- Faça. Agora.
Disse entre dentes, fechando os olhos com força para não ter que encará-lo. Mais meio segundo perdida naquele verde intrigante e eu hesitaria diante da situação.
- Não. - Sua voz soava firme, com segurança. Uma demonstração do quanto ele estava nervoso, assim como eu. - Eu prefiro morrer.
- Droga Dean! - Esmurrei a parede que agora estava diante de mim; uma lágrima rolando solitária pela minha face. - É exatamente isso que estou tentando evitar. Não complique as coisas!
- ? Somos do FBI, queremos falar com você. Agente Millers e agente Connor.
Abri a porta do meu apartamento, encarando os dois sujeitos que erguiam suas identidades para mim.
- Entrem. - Dei espaço para que os dois passassem. Eu sabia que aquela semana ia ser agitada. - Bem, eu já dei meu depoimento para dois agentes ontem.
- Ahn, é só para confirmar alguns detalhes.
O agente Millers sorriu para mim. E parecia extremamente doce quando uma covinha surgiu em seu rosto. Ou talvez fosse o modo como seu cabelo caía em seus olhos. Bem, ele não fazia o tipo de agente do FBI, se é que me entendem.
- Então, você era parente da vítima? - Mudei o foco da minha atenção para o agente Connor e reprimi um suspiro tolo. Ele era realmente bonito.
- Era minha... irmã.
- Nós sentimos muito. - Eu não disse? Os caras de ontem nem se importaram quando fizeram a mesma pergunta. - Você que encontrou o corpo, não foi?
- Exatamente. - Estava me esforçando para não chorar e manter a voz firme.
- Sabe se ela tinha algum inimigo, alguém que quisesse o mal dela? - Encarei os olhos do agente Connor e corei levemente. - Um ex namorado, talvez?
Ri pelo nariz. Como minha irmã poderia ter inimigos? Ela era sempre atenciosa, sempre calma e sorridente. Era mais fácil eu ter algum inimigo do que ela.
- Não. - Suspiro. - Clarice era adorável.
- Tem algo que queira nos contar, senhorita ?
Millers e eu nos encaramos e no mesmo momento olhamos para Connor.
Impossível. Não havia razões para que ele suspeitasse de mim. Mesmo que, bem lá no fundo, eu soubesse que havia, sim, razões de sobra. Uma única razão que me assombraria pro resto da vida.
- Dean, se você não fizer isso, eu encontrarei quem faça.
- Nós vamos dar um jeito. Você não pode desistir agora.
Eu permanecia de costas para o único homem que me fizera sorrir depois de tudo. O único que eu queria e não poderia ter. Os ponteiros do relógio pareciam ter estacionado numa hora qualquer. Eu sequer me dava conta do que acontecia fora daquele quarto de hotel barato.
- Eu vou machucar você. - Sussurrei, tentando desfazer o nó em minha garganta. - Sammy. Mesmo que sem querer...
- Você não vai porque eu não vou deixar. - Dean deu um passo à frente e uma onda de eletricidade percorreu minha espinha. Meu corpo parecia reagir ao calor de sua pele, mesmo quando distante.
- Então você tem que me ouvir.
Eu sabia que não era uma boa idéia caminhar sozinha pelo cemitério, principalmente à noite.
Mas eu não ligava. Eu já não me importava com mais nada. Na verdade, eu estava desejando que aquilo tudo acabasse logo.
Abracei meu tronco com mais força, proporcionando um pouco de calor naquela noite gelada.
Uma garoa fina começara a cair. Apressei o passo para chegar logo ao túmulo onde minha família estava sepultada.
Primeiro, minha mãe. Depois, meu pai. Agora, levaram a única que me restava. Minha pequena Clarice. Eu estava só. E não demoraria muito para que viessem me buscar.
Chovia forte agora e não havia muita iluminação naquela parte. Um estalo de galho seco se partindo atrás de mim me obrigou a correr, sem direção.
Meu coração pulsava descompassado dentro do peito e meus pés tropeçavam constantemente nas raízes das árvores. Trombei com algo, mas não senti a aspereza do solo sob mim. Alguém me segurara pela cintura.
- Opa. Aonde vai com tanta pressa?
- Agente Connor? - O encarei dividida entre surpresa e alívio. - O que está fazendo aqui?
- Dean? - Ouvi a voz de quem eu achava ser Millers. Ele chegou correndo até nós meio segundo depois. - ?
- Dean? - Questionei, ainda pendurada em seus braços. - Vocês não são do FBI mesmo, são?
- É que nós fazemos bico de... vigia noturno do cemitério.
Eu abri a boca para exigir explicações, mas não havia palavras a serem ditas. Na escuridão, eu ouvi os passos ruidosos que me seguiam.
Finquei as unhas no ante braço de Dean, que me pôs protetoramente atrás de si. Dean trocou um olhar significativo com o outro, que assentiu brevemente.
- Tem que ficar boazinha agora. - Sussurrou em meu ouvido, colando nossos corpos contra a árvore.
Naquele breve segundo que ficamos frente a frente, seu hálito quente soprando diretamente em minha boca, todo o pavor desaparecera. Mas só naquele breve segundo.
- Dean!
- Sam! - Gritou ele de volta, correndo na direção de onde partira a voz.
Eu queria pedir que ele não saísse do meu lado, mas sabia que não havia mais perigo. Se Sam estava vivo, aquele que me perseguia tinha fugido.
- Aquele desgraçado fugiu. - Exclamou Sam quando se aproximou de mim, ladeado por Dean. - Você está bem?
Fiz que sim brevemente, vacilando. Encostei-me no tronco, buscando apoio. Meu corpo inteiro tremia.
- Você vem com a gente. - Dean decretou, puxando um braço meu para que passasse por seu ombro. - Você tem algo para nos contar.
Um silêncio perturbador se instalou no quarto. Me perguntei se Dean ainda estava ali. Me virei lentamente, encontrando-o parado a alguns passos de mim, encarando o chão. Minha respiração falhou quando avistei seus olhos. Ah... aqueles olhos que eram profundos e serenos. Baixei meu olhar na direção de sua boca. Contornei seu rosto perfeito, descendo por toda extensão de seu corpo. Seus ombros largos, seu peito que tantas noites me aninhou protetoramente.
Aquele era meu porto seguro. Mas eu não era segura para ele. Para eles.
Eu estava sendo crente demais que tudo ficaria bem. Que haveria chances para nós dois. Bem, ainda havia chances para ele.
- Por favor...
Eu queria ser forte e não chorar. Não queria que ele hesitasse perante o meu pedido. Mas parecia praticamente impossível conter o choro enquanto eu via uma lágrima descer pelo seu rosto.
Eu sabia que seria mais difícil para ele do que para mim. Depois que ele puxasse o gatilho, todas as minhas lembranças se apagariam também. Mas não levariam consigo as dele. É, era egoísmo de minha parte, mas se fosse para eu morrer, que fosse nos braços daquele que eu amava.
- ... Eu. Eu não posso.
- Dean, escute. - Dei aqueles últimos passos que nos mantinham longe. Com delicadeza segurei seu rosto entre minhas mãos trêmulas, forçando-o a olhar dentro de meus olhos. - Nós dois sabemos que isso é o certo a ser feito. E-eu jamais conseguiria viver se algo acontecesse a você. E sei que você não conseguiria continuar se algo acontecesse com o Sam. Não vê? Um fato liga ao outro. E tudo parte da minha existência. É a mim que ele quer, mas se houver oportunidade pra ele fazer sofrer quem eu amo, ele não a desperdiçará.
- Nós vamos acabar com ele. - Dean sussurrou, trincando os dentes. Ele não queria admitir, mas sabia que não existia saída.
- Não Dean. Você pode acabar com ele, mas um dia ele vai voltar. Talvez quando nós estivermos com... uma família formada. - Uma lágrima rolou quando lembrei dos planos que fizera, de ter uma casa, da possibilidade de ter filhos com lindos olhos verdes. - E eu não quero viver na expectativa de sofrer no futuro. Vamos Dean, - forcei um sorriso entre os soluços - não seja frouxo, como o Sam diz.
- Isso não tem nada a ver com coragem. Você. Você não pode desistir assim.
Fechei os olhos e beijei seus lábios docemente, permanecendo ali por alguns segundos. Fiz um caminho de beijos de sua boca até o lóbulo de sua orelha.
- Eu também amo você, Dean.
- Então quer dizer que você está sendo caçada - Dean me ofereceu uma cerveja depois que Sam me envolveu numa toalha. - Que irônico.
Sam deu o que eu achei ser uma olhada mortal para o irmão. Dean deu de ombros, ignorando-o.
- E vocês estavam caçando aquele que me caça. - Eu ri pelo nariz, largando a bebida intocada no criado mudo. - Isso é realmente...
- Irônico? - repetiu Dean, sorrindo.
- Assustador.
Sam reprimiu um riso quando Dean fez uma cara sem graça.
- Então deixa eu ver se eu entendi bem. - Sam olhou para mim, sério. - Seu avô fez um pacto com o demônio para ter sucesso nos negócios. Ele não cumpriu com sua parte e o demônio quis se vingar matando todos da família?
- Segundo ele, meu avô está em algum lugar do inferno presenciando tudo. - Dean se remexeu inquieto, olhando para Sam. - E bem, eu sou a última que resta. Eu era muito ligada com meu avô. Entende o que eu digo? Ele não poupará esforços para me... matar.
- Eu entendo o que quer dizer. - Sam me olhou com compreensão. - Não importa onde esteja, ele sempre vai achar um jeito de te encontrar.
- Eu achei que você fosse o sensato e não dissesse esses tipos de coisa, Sammy. - Dean olhou sério para o irmão, que ia dizer algo para se desculpar.
- Não, não. Ele está certo Dean. - Eu tentei um sorriso confortador. Mas para mim do que para eles. - Eu já... me conformei.
~*~
- Tem certeza de que está confortável? - Perguntei mais uma vez ao ver Dean se ajeitando no sofá duro. - Não acho muito justo você me dar sua cama e seu irmão ir dormir no carro. Até porque eu nem deveria estar aqui.
- Não se preocupe. Eu amo dormir no sofá. - Dean fez um gesto exagerado e eu ri. - Agora, por que você não descansa um pouco?
- Tudo bem. - Voltei a deitar na cama, apagando a luminária. - Boa noite Dean.
Não fazia nem quinze minutos que eu havia fechado os olhos e um relâmpago cortou o céu. Honestamente? Eu morro de medo de trovões, relâmpagos e afins.
- Dean? - Acendi a luminária e chamei por ele, que já parecia estar no quinto sono. - Dean!
- O que? O que? - Ele acordou imediatamente, olhando para os lados em alerta.
- Acha que vai chover? - Aquela pergunta soaria muito tola se eu não estivesse realmente muito apavorada.
- Quê? - Ele coçou os olhos, bocejando. - Está com medo de uma chuvinha dessas?
Os vidros da janela estremeceram com um trovão e eu me agarrei ao travesseiro. Dean se levantou do sofá e caminhou até a cama, me pedindo um espaço com as mãos.
- O-o que está fazendo? - Perguntei assustada quando ele se enfiou embaixo dos edredons, passando um braço por trás do meu corpo.
- Vou ficar aqui com você até parar de trovejar. - Ele deu de ombros, fechando os olhos novamente.
- Obrigada. - Sussurrei e corei quando ele me puxou para que eu deitasse minha cabeça em seu peito.
Não era como se eu não estivesse cansada. Depois dos acontecimentos daquela noite, eu me sentia inteiramente desgastada. Mas estar deitada com Dean não facilitava muito. Eu sentia sua respiração em meus cabelos, seu peito subindo e descendo calmamente sob minha mão espalmada ali.
- Sem sono? - Estremeci quando ele falou, sua voz soando como um ronronar em meu ouvido.
- Quase isso. - Olhei para cima e me deparei com sua boca muito próxima. Num ato mecânico, mordi o meu lábio inferior.
Dean não hesitou quando meu desejo ficou claro. Rapidamente ele inverteu as nossas posições, ficando por cima. Começou com um beijo suave que logo se tornou urgente. E a cada toque, meu desejo aumentava numa quantidade incontrolável. Minhas mãos retiraram sua camisa com facilidade. E sua pele na minha queimava. Mas era incrivelmente bom.
- Você tem... - Dean arfou, separando-se um pouco de meu corpo.
- Eu quero. - Mordisquei seu lábio, puxando-o para mim.
Ele sorriu travesso, sem questionar. Eu o queria da mesma forma que ele me desejava. Era só isso que importava.
Senti o peso da pistola em minha mão. Olhei-a por alguns minutos, controlando a respiração para não sair entrecortada.
Sem hesitar, a depositei na mão dele, fechando-a com a minha em volta da arma. Ainda com minha mão sobre a sua, direcionei o cano diretamente no meu coração, fechando os olhos para que as últimas lágrimas caíssem.
- Diga a Sam que eu disse adeus.
Eu sabia que estava chegando ao fim. Meu coração batia pesado, dolorido e quase aliviado. Respirava pela boca, acariciando o dorso das mãos de Dean.
Ele permanecia me olhando profundamente, mas não dizia mais nada. Seus olhos, que antes eram de um verde claro e límpido, pareciam mais escuros agora. Eu sabia que ele tinha tomado sua decisão. E eu não sentia raiva por ele não tentar lutar mais por mim. Eu só conseguia admirá-lo ainda mais. Eu só conseguia amá-lo, ainda mais.
- Você não poderia ter sido mais perfeito que isso. - Encostei minha testa na sua, roçando a ponta do meu nariz ao seu. - Obrigada pelos três meses mais felizes de toda minha vida.
Do mesmo modo que fizera poucos minutos atrás, beijei seu maxilar antes de sussurrar em seu ouvido "eu sempre vou te amar".
E, assim que nossos lábios se encostaram pela última vez, a escuridão me abraçou, fria e impiedosa.
Antes que tudo virasse cinzas, eu ainda pude ouvir, ao longe, em algum ponto de minha cabeça, um "adeus, minha ".
E então eu soube que, de algum modo, aquele coração que já não batia mais pertencia a ele. Para sempre.
Fim.
N/B: Oi gente! Tudo bom? Só passando pra avisar/pedir que se vocês encontrarem algum erro, seja ele qual for, me enviem um e-mail [paulabrussi@gmail.com], ou um tweet indicando o erro e o nome da fic. Um beijão pra todas, e obrigada! =]