo Renato assumiu o posto. Wesley já trabalhava de DJ, por isso foi escolhido... Ficou em cima da hora para contratar um DJ de verdade, mas até que Renato está mandando bem. Só que ele varia demais, do house ao rock.
rodopiava comigo pela pista, nós estávamos nos divertindo demais. Passei os braços envolvendo o pescoço dele e ele pegou as presas de vampiro no bolso. Ficou brincando de morder meu pescoço com as presas, estava fazendo cócegas! Eu comecei a rir como louca...
De repente eu quase tive um acidente vascular cerebral de tanto susto.
- AAARGH!
deu um berro atrás de mim e algumas pessoas pararam para olhá-la. Eu quase bati nela, mas preferi não chamar mais atenção. Eu fui com ela e para um canto onde pudéssemos falar. Ela estava com uma tromba apavorante, eu ia perguntar o nome do elefante que ela resolveu engolir, mas deixei pra lá. Melhor não cutucar a fera.
- O que deu em você? – olhava para ela, incrédulo.
- O que deu em mim? O que deu em mim? – Ela repetiu mais alto da segunda vez. – O que deu no seu amigo, isso sim!
- Gabriel? O que ele fez? – Perguntei, curiosa.
- O que ele não fez! Ele simplesmente não foi me buscar! Eu fiquei esperando até agora a pouco quando resolvi sair de casa sozinha. So-zi-nha! Que menina vem sozinha?! Eu quero acabar com a raça daquele cachorro, onde ele está?
Meu Deus, está seriamente magoada. Não queiram ver a magoada, não é algo bonito.
- Não o vi ainda...
Assim que acabei de falar, avistei uma cabeça de pelúcia marrom no meio das outras. Gabriel segurava em uma das mãos a cabeça de sua fantasia com o braço estendido. Pelo que eu vi àquela distância, ele furou uma fila básica para entrar no quartinho paranormal. Aquela sala fica de frente para a escada da cantina e a fila estava subindo a escada toda.
A história daquele quarto é simples, é que quando compraram esse terreno para fazerem a escola, isso aqui era um hospício. Até aí é verdade mesmo, todo mundo sabe. Eles demoliram tudo porque as instalações eram velhas, mas aquela sala foi a única que pouparam. As paredes foram pintadas e usavam isso aqui como depósito de velharias. Um dia, durante um mês de férias, precisaram cavar em algum ponto daquela sala por causa de rolos com o encanamento e encontraram um osso. Apenas um, o que é mais estranho. Um fêmur. Eu me lembro até hoje a confusão que isso deu, já faz uns dois anos.
E começaram a inventar esse tipo de coisas, que ali era a sala de tortura do manicômio e um monte de outras especulações.
A sala continuou como depósito de velharias. Coisas velhas do laboratório de química, computadores quebrados... Todo ano eles despejam essas coisas no ferro velho e a sala fica limpa de novo. Pronta pra receber mais dejetos. Eu nem sei se tinha coisas na sala hoje, mas se tinha, jogaram em algum lugar pra poderem usá-la.
Ao lado dessa sala fica toda a instalação da cantina. Isso quer dizer, a salinha onde ficam os refrigeradores – colada ao quarto velho – e depois, com as portas voltadas para a direção leste, ficam a dispensa e a cozinha. Deve haver uma escada interna que liga a cozinha no andar de baixo até o balcão de atendimento da cantina. Eu digo que deve haver porque nunca entrei lá, né! Vai que tem um elevador... Er, ok essa foi cruel. Não é um desnível tão grande assim para ter um elevador.
Gabriel estava demorando demais para sair, eu apenas suspeitei vê-lo entrar ali, mas já estava em dúvida. ainda varria todo o pátio com os olhos enquanto eu tentava acalmá-la.
- Mas o Gabriel disse mesmo que ia te buscar? Você passou o endereço direitinho?
- Passei, ! Eu até fiz um bilhetinho que... – A expressão dela mudou de repente. – Oops!
- Que foi?
- Um bilhetinho que... Ah, ! Acho que me esqueci de entregar! – Ela foi retirando um papel do interior da bolsa e fazia aquela cara de atrapalhada que só ela sabe.
- Viu? Como ele poderia te buscar então? – cruzou os braços vitorioso. Adora defender os amigos esse aí.
- Não, isso não é desculpa. Ele podia ter ligado! Fora que eu já tinha dito o nome da minha rua, isso aqui era só para ele não... Um grito fez com que todos voltassem os olhares para o quarto fechado. Todo mundo que estava num raio de 8 km conseguiu ouvir, mesmo com a música. E o pior é que parecia o Gabriel. -... Esquecer. – terminou sua frase, mas estava com os olhos vidrados agora.
Mais um grito.
Murros na porta.
Eu olhei para e e os dois me olharam e depois se olharam também. Nem precisou falar nada, depois do nosso diálogo de olhos, fomos correndo e driblando as pessoas da fila.
Chegamos e ficamos a alguns metros da porta. Os alunos que estavam tomando conta daquela atração já estavam tentando abri-la, mas não conseguiam.
Os gritos dele foram perdendo a nitidez, foi como se ele estivesse se afogando. Os baques contra a porta cessaram e a ausência de novos sons lá dentro fez aquela cena parecer mais demorada do que realmente foi.
Ninguém tinha mais dúvidas que era a voz do Gabriel! Comecei a ficar apavorada, se esse filho da puta estiver brincando...
A porta estalou de repente, como se alguma trava fosse aberta. Estavam todos meio assim... Ninguém queria chegar perto dela. Tinha um bando de imbecis filmando. A porta abriu alguns centímetros pra dentro e a patinha marrom da fantasia de Gabriel apareceu segurando. Ele abriu a porta um pouco mais e colocou um pé também pra fora. Gabriel começou a sair da escuridão da sala e aparentemente estava bem, apesar de estar com a cabeça dentro da fantasia e não ter como ver sua expressão. Ele cambaleou pra fora da sala, quase esquecendo um degrau de diferença. Todo mundo meio que abanou o ar e viu que não era nada.
já começou a xingá-lo.
- Seu filho da puta, onde você estava que se esqueceu de me buscar? - Gabriel ficou em pé, de frente pra ela, mas não estava parado normalmente. Ele estava de costas pra mim e eu vi seu corpo indo pra lá e pra cá, como se estivesse num barco. Não respondia nada pra . - Não vai dizer porra nenhuma? Eu vou ser obrigada a te dar umas bolsadas aqui na frente de todo mundo?
Gabriel continuou no seu balanço suave. Algo estava muito estranho. deu apenas uma bolsada razoavelmente forte no braço direito dele e o menino tombou de uma vez pro lado esquerdo. Foi pro chão como um boneco gigante. Se todos já prestavam atenção antes, agora ainda mais. A cabeça de lobisomem da fantasia desprendeu da cabeça dele e foi rolando até chegar numa parede. Gabriel estava deitado de lado, de costas pra mim. Algo me dizia que eu não ia gostar de ver aquilo. deu alguns passos e o viu de frente. O rosto dela ficou tão chocado que eu já fiquei assustada! Alguém, algum aluno que estava na fila, aproximou-se e mexeu nos pés dele para desvirar o corpo. Na hora que o corpo dele virou de barriga pra cima, o desespero foi geral. Havia um corte feio atravessando verticalmente o olho direito e o pior nem era isso, o garoto estava sem o nariz...
SEM O NARIZ!
O nariz foi praticamente decepado, mutilado, sei lá, e só tinha sangue escorrendo feito cachoeira nas cavidades, onde era pra estar a formação das narinas. Eu só sei é que depois de notar a gravidade do problema, todos olharam para a porta meio aberta e o escuro e o silêncio imperavam lá dentro da sala.
O que veio a seguir foi tão automático e óbvio quanto abrir os olhos pela manhã, todo mundo começou a gritar e correr ao mesmo tempo e foi uma tortura subir aquela escada estreita no meio de tanta gente apavorada! Perdi a conta de quantas vezes ralei meu braço e minha bochecha na parede.
não largou de mim um segundo e minha mão segurava forte o braço da , que também se segurava em mim. Não podíamos nos perder agora!
Eu fiquei com muito medo de cair no meio da escada, mal podia ver o chão, ver os degraus, e naquele pesadelo, se alguém cair, não escapa. Assim que pensei nisso, tive a impressão de ver alguém caído num cantinho da escada, mas não pude focalizar muito a imagem, logo fui empurrada para o próximo degrau, e o próximo, e o próximo...
Terminamos de subir a escada e parecia que eu finalmente estava respirando de novo. Todos nos espalhamos pelo pátio, correndo e gritando como loucos.
A música parou e acabou a festa.


III - O Hospício

As viaturas da polícia estacionaram como loucas em frente ao colégio e um bando de curiosos que moram por ali se formaram rapidamente.
Eu estava na saída, com e prestando depoimentos quando passaram com o corpo do Gabriel sobre a maca. Nem se deram ao trabalho de tirar aquela fantasia sufocante. Um terceiro policial vinha atrás, carregando a cabeça da fantasia, já embalada num plástico. A cabeça dele foi coberta com um saco preto pra ninguém se assustar com a falta do nariz. Se bem que pra quem já viu, isso não ajuda em nada.
Além da polícia, a ambulância também foi chamada porque tinha muitos feridos. Levei um susto ao ver passar andando com dificuldade, tentando acompanhar os homens que levavam desacordado numa maca. foi acudida por uma enfermeira, que levantou sua calça revelando um corte feio. A enfermeira ajudou a subir na ambulância e antes de fecharem a porta, ela olhou brevemente na nossa direção. Acho que queria dizer que estava bem.

A escola ficou uma semana sem ter aulas. A polícia inspecionou o lugar e afirmou que não tinha como haver outra pessoa ali dentro, a não ser que tivesse entrado junto com ele. Em contrapartida, os alunos que inspecionavam a atração, garantiram que ele entrou sozinho. E agora não tinha como evitar, a nossa escola explodiu nos jornais como se fosse “o caso do ano”.
Durante essa semana de férias improvisadas, teve algumas horas que eu precisei simplesmente sentar e chorar. Eu precisei passar apoio pra minha amiga e precisei ajudar o na contínua busca pela Nathalia, mas nas vezes em que eu chorava era porque eu também precisava me ajudar. Meus pais já começavam a murmurar sobre encerrar minha matrícula e pedir transferência, assim como o pai do . Meus pais só queriam saber se conseguiriam pegar o dinheiro das mensalidades que pagaram adiantado de volta. As mensalidades daqui são altas, é uma escola cheia de riquinhos. Era a melhor escola da região e meu pai se empenhou pra me colocar aqui. Eu consegui uma bolsa de 35%, também tem bolsa, mas a dela é integral. Eu estudei nesse colégio desde tão nova e nunca vi crises desse tipo. Todos estão abandonando a escola, mas, também, não é para menos. Prefiro nem pensar em como Gabriel foi atacado, se eu pensar muito nisso, tenho pesadelos. Principalmente ao lembrar que o pedaço do nariz dele não foi encontrado. Às vezes nem consigo dormir, passei a semana dormindo mais durante o dia do que à noite.
Eu soube de fontes seguras que quando abriram o zíper da fantasia do Gabriel, até a equipe de legistas se assustou. Gabriel levara dezessete cortes no abdômen e nas costas. É insano demais pra qualquer um acreditar.
Quem entraria numa sala escura para esfaquear um desconhecido? Parece que alguém andou assistindo muito filme de terror e quis que a vida imitasse a arte...
Não fui ao enterro dele porque ainda estava sob efeito do choque, mas sábado eu fui à missa de sétimo dia.
Segunda a escola estava sombria e estranha. Minha mãe quis me levar até lá super preocupada e quando eu desci do carro dela, senti meu coração parar de medo. Era como se não tivesse passado uma semana e eu voltasse para o dia da morte do Gabriel. Mas eu não queria que minha mãe percebesse minha fragilidade, então apenas joguei o cabelo atrás do ombro e entrei na escola. Todo aquele lugar do incidente ainda estava demarcado com fita zebrada. Tinha repórteres das emissoras mais tops – não aquelas regionais – transitando pelo pátio, se achando os donos da escola, atrapalhando todo o caminho com aquela bagunça de fios de microfones e câmeras. Muito tenso.
Dois oficiais da polícia passaram por lá no intervalo só para comunicar aos repórteres – veja bem, comunicaram para os repórteres, não para nós alunos que somos os verdadeiros interessados – que no último laudo consta que eles descobriram onde estava a passagem secreta por onde entrou e saiu o criminoso. No telhado da saleta.
Eu não vi ninguém fugindo pelo telhado da salinha e eu estava lá!
Se bem que o cara pode ter ficado aguardando lá dentro enquanto nós, tolos, passávamos uns por cima dos outros... Não tem como saber.

No meio desse horror todo, eu senti que estava deixando o caso do um pouco de lado. Nathalia já estava sumida há mais de uma semana, sem nenhum sinal de vida. A coisa está muito feia. Quando eu olho para , vejo que já não tem nenhuma esperança de achar a irmã. Ou pelo menos, não com vida. Ele acha que ela foi pega pelo mesmo criminoso que Wesley e Gabriel. O mesmo autor de todos os últimos crimes dessa escola... Seja quem for, eu quero que ele morra.

e estavam mais recuperadas. e eu tivemos apenas uns arranhões nos braços. e estavam ali na fila e nós não os vimos quando passamos. Ele foi a pessoa que eu vi cair na confusão da escada, foi pisoteado e por isso passou tão mal. Está recuperando as forças em casa. teve seu corte na perna, mas recuperou-se muito rápido. Não do ferimento em si, mas psicologicamente. Acho que ser cabecinha-de-vento ajuda nessas horas. Agora e vêm muito bem vestidas e maquiadas.
“Essa é a primeira vez que tem emissoras de verdade filmando aqui na escola, é melhor que me vejam bonita do que feia!” – By .
“Quando esse rapaz da câmera enquadrar meu rosto lindo e proporcional, vai esquecer da repórter baranga e da matéria que está gravando pra dar zoom em mim” – By .

Depois da primeira semana de aula, foi tudo mais fácil. Parecia que os adolescentes voltavam a ser adolescentes e as gargalhadas já preenchiam o pátio no intervalo. Os jornais pararam de encher o saco porque encontraram outros pra importunar.
Infelizmente, não surgiu nenhuma nova pista da Nathalia, mas parecia estar lidando bem com isso. E eu também, afinal, se ela tiver... Morrido... Nunca a teremos de volta mesmo. Isso não quer dizer que eu tenha parado de pedir todas as noites para ter a Naty de volta! A fé continua.

“Será que ainda vamos descobrir quem é e prender o assassino?”
me passou um torpedo na aula de história. Os números de e também estavam na lista dos destinatários.
“Vamos sim! E eu venho aqui só para comemorar esse dia, nem que eu esteja lengo!”
Enviei para os três de volta.

“Lengo?” Recebi da .
“???leng?” Recebi do .
“Legon? Digita essa porra direito!” Recebi da .

Eu tinha digitado errado, esse povo não entende mesmo!

“LONGE!” Respondi pra eles.
“Aaah.” .
“Hm, mas por que? Você não me disse isso!” .
“Você vai pra onde?” .
“Ah, ah, mas ainda não entendi.” de novo.

“Ah não é assim longe, longe, é que vou mudar de escola.” Enviei.
“Quando?” .
“Você não me disse isso (x2)” .
“Merda, hein... De quem eu vou colar em química?” .

, você sabe muito bem o porquê! Meus pais não vão me deixar aqui depois de dois desaparec e um assassint!” Respondi ao .
“Eu acho que ainda fico esse mês. Meus pais já tinham pago um semestre inteiro de mensalidade e pensa... Pelo menos fico esse mês!” Respondi pra .
“Faz amizade com a Tamarice.” Respondi pra .

“Quem diabos é?” retornou primeiro em tempo recorde.
“Eu acho que também vou mudar.” respondeu.

não tinha respondido ainda, então eu respondi a pergunta da .
“A menina que senta 3 cadeiras depois de você!”

Pressionei enviar e estava esperando receber mais alguma coisa quando vi dois sapatos marrons parando no chão. Depois a mão muito branca do professor de história surrupiou meu celular. Eu só afundei na cadeira...
O celular vibrou na mão dele e o enxerido abriu minhas mensagens! Um pequeno sorriso brotou na face dele e simplesmente entregou o celular sem nenhuma reclamação. Olhei o visor e as três mensagens abertas pelo professor eram quase a mesma coisa.

“Eu vou sentir a sua falta.” .
“Não quero tamarindo! É melhor sentir um pouquinho a sua falta, mas saber que você está viva, amiga!” - .
“Não importa em que escola você vai estar, eu te amo ‘bagaralho’.” .

Olhei para eles meio discretamente e um segundo pareceu durar muito. Puta! Eu faria qualquer coisa que me pedissem pelo meu amor e as duas amebinhas!
Essa era a última aula do dia. Quando soou o sinal de ir embora, o professor de história liberou a turma e chamou a minha atenção.
- , , e ... Minha mesa... Agora. - Nós andamos vagarosamente entre as cadeiras vazias, até que todo mundo passasse pela porta. Ele suspirou longamente olhando para nós. - Que é que eu vou fazer com vocês... Ok, eu sei que todo mundo anda tenso e muitos vão deixar a escola até o fim do semestre, mas as regras ainda são regras. – Ele olhou para o canto superior a oeste, onde várias plaquinhas de metal estavam pregadas na parede. Símbolo de proibido fumar, comer, beber, e por último, um celularzinho com a proibição. Nós olhamos para ele de volta com as nossas melhores caras de sofrimento. - A pena prevista pra isso é detenção de duas horas após a aula.
- Hunf... – bufou, torcendo a boca.
- Mas, ao invés disso, eu vou pedir um trabalho. Entreguem na próxima aula. É sobre a história dessa escola. Pode ser? - Nós acenamos com a cabeça. Acho que todos concordaram, muito melhor do que ficar preso aqui por duas horas. - Tudo bem, mas a minha condição é que vocês comecem hoje. Minha próxima aula é depois de amanhã, não esqueçam.
Professor Lafaut atravessou a sala e nós andamos preguiçosamente até a porta que ele deixou aberta. Mais um trabalho...

- Preciso me abastecer antes de trabalhar. – passou à frente e tomou o rumo da cantina. Eu não estava com fome e mesmo que estivesse, passar pelos arredores da cantina ainda tira meu apetite.
O pátio estava todo vazio a não ser por alguns faxineiros. De longe nós vimos uma cabeça loira lá na cantina. Um garoto de costas, virado para o balcão. Eu logo lembrei que pintara o cabelo. Apostei comigo mesma que devia ser ele.
- Mas quem é o bonitão loirudo ali? – perguntou meio alto, ecoou pelo pátio. Eu quis morrer de rir quando virou a cabeça um pouco de lado, sabendo que só podia ser com ele. Ainda estávamos um pouco longe e eu falei pra se controlar e não esquecer de respirar, ela estava vermelha que nem um pimentão.
- É... Vai vendo o que você perdeu! O loirudo está mais gostoso do que nunca e aposto que tem um monte de garotas que... – Provoquei, mas ela me cortou antes que eu terminasse
- Ah, fica quietinha.
cruzou os braços e rolou os olhos. Eu cheguei a me perguntar se ele estava com ciúmes pelo que eu disse, mas afastei esse pensamento.
- Cara! O que faz aqui depois da aula, tão solitário? – falou alto e espalhafatoso, ainda a alguns passos de distância. deu um meio sorriso. Ele parecia... Envergonhado, não sei de quê. Ele nunca foi tímido com a gente, mesmo na presença da .
- Ah... Eu, eu fiquei aqui por causa da aula de física.
- O que você fez? – estreitou um dos olhos pra ele.
- Eu nada. Só recebi alguns torpedos do chato do .
- ? – Eu ri da cara da , coitadinha, ela se iluminou toda. – O que ele disse?
- Algumas coisas sem importância, disse que estava sem nada para fazer e também perguntou por você.
ficou sorrindo por uns segundos e de repente eu me senti a única normal ali. estava absolutamente medonha olhando para como se ele estivesse sem roupa.
- Ah, e por que ele não mandou sms pra mim? – falou com uma voz aguda e melosa que interrompeu meu ‘momento-meda’ e fez acordar também. Ela foi até o balcão da cantina com e os dois fizeram seus pedidos.
- Ele disse que não tinha o seu número.
é meio chata para passar o número do celular. Pouquíssimas pessoas têm. Ela diz que já teve problemas com trotes antes de trocar o celular e não quer mais que aconteça. Claro, sem contar que o pai dela é um importante empresário, a mãe é celebridade, então eles têm toda essa coisa de cuidado que os ricos precisam ter... Mas isso é detalhe.
- Sério que não? Caralho! Vou enviar um ‘oi’ para ele e acabo com esse problema.
Ela pegou o celular toda empolgada, mas não conseguiu enviar a mensagem.
- Hm... Acho que não tenho mais créditos.
- Tudo bem, me passa o seu número e eu envio para ele. – se ofereceu.
- Faria isso? – juntou as mãos embaixo do queixo.
- Ah, claro.
- !
me chamou e eu abandonei a conversinha da com o para ver o que ela queria.
- Que foi? – estava meio branca.
- Não sei, eu vi uma coisa.
- Fala... – Nós estávamos cochichando. Eu olhei por cima do ombro dela e estava recebendo uma porção de batatas na outra extremidade do balcão.
- É que... Um dia eu vi a Nathalia usar um anel e ela disse que era do Wesley, que ele tinha tirado durante a aula e esqueceu em cima da mesa. Ela pegou para devolver no outro dia. Ela devolveu e eu reparei que Wesley usava sempre. Agora não sei, de repente eu acho que vi esse anel no dedo do .
Ela terminou de sussurrar a historinha e se aproximava. também chegou perto da gente para perguntar se eu ia querer alguma coisa e eu só balancei a cabeça. pegou seu pedaço de bolo que ainda estava em cima do balcão e nós nos afastamos. Sentamos numa mesinha do pátio para e poderem comer. Eu fiquei pensando se estaria certa. usava muitos anéis, ela pode ter confundido.
- Ah... A professora de física também não quis me deixar de castigo. Acho que eles estão com pena de mandar pra detenção, só pode! – conversava e eu me toquei que não tinha prestado atenção em nada do que eles falavam.
- Mas o que é que você vai fazer ao invés disso?
- Acho que vou sair com ela... – estufou o peito e estendeu o braço até a cadeira do lado, onde estava.
- Aí, ! Manda ver com a professora, pega de jeito! – bateu com a mão cheia de gordura e sal da batata na mão de , que fez uma carinha de nojo muito bonitinha olhando pra mão e depois para , fingindo estar indignado e com a boca aberta. começou a tentar devolver o óleo limpando a mão na manga da blusa de . Quando eles começam, ficam impossíveis... É engraçado, mas fica parecendo que eles têm menos de dez anos. não falou o que ele tinha de fazer afinal, mas creio que seja um trabalho como o nosso. Quando levantamos da mesinha, ele foi para a biblioteca com a gente.
Entramos na biblioteca e aquilo parecia abandonado, a não ser pela bibliotecária que estava lixando as unhas. Olhei as mesas e não tinha ninguém estudando nada. Se viessem aqui uns dois meses atrás, iam encontrar muitas pessoas. A galera está deixando a escola, isso é tão triste...
- Eu tenho que pesquisar algumas leis da física, vejo vocês mais tarde. – foi pro lado das prateleiras de física. Nós não sabíamos por onde começar, que livro fala da escola?
Ficamos um tempo meio perdidos dentre os livros, mas graças a Deus, um facho de luz invadiu a cabeça da e ela nos salvou.
- Hey, senhorita Tilton, onde a gente pode pesquisar sobre a história da escola? – Simplesmente perguntou à bibliotecária. Dã.
- Ah, tem nos jornais... – Ela levantou da cadeira e foi nos mostrar onde estava. – E também tem uns arquivos antigos naquele computador ali, deve servir.
Nós fomos ver o que tinha nos jornais primeiro. Selecionamos algumas partes. Como não podia rasurar aquele jornal, pegou seu netbook e já ia digitando cada parágrafo que a gente resumia.
O computador indicado pela Srta. Tilton era diferente dos demais computadores espalhados pela biblioteca. Esse era bem mais velho e ficava num cantinho meio escondido no fundo da biblioteca, lá no final do corredor onde estávamos com os jornais. foi ligando muito antes de precisarmos dele, prevendo que a máquina centenária ia demorar a pegar no tranco.
Ela e foram juntos porque ela ficou com medo de ir até lá sozinha. Eu só não fiquei cismada porque podia vê-los de onde estava sentada. Sabe como é essa história de ir ali no fim do corredor isolado da biblioteca com um garoto lindo, maravilhoso e... Ok, chega. é minha amiga, porra. Ela gosta do , não desconfio disso e nem desconfio do , porque ele é lindo e maravilhoso.
Descobri que sou ciumenta. Como lidar?
tirou minha cabeça dos devaneios quando empurrou o netbook para mim, para que eu lesse o que foi escrito até o momento.
Cada um de nós esteve com uma página de jornal para resumir. A minha parte foi a mais básica, usada no começo. Contava um pouco sobre o dono da escola e como ele era um cara visionário e blá, blá, blá. Depois a parte que a estava resumindo começou a falar mais de como era aqui o hospício e o que o levou ao fechamento. Fiquei meio arrepiada com algumas coisas que li e olha que estava só no resumo! O que a leu devia ser bem pior e agora entendi o pequeno ataque de medo que ela teve ao olhar para o fim do corredor e se recusar a ir sozinha ligar o antigo computador. A parte que o resumiu encerrava o assunto do hospício, relatando o ano em que a escola foi finalmente erguida.
O documento digitado por ficou com três páginas, exatamente uma para cada um. Ainda estava pouco, então nós juntaríamos com o que quer que fosse que estava lá no computador antigo. Eu e dobramos as folhas de jornal e colocamos onde estava. Sim, nós somos educadas! Ao devolver o jornal eu achei uma revista, com coisas mais atuais para demonstrar o momento presente também.
Logo depois, pegamos nossas coisas e fomos nos sentar perto de onde estavam e .
- E então... Que fofoca vocês acharam aí? Não aceito coisa pouca, huh! – descansou o antebraço em cima daquele monitor velho.
- Tem umas histórias do antigo hospício. Relatórios, fotos... Parece que dois pacientes fugiram dois dias antes da transferência para a nova clínica deles. – explicou, sentada à frente do monitor.
- Esse novo hospício adquirido era bem menor porque muitos dos internos mais perigosos foram transferidos para a cadeia mesmo. O casal que fugiu ia para a cadeia ao invés da clínica. – estava em pé ao lado de e demonstrou que leu tudo. continuou.
- Parece que eles faziam umas coisas terríveis durante o tempo no hospício. Eles faziam enfermeiros e outros pacientes de vítimas.
- Então eles matavam todo mundo? – procurou a cadeira mais próxima e sentou. Eu fiz o mesmo.
- Ao que parece, eles faziam ainda mais do que isso. – parecia falar com dificuldade.
- O que? – Insisti.
engoliu uma vez e ainda assim não falou.
- Fala, ! – inclinou o corpo na direção dela.
começou a chorar e afagou a cabeça dela, fazendo-a encostar em seu abdômen.
- Eles... – começou a contar. – Comiam a carne.
O sangue sumiu do meu rosto. Eu olhei para e ela parecia estar como eu.
continuou.
- À noite eles cozinhavam escondido a carne das vítimas e serviam-se. Durante o dia, agiam como pacientes normais, não eram violentos nem nada. Alguns enfermeiros e pacientes desapareciam esporadicamente e ninguém ligava nenhum dos dois aos crimes. Depois foi descoberto quando, por acaso, encontraram um lugar onde Estevão, esse era o nome do cara, enterrava os ossos. Ele foi pego no flagra com a pá numa mão e um osso na outra... Aí eles não tiveram saída e confessaram tudo. No começo, Renei, a mulher, agia sozinha. Os dois nem se conheciam. Mas aí, um descobriu o que o outro fazia e se juntaram, formaram um casal.
- Dois canibais. Que horrível! – estava com os braços cruzados e levantou-se, ficou agitada. Eu continuei ali quietinha e já parava de chorar.
- Ninguém prendeu essa porra e essa dona porrinha? – parecia um rapper com os braços cruzados e o rosto enfezado. Só faltou o boné virado.
- Não tiveram mais notícias deles. Perseguiram um rastro do casal na Austrália, mas não deu em nada. – informou e nós ficamos em silêncio um tempo. O único ruído eram os passos de .
- Nós vamos colocar isso no trabalho? Quem mais sabe? – Cortei o silêncio e olhei para de repente.
- Alguém como o professor de história com certeza sabe. Mas acho melhor não colocar... Vamos colocar só algumas fotos do prédio do manicômio e depois da escola e pronto.
resolveu assim e nós concordamos. usou seu pen-drive para transferir as fotos e quando colocamos todas no trabalho final, demoramos um tempo observando uma delas, onde estavam todos os internos dispostos em três fileiras sobre um gramado muito verde e com a construção que parecia um castelo medieval ao fundo.
Acho que todos nós estávamos olhando a foto concentrados em adivinhar quais daquelas pessoas seriam os canibais. Quem parece que é chegado numa batatinha da perna?
- Vocês vão demorar? – parecia estar parado à nossa frente há um bom tempo, mas o susto com a voz dele foi unânime e inevitável.
- Puta que o pariu! – Exclamou quase sem voz.
- Que foi? O que vocês estão olhando? – se esticou, mas fechou o netbook antes que ele pudesse ver. O computador antigo estava no seu demorado processo de desligar e observou. – Eu nem sabia que tinha um computador aqui no fim do corredor! E pela aparência dele, eu podia jurar que não ligava mais!
- A gente já está indo, você também já vai? – foi pegar sua mochila.
- Já. ... Seu nariz está vermelho, andou chorando?
- Imagine! É o pó que tem aqui, me fez espirrar demais. Vamos logo sair daqui antes que eu espirre meus pulmões.
foi rápida na desculpa e nós saímos de lá tão rapidamente quanto.


IV - Busca

e eu voltamos para casa a pé. Gosto de caminhar conversando com ele, faz as coisas parecerem tão mais... Leves...
Eu estava tentando colocar algum juízo na cabeça do porque faz uns dias que ele veio com um papo de descolorir o cabelo. Eu adoro o tom de que ele tem, se descolorir vai parecer um fantasma! Depois que o papo foi encerrado e ele pareceu ter desistido, passamos por um grupinho de meninos jogando bola. Uma bolada veio na nossa direção e a parou com o peito, depois jogou para os pés e começou a fazer embaixadinhas. Um menino veio buscar a bola e ficou assistindo até a décima embaixadinha de , que foi quando ele desequilibrou e parou para devolver a bola. O garoto de uns onze anos se afastou com a bola e eu vi como ele era gordinho. Sem querer, eu me lembrei daquela coisa, daquelas pessoas malucas e canibais. Os dois malucos agiam da mesma forma e de repente um descobriu o outro e é claro que foi amor à primeira vista. Para mim, isso é terror à primeira vista. Eu já achava muita loucura os chineses que comem os cachorrinhos, então imagine... Aonde esses loucos foram? O que estão fazendo? Isso seria um mistério digno de reportagens. Agora eu queira aqueles jornalistas intrometidos aqui! Onde já se viu preparar carne humana como se fosse algum animal? Ok, os seres humanos são animais. Só que não tem cabimento uma pessoa comer carne de outras pessoas, assim como uma galinha comer omelete, ou um porco comer bacon!
Pensando melhor nisso, nenhum animal deveria ter esse destino. Decreto que sou vegetariana a partir de agora, é.

Cheguei em casa e tomei um banho, depois fui ver o que tinha de bom na internet. enviou-me um reply no Twitter e parecia completamente apavorada, informando que vinha pra cá. Ela disse que vinha, mas nem perguntou se podia.
Alguém bateu na porta do meu quarto e eu até assustei achando que a tinha chegado na velocidade da água! Mas quando abri a porta, eu vi que era o , ele só entrou e sentou na cama.
- O que foi?
- Hm?
- Você chegou aí e ficou todo quieto. O que foi?
- Nada... É que eu ia para casa, mas a sua mãe quis me mostrar aquelas fotos que tiramos vestidos de vampiros.
- Ah, droga. Nem me lembre daquilo. Para completar, nós tivemos que pagar todo o estrago da roupa.
- É... E depois tinha umas fotos suas com a Nathalia.
Ele estava todo cabisbaixo. Eu fui lá e sentei ao seu lado.
- A minha mãe não devia ter...
- Não, está tudo bem. Ela está tão triste quanto nós. Pensou que talvez as fotos me fizessem sorrir, e fizeram, mas também trouxeram aquela sensação amarga de quando a gente está cheio de problemas pra...
Eu o interrompi com um beijo perto da boca. De repente eu estava desesperada para virar aquele jogo e não ter de vê-lo com o olhar pesado e triste. Dei um leve beijo sobre os lábios e depois senti a língua dele desenhando o contorno do meu lábio inferior. Eu queria muito que ele tivesse alguns minutos de esquecimento e eu também precisava disso.
- Deixe o amargo virar doce. – Eu sussurrei com a boca perto da dele.
passou os braços em volta de mim e eu sempre podia me sentir segura quando estava naquele abraço e com aqueles lábios nos meus. Ele conseguia me dizer que está apaixonado por mim sem precisar falar. As pessoas falam que beijar qualquer um é legal, mas eu nunca senti que outro cara conseguia me proteger e trazer conforto enquanto beijava. Só o pode me fazer esquecer, levar a outro mundo.
E quando eu já estava distante o suficiente para esquecer que as outras pessoas existem, uma dessas pessoas me acerta com um frasco de desodorante no braço. SUA... ARGH!
- Mas que putaria, huh! – Agora foi a voz de . Esses demônios.
- A sua mãe está em casa, eu vou descer a escada e contar pra ela o que vocês faziam aqui!
- Ela não vai querer ser avó tão cedo. O que você acha, ?
- AH, me deixem em paz! – Atirei um bichinho de pelúcia em cada uma e jogou de volta o frasco de desodorante. – O que vocês querem?
- Euvouàcasadoenecessitodeajuda, POR FAVOR! – vomitou as palavras e eu demorei uns segundos pra entender.
- E eu... – chamou a atenção pra si. – Vou sair com o !
- Aaaah... – estreitou os olhos pra ela. – Bem que quando a gente saiu da biblioteca eu não vi mais vocês dois! Aonde foram?
ficou meio vermelha e eu e abrimos a boca.
- Você não brinca em serviço! – apontou o dedo quase no olho dela. – Já pôs as mãos nele!
- As mãos e muitas outras coisas... – Cara de safada On.
Ficamos rindo um pouco e eu levantei da cama disposta a ajudá-las no que precisassem. Até o parecia animado, ele ia ajudar a com o que ela ia dizer ao .
- Eu não sei porque, assim... Quando eu cheguei em casa, eu estava abrindo a porta e ligou. Falou que se sentia sozinho e que queria que eu fosse lá ficar com ele. Mas o que vem embutido nessa palavra... Ficar... Não sei! Eu não sei o que fazer quando chegar.
- Eu acho que se você quer ficar com ele, digo, pegar mesmo, devia falar logo. – estava jogando os cabelos, tentando arrumá-los de frente para o espelho.
- É que é estranho dizer isso pra um menino que está entrevado na cama.
- Não é estranho. ... – Dei um pequeno chute nos pés dele. – Deita aí.
- Ô louco! , corre, pega a câmera, vamos ganhar dinheiro com filme pornô!
começou a fazer um movimento sexy com a mão sobre o agasalho e eu tentei me concentrar. Não deu muito certo porque eu falei rindo.
- Vocês não valem nada, mas eu vou te ajudar...
ficou deitado fingindo ser o . Nós não sabíamos em que estado ele estava, mas parecia um defunto.
- , você pode abrir os olhos. conseguiu até ligar para mim, não é como se ele fosse uma múmia!
sorriu de leve e começou a erguer os braços como uma múmia. Eu olhei pra e depois falei com a múmia.
- ... – Imitei a voz um pouco aguda e manhosa da . – Desde que eu entrei nessa escola, na sexta série, não teve um dia em que eu não olhasse para você... Quer ficar comigo?
A múmia, digo, o murmurou alguma coisa incompreensível e me derrubou agilmente num abraço que me fez cair de costas na cama. Ele começou a beijar meu rosto todo e eu pude ouvir soltando um “ah, me poupe”.
Logo depois um objeto vibrou sob minhas costas e eu levantei num susto. Era o celular de , espero não ter esmagado o pobrezinho quando fui derrubada em cima dele!
olhou, mas pareceu não reconhecer o número. Ela não gosta de números desconhecidos...
- Alô? – Sentou-se na ponta da cama de costas para mim e passou o tempo todo em silêncio. era a única que estava de frente para ela e passou a olhar seu rosto com estranheza. Quando desligou e olhou pra gente num movimento muito rápido, eu entendi porque a olhava com as sobrancelhas franzidas. tinha água nos olhos.
- Era Nathalia... – Ela disse num filete de voz.
ficou hesitando por uns segundos, acho que perdeu a voz e recuperou em seguida
- Nathalia?! Tem certeza?
- Aham, aham, tenho! Ela disse! – balançou a cabeça num gesto meio atordoado e eu vi que todos nós estávamos do mesmo jeito, fomos pegos de surpresa e totalmente despreparados.
- O que mais ela falou? Disse onde está? – se aproximou com passos largos e sentou também na cama.
- Sim, quer que a gente vá buscá-la agora! Disse que é importante que seja até essa noite porque se não vão matá-la.
- Quem vai matar? Quem está com ela? Em que lugar? – inclinou o corpo na direção de e a fez olhar pra ele. Ela estava muito assustada.
- Não sei exatamente quem, eu não entendi! Mas ela está na escola.
- Na escola? O que ela faz lá? – Finalmente perguntei alguma coisa e levantei. Estava em estado de choque ainda.
- Não sei, ela não falou mais nada além disso... Ah, ela disse para não avisar para ninguém e nem chamar a polícia.
- Mas quem será que está com ela? Alguém da escola?
A pergunta de ficou pairando no ar sem resposta e o celular de tocou.
- Oi! Quem é? ... Ah, sim, , eu ia mesmo ligar para você! Não, não, calma... Houve uma emergência sim, mas pelo jeito é coisa boa! – Ela olhou para nós sorrindo. – Teremos de ir à escola. Você vem também? Ok, então.
- E aí... – quis saber.
- Ele está dentro. Está vindo para cá.
- Meu Deus! Será que ela vai estar viva quando chegarmos?
Todos ficaram tensos por um tempo depois da pergunta de .
- Então, é melhor a gente ir ao invés de ficarmos aqui buscando respostas que só vamos encontrar lá. – Eu vesti meu agasalho da sorte que estava em cima da cadeira (é meu agasalho da sorte porque nos dias mais loucos da minha vida eu estava com ele, tipo no show do Hit The Lights, no dia que eu saltei de bung jump... Dias inesquecíveis, agasalho inesquecível!) e parei no batente da porta. Eles me encaravam assustados, estavam com medo e eu também.
levantou decidida e passou por mim. Depois , e foi o último. Eu fechei a porta do meu quarto e segurei na mão dele.
- Nós vamos resgatar a sua irmã! – Eu sorri para , que em seguida beijou a minha testa.

Avisei pra minha mãe que ia sair, mas não disse o que exatamente eu ia fazer na escola essa hora. Já está quase escurecendo... Ela me deu uma caixa de bombons para eu não ficar com o estômago vazio. É, adoro ela!
sabe onde é minha casa. Todos sabem onde é porque fica no mesmo bairro que a escola. Ficamos comendo bombons sentados na calçada esperando que ele chegasse lá para irmos juntos e quando ele chegou, foi no carro dele e e eu entramos no carro da . Cada passo à frente fazia o nervosismo aumentar. Quando desci do carro e comecei a caminhar pelo estacionamento, eu estava toneladas mais nervosa do que quando saí de casa. E assim sucessivamente.
- Ela disse que devíamos descer a escada lateral da cantina. – Informou .
- E depois? – encaixou-se no círculo que havíamos formado perto do carro de .
- Depois eu não sei... A ligação foi rápida, ela só despejou as coisas em mim, falando tudo rapidinho.
- Por que ela ligou justo pro seu celular? – Pensei meio alto.
- Não sei, e ligou de um número que eu não tenho no meu!
- Ah, , e qual é o número que você tem na sua agenda? No máximo o da sua mãe e mais uma amiga, só. – abanou o ar.
- Não é verdade! Eu tenho de alguns de vocês, acho que só não tenho o seu... E o seu... – Ela olhou pensativa pra e depois pra . – O do eu peguei hoje e do Gabriel e do Wesley eu não tinha... Acho que não vou precisar nunca mais.
torceu um pouco a boca e todo mundo no círculo pareceu fazer a mesma cara. Foi como se de repente a gente estivesse prestando um minuto de silêncio para eles de novo. A gente fez isso em sala pelo Gabriel apenas, porque do Wesley não foi confirmada a morte. É sempre triste prestar essa homenagem silenciosa. Mesmo que por dentro a gente esteja em chamas, o mundo todo ao nosso redor parece estar silencioso e parado.
A voz de invadiu o espaço vazio.
- Acho bom a gente entrar, então.
Ele se movimentou em direção à porta e nós o seguimos. Pedi a Deus que me desse calma, para que eu não esquecesse de respirar e poder arejar o meu cérebro. Para pensar rápido, para lutar e correr se for preciso. Nós vamos sair com a Nathalia daqui hoje! Eu estou dizendo!

estava no balcão da cantina assistindo televisão com os pés pra cima. Eu esqueci que a cantina permanece até as dez horas da noite, por causa dos poucos alunos do período noturno. Nós não sabíamos se o fato de ele estar ali era bom ou ruim. Nós poderíamos perguntar se ele viu Nathalia, mas eu não confio muito nele.
- HEY!
tirou os pés do balcão e levantou da cadeira. Fomos avistados de longe. Nos entreolhamos um pouco desconfiados e fomos até ele.
- HEY! Venham rápido!
Nós apertamos o passo, fomos direto pra ele.
- , o que...
- Nathalia, a Nathalia! A que procuravam! – interrompeu o que ia perguntar. Parecia realmente desesperado.
- Mas onde? Cadê ela? – Contagiei-me com o desespero dele e com a possibilidade de achá-la finalmente.
- Desçam a escada. Vão rápido, tem gente atrás dela! Entrem por aqui.
Ele abriu uma porta e nós passamos para o outro lado do balcão da cantina. Descemos uma escada que acabava na cozinha. Uma cozinha totalmente bagunçada, diga-se de passagem.
Nathalia não estava lá.
- É por aqui.
A voz de saiu grave e ele abriu – pasmem – a porta de uma geladeira roxa.
Nós ficamos com caras de assustados. Tinha um buraco na parede exatamente do tamanho da geladeira, que também tinha o mesmo corte no fundo.
- Sim, é uma passagem secreta... – Confirmou entediado e depois gritou. – Andem!
entrou primeiro e depois . olhava para mim de canto de olho e foi a próxima. Depois eu e acredito que atrás de mim vinha .
Ouvi quando fechou a porta da geladeira e o túnel ficou escuro. Logo em seguida, luzes laterais foram acesas revelando um corredor normal. Nada de paredes de barro ou tijolos medievais à mostra.
Porém, mesmo com a assustadora simplicidade daquele longo corredor, nós andávamos muito vagarosamente, pegados uns nos outros, atentos a qualquer ruído.
Parecia um labirinto aquilo. Havia outros corredores ligados a este e não encontrávamos ninguém lá dentro para informar aonde ir. A sensação de desânimo se abateu sobre nós, nunca encontraríamos uma pessoa num lugar como aquele.
- Err... Eu sei que está todo mundo assustado, mas... E se a gente se dividisse? – Propôs .
- Ah, não! Eu não quero ficar sozinha! – foi categórica.
- Nos dividimos em duplas e ninguém fica só! – insistiu e eu só observando. Olhando os motivos de cada um, os dois estão certos! Mas é preciso escolher, dividir ou não?
- Tudo bem então, quem vai com quem? – Optei por dividir logo e prosseguir.
- Eu vou com você, porque você é mais corajosa! – grudou no meu braço.
- vai com e eu fico com as meninas. – terminou de dividir e cada um se ajuntou com sua ‘equipe’
- Todos estamos com celulares carregados? E com sinal? – Perguntou . Todo mundo pegou os celulares, menos , que já estava com ele na mão.
- Será que meia hora é o suficiente pra gente se reunir de novo?
- Ah, tem que ser sim, ! Eu não vou ficar mais do que isso aqui nesse lugar frio! – passou os braços em volta do corpo e eu percebi que ela tinha razão, estava mesmo friozinho ali.
- Ok, a gente sai em meia hora e nos vemos lá fora! – Despedi-me de e com um breve aceno e eles entraram em um corredor à esquerda.
Fiquei com vontade de assistir até que eles virassem de novo em outro corredor e sumissem das nossas vistas, mas precisei ser mais forte que isso...
, e eu seguimos reto. Estávamos ainda no corredor principal, se olhássemos pra trás dava pra ver bem ao longe a porta por onde entramos.
- Santo Deus! Eu nunca imaginei que havia ainda outro prédio desconhecido nessa escola! – murmurou como se estivesse pensando alto. Tenho que concordar com ela, quem imaginaria isso?!
- Por que Nathalia veio se esconder aqui? Que porra, vai se foder! – Resmungou .
- Muita calma nessa hora. Já vamos achar a Naty e sair daqui. – passei meu braço em volta da cintura dele. Achei fofo o jeito como nós três estávamos andando grudados pelo corredor, como crianças, com o braço enganchado no meu e abraçado comigo.
Havia algumas portas ao longo do corredor. Quando passávamos por elas, podíamos ver números em plaquinhas como num hotel. Estávamos preparados para tomar algum susto e ele veio de repente quando uma porta se abriu ruidosamente a uns dez metros da gente. Ficamos estáticos! Preparados pra virar e correr.
Mas que tolos.
Foi só o David que apareceu e acenou para nos chamar.
Desgrudamos automaticamente um do outro, pra não parecer um bando de loucos.
- Olha, eu preciso que vocês esperem aqui. Tem um invasor na escola, o seqüestrador da Nathalia veio atrás dela. Então fiquem aí nessa sala que eu vou buscá-la e trazê-la.
- Se você sabe onde ela está, eu vou com você. – cruzou os braços para ele.
David ficou pensando, como se tivesse muita alternativa... Quando quer uma coisa, ele insiste até conseguir.
- É perigoso, cara.
- Mas a irmã é minha!
- Ok, tudo bem.
- Ah, então eu vou também! – Eu não queria ficar naquela sala esperando.
- Se ela vai, eu também vou. Sozinha não fico! - deu um ataque.
- , ... É melhor vocês ficarem aqui. Pode ser perigoso!
- Mas, , eu não quero...
- , fique aqui antes que você se machuque. Está bom? – encostou sua voz macia no meu ouvido e eu não tive como reivindicar.
- Volte rápido. – Olhei nos olhos dele e vi meu rosto refletido lá dentro. Ele beijou o topo de minha cabeça e se afastou com David. Eu e entramos na salinha e fechamos a porta.

Quando passamos os olhos pela sala, vimos algumas cadeiras universitárias amontoadas lá no fundo, uma estante com um antigo equipamento de vídeo e uma televisão 20’’. Nós sentamos no tablado próximo à lousa e suspiramos praticamente ao mesmo tempo, depois rimos com isso.
- Amanhã nós vamos rir dessa merda toda, você vai ver... – Falei pra ela.
- Chorar é que nós não vamos! Eu espero que assim seja.
- Esse seqüestrador vai ter que pagar muito caro. Pela Naty e pelo que a gente está passando.
- Seja quem for, ele a persegue tanto por quê?
- Nem idéia...
- Se for o mesmo que pegou os outros, por que não a matou ainda?
- Não sei, . Sei lá... Talvez, está apaixonado por ela! – Brinquei.
- Mas a gente nem sabe se é um homem ou uma mulher...
- David deu a entender que era um homem. Mas se não for, pode ser uma seqüestradora-assassina-lésbica, vai saber!
Nós rimos, mas ainda estávamos nervosas.
- Se o demorar demais, a gente sai daqui. – Ela olhou para mim quase que implorando por uma resposta positiva.
- Fechou.
Depois que eu concordei ficamos em silêncio, só esperando. Não demorou muito e Lady Gaga invadiu a sala, era o celular dela.
- É o ! Deve estar querendo notícias, enviei um sms para ele agora há pouco.
levantou e ficou andando enquanto falava.
Eu observei mais a sala durante esse tempo. Havia umas prateleiras na parede da minha direita, logo depois da estante com a televisão. Imagino que ali ficavam as velhas fitas VHS para o vídeo cassete... Por que esse lugar todo foi desativado? E pior, transformado em alguma espécie de passagem secreta pelos donos da cantina? Isso é muito estranho e...

AHAHA sem chance de eu ligar pra ela.

Essa voz veio da televisão. estava encostada ali na estante e deve ter ligado um botão sem querer enquanto contava a inacreditável história do corredor secreto da escola. Nós duas paramos o que estávamos fazendo – ela falando e eu, autistando – para observar a televisão. Aquilo estava no canal do circuito interno da escola, mostrava todas as câmeras. Nós vimos um corredor por onde passavam dois rapazes conversando e indo para a biblioteca. E vários outros corredores normais da escola foram sendo exibidos, trocando de imagem a cada cinco segundos.
acabou se despedindo de dizendo que ia ligar em poucos minutos. Era a curiosidade de observar as câmeras da escola!
Nós chegamos mais perto da estante e tinha duas portinhas logo abaixo de onde estava a televisão. Abrimos e ficamos surpresas com um painel de controle cheio de pequenos botões. Arrisquei apertar um botãozinho e o monitor permaneceu recebendo a imagem da mesma câmera por mais tempo. Por coincidência, estava justamente na entrada para o banheiro masculino. Assistimos com largos sorrisos quando um garoto lindo que nós não conhecemos saiu de lá e ficou olhando a porta de vidro de uma estante com troféus, ele estava arrumando o cabelo e fazendo caras. Nós ficamos rindo por ter parado justamente naquela câmera.
- Deve ser bom estudar à noite... – falou, meio hipnotizada. Eu só concordei com a boca aberta.
Depois ele saiu e quando não tinha mais nada para ver naquele ângulo, arriscou um botão e foi para outra câmera. Mostrava a frente da cantina. Eu olhei para ela, pensando numa coisa e ela olhou de volta, mostrando que pensava o mesmo. Nós começamos a escolher vários botões, procurando a Naty por ali. Quando caía em alguma câmera que estava nesses corredores da ala abandonada onde, supostamente, Nathalia se escondeu, sempre ficávamos mais esperançosas... Acabamos encontrando e , eles estavam andando de mãos dadas, muito bonitinho! Encontramos um monte de corredores vazios e algumas câmeras estavam dentro de salas também. Vimos , mas ele estava sozinho e eu fiquei muito, muito, muito preocupada! Por que David o abandonou?
Eu vi o número das salas no corredor onde estava agora e quis ir até lá. Cheguei a andar até a porta, mas antes que eu abrisse, ouvi chamar.
- Espera, vem aqui!
Eu fui ver e conforme eu me aproximava, o meu coração ia saltitando mais... Nathalia estava na tevê!
- NÃO ACREDITO! , nós achamos nossa amebinha perdida! – Eu e ficamos pulando na frente da televisão. Parecia que um problema enorme estava chegando ao fim.


V- Traição

Agora só faltava alguém libertá-la. Nathalia estava dentro de uma sala como essa aqui, e ela estava amarrada.
- Será que o ou o David ou e vão encontrá-la rápido aí para gente poder ir embora?
Assim que perguntou, ouvimos um barulho de porta abrindo. Mas não era na nossa sala e sim na sala que estávamos assistindo pela televisão. A pessoa que entrou só foi exibida de costas, mas eu podia ver pela roupa e depois pela voz que era o .
Ele ficou emocionado encontrando a irmã! Eu quase chorei.
[n/a: em itálico é o áudio que vem da tv]

Nathalia, não acredito, achei você! a abraçou antes mesmo de desamarrá-la.
Ela estava numa dessas cadeiras universitárias com os braços presos pra trás, mas a boca estava livre pra falar. E ela chorava e ria...
Eu também não acreditei quando a vi! Como é possível que esteja viva?
a desamarrou e quando ela ficou de pé, deu-lhe um abraço. Eu e estávamos assistindo e sorrindo feito bobas, até que alguém começou a bater na porta da sala feito louco. Eu olhei pra , tremendo na base, as duas assustadas. Não deu nem tempo de fazer nada, a própria pessoa percebeu que a porta estava destrancada e girou a maçaneta. Eu tive de engolir meu coração de volta antes que eu o vomitasse. E se fosse o tal seqüestrador da Nathalia? E se o cara...
- ?! – Falei surpresa. Ainda bem que era ele!
- Meninas, meninas... – entrou na sala apressado, esquecendo-se até de fechar a porta. – sumiu!
- Mas como? Ela estava agarrada a você agorinha, nós vimos!
- É! Mas... Hm, viram? Viram como?
Nós saímos da frente da televisão para que ele pudesse olhar.
e Naty pareciam estar conversando, mas o som estava mais baixo agora, ou eles que estavam cochichando. Quem quisesse entender o que era teria de prestar mais atenção e colar os ouvidos na tevê. Mas e aí, que diabos estavam conversando? Tinham de sair dali!
- Gente... – Meus ouvidos captaram uma voz baixa logo atrás da gente, mas minha mente insistia em continuar virada para a tevê, tentando ouvir o que estava conversando.
- Gente, pessoal? GENTE!
Nós todos viramos e era que estava na porta. Eu sorri para ela e me senti culpada por ter escutado o chamado e não ter ido logo.
- falou que você sumiu! Estávamos preocupados! – Eu fui correndo na direção dela pra dar um abraço. É claro que me preocupei com ela! Mas ela não estava com uma cara muito boa. Eu a abracei e ela ficou toda estranha...
- Que foi? – Perguntei soltando-a.
Ela não respondeu nada, mas continuava com uma careta.
Um monte de coisas aconteceram nesse mesmo minuto. Primeiro eu senti uma coisa umedecendo minha mão, entre os dedos... Depois eu vi David parar de pé logo atrás de e quando finalmente olhei para minha mão, eu senti que ia ficar sem fala.
Mas foi o contrário, comecei a gritar.
- Ah, fala sério, fala sério, fala sério, fala sério! Ah!
Minha mão estava suja de sangue e ao que tudo indica era da .
Eu fui para perto de e . veio devagar com seu braço sendo segurado por David. Ele fechou a porta com o calcanhar.
- Vejo que vocês já exploraram o sistema interno de câmeras...
Quando ele falou, eu olhei de relance para a tevê e pensei ter visto e Naty com os rostos meio próximos, mas de um jeito muito, muito estranho! Quase... Num beijo! Olhei para os outros para ver se eles estavam vendo aquilo, mas todos olhavam para David. Quando voltei a olhar para a tevê, os dois estavam a uns quatro passos de distância. Eu devo ter imaginado.
- Mas... David, o-o-o... O que é isso? – falou com dificuldade. Se fosse ela com sangue da na mão, nem conseguiria abrir a boca.
- Desculpe ferir a , foi... Sem querer.
Ele tinha uma carinha linda e irônica. Uma carinha que eu queria muito encher de soco.
- Deixa a gente ir! – Minha voz saiu trêmula. Odeio quando ela faz isso!
- Ah, eu sinto muito. Não vai dar.
- Como... Como assim? Cara!
- Desculpe, . Eu sei que o trato não foi...
- Trato? Que trato? – ficou nervoso e todo mundo olhou para ele. David deu uma risadinha e ninguém entendeu nada.
- Como você acha que te ligaram, ? – Foi só o que David disse.
passou o número dela para hoje. Ela o olhou assustada e eu também.
- Calma aí, ! Eu fiz um trato com ele, mas não tinha nada a ver com isso! E, afinal, o que é isso que está acontecendo? Ficou maluco, David?
David rolou os olhos e fez um gesto abrindo e fechando os dedos ao lado do ouvido. continuou explicando-se para nós, que o olhávamos de sobrancelhas franzidas. Eles estavam combinados? Para fazer o que?
- Ele disse que ia dar umas dicas para eu me arrumar melhor e conseguir... Co... Conseguir, éer, recuperar a . Eu juro que é só isso! – Ao falar, olhou para e sorriu. Ele ficou um pouco vermelho e foi tão fofinho que eu já não estava mais brava. e muito menos. Aposto que se ela não estivesse com o braço preso por David, iria até ele para dar um beijo. É claro que ele não tem nada a ver com isso que David está fazendo, já me convenceu!
- E você achou que eu não ia querer nada em troca? – David interrompeu o momento cute dos dois e tirou do bolso um celular.
- Meu celular! – reclamou.
- Peguei emprestado, espero que não se importe.
Mas... O que está acontecendo aqui, afinal? Para que isso tudo? Porra, eu quero sair agora.
- O que você quer? – Falei e dessa vez, felizmente, minha voz saiu normal.
- Eu só estou seguindo ordens.
- De quem? – deu alguns passos na direção dele, mas David ergueu uma faca.
- Cuidado, garoto. Não vai querer chegar tão perto. chegou perto e olha o que aconteceu... Está pingando no chão da sala.
Ele jogou um impulso no braço de para empurrá-la para nós. a segurou e nós recuamos. Permanecemos ali, coagidos e assustados, sem saber o que era tudo aquilo! estava com algum ferimento nas costas e precisava ser socorrida. Eu não sei se é grave, ela pode morrer!
- O que estamos esperando, então? – perguntou. Estava quase se escondendo atrás de mim.
- Meus pais.
- Os seus pais estão por trás disso?! – Foi uma pergunta retórica, eu sempre os achei estranhos.
- Também... – Ele me respondeu mesmo assim e deixou outras perguntas no ar.
- Também? Vocês têm um cúmplice? Quem é? O que vocês querem?
- De você... – Olhou para . – Nós vamos pegar um dinheirinho e dos outros... Não sei, meus pais vão decidir. São eles que preparam o cardápio.
- Hã? – Não consegui conter minha falta de compreensão. Que diabos ele quer dizer com cardápio?
- Ora, não finjam que não sabem! Vocês nem desconfiam?
- DE QUE?! – gritou com ele e a porta se abriu. Eram Nathalia e .
Eu olhei para os dois quase gritando com os olhos, pedindo que eles corressem dali. Mas Nathalia parecia bem tranqüila. Entrou, fechou a porta e veio puxando pela mão até o meio da sala, onde nós estávamos.
- Pare de assustar os meninos, David! – Naty deu um tapinha no braço dele quando passou. Ela ficou parada com ao seu lado e estava com uma aparência muito boa para quem passou uma temporada no cativeiro.
- Nathalia! Do que você sabe? – continuava afoito e quase voou para cima da Nathalia, mas foi detido por David.
- Eu sei tudo que eles fazem aqui... – Naty deu de ombros. Senti que meu queixo ia começar a cair a qualquer momento.
- São assassinos? – sussurrou com a cabeça no meu ombro. Ela estava toda escondida atrás de mim agora.
- Ah, eu acho que eles vão além da parte de matar, sabe. Mas... Chega de papo. Ei David, anda logo com isso.
David assentiu uma vez e começou a vir na minha direção. Eu prendi o ar e esbugalhei os olhos. Devo ter ficado verde! Ele estendeu o braço e tirou de onde estava, como um coelhinho assustado. Arrastou a menina até um canto da sala e a encostou na parede. Suspendeu seu corpo até ela encaixar os pés numa tábua que acompanhava aquela parede de um lado a outro, a uns trinta centímetros do chão. Depois posicionou os braços dela abertos em tábuas menores, as que eu pensei que fossem prateleiras para fitas de vídeo. Aquilo estava pronto pra deixar pessoas presas! Havia pequenos cintos de couro pregados nas madeiras onde ele prendeu os braços de . E havia também outras tábuas iguais ao longo da parede... Meu corpo gelou só de pensar em ficar presa ali também.
O que ele está fazendo? O que Nathalia está fazendo? Ficou louca?!
Naty fazia carinho na nuca de de um modo muito estranho. E ele não falava nada, só ficava rolando um papelzinho azul de bombom entre os dedos.
- Passa o celular. – Nathalia falou com David e ele deu o celular de . Ela saiu de perto do por uns instantes e foi até . Eu tentei falar com ele, mas ele nem olhava para mim. Pegou uma caneta no bolso e começou a rabiscar o papel que tinha na mão. Eu queria gritar e minha voz estava perdida em alguma parte de mim, parecia pesadelo.
Voltei minha atenção para o que acontecia com . David procurava alguma coisa no bolso da jaqueta dela, até que pegou o celular e entregou à Nathalia. Ela achou o que queria no celular da e depois passou a mexer apenas com o outro, do .
Eu me aproximei de . Ela estava com a mesma cara de bunda que eu.
- Você está bem? – Sussurrei.
- Na medida do possível.
- O seu corte, ele...
- Relaxe, não parece muito fundo. Já nem dói mais... – Ela sorriu para mim e eu não acreditei muito na última afirmação.
Nós duas voltamos nossos olhares fuziladores para . Por que ele não fazia nada?
Escutei umas batidas de repente e era , tentando abrir a porta a todo custo. Parece que estava trancada. Mesmo assim ele continuou insistindo e se debatendo até que David chegou e imobilizou seus braços. David olhou para e deu um breve assobio pedindo que ele fosse até lá. Quando foi e ajudou a carregar , eu me toquei que aquela porcaria não podia estar acontecendo mesmo!
- CHEGA! QUE PORRA É ESSA?
Explodi. Todos me olharam.
logo virou o rosto de novo e voltou a carregar pelas pernas.
- Já vou te falar o que é. – Nathalia virou-se para mim e ainda estava com o celular do nas mãos. – Nós sabemos que a mãe da trabalha na série Poison Punk. E que o pai dela é um empresário ocupadíssimo que vive viajando... Eles têm milhões e milhões no banco e a própria já tinha uma conta milionária antes mesmo de nascer! Então nós pensamos... Uns seis milhões não vão fazer falta.
Nathalia deu de ombros outra vez e voltou a prestar atenção na telinha do celular.
- Vocês estão seqüestrando a gente? – falou, estava ao meu lado.
- Meus pais não vão ter tudo isso, o salário de atriz não é de milhões e a empresa do meu pai vai indo mal esse semestre! – estava se revirando.
- Pois então que vão para o buraco de uma vez, já aproveitaram a riqueza por tempo suficiente. Acabo de enviar a mensagem para o seu pai. Se ele não responder e nem ligar em dois minutos, eu vou tirar uma foto sua para enviar e não vai ser uma das fotos que ele colocaria na mesa dele!
- Mas você é a Naty! – falou com uma voz fraquinha de dar pena. – É nossa amiga há um tempão, não acredito que faria isso comigo.
- Eu não faria, eu já estou fazendo. E a propósito, eu nunca gostei muito de você.
- Nunca gostou muito dela?! – Fui até a Nathalia furiosa e ficamos cara a cara. – E de mim, o que diz, então? Eu fui sua amiga! E você o que... Me odiava, fazia voodoo pra mim...?
- Não seja tão cafona. Voodoo é coisa de quem não tem atitude para ir lá e fazer de verdade. Fiz planos e agora estou colocando em prática! Sabe, eu gostava e ao mesmo tempo não gostava de você. Eu gostava até o dia que você me apresentou seu defeito. Quando eu fiquei sabendo que você gostava do , eu parei de gostar de você, foi simples assim.
- , você não vai dizer nada? O que é que você tem a ver com isso? Dá um jeito nessa sua irmã! Essa daí não pode ser a Nathalia de verdade!
continuou calado com as mãos nos bolsos da calça. Ele estava me irritando profundamente, eu pensei em chacoalhá-lo.
- Essa sou eu de verdade, você goste ou não. E a minha vida toda eu sofri por...
- Pára com esse discurso chato de ‘sofri a vida toda’... – Elevei meu tom de voz involuntariamente e quando vi estava gritando. – Sua vida era perfeita!
- Se apaixonar pelo irmão biológico e ver a mãe morrer se encaixa em algum dos seus padrões de perfeição? – Ela também elevou um pouco a voz e ficou me encarando no fim. Depois falou baixinho voltando a se concentrar no celular. – Porque, se for, me avisa e assim nós tentamos trocar de vida.
Eu passei os próximos segundos tentando digerir aquilo.
- Vocês... – Apontei para um e depois para o outro, sem conseguir concluir minha frase.
- Sim, eu conversei com ele e nós estamos juntos. E sim, ele termina tudo com você a partir de agora.
Eu ri. Fiquei parada com um sorriso idiota na cara, aquilo era insano demais.
- Certo, podem parar com a brincadeira! Eu estou participando de algum programa? Vocês estão me filmando?
- Cafona! – Nathalia cantarolou. – Não tem ninguém brincando aqui, imbecil, acorda pra vida!
Meu olhar estava perdido em algum lugar do rosto de Chris e o sorriso que eu tinha foi ficando menor até sumir. Eu abandonei a última esperança de que aquilo era pegadinha e meus olhos começaram a lacrimejar. Abaixei o olhar para o piso de madeira, que eu já não conseguia enxergar direito por causa das lágrimas. Eu tentei não olhar para de novo, com os olhos cheios de água, mas não pude evitar. Olhei para ele e ele desviou o olhar automaticamente. Foi como se eu tivesse ficado sem ar, sem estômago e sem rins, pâncreas, vazia por dentro. É claro que ele deveria amar a irmã, mas não com esse tipo de amor! Que parada louca é essa?
- É verdade? – Perguntei baixinho e balançou a cabeça olhando meio de lado, sem me encarar.
- David... – Nathalia o chamou com um tom de tédio na voz. Só agora eu vi que ele estava amarrando na parede, igual a .
deve ter percebido que eu queria muito apertar o pescoço daquela criatura estranha em que a Naty havia se transformado! Quando vi, a estava com um braço enganchado no meu, meio que me segurando pra eu não fazer nada.
- Vocês dois são nojentos. Eu tenho nojo só de ter conhecido vocês. – Murmurei com os dentes cerrados. Fechei minhas mãos e as unhas quase perfuraram minha própria palma. As lágrimas que eu segurava desceram grossas esquentando meu rosto e pingando na minha roupa. Foi um inferno na Terra.
- David... O pai da não fez nada. Vamos incentivar um pouco as atitudes dele.
A voz de Nathalia continuava dando ordens. Eu queria pegar uma daquelas tábuas e acertar na cabeça dela.
David estava com a faca que usou para ferir . Entregou pra Nathalia e pegou uma peixeira dentro da calça. QUEM guarda uma peixeira dentro da calça?! Só o tamanho daquela faca era assustador e parecia muito afiada. Ele se aproximou de e Nathalia foi junto. Eu e nos aproximamos também.
- NÃO! – Gritamos juntas, em desespero.
- , diga seismilhões! – Nathalia apontava a câmera do celular para ela e David rondava com a faca, como se estivesse escolhendo um lugar para cortar. Ele subiu na tábua e quando colocou a faca atrás da orelha dela, eu e gritamos de novo.
- Nathalia você não precisa fazer isso! – Berrou .
- Ela tem razão. Se for por dinheiro, o... O, o seu pai também é rico! – Eu estava arfando.
- Eu sei, a única pobre aqui é a ! – Ela olhou pra meio de canto.
A tem bolsa de estudos. Ninguém a discriminava, até agora.
- Mas é que a parte do dinheiro é com eles. Eu vou ficar só com uma pequena porcentagem para fugir com o . Ou você acha que nosso pai ia aceitar nós dois juntos lá na casa dele? – Nathalia perguntou rindo.
- AAAAAAAGRHR. – gritou.
Havia um pouco de sangue na faca, David fizera um pequeno corte na orelha dela. Depois ele fez um corte rápido, cortou uma linha diagonal no braço estendido.
Nathalia tirou fotos da menina com o rosto vermelho de tanto gritar e David posando de mau ao lado dela, segurando a faca. Os gritos dela estavam me cortando como se fosse em mim que a faca estivesse passando.
- Termina com essa merda! A gente dá dinheiro pra você, eu raspo toda a minha conta e...
- Fica quieta, ... Foi idéia do passar aqui, eu nem queria ver vocês outra vez, mas até que está valendo a pena te ver choramingar desse jeito. Sabe, eu era sua amiga, mas depois que você começou a ficar com o , eu fui te odiando tanto! Era para ser eu!
- Mas você não pode fazer isso, você é irmã dele... De verdade! Ou não?
- Eu não acho. Não me considero irmã dele, a gente nem cresceu junto.
- Mas vocês são. E ficaram loucos se acham que isso vai dar certo. – Disse .
- Não joguem azar na gente... Tentem entender, cada vez que eu vinha passar as férias aqui, eu via como ele ficava mais bonito. Eu passava um semestre inteiro lembrando as últimas férias por causa dele. E teve aquela vez que eu vim pra cá porque fiquei com saudade e quis vê-lo. É uma tortura gostar de alguém que é proibido para você, mas agora eu convenci o de que eu gosto dele de verdade.
Nathalia sorriu chegando perto do e eu pensei seriamente em vomitar caso eles se encostassem. Felizmente alguém abriu a porta antes disso acontecer e todos olharam. Era o pai do David... E esse é o momento em que eu devia correr! E foi o que eu tentei fazer, mas aquele tiozinho é muito forte, me pegou pelo braço e me fez bater com as costas na parede.
- Esse foi o máximo que você conseguiu, David? Fala sério! O que dá pra tirar disso?
Ele comentou com o filho assim que fechou a porta e me deixou derrotada feito uma boneca de pano. Eu deslizei até sentar no chão... Aquilo não podia estar acontecendo, mas a dor nas minhas costas era real demais para eu mentalizar que aquilo era um pesadelo.
O celular que estava com Nathalia começou a tocar. Ciro chegou perto dela de um jeito intimidador e pegou o aparelho.
- É bom o pai dessa menina enviar logo a grana.
- Claro que vai. E você vai depositar minha parte, caso contrário, você sabe o que acontece.
Os dois ficaram se encarando um pouco, Ciro é muito mais alto do que ela, mas independente do tamanho, eu penso que os dois são uns frasquinhos de maldade, quero que morram esturricados.
- Nós já vamos. – Nathalia foi caminhando em direção à porta. – Não podemos perder o vôo.
Mas o quê? Eles vão pra onde?
Ainda não acredito que o me traiu assim.
Quando ele passou, finalmente retribuiu meu olhar, mas eu não consegui decifrar seus olhos. Ele passou me olhando como se estivesse em câmera lenta, como se quisesse guardar uma última imagem minha... Depois ele tentou jogar uma coisa no lixo bem ali do meu lado, só que caiu no chão.
Nathalia abriu a porta, passou e ela virou-se para nós dando um último recado.
- Ah, não tentem escapar. De um jeito ou de outro, vocês farão parte do molho de lasanha ou dos hambúrgueres de amanhã.
Fechou a porta ao terminar de falar.
Aquilo que ela disse me fez entender e eu fiquei paradinha pensando. Tudo bem que demorou pra ficha cair, mas é que foi coisa demais pra eu associar nos últimos instantes!
Olhei bem para Ciro, ele pegou a e começou a prendê-la à parede.
Ele é aquele louco da foto, aquela foto com vários loucos, ele estava lá! E pelo jeito como falam, só pode ser o cara que... Preparava... Pessoas para o jantar!
Eu fechei os olhos e virei de lado, tentando, sei lá, conter meus arrepios. Abri os olhos devagar e fiquei olhando o papel de bombom que jogou. A parte branca, que é a parte interna da embalagem de papel estava toda cheia de pequenos desenhos sem sentido. Ele fez uma sopa de letras, mas no meio daquela sopa enxerguei duas palavras: “eu volto”. Quase gritei ali mesmo.
- Vamos garota, não seja molenga! – David me levantou no colo. Nem tive tempo de pegar o papel.
- Me larga, canibal filho da puta, queima rosca, eu quero que você caia num poço na ilha de Lost!
- Se nós somos canibais, então vocês também são! – Argumentou Ciro. – Digam, quem aí comeu hambúrguer de Wesley dias atrás?
Nessa hora eu só vi a vomitando. Que diabos, eu quero sair daqui!
- Pára de se remexer! Parece uma isca. – David colocou-me de pé naquela madeira. Eu não faço idéia e nem quero saber o que eles vão fazer conosco aqui.
- Vamos, isso não é tão ruim... Os avós do David nasceram numa tribo canibal, era costume deles.
- Mas aqui nós não estamos na selva, senhor Ciro-maluco-do-hospício! – Gritei quando ele passou por nós.
David ainda estava com algumas dificuldades para prender meu braço. Eu estava escondendo os braços atrás do corpo e ele não conseguia nem pegar.
- O meu nome nem é Ciro, se você quer saber.
Alguém bateu na porta e Ciro foi abrir. Era Mariam agora, a mãe doida do David. Ela trazia lenha.
Lenha? ...
AH, LENHA! Vai queimar a gente!
Havia muita lenha nos braços de Mariam... Mirian... Sei lá como é o nome dela! E ela vinha titubeando. Quando chegou perto de onde estávamos, aquelas toras caíram e fizeram o maior estardalhaço. Aquela tábua onde estávamos em pé cedeu e todos nos desequilibramos um pouco. Foi a minha chance de sair correndo. Tentei e dessa vez deu certo! Eu saí naqueles corredores e passei voando por eles. Meu coração devia estar a milhões de batimentos por segundo, mas eu não me importei. Eu continuava correndo e só queria sair dali. O problema é que a saída estava difícil de achar. Os corredores eram todos iguais, eu entrava em um e saía em outro completamente igual. Não faço idéia do quanto, mas acho que gastei muito tempo procurando a maldita saída. E o tempo todo correndo... Eu já não agüentava mais! E se eles estivessem me assistindo lá pelas câmeras?
Como eu pude perder o corredor que ia reto até a saída? Estava tão fácil, andamos o tempo todo nele!
Encostei um pouco em uma parede pra tentar pegar um fôlego. Comecei a ver a sombra de alguém que vinha devagar pelo corredor da esquerda. Saquei que só podia ser o David pela forma da calça folgada com uma corrente pendurada. Fiquei em pânico e foi tudo muito rápido! A porta que estava perto de mim se abriu e uma mão me puxou pra dentro.
- A...
Eu ia começar a gritar e colocaram a mão na minha boca.
- Não diz nada! – Sussurrou a voz.
Eu e a pessoa – seja lá quem for – ficamos no escuro e em silêncio, escutando os passos do David me procurando lá fora.
Agora eu estava mesmo ferrada. Não sabia nem com quem eu estava trancada. Só apertei os olhos e cedi ao choro. Abaixei a cabeça soluçando e foi quando percebi tudo começar a ficar claro. Abri os olhos e vi que tinham acendido as luzes. Só fiquei mais assustada quando vi quem era...


VI - Fuga

N/a: antes de mais nada, esse é o último capítulo e nós temos uma musiquinha nele! Pode colocar pra carregar (The Scene Aesthetic – Humans) e eu indico o momento de tocar =]
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Comecei a me afastar dele. O que ele queria?
- Pode ficar calma. Eu não vou fazer o mesmo que eles.
Eu não disse nada, se eu abrisse a boca meu coração podia cair no chão.
- Eu nem faço parte dessa família! Olha, eu... Não sou como eles! Nunca nem provei carne humana, posso jurar pra você.
- Mas foi você. Foi você que colocou a gente pra dentro daquela... Geladeira, sei lá o quê.
- É, eu ajudei. Mas eu não ia deixar nada de mau te acontecer! Eu ajudei no plano deles, mas a minha intenção era outra. , você... Você quer fugir comigo?
aproximou-se e estendeu a mão.
Eu recuei, é claro. E se ele estiver mentindo? Como a gente vai fugir daqui?
- Não... Digo, por quê? Como? – Sacudi a cabeça toda confusa.
- Tem uma saída aqui nesse pátio. É coberto por telhas, podemos retirar facilmente. Vem, me ajuda.
Fiquei olhando para aquela grande quadra coberta que eu nem sabia que existia. Pensando bem, eu me lembro que dá para ver um telhado quando saímos da aula de informática, mas achava que fosse outro terreno...
me puxou pela mão outra vez, trazendo-me à realidade. Fomos até o final da quadra onde havia uma mesa e ele colocou duas cadeiras em cima dela, para subirmos. Tinha uma estaca, um martelo e uma serra ali num canto, mas ele me passou apenas uma chave de fenda. Ajudou-me a subir e subiu em seguida, também com uma chave de fenda em mãos.
- Isso aqui é só uma cobertura de telha. Basta soltar os parafusos. Ontem eu serrei a telha pra deixar mais fácil e aí a gente...
ficou falando enquanto eu comecei a soltar o parafuso. Fiquei só pensando se o voltaria mesmo, e se ele voltasse e eu não estivesse mais aqui?
- Em que lugar a gente vai sair mesmo?
- Mas eu acabei de falar! – Respondeu nervoso com a minha dispersão.
- Desculpe...
- Tudo bem, é, isso vai sair no pátio dos fundos da escola, basta a gente subir uma escadinha, passar pelo laboratório de informática, depois pelo de química, entrar lá e abrir aquela janela que dá pra rua.
De repente eu parei de girar a chave pra encarar o .
- Por que vai fazer isso por mim?
Ele também parou o que estava fazendo.
- Eu gosto de você, . Mais do que isso, eu te amo. - Tentou pegar minha mão, eu recuei num reflexo. Como assim ama? Quem foi que deu essa intimidade? A gente nem é amigo! - Eu sei que isso é novo pra você e que você nem desconfiava... Desde que eu vim trabalhar aqui eu conheci as alunas e todas ficavam dando em cima de mim e do meu primo, mas você não. Você foi diferente, e tinha o seu namorado, suas amigas, suas “seguidoras”, as pessoas te conhecem e você é agradável para todas elas. Acho que isso me fez ver como você é especial. - Eu fiquei quieta, olhos atentos a cada palavra dele. - Não dá pra salvar todo mundo, mas você eu tinha que salvar! Você acaba de passar por uma experiência muito difícil, aquele seu namorado não tinha o direito de fazer isso.
Assim que ele falou, eu comecei a pensar em cenas passadas.

Flashback

Comprei um pacote de Passatempo na hora do intervalo. Ofereci pra Nathalia e ela pegou o primeiro, depois eu peguei o próximo e ofereci pra , que estava ao meu lado. Ela pegou o pacote e antes de pegar um biscoito disse ‘Ah, sabiam que quem pega o primeiro biscoito do pacote de outra pessoa vai roubar o namorado dela?’
Eu respondi ‘Por isso mesmo que eu não sou burra e ofereci pra Naty, irmã do meu namorado. Dã!’ passei um braço em volta do pescoço da Nathalia e todas ficamos rindo normalmente, mas ela deu um sorriso estranho.
Como eu não desconfiei de nada?
Ela não estava estranha por causa do Wesley, ela estava começando um plano e queria que acreditássemos que ela gostava do Wesley...


***


- Ei, você sabia?
- Como?
- Como foi esse plano da Nathalia? Você sabia desde o começo?
- Bom... Meus tios iam pegá-la e ela seria tipo uma dessas vítimas deles que vão parar na panela.
- Er, os detalhes você pode pular.
- É, então... Eles iam pegá-la, mas ela foi esperta e veio contando pra eles sobre esse plano de seqüestrar a amiga de vocês. Então ela forjou aquele desaparecimento dela pra atrair vocês até aqui alguns dias depois.
- O seqüestro foi combinado e a gente se preocupando com aquela vaca esse tempo todo.
- É, ela ficou escondida aqui durante esses dias. Ela mesma comprou seus mantimentos com o dinheiro da mesada. Comprou até uma cama e um colchão bem macio. Aí ela se instalou em um desses quartos.
- Miserável... Mas, espera, e o que é essa parte aqui afinal de contas? Isso faz parte da escola ou não?
- Faz. Isso aqui ainda é construção antiga, do manicômio.
Quando ele falou, eu engoli em seco. Por isso que tem aqueles números estranhos pregados nas portas.
- Mas não tinham demolido tudo?
- A maior parte das coisas eles demoliram, mas essa parte estava mais conservada e eles iam usar essas salas como salas de aula normais. Só que viram que isso aqui não tem uma atmosfera e nem mesmo uma arquitetura adequada para estudantes depois que um garotinho ficou perdido nesses corredores e começou a ver coisas terríveis que aconteciam aqui quando era um hospício. Aí resolveram trancar essa parte quando o prédio novo da escola ficou pronto.
Fiquei meio arrepiada com as últimas palavras dele.
- Como... Como sabe de tudo isso?
- Porque o garotinho era eu.
- Ah... – Arfei. Eu estava ficando com um medo inexplicável dele. – E o seu tio?
- Meu tio morava aqui nesse hospício. Aí ele fugiu e ficou escondido, mas quis voltar pra cá quando soube que tinha virado uma escola.
Nós ficamos em silêncio e eu olhei pra baixo sentindo o olhar dele queimar sobre meu rosto. Ele me olhava com a intensidade do brilho do sol... E eu não gostei muito disso, fui ficando desconfortável.
- Então, o que acha de fugir comigo agora que seu namoradinho fugiu com a própria irmã? O plano dela era esse, ela queria que o a encontrasse sem mais ninguém por perto e aí ela poderia jogar o feitiço na cabeça dele. E parece que ela conseguiu, então, por que você não os deixa pra lá?
- Mas meus amigos vão ficar aqui?
- É, sobre isso, eu sinto muito, mas sim.
- Não, eu não posso deixar meus amigos aqui! Quero voltar.
É, eu decidi.
já estava abrindo aquela telha, mas eu larguei a chave, que caiu fazendo um barulho que ecoou por todo o lugar. Comecei a descer daquela cadeira, minhas mãos e pernas estavam trêmulas por pensar no que estaria acontecendo com eles. Eu pensei que nós fôssemos sair e voltar com ajuda, mas o plano de não era esse.
- Espera aí, mas o que você está fazendo?
- Se você gosta tanto de mim não pode deixar meus amigos. Eles estão nas mãos de pessoas que fizeram coisas horrorosas, você sabe!
Pulei no chão, ele tem que me ajudar agora.
- Err... Mas, ... Sobe aí e vamos embora! Vem, eu já abri aqui o telhado!
Quando ele falou isso, eu me lembrei de uma coisa. Foi uma imagem que apareceu por meio segundo na minha cabeça sem eu ter de pensar nela. Eu me lembrei da sala que fica perto da cozinha da cantina. Aquela sala onde Gabriel foi assassinado no dia da festa. Lá tinha telhas, e o assassino fugiu assim também! OH MY...
- Foi você! – Não pude reprimir o meu impulso de olhar pra ele quando concluí o pensamento.
- Eu... Eu o quê?
Eu não conseguia mais falar, meus olhos encheram de água outra vez.
- Gabriel, foi... Na, no dia d...
suspirou quando entendeu o que eu descobri.
- Olhe, não foi culpa minha, meu tio me obrigou a fazer. - Tampei a boca com a mão para ver se reprimia um soluço. desceu da mesa e foi se aproximando, eu não conseguia mover meus pés do chão. - Não vou te fazer mal, aquilo não foi culpa minha, eles me obrigaram! Sobe na cadeira e vamos embora.
- NAAA! – Gritei quando ele pegou no meu braço. – Você disse que não, mas é igual a eles!
- Não sou como eles!
- É!
- Sobe na mesa, .
- Eu não!
- Sobe agora!
- NÃO!
- SOBE NA PORRA DA MESA!
Ele me empurrou contra a mesa. Quase fiquei sem ar.
- Desculpe! Eu não queria fazer isso! Mas você não entende, a gente precisa ir agora!
- Eu...
- !
Ouvi uma voz no corredor. Fiquei parada pensando que era alucinação.
- !
Ouvi de novo! É a voz do...
- !
Gritei e fui correndo até a porta. segurou meu braço.
- Não! É uma armadilha, você não viu que ele ficou do lado da irmã?
- Não é armadilha! É o , ele veio me buscar!
- Não seja tonta! – Ele me segurou num abraço de aço.
- Me larga e você vai ver quem é a tonta...
Bateram forte na porta duas vezes e na terceira ela foi ao chão. Era mesmo o , e ele trouxe policiais.
Três homens de colete entraram e entrou atrás deles. Fiquei tão feliz quando vi e encostados na parede do corredor que nem percebi que estava encostando uma faca na minha cintura, só percebi porque os policiais começaram a andar cautelosamente ao redor da gente e comecei a ficar gelada por imaginar tudo o que ele já fez tendo essa ferramenta em mãos.
- Solte a garota! – Ordenou um deles.
não disse nada, mas eu senti que ele sacudiu a cabeça.
- Nós já prendemos seus tios, seu primo e a cúmplice deles. Vai ser melhor pra você se render agora. – Afirmou o outro.
movimentou um pouco a faca ali por cima da minha roupa e eu prendi a respiração. Eu estava com mais chances de morrer por nervoso do que pela facada. Se eu tivesse os problemas de coração da tia Tácia, já teria ido dessa pra melhor.
Quando vi, já estava livre. Foi tudo muito rápido, um terceiro policial me puxou e eu saí rodopiando lindamente dos braços de . Ele tentou lutar, mas eram três fortes policiais contra um rapaz, é claro que não tinha jeito. Imobilizaram no chão e colocaram algemas nele.
E, então, levaram-no.
passou olhando e eu tremi por completo!
- Ei! – veio e me abraçou.
Depois do abraço eu virei o rosto dela pra ver se tinha mais cortes, segurei o braço e ela estava inteira. Abracei e ele também estava inteiro.
- E a ? Cadê ela?
- Foi levada pela ambulância. David fez um corte nela que não foi muito profundo, mas mesmo assim acharam melhor levá-la logo. – Respondeu .

Ficamos todos em silêncio por uns segundos. Eu pisquei e me dei conta que estava com os olhos marejados.
estava olhando pra mim e eu olhei de volta. Ele veio se aproximando até ficar parado na minha frente.
- Desculpe! – Ele disse baixinho.
- Desculpar? Eu ainda nem entendi que diabos aconteceu, .
- Eu tive de seguir as ordens dela porque achei que seria o jeito mais fácil!
- Que jeito mais fácil? Você me assustou, assustou todo mundo! E se seu plano desse errado, ia deixar a gente morrer? – Comecei a falar alto e ficar descontrolada. Odeio sair do controle, mas eu estava muito emotiva nesse momento, não consegui agir pela razão.
- Mas você achou mesmo que eu faria isso?
- Parecia que sim.
- Eu sei, me perdoa, ! Eu tive de esfriar a cabeça e arranjar um plano. Foi o melhor que eu pude. A Nathalia não está bem e eu nunca te trocaria por ela... Eu te amo!
Nada vinha à cabeça pra eu dizer àquela hora. Ele pensou que eu havia aceitado e ia me abraçar, mas eu dei um passo pra trás.
- Eu preciso de um tempo.
- FILHO DA PUTA! – Nathalia apareceu berrando na porta, assustando a todos. Parecia que ela ia avançar em cima de todo mundo, sorte que ela estava algemada. - Acreditei em você, como me traiu?
Ela estava falando com , mas eu tive de falar primeiro.
- Você é que é louca e traiu a amizade de todo mundo que confiava e gostava de você. Não chegue mais perto de ninguém aqui, temos nojo de você! – Falo mesmo.
- Você não sabe de nada, me conhece desde que nasci e sempre me amou... – Ela falava e um policial apareceu atrás dela, puxando-a pelo braço. – , não me deixe ir presa!
Ela foi levada. Eu nem podia acreditar que aquilo tinha acabado.

***

Nós saímos todos daquele lugar estranho e nossos pais foram chamados. A minha mãe chegou lá desvairada me fazendo passar vergonha! Mas eu estava morrendo por um abraço e um carinho dela...
Eu fui pra casa e não conseguia desligar minha cabeça disso. Tomei um banho e tentei dormir, mas não tinha jeito. Era como se qualquer sombra no meu quarto pudesse me atacar, era como se eu pudesse ouvir o ou o David se aproximando. Eu estava muito assustada com tudo aquilo e tive uma idéia louca... Fui para o quarto dos meus pais e me enfiei na cama entre eles! Mesmo assim eu não consegui dormir e, pela manhã, quando meu pai acordou, certamente se assustou com essa topeira no meio da cama deles.
Foi a noite mais difícil.
Durante aquela semana eu vi todas as notícias que saíram sobre nós nos jornais. Todos fomos chamados para algumas entrevistas. O caso explodiu na mídia, vi que os donos da cantina iam ser julgados e que seria muito difícil eles não pegarem pena de morte.
e estavam cogitando serem chamados para o próximo reality show e, se isso acontecesse, eles seriam o casal que ninguém consegue separar. Claro que é brincadeira, se quisesse aparecer na televisão bastava ela pedir aos pais como presente de aniversário... e retomaram o relacionamento depois que ela pediu milhões de desculpas pra ele por ter sido tão besta de recusá-lo na época que ele se achava feio. Ele nunca foi feio, sempre teve aquele rosto de criança arteira, muito simpático e extrovertido, mas a o deixou meio complexado com o lance de ter vergonha de estar com ele... Agora ela pediu desculpas e não acredito que seja só porque ele está bonito e os dois estão aparecendo na tevê, eu acho que ela está mais madura. Quanto ao , nós não nos falamos já faz uns dias. Ele deu entrevistas para jornais e dava pra ver no rosto dele que ainda estava em choque, assim como eu. Meus pais começaram a falar comigo aos poucos e pelo que eu pude entender, eles não queriam que eu visse mais o . Só que esses dias sem falar com ele foram bons para eu poder pensar, mas foi horrível também. Senti falta e queria saber se ele também sentia a minha.
De repente ele estava na televisão, dando entrevista para um jornal e só o que eu queria mesmo era dar um abraço nele e dizer que estava tudo bem. Fiquei assustada quando o pai dele, no meio da entrevista, disse que eles vão viajar por um ano. UM ANO?
Eu estava no meu quarto vendo televisão e desci correndo quando acabou a entrevista. Eu tinha de ir a casa dele perguntar se essa história era verdade, mas quando estava descendo a escada, vi que meus pais acabavam de fechar a porta da sala.
- Ei, ! – Minha mãe me viu primeiro.
- Ué, há quanto tempo está aí? – Meu pai veio até mim após fechar a porta. Eu desci o último degrau da escada olhando para eles, desconfiada.
- Tinha alguém aqui?
- Er... – Meu pai franziu as sobrancelhas.
- Vem filha, vamos subir.
Minha mãe passou o braço por minhas costas e me obrigou a subir.
Quando chegamos ao meu quarto eles fecharam a porta, parecia que vinha conversa séria.
- Então... Foi o seu ex-namorado que esteve aqui. – Minha mãe falou. O pai parecia que não queria falar, ele ficou de pé junto da porta com os braços cruzados.
- O que ele queria? Por que não me chamaram?
Sentamos na ponta da cama. Eu não estava gostando do rumo daquela conversa, alguma coisa parecia estar fazendo pressão dentro do peito. É a sensação que algo vai dar errado.
- , eu e seu pai conversamos. E não foi fácil, sabe... Mas nós achamos que por enquanto é melhor você ficar longe da família do .
- Mas eu ia falar com ele e...
- Você ouviu o que a sua mãe falou. Esse garoto e a irmã problemática dele quase te mataram! Deixe que ele e o pai passem as férias bem longe.
Eu mordi os lábios. Faço isso quando estou nervosa.
- Não! Ele voltou com os policiais e me salvou!
Minha mãe só bufou ao meu lado e levantou da cama.
- Tente dormir, filha. Amanhã você tem entrevista no canal 7.
Eles saíram e eu fiquei meio sem chão. Eu também pensei como eles logo no começo, acusando o , mas eu estava chateada e agora que tudo passou eu só sei sentir falta dele. Como vai ser um ano sem ele por perto? Não estou acostumada com essa situação, ele SEMPRE esteve por perto!

N/a: é a hora de tocar aquela música!

Já era tarde e eu fiquei remoendo aquilo. Até que eu tive a brilhante idéia de abrir a porta do meu quarto e ver se meus pais estavam dormindo. Eu olhei o corredor e estava tudo apagado. Então eu voltei ao meu quarto, peguei umas coisas, tipo um agasalho e meu celular, depois desci as escadas silenciosamente, peguei a chave e saí pelas ruas com apenas um casaco por cima do pijama.
Eu tenho que ir à casa do antes que ele vá embora, é!
Quando cheguei no meio do caminho, começou a chover. Só então eu vi o quão idiota estava sendo e pensei em dar meia-volta porque fiquei com medo. Quase uma da manhã. Tudo tão gelado e quieto, a não ser pelo barulho dos pingos caindo no asfalto.
Mas de repente ouvi um barulho a mais.
Meu celular tocou no bolso do casaco e parecia que aquela música da Rihanna estava tão alta que poderia ter acordado toda a vizinhança. Peguei o celular com cuidado, meio que protegendo da chuva. Fiquei desesperada pra atender logo e quando atendi, a voz do invadiu meu ouvido esquerdo.
- Ei, . Eu sei que é tarde e eu espero não ter te acordado, mas eu não conseguia dormir e... Bem, se você ainda não quiser falar comigo depois dessa música eu vou entender.
Houve uma pausa e de repente surgiu o som de um violão.
começou a tocar uma melodia linda que me embalou instantaneamente.
Fui andando e nem percebi quando já estava na frente da casa dele.
Eu sei que a gente fez uma brincadeira e isso já faz um ano, nós deixamos nossas casas com fechaduras iguais, então a chave da minha casa com certeza abre a porta da casa dele. Claro que nossos pais não foram notificados...
Entrei na casa dele e continuava ouvindo aquela música linda. Ele nem fazia idéia que eu estava aqui! Fui no maior silêncio até o quarto dele e quando cheguei empurrei só um pouco a porta. O pai dele provavelmente não estava em casa para ele estar tocando violão de madrugada com a porta do quarto encostada.
estava com uma calça de moletom e sem camisa. Ele estava de costas para a porta do quarto e tocava violão para o celular que estava em cima da cama. Finalizou a música e eu pude sentir que meu sorriso estava no máximo, só por vê-lo tocar para mim.
Ele pegou o celular de novo para falar comigo. Primeiro, ficou com medo que eu já tivesse desligado.
- Er, , você está aí? - Eu fiquei quieta, porque se abrisse a boca naquele minuto, ia explodir em risadas e matar o menino do coração. - Então... Você sabe que meu pai inventou essa coisa de viagem e... Ele falou que se eu quisesse ficar por aqui tudo bem e aí ele viaja sozinho porque precisa esquecer-se de tudo, ele ficou muito decepcionado com a filha. Mas, é... Bem, eu também me sinto assim. A única coisa que me faria ficar aqui, err... É você... . - Quando ele terminou de falar, eu desliguei o celular sem querer. Eu só fui trocar o aparelho de ouvido e empurrar mais a porta e aí cortei a ligação. ficou enfezado e atirou o celular de volta na cama, depois se jogou nela de braços abertos. Eu abri a porta e entrei de uma vez no quarto. Ele se assustou... Bastante. - ! O que você está fazendo aqui? – Disse, levantando.
- Eu estava vindo para cá quando o celular tocou... – Dei de ombros.
- Você... Vinha pra cá?
- É, ! E... Eu achei a música linda, mas não foi só por causa dela que eu percebi.
- Percebeu...?
- Percebi que eu não sei ficar a quilômetros de você e que o meu lugar é onde você estiver.
Terminei de falar e percebi que eu estava mesmo era tremendo de frio. me abraçou e eu o abracei mais forte. Eu pensei que tinha perdido pra sempre, mas agora eu podia passar meus braços em volta dele e dizer que ele está aqui e é meu!
- Ah, meu Deus! Você tomou chuva!
Nota: constatou isso da mesma forma que minha mãe faria.
- Foi só um pouco.
- Procura um pijama nessa gaveta enquanto eu te preparo um leite com Nescau.
Eu assenti e ele fechou a porta.

Nós fomos pra sala, cada um com sua caneca de chocolate e carregava um prato com biscoitos.
Peguei o controle da lareira e liguei. Ela é nova, até mês passado nem tinha lareira aqui...
sentou ao meu lado e eu fiquei com aquele controle girando na mão, observando os botõezinhos.
- O que ac...
- O que voc... – Ele tinha falado um centésimo de segundo antes e nossas vozes acabaram emboladas. Os dois pararam de falar e já que ele me passou a vez, eu continuei.
- O que você fez quando saiu daquela sala com a Nathalia? Vocês iam para o aeroporto?
- A gente ia viajar. Ela tinha tudo pronto! Eu inventei uma desculpa pra passar em casa e tive de insistir muito... Ela não sabia que o pai estaria aqui. Ele saiu de férias lá do trabalho porque andava muito distraído e triste nos últimos dias. Então eu vim pra cá e deixei Nathalia esperando na sala, falei pra ela que precisava tomar um banho e arrumar as malas. O pai estava no quarto dele. Eu entrei e comecei a contar toda a história... Achei que ele não ia acreditar em mim, ou que seria muito difícil. E realmente foi! Mas ele me contou que Nathalia não é minha irmã. Só que ela não sabe.
- Então... Menos mal ela gostar de você... – Não, não é menos mal, mas eu só falo merda nessas horas.
- Que? Não tem menos mal! Desde a pré-adolescência ela começou a gostar de mim, mesmo achando que eu era irmão dela... Isso não é nem normal, pra começar!
- É, muito esquisito. E quem chamou a polícia?
- Bom, depois que conversei com meu pai, comecei a reparar que a casa estava meio silenciosa. Fui até a cozinha e a Nathalia estava lá, cozinhando arroz! Vê se pode a pessoa começar a fazer arroz assim do nada... Ela é louca.
- Meu Deus, ela era tão normal! Eu nunca desconfiei.
- Eu sei, ninguém achava que ela era maluca assim. Aí eu sentei ali à mesa e comecei a puxar o assunto da viagem, perguntei sobre o nosso pai e ela disse que nem ligava se ele ia ficar procurando a gente e que era melhor que ele pensasse que os dois filhos sumiram do que ele saber que os dois dormem juntos.
Quando ele falou isso eu não pude evitar uma careta e os pensamentos. Mesmo sabendo agora que eles não são irmãos, é só estranho...
- Vocês, err, você e ela... Se beijaram?
Ele fez um pouco de silêncio. Isso me deixa louca mesmo.
- Er, eu precisava convencê-la que tinha aceitado, e...
- Não! Merda, , puta que pariu! – Dei um tapa no braço dele e ele ficou rindo. Idiota. – Teve língua?
- Não, , assim não rolou. Ela tentou e viu que eu não ia corresponder porque estava com os braços travados ao lado do corpo e na minha boca parecia que tinha uma espécie de cola, eu nem conseguia abrir os lábios. Então ela disse que ia me dar um tempo até que eu acostumasse com a idéia.
- Agora eu sei que vocês não são irmãos, mas é estranho imaginar essa cena!
- Nem me fale...
movimentou-se no sofá e o perfume dele passou pelo meu nariz como uma nuvem. Oba, perdi o foco!
- Ah, sim, e então, vocês conversaram na cozinha e seu pai ouviu?
- Ouviu e pegou o telefone. Ele mesmo chamou a polícia. Quando chegaram, eles prenderam a Nathalia sob acusação de cúmplice dos cantineiros. Voamos todos lá pra escola e pegaram aquela família de loucos da cantina. Eles confirmaram o envolvimento de Nathalia e ainda disseram que o seqüestro da foi idéia dela. E o do Wesley também.
- E todo mundo achava que ela gostava dele!
- Até eu achava. Para uma louca, ela foi uma ótima atriz. - Assenti devagar. De repente eu me senti tão exausta... Fiquei olhando o fogo dançar na lareira e pegou minha mão. - Morri de medo por você. Mas eu tinha que chamar ajuda pra gente.
- Eu sei. – Sorri e coloquei a outra mão em cima da dele.
- Como foi até eu chegar? O que você fazia ali sozinha com ?
- Ah, depois que você saiu, o David e o pai ficaram falando com o pai da no celular. Aí o David ia me prender, mas eu fugi e fiquei correndo por ali com eles na minha cola, até que o me achou. Ele me escondeu dos outros. Disse que a gente podia fugir e tal...
- E você ia fugir com ele? Você viu meu bilhete, não viu? Sabia que eu ia voltar?
- Eu vi, eu vi o bilhete... E mesmo que eu não tivesse visto, não fugiria com ele. O é o pior de todos eles. É o mais perigoso, eu acho.
- Tudo bem então, vamos esquecer essa coisa toda pelo menos por hoje. Já chega de falar disso.
- E agora, com você aqui, eu acho que vou conseguir dormir como se nada tivesse acontecido. – Me aninhei no peito dele e fiquei escutando a respiração.
- Dorme. Tomar conta do seu sono é o mínimo que eu posso fazer. – Ele alisou meu cabelo e se inclinou sussurrando. – Amo você.
- Também amo você! – Respondi baixinho e depois não lembro mais nada, só apaguei.

Um mês depois.

Acordei com um barulho de chuva. Olhei para o relógio, dez da manhã. Meu pai já deve ter passado por aqui pra sair para o trabalho e nem me acordou...
, e dormiram aqui em casa hoje porque ficou tarde pra eles irem embora. Estávamos na escola, gravando uma matéria com uns repórteres do canal 12. Nossa escola ainda estava em todos os jornais e já faz dias que está fechada.
Aqui em casa as coisas voltaram ao normal com depois que ele fez um jantar na casa dele para os meus pais e fez questão de contar tudo que aconteceu nos mínimos detalhes. Ele falou que nunca colocaria minha vida em risco e que se acontecesse alguma coisa comigo, ele morreria também. Depois ele me pediu em casamento e naquele mesmo segundo eu engasguei com uma espinha de peixe. Mas ficou tudo bem e ele disse que não era para agora, primeiro nós faremos faculdade e aí nos casamos.
Quando olhei para ele, ali no meio do jantar, de repente tive uns flashforwards muito loucos de uma vida toda com ele e sim, eu quero isso!
Agora eu olho para ele ali, dormindo como criança, e às vezes chego a me perguntar se ele existe mesmo.
Desci da minha cama e deitei ao lado de na cama de puxar. Ele nem acordou. Eu passei um braço por cima dele e fiquei sem me mexer, só pensando se aquilo tudo tinha sido um sonho bizarro e estranho que eu vou contar para as meninas na escola e quem sabe escrever uma fic com isso. Mas eu nem vou mais àquela escola e eu sei que não foi sonho. Tenho uma entrevista com uma emissora de televisão hoje, das tops, como diz .
vai aparecer num programa matinal do canal 8 amanhã, juntamente com o pai.
e vão aparecer em outra emissora no domingo.
Depois de várias semanas de entrevistas e alguns minutos de exposição na mídia, eu me pergunto como é que vai ser voltar para a escola. Tudo bem que eu vou para outra instituição e o e as meninas também, mas mesmo assim... Lá haverá uma cantina.
Quando é que nossas vidas voltarão ao normal depois daquela cantina, daquela cantina do medo? Eu realmente não sei.


Fim.



[N/a: 14-06-2010
...e será q acabou mesmo?
Eu não garanto totalmente que vai ter parte dois, mas se as idéias surgissem eu escreveria! Adorei publicar a fic e mesmo sendo por pouco tempo (acho que todos os capítulos foram publicados em +/- 2 meses) deu pra aproveitar bastante*-* às pessoas que leram e comentaram meu muito obrigada!
A todas as meninas que comentaram, deixaram twitter, disseram que estavam sozinhas em casa e morrendo de medo ahahuaeauhuhaheuheauh desculpem por essa parte do medo!! E obrigada pelo apoio! Gihfarias, Bali, Ree, Letícia, Xgaab's, eu queria falar o nome de todo mundo, mas vcs sabem que estão aí, bem aí guardadas numa pastinha que é o coraçãozinho dessa fic *owwnt*
Bem, todas as minhas fics, (quem vê pensa que são muitas aheiuhauhauihaeui) em alguma hora, têm partes que dão um medinho. Essa foi a mais terrível de todas... Eu nunca ouvi tanto das minhas amigas que a fic estava dando medo demais kkkkkkkkkkkk o/
*ZEENTI iisso foi um pesadelo que eu tivee* é, pra quem não sabe ainda, essa fic (ou pelo menos o primeiro capítulo dela) foi um sonho que eu tive em dezembro de 2009! Comecei a escrever no dia 28 de dezembro, (eu escrevi num caderno pq o computador estava com problemas, e coloquei a data!) depois em janeiro eu continuei escrevendo, em fevereiro começaram as aulas e aí eu parei. MAS O BICHINHO DA SAUDADE DAS FICS me picou e eu voltei a escrever em algum dia aí de março. Entrei em contato com a beta e o resto vcs já sabem... A queridíssima Paula beta pra mim desde Tattoo e se eu escrever mais fics, não vejo porque não entregar nas mãos dela, é uma beta que eu superecomendo!
*Por falar em recomendar, minhas outras fics nesse site são:
- Guardian Angel/McFLY/Finalizadas e
- Tattoo/McFLY/Finalizadas

Ps: as referências de canais de tv que aparecem na fic não indicam verdadeiras emissoras do Brasil ou do exterior.
Eu espero voltar em breve com mais fics HAUEHUAHEUHRUHEUAH bjs t+]
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N/B: Oi gente! Tudo bom? Só passando pra avisar/pedir que se vocês encontrarem algum erro, seja ele qual for, me enviem um e-mail [paulabrussi@gmail.com], ou um tweet indicando o erro e o nome da fic.
Lembrando que é para enviar pra mim primeiro, e não para o site.
Um beijão pra todas e obrigada! =]


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