Atlantis

Última atualização: 02/06/2020

Capítulo 1

N/A: Itálico: 's POV.
Fonte normal: 's POV.

A lancha branca ia rapidamente sobre as águas gélidas do grandioso Atlântico enquanto eu apenas aproveitava a paisagem recebendo rajadas de vento no rosto. Respirei fundo sentindo-me abençoado por poder finalmente estar ali. Tinha acabado de sair de férias, merecidamente. A empresa de meu pai me deixava com um estresse tão alto que eu pensava que não viveria muito tempo caso continuasse a viver aquela vida caótica, sem nenhuma pausa.
Três anos trabalhando sem parar, pilhas e pilhas de papéis para serem analisados, milhares de reuniões presenciais e a distância, o ramo do petróleo parecia nunca dar uma pausa. Meu pai herdou aquele império do meu avô, a empresa já havia passado nas mãos de três gerações da família , eu estava no comando dos negócios há três anos, logo após a morte de meu pai.
Ele era apaixonado pelo oceano, um lunático, como minha mãe e a imprensa costumavam chamá-lo. Outra característica herdada e passada por gerações, afinal, meu pai havia crescido ouvindo histórias sobre monstros marinhos e seres mitológicos, e apesar da total de minha mãe ser totalmente cética, ele repassou tudo o que dizia saber a diante para o único filho. Eu.
Confesso que não era lá tão aficionado por todos os assuntos, concordava com a maioria das pessoas que o chamavam de louco por acreditar em seres cujo a ciência jamais comprovou a existência. Porém havia uma coisa que me fascinava no mesmo grau que ele, a Cidade de Atlântida.
Já havia lido todos os artigos e pesquisado todas as teorias existentes, vi todos os filmes e li todos os livros do assunto. Saí em expedições com meu pai enquanto crescia, quando era menor tinha planos de estudar a biologia marinha, ao contrário de meu pai, eu era um admirador da vida marinha que já conhecemos. Visitei muitas das ilhas que especulavam ser o local exato da cidade submersa, papai como um bom obcecado que era, gastou milhões em pesquisas nesses locais, daí o apelido Lunático.
Mesmo sem nenhuma prova sequer, ele acreditou em suas teorias malucas até seu último suspiro. Longe do mar, na cama de um hospital vítima de um câncer. Lembro-me de ter prometido a ele que continuaria a procurar onde quer que fosse, iria provar para o mundo todo que ele sempre esteve certo.
Vesti minha roupa de mergulho preparando-me para desbravar as águas frias do Atlântico. Estive ansioso para aquele momento, foi um ano planejando aquela viagem, revisitar o primeiro local que mergulhei com meu pai quando era adolescente. Lancei-me ao mar levando comigo minha câmera subaquática, que me permitia fotografar qualquer coisa nas profundezas.
Fotografei alguns cardumes que cruzei em meio ao meu mergulho, algumas algas e espécies de peixes já conhecidas, quando a pressão da água começou a me incomodar e a escuridão se aproximou, decidi voltar a superfície. Estava chateado por não ser presenteado pela presença de alguma baleia, já pude contemplar de perto uma Cachalote e toda sua grandeza debaixo da água.
Porém eu entendia que quando se tratava da natureza, fazer planos não era uma opção, e me sentia incrivelmente grato quando a mesma me surpreendia, mesmo em seus pequenos detalhes.
Em minha volta para a superfície foi interceptado por outro cardume enorme, aproveitei e fiz algumas imagens enquanto saía do caminho, respeitando o habitat dos pequenos peixes, que pareciam fugir de algo de tão rápido que se moviam pela água.
Com a luz da câmera, avistei uma sombra grande se aproximando. Me alarmei por um segundo pensando ser um tubarão branco. Aumentei a velocidade em minhas pernas e tratei de emergir o mais rápido que podia, assim que avistei o céu azul, ainda assustado, nadei em direção ao rochedo onde havia amarrado minha lancha, subindo sobre as pedras e me permitindo respirar sem os equipamentos. Abri meu traje encharcado, puxando-o até a cintura e deixando o sol bater em meus ombros.
Procurei com o olhar pela água, na esperança de testemunhar o momento em que a barbatana do animal que me perseguiu apareceria rondando-me, assim como nos filmes. Vi uma movimentação no mar e tratei de pegar minha câmera, sorrindo por ser agraciado pela presença de um dos maiores predadores dos mares. Estava assustado ainda, meu coração parecia sair pela boca, e como estava seguro me permiti gargalhar da situação, que com toda a certeza iria entrar para o meu repertório de histórias para contar.
Eu sabia de todos os riscos que envolvia entrar em alto mar, seja para fotografar ou apenas para mergulhar e explorar a vida marinha. Minha mãe sempre se preocupou muito comigo e com meu pai, porém já disse a ela milhões de vezes que se morresse no mar, morreria feliz por estar em meu lugar favorito no mundo. Inclusive, as cinzas de meu pai foram jogadas no mar, era seu último desejo, ele dizia que seria como voltar para casa.

Meu pai tinha opiniões tão diferentes das minhas que às vezes me perguntava como ele poderia ter me criado. Minhas irmãs pensavam tão pequeno em relação a mim que me perguntava como era possível que tínhamos sido criadas juntas.
Era realmente estúpido dizer que elas pensavam pequeno vivendo numa imensidão como o oceano. Mas, elas conseguiam a proeza de fingir que não existia mais nada além dele! Foram manipuladas pelo meu pai desde que nasceram, levadas a pensar que o mundo lá fora era horrível e sombrio!
Eu conhecia o mundo! E não era nada do que ele dizia na intenção de amedrontá-las. Bom, pelo menos o pouco que vi era exatamente o contrário do que papai insistia em dizer que era. Havia um lugar, para onde já dei algumas escapadas, meu lugar secreto, longe das regras dele e perigoso por ser habitado por tubarões grandes que me fariam de refeição sem pensar duas vezes. Quando fui até lá, quando me atrevi a conhecer um pouco do mundo hostil que tanto ouvi falar, fiquei encantada.
Foi como ver um grande reflexo, uma imensidão azul. Porém nunca revolta como as águas às vezes ficavam. Era uma calmaria sem fim. Haviam formas branquinhas, algumas delas pareciam até formar peixes ou outras figuras abstratas, as aves sobrevoavam emitindo sons que nunca tinha ouvido antes. Aquele lugar era tão lindo que se tornou o meu favorito no mundo todo!
Meu pai mentia sobre ele por medo e excesso de proteção, não queria o mesmo fim que teve para nós, suas adoradas filhas. Ele contou a história que viveu com minha mãe, uma humana, fazia de tudo para nos manter no mar para que nunca cruzássemos o caminho deles e nos mandava cantar caso algum dia tivéssemos o desprazer de conhecer um. Partia meu coração ouvi-lo falar daquele jeito sobre minha mãe, eu sempre sonhei em conhecê-la, ao contrário do que meu pai queria.
Sempre me perguntei como ela se parecia, a única coisa que eu sabia que um humano tinha era um pequeno furo na barriga, eu era a única sereia que tinha um também. Sempre fui alvo dos outros, todos sabiam que eu era filha de uma humana, meu pai passou muito tempo sendo alvo de preconceito por ter se apaixonado por uma humana. Queria saber o que era o amor que ele diz ter sentido por ela que, segundo ele, era diferente de tudo o que já tinha sentido na vida, tão forte que o tornou incapaz de cantar e fazê-la se afogar no mar.
Queria me encontrar com algum humano, sentir seus lábios nos meus, como meu pai disse que fez quando conheceu minha mãe.
Enquanto nadava pela água gostosa perto da superfície, avistei um cardume grande de peixinhos, eles eram deliciosos, já estava mesmo na hora da minha próxima refeição. Apesar dos tubarões, a vida naquela parte do Oceano me parecia boa, a temperatura não era tão fria graças a luz que vinha do céu e não era tão escuro, permitia-me ver animais que não sobreviviam nas profundezas, como as adoráveis tartarugas. Avistei de longe um ponto de luz diferente, ao me aproximar, acabei alarmando o cardume, que saiu nadando em alta velocidade, não tive tempo de lamentar pela minha refeição perdida, imediatamente fui atrás daquele... animal desconhecido por mim, que nadava rápido em direção a superfície.
Emergi devagar, assustando-me assim que meus olhos se focaram naquela criatura sentada nos rochedos. Olhando para mim da mesma forma que eu o encarava.


O que surgiu da água me deixou paralisado, o susto me fez perder a noção ao ponto de derrubar minha câmera em cima das pedras grandes.
Eu simplesmente não conseguia acreditar no que meus olhos estavam vendo, aquela mulher… Ela não poderia ter surgido do nada! Olhei em volta em busca de outra embarcação, não havia ninguém ali, somente eu e… ela?
Encarei seu rosto por um instante, sua pele era pálida demais, um rosto que parecia que tinha sido esculpido pelos deuses e um par de olhos assustadoramente avermelhados. Comecei a realmente achar que estava ficando louco ou que tinha batido a cabeça e estava alucinando, quando continuei minha análise, percebi em seu pescoço um par de brânquias, que se moviam conforme ela respirava. Meus olhos foram se arregalando a medida em que eu me inclinava e via, debaixo da água, o desenho de uma cauda grande e vermelha como seus cabelos longos, que lhe tapavam os seios aparentemente desnudos.

Se parecia tanto comigo, os olhos, o nariz, a boca… Desci meu olhar por ele e franzi minha testa confusa, ele não respirava debaixo da água? Onde estavam as suas brânquias? Seu pescoço era liso. Olhar para seu peito desnudo foi familiar para mim, os machos da minha espécie eram iguais, só que sem todos aqueles desenhos.
Um pequeno detalhe me chamou atenção em sua barriga, o mesmo buraco estava ali. Eu estava diante de um humano e eu não fazia ideia do que fazer. Estava com medo, mas ao mesmo tempo tentada a saber mais sobre ele.


Não queria chegar a aquela conclusão, não, era loucura! Aquilo não poderia ser uma sereia! Elas não existiam, não havia prova alguma, estudo nenhum que provasse sua existência. Eram apenas lendas! Meu Deus, eu mal podia acreditar que havia encontrado uma sereia, ela estava diante de mim, e eu só queria poder tirar uma foto e registrar aquela descoberta.
Rapidamente, apanhei a câmera, assustando-a.
— Não, não! — Abaixei meu tom de voz, sem saber se levantava ou não, nem ao menos sabia se ela me entendia. — Está tudo bem, não vou te machucar. — Ao que parece, o sinal apaziguador que fiz a acalmou.
A câmera tinha a tela rachada e se recusava a ligar.
— Droga. — Praguejei baixinho, ainda sob seu olhar.

— O que é isso? — O humano deu um pulo de susto, outra vez encarava-me como se eu fosse um ser de outro mundo. Talvez eu fosse, do mesmo jeito que ele era para mim.
— Uma câmera. — O tom de sua voz denunciava sua tristeza, aproximei-me devagar, olhando curiosa para aquele objeto em suas mãos. — Está quebrada.
— O que ela faz?
— Tira fot… Registra momentos. — Desviou a atenção do objeto e me encarou brevemente.
O jeito como ele me olhava… Parecia tão encantado quanto eu estava por ele.
Ele era tão bonito, seus cabelos pingavam e as pequenas gotas passeavam por sua pele exposta, queria poder tocá-lo, saber como era a sensação. De repente apenas ver não parecia suficiente. Porém ainda tinha medo, apesar de discordar de meu pai, sentia que estava fazendo algo muito ruim desobedecendo-o.
Papai dizia que os humanos não poderiam saber sobre nós, era para eu estar cantando para aquele homem, matando-o afogado para que ninguém mais soubesse de nossa existência. Mas eu estava tão fascinada, que queria conhecê-lo.
Além do mais, ele disse que não me machucaria, e não me parecia ser perverso como meu pai descreveu os seres humanos.
— Os olhos já não fazem isso? — Registrar momentos com um objeto? Os humanos realmente dependiam de algo tão frágil que quebrou na primeira queda para se lembrar de coisas importantes?
Será que eles não tinham memórias?


— Sim, — ri de sua ingenuidade. Era a primeira vez que ela se deparava com uma câmera? Era bem provável que sim. — mas não duram para sempre. E eu queria registrar esse momento. — Completei, ainda extasiado a cada movimento que sua cauda fazia na água.
Parecia que eu estava completamente chapado, falando sozinho. Parecia um sonho, tão real que eu já podia sentir a frustração de acordar vindo. Céus, eu precisava tanto daquela câmera! Principalmente para provar para mim mesmo de que aquilo tudo realmente estava acontecendo.
Depois é claro, para usar a imagem inédita de um ser jamais capturado ou avistado com clareza por uma câmera. Imaginei o que eu poderia fazer com aquela informação, a chuva de contatos que faria com emissoras de tv, as entrevistas que daria.
Talvez se eu a capturasse, ficaria mais fácil lucrar com ela. Ter uma sereia num tanque aberto à visitação, as crianças iriam amar! E ela seria minha propriedade, portanto todo dinheiro que faria viria para mim.
Seria uma bela forma de provar ao mundo que meu pai não era a porra de um lunático, e quem sabe eu não ganharia apoiadores para fazer expedições em busca de Atlântida ou outras espécies marinhas desconhecidas pela humanidade.
— Eu não tenho uma...câmera dessas, mas vou me lembrar desse momento para sempre. O dia em que encontrei um humano, como a minha mãe. — Apoiou-se nas pedras, sorrindo triste.
— Sua mãe? Uma humana, como eu? — Deixei o que restou de minha câmera de lado e resolvi me aproximar, com cautela.
Não conhecia aquela espécie, nem sabia se poderia chamá-la daquela maneira afinal de contas até encontrá-la ali, eu ri de meu pai e de todos os que acreditavam em sua existência. Não sabia se podiam atacar ou se eram dóceis.
Ela era um animal? Era uma das incógnitas em minha cabeça. Eu não sabia lidar com o fato de ela ter uma aparência tão...humana. Talvez fosse por ser fruto de uma mistura, ou será que outras sereias eram iguais a ela?
Sua beleza era estonteante, não parecia ser real de tão linda. Cheguei mais perto de seu tronco, abaixando-me diante dela, que ainda me analisava curiosa, assim como eu fazia com ela.
— Meu pai me contou que ela morreu, fui entregue a ele por um homem.
Um estalo me veio à cabeça. Meu pai me contava sempre de uma lenda originada de cidade próxima dali. Na década de 60, um jovem médico foi acusado pela família de uma mulher muito rica de ter sequestrado um recém-nascido no dia do parto e jogado a criança no mar. O homem foi investigado na época, mas ao que parecia, ele tinha alguns contatos com autoridades e foi liberado sem explicação alguma a família da vítima, que faleceu ao dar à luz.
O caso foi abafado até se tornar uma lenda, uma história passada de boca a boca sem provas de sua veracidade.
Algumas pessoas diziam que o bebê havia sido lançado nas águas frias do Atlântico. Exatamente onde eu estava.
Mas o quão louco seria um médico, em plenas faculdades mentais, arremessando uma criança no meio do oceano? Não parecia haver uma explicação plausível! Porém ao contemplar o ser parado a minha frente, tudo se encaixava tão bem que a história começou a fazer sentido em minha cabeça.
— Você é o bebê lançado ao mar? — A encarei incrédulo.
Já haviam se passado mais de sessenta anos! E ela não aparentava ter aquela idade. Talvez sua biologia a permitisse permanecer jovem com o passar dos anos? Ou sua idade fosse contada de forma diferente da nossa. Caso fosse algo de sua espécie, o ramo da estética teria bastante interesse nela e no que ela teria a oferecer às pesquisas.
— Qual o seu nome? — Estiquei minha mão a fim de tocar sua pele.

Afastei-me com sua aproximação repentina. Encarei seus dedos tão perto, seus olhos claros me transmitiram calma enquanto ele voltava a avançar com a mão em minha direção.
O permiti me tocar, sentindo um calor diferente de tudo o que eu já havia sentido na vida. Meu coração bateu mais forte enquanto eu avancei contra a palma de sua mão em busca de mais contato. Minha mão envolveu a sua num ato involuntário, pude notar um certo espanto vindo dele, porém o homem não se afastou, apenas se deixou ser tocado no rosto quando minha curiosidade se aflorar com toda aquela aproximação.
, me chamo . — Ainda na espécie de transe do relaxamento que seu toque me causou, respondi a aquela pergunta. E acho que responderia quantas mais ele quisesse caso ele perguntasse, apenas para poder ter sua companhia e continuar a sentir o que estava sentindo.
— Você é linda, . — Ofeguei ainda sentindo sua pele entre meus dedos, que subiram em direção aos seus cabelos macios. — eu ainda não estou acreditando que te encontrei.
Sua voz era o meu novo som favorito no mundo, e eu sentia que nem precisava ouvir mais nada para confirmar aquele fato. Quando ele abria a boca, era como se as palavras saíssem em forma de canção, a mais bela canção de todas.
Meu pai tinha me dito para cantar caso cruzasse com um humano, mas ao que parecia, ele era quem tinha cantado para mim. Sentia-me enfeitiçada, atraída por uma força invisível. Suspirei sob seu olhar analítico. Aquele era o melhor dia da minha vida.
Me perguntei se não havia sido daquela maneira com meu pai e minha mãe. Se estava apaixonada por ele, questionei-me silenciosamente, como meu pai pode transformar aquela sensação tão incrível em puro ódio? O que minha mãe pode ter feito a ele para deixá-lo tão frio em relação ao amor?


Seu toque gélido me assustou de início. Chegava a ser mágico como conseguia ser naturalmente contrária, sua pele era gelada como as águas que vivia, porém tudo em sua aparência me remetia a fogo, era como uma chama acesa em pleno oceano. Desde os olhos rubros penetrantes, os cabelos acobreados, até sua enorme cauda. O modo como sua aparência mexia comigo também me remetia a fogo, a atração que estava tendo por ela, por míseros segundos, me deixava preocupado.
Afinal de contas, sereias eram ou não capazes de hipnotizar homens com o canto? Eu não tinha como saber se tudo o que falavam sobre elas era real ou fazia parte de lendas. O que me deixou perplexo foi me dar conta de que ela nem ao menos precisou abrir a boca para me fisgar daquela maneira. Meus batimentos ainda estavam descompensados, e parecia que ela tinha uma grande influência sobre meu corpo e coração.
era o ser mais lindo que eu já havia visto na minha vida.
E o modo com que ela estava entregue a mim deixava-me ligeiramente animado para dar início aos meus planos. Queira levá-la para mim o mais rápido que conseguisse.

— E você? Como se chama? — Senti a falta imediata de seu toque, assim que ele se afastou, sentando-se na beirada das pedras.
. — Seu sorriso ladino fez meu corpo estremecer da cabeça até a cauda. — .
. — Repeti, tentando não rasgar meu rosto de tanto sorrir. Eu, , conversando com um humano! — Oh, meu pai me mataria se soubesse que estou com você. — cobri o rosto com as mãos sentindo-me a sereia mais inconsequente que os mares já viram.
— Estranhamente, eu já ouvi muito essa frase na vida. — riu sozinho, apoiando o cotovelo em sua perna atraindo minha atenção.
Seu corpo era lindo, imprimia uma sensualidade que me deixava sem ar, ainda estava em transe em suas pernas. Parecia ser muito confortável ter pernas, as manuseava com perfeição, até mesmo nadando. De repente desejei também ter pernas.
— Mulheres e sereias tem mais em comum do que pensei.
— O motivo da irritação dos pais é o mesmo? — Apoiei o queixo em meus antebraços. me encarou confuso.
— Depende. Porque seu pai não gostaria de ver você comigo?
— Ele me disse que humanos não são confiáveis. — Desdenhei, agora que tinha conhecido , pude saber a verdade sobre eles. E comprovar minha teoria de que minha mãe tinha feito algo de muito ruim contra ele para que ele pensasse assim de todos os humanos.
— Ah, esse é o argumento de todos eles. — Piscou para mim fazendo-me corar. — No fundo eles têm é medo de perderem as filhas para mim.
Mordi o lábio inferior imaginando o que devia fazer para deixar as mulheres tão apaixonadas ao ponto de fazê-las considerarem deixar os pais para irem com ele.
Aquela era uma ideia tão louca para mim. Meu pai e minhas irmãs eram a minha família, e nós, sereias, não nos separávamos da família em hipótese alguma. Estávamos sempre em bando, já ouvi histórias de sereias que se perderam da família e acabaram morrendo de desgosto.
parecia ser tão livre que de repente me questionei se era realmente bom ser uma sereia e ter toda aquela responsabilidade com a família e obediência com o pai. Além de ter pernas que o permitam fazer o que ele quisesse, ainda poderia viver em terra firme e visitar o mar quando bem entendesse. Sozinho, sem ninguém para lhe dizer o que fazer. Me perguntei quantos privilégios ele, por ser humano, não devia ter.
Invejei sua vida, mesmo sem ao menos saber sobre ela. Por estar presa ao mar e almejar tanto conhecer o mundo.
— Você beija todas elas? — me olhou intrigado.
— O que você sabe sobre beijos?
— Bom, meu pai me disse que um dia minha mãe juntou os lábios nos dele, disse que era a melhor sensação do mundo. — Lembrar-me do modo como seus olhos brilhavam quando ele me contou o começo de sua história com minha mãe me emocionava.
Do meio para o fim a ira tomava conta dele, que jamais me contou o que aconteceu entre eles naquela época. Eu só sabia que era para manter distância da superfície, porém aquela proibição toda sem uma explicação acabou me levando onde eu estava.
Tinha que ver com os meus próprios olhos e ter minhas próprias experiências.
— Seu pai está certo. — voltou a ficar sério ainda me olhando com seus olhos penetrantes. Ainda sem jeito, mantive minha cabeça elevada, não quebrando de jeito algum o contato visual. — Beijar é a segunda melhor coisa do mundo.
— E qual seria a primeira? — Indaguei curiosa.
Ele mordeu o próprio lábio, contendo um sorriso aberto.
— Esqueça… você não vai querer saber. — Confiei nele, deixando o assunto para trás. Encarei seus lábios rosados por um tempo, tempo demais para falar a verdade. Meu coração bateu mais forte.
, você poderia… — respirei fundo, nervosa. — você poderia me beijar? — Suas sobrancelhas se elevaram levemente em surpresa.
— Quer experimentar? — Assenti de imediato.
então se aproximou de meu rosto, fazendo meu coração se acelerar. De tão de perto, eu conseguia ter uma noção maior do quão linda era a cor de seu olho, de tão gostoso era o calor que seu corpo emanava. Era quase que impossível, porém nem mesmo o sol presente naquele encontro poderia se comprar a ele.
Sua respiração bateu contra mim, misturando-se com a minha, fazendo-me tombar minha cabeça contra sua mão, que já se encontrava próxima de meu rosto. Minhas pálpebras se fecharam como se pesassem toneladas.
Eu desejei ter uma daquelas câmeras que disse que registrava momentos, porém, além daquilo, queria poder gravar aquelas sensações para poder revisitá-las quando quisesse. Não sabia se os humanos já tinham inventado uma máquina daquelas, porém naquele momento eu tentava desesperadamente gravar tudo aquilo no meu coração e esperava que jamais esquecesse.
Seus dedos pegaram meu queixo e puxaram-me para si. Apertei os olhos esperando sentir seus lábios nos meus, porém se afastou subitamente. Abri meus olhos completamente confusa e frustrada.
— Amanhã. — Sussurrou contra meu rosto. Arfei ainda sem entender nada, aproximei-me dele, que se afastou ligeiramente, sorrindo contido. — Prometa para mim que estará aqui amanhã quando eu voltar e eu te darei teu beijo.
Abaixei a cabeça triste, porém conformada, ainda haveria um amanhã. Senti um leve frio na barriga querendo que aquela noite e o dia seguinte se passassem voando, só para poder vê-lo novamente e ser beijada.
— Tudo bem. — riu, tocando meu nariz com a ponta do dedo.
O homem se afastou ficando de pé, impondo-me sua altura. Apanhou sua câmera quebrada e voltou para sua navegação, que o esperava ancorada nos rochedos.
pegou algo nas mãos, um objeto escuro e retangular, o apontou em minha direção e pude ver uma pequena luz piscar duas vezes. Intrigada, o vi guardar o que quer que fosse aquilo e depois acenar para mim.
Acenei de volta feliz pelo dia que tive ao lado dele. Nosso encontro não tinha nem ao menos demorado, porém pareceu uma eternidade, parecia que tínhamos conversado por horas e horas.
Estava tão encantada por que poderia ficar ali, o ouvindo falar por dias, sem reclamar.


Assim que deixei minha lancha no cais apressei-me para ir de volta para o hotel onde estava hospedado. Ainda atônito por tudo o que tinha acabado de me acontecer, estava até um pouco alto, sorrindo à toa de tão impressionado que ainda estava. Quem me visse naquele estado absoluto de euforia pensaria até que estava embriagado.
Aquilo era felicidade. Pura e genuína. Eu havia feito uma das maiores descobertas científicas em anos! Descobri uma nova espécie marinha, que pode ser rica em benefícios para nós humanos através de sua biologia, fora que ganharia fama internacional por ter sido o primeiro homem a encontrar com uma sereia. Uma lenda, um ícone da cultura pop, algo que sempre brincou com a imaginação de todo mundo.
E eu tinha duas fotos comprovando sua existência e um encontro marcado com ela no dia seguinte.
Tomei um banho rápido, refletindo sobre meu pai e em como ele deveria estar vibrando de felicidade onde quer que estivesse. Queria que ele estivesse comigo, partilhasse daquela descoberta, era um dos seus maiores sonhos! Ver com os próprios olhos o que ele acreditou e procurou por anos e foi ridicularizado por isso.
Eu iria vingar a memória dele.
Fiz algumas pesquisas pela internet, busquei mais sobre a história por trás da criança arremessada ao mar, que agora descobri ser . Ainda era difícil acreditar que tudo aquilo era real. Tinha passado a vida buscando respostas sobre Atlântida e sobre os mistérios que os mares escondiam em suas profundezas, porém nunca estive nem perto de ter respostas. E, de repente, tinha descoberto a existência de sereias! Mesmo após tantos anos de buscas, eu ainda estava completamente boquiaberto com o que tinha me acontecido naquela tarde.
Não foi difícil encontrar o nome do médico em sites que contavam aquela história com a mesma fixação que usavam para acreditar que o homem nunca foi a lua, por exemplo.
Fiz uma outra pesquisa e descobri algumas informações sobre o homem, que segundo o Google já estava no auge dos seus oitenta anos de vida. Continuava residindo na mesma cidade e algo me dizia que não seria complicado descobrir seu endereço, dada a repercussão que toda aquela história teve na época.
Eu precisava saber mais sobre o que aconteceu, queria saber, do olhar de um médico, o que e sua espécie eram, como foi possível a concepção de um bebê entre uma mulher e um tritão e mais milhares de outras dúvidas que me surgiam a cada vez que a imagem de e toda a sua beleza me vinham à mente.
Caí na estrada tendo o meu almoço no meio do caminho mesmo, um drive thru salvava vidas em momentos de pressa como aqueles. Tinha que me organizar com toda aquela questão da captura da sereia, afinal, não poderia passar muitos dias ali, longe do comando da empresa. Minha mãe logo faria aniversário e exigiu que a família inteira estivesse presente em Londres, onde comemoraríamos mais um ano de vida dela.
Foram precisas duas horas de viagem para chegar até a cidadezinha onde a mãe de morava. Perguntei a alguns moradores locais sobre o paradeiro do médico, disse que era um jornalista atrás de uma entrevista sobre o caso, após me perder algumas vezes finalmente consegui achar seu endereço. Eric Reinhart morava em uma belíssima casa branca, em frente ao mar.
Após muito insistir a Debby, uma senhora muito simpática, consegui alguns minutos de conversa com o velho, mas não antes de falar o motivo real da minha visita. Debby não queria me permitir ver Eric e incomodá-lo com todas as suposições e até ameaças que eles certamente receberam com o passar de todos aqueles anos. Porém, quando fui sincero sobre a história inteira, quando lhe mostrei a foto de , sua expressão mudou imediatamente. Eu só não pude decifrar se o modo como a deixei depois daquilo significava algo bom ou ruim.
Após espera-lo descer do quarto, já bem debilitado e com ajuda de uma muleta, esperamos um café feito pela esposa dele antes de sermos deixados a sós na sala de estar.
— Eu a encontrei. A garotinha que o senhor jogou no mar. — Estiquei o celular em sua direção. Sua mão trêmula alcançou o aparelho e eu pude ver seus olhos marejarem em emoção.
— E o quer dela? O que quer de mim? — o velho se levantou, andando com dificuldade até a janela, que lhe entregava uma linda vista para o mar.
— Vim em busca de respostas, quero saber mais sobre ela, sobre sua espécie. — lhe respondi, como se fosse óbvio. — Porque não a entregou para a ciência? A teve nas mãos, poderia ter ganhado muito com a descoberta na época.
— Eu nunca quis ganhar fama por isso. — Desdenhou devolvendo-me o celular. Fungou, passando o indicador no canto do olho, debaixo dos óculos. — Maria era alguém muito especial para mim, quase uma filha. Seu último desejo foi que a menina fosse entregue ao pai, ela não sobreviveria longe da água.
— O senhor tem certeza disto? Ao menos tentou mantê-la em terra firme?
— Não cabia a mim decidir o lugar dela. Fiz o que era melhor para a menina.
— Mas…
— O senhor ainda não respondeu minha outra pergunta. — Arqueei minhas sobrancelhas com seu tom de voz alterado. — O que pretende indo atrás dela?
— Não irei mentir para o senhor, eu pretendo capturá-la. Contribuir com a ciência, deixar o mundo saber da existência dela.
— Senhor , não faça isso. Por favor, deixe-a em paz. — ri de escárnio. Eu não daria para trás, não depois de chegar tão longe.
Levantei-me já sentindo que não era mais bem vindo ali, tampouco conseguiria algo de Erick.
— Me desculpe Reinhart, mas se não for eu, outro pode chegar e fazer algum mal a ela. — coloquei as mãos nos bolsos, esperando alguma coisa vinda dele, que apenas continuou na janela. — Minhas intenções são boas, eu juro! é um ser magnífico, prometo que cuidarei de tudo pessoalmente.
— Sua vinda aqui foi uma perda de tempo, não irei contribuir com o que quer que esteja tramando. — segurei o riso ao perceber que Reinhart falava como se eu fosse alguma espécie de vilão da Disney.
— Bom, pelo menos eu tentei. — Passei as mãos pelo rosto exasperado. — Muito obrigada, de qualquer forma. É uma pena não poder fazer negócios com o senhor.
— Uma vida não tem preço, senhor . — assenti compreensivo. Mesmo não concordando com sua visão, entendia o que Erick queria dizer com aquilo.
Não pretendia fazer mal a ela. Sempre amei tudo o que envolvia a vida marinha e daquela vez não seria diferente. O zelo com que cuidaria de seria redobrado, envolvia muito mais que dinheiro, era algo que significava muito para a memória de meu pai. Era paixão.
— Agradeça sua esposa pelo café.
No caminho de volta já ia matutando meus próximos passos, o doutor Reinhart era apenas uma das peças do jogo, descartável, porém sua presença poderia ter sido importante para esclarecer de uma vez por toda a história que o deixou famoso anos atrás.
Liguei para Jack, um velho amigo de meu pai, era biólogo, lhe disse que tinha uma surpresa e o pedi que pegasse o primeiro voo que conseguisse. Ele não iria se arrepender, entraria para a história como o primeiro biólogo a examinar uma sereia. Seu olhar profissional seria de suma importância para entendermos a biologia por trás de todas aquelas escamas que envolviam a cauda de .
Outro telefonema, daquela vez Joshua Campbell atendia a minha ligação topando marcar uma videoconferência mais tarde, onde eu o convidaria para se juntar a nós em nosso passeio até . O repórter da BBC não soube de cara do que se tratava, porém vendi meu peixe tão bem que pude sentir sua animação pelo telefone, curioso para saber o que eu teria de tão interessante para oferecer ao mundo.
Jornalistas, típico deles.
Retornei para meu quarto de hotel quebrado demais por dirigir por muito tempo, porém saber que em poucos dias um dos maiores sonhos de meu pai iria se realizar compensava o cansaço. Após acertar minhas pendências com Joshua e Jack, cai num sono profundo ainda sentindo a sensação de se estar boiando no mar.
Ah, aquela sensação nunca iria deixar de ser incrível.

***


Estava tão ansiosa para que o tempo passasse logo que mal conseguia conter meu coração!
Eu iria finalmente saber o que era beijar!
Esperei até que meu pai e minhas irmãs não dessem a minha falta e tratei de me apressar para meu encontro com . Quando cheguei nos rochedos estava sozinha, com os braços apoiados no amontoado de rochas, esperei por um tempo até que ele desse algum sinal de vida.
Tentei ajeitar meus cabelos por diversas vezes dando-me conta de que não costumava me preocupar com minha aparência onde eu vivia. A leveza da água sempre moldou minhas madeixas do jeito que ela bem entendesse, porém, naquele outro mundo, senti necessidade de parecer bonita.
Tive a ideia de sentar-me ali, sobre os rochedos, não foi uma tarefa muito fácil, cheguei a me arranhar pelas pedras um pouco pontiagudas, porém consegui uma posição confortável ali. Após mais um tempo de espera comecei a sentir uma enorme tristeza ao ver que não tinha ido me ver como me prometeu.
Ele voltaria?
Meu coração estava em pedaços, porém pareceu se colar em questão de segundos assim que avistei, vindo de longe, a embarcação que o trouxe no dia anterior. Voltei a mexer em meus cabelos já secos por conta do calor que fazia fora da água, sentia-me um pouco tonta, mas era apenas pelo fato de ser minha primeira vez tanto tempo fora da água.
Eu era meio humana, tinha que aguentar mais um pouco, pelo menos até que recebesse meu beijo prometido. Queria ser beijada ali, fora da água, experimentar ser uma humana, mesmo que fosse apenas em minha imaginação.


Vestia apenas uma bermuda amarela quando subi na lancha rumando ao meu ponto de encontro com , o sol estava quente como sempre. Levava comigo minha outra câmera, a qual usaria apenas para capturar imagens da sereia em seu habitat natural.
E lá estava ela, sentada, esperando-me aproximar. E caramba, era como se ela tivesse ficado ainda mais linda de um dia para o outro. Seu sorriso de orelha a orelha me fez sorrir de volta, tratei de descer e ir ao seu encontro, ainda embasbacado pela visão que tinha.
Sua cauda, enorme, estava exposta ao sol, que parecia fazê-la brilhar quando a luz batia nela. Sentei-me ao seu lado nervoso, ainda sendo o centro das atenções da sereia.
— Pensei que não viria mais. — Seus olhos rubros quase se fechavam, disputando espaço com seu sorriso naquele rosto miúdo e delicado.
— E perder a oportunidade de te ver outra vez? — Ri ainda admirando a beleza de seu corpo. Seus quadris escamosos tinham as mesmas formas de uma mulher humana, porém descia e se transformava naquela cauda impressionante. — Posso tocar? — me encarou envergonhada, porém assentiu, observando curiosa minha reação ao finalmente tê-la em minhas mãos.
Literalmente.
A textura era a mesma de tocar um peixe comum, as camadas de escamas cobriam toda a extensão de sua cauda vermelha, que tinha sua ponta dentro da água. Notei algo de errado na lateral dela, um pequeno edema rubro, como se tivesse sido machucada.
— O que houve? — Toquei a região suavemente, tendo minha mão afastada por ela, que tinha uma leve expressão de dor.
— Não é nada, — riu fraco. — acho que é por conta do sol.
Encarei o céu incrivelmente azul e imaginei seus efeitos na pele dela, que provavelmente nunca se expôs tanto ao sol quente que fazia naquela hora do dia.
Seus cabelos ruivos estavam secos, indicando que estava ali há tempo o suficiente para sofrer queimaduras. Se eu, que era humano, já me ferraria caso enfrentasse um sol daqueles sem proteção, imaginei a pobre sereia. Senti-me culpado por tê-la feito esperar tanto. Não apareci na hora marcada por estar ocupado demais alugando um barco maior para poder transportá-la dali.
não poderia ter machucados ou sinais de maus tratos quando eu a exibisse ao mundo. Não queria que pensassem que ela sofreu algum tipo de maus tratos, como tinha dito para Erick, eu cuidaria pessoalmente de tudo relacionado a ela. Eu não era um monstro, me importava com .
Sua remoção da água seria tranquila, iríamos aplicar um tranquilizador em , a recolheríamos quando estivesse desacordada para não a assustar. Eu acompanharia tudo de perto e, principalmente, estaria ao lado dela quando despertasse dentro do tanque para explicar tudo a ela.
— Volte para a água então. — Ela negou veemente. — , o sol está te fazendo mal, venha, vamos para a água. — Peguei suas mãos, porém ela resistiu.
— E quanto ao meu beijo? — soltei um pequeno riso com sua atitude inesperada. — Eu volto para a água se me beijar. — A encarei por um segundo, admirado.
— Onde foi que aprendeu a fazer chantagem? — A resposta era bem simples, comigo.
estava se mostrando muito inteligente. Será que as sereias possuíam a mesma inteligência dos golfinhos? Ou, talvez, pudessem ser ainda mais, igualando-se a nós, seres humanos. Eu estava fascinado com , queria submetê-la a todos os tipos de testes possíveis para saber de tudo sobre ela, desvendá-la aos poucos e conhecer tudo o que ela conhecia nas profundezas das águas.
— Tudo bem. Feche os olhos, espertinha. — Aproximei-me dela, que respirou fundo e fez o que lhe ordenei, um sorriso brincava em seus lábios, fazendo-me reparar no quão entregue ela estava.
Meus lábios tocaram os dela de vagar, nossos narizes se chocaram suavemente enquanto minha respiração se misturava aos poucos com a dela. Com a mão posicionada em sua nuca, beijei sua boca com calma, a esperando me acompanhar nos movimentos com paciência. Aos poucos fui invadindo sua boca com minha língua, logo pegou o ritmo, mostrando-se incrivelmente aplicada ao aprender coisas novas. Ao fim do oxigênio, me separei dela notando a rapidez com que tinha aprendido a beijar.
Nem ao menos parecia que ela não sabia o que era um beijo dias atrás.
Contemplei seu rosto sereno, observando-a sorrir boba, ainda de olhos fechados e inclinada em minha direção. Querendo mais. Ri da espécie de transe em que ela se encontrava e selei nossos lábios mais algumas vezes.
— Gostou do beijo? — Seus olhos rubros se abriram devagar, fazendo-me reparar na coloração única deles. não parecia ser real de tão magnífica que era.
— Eu amei.
Puxei minha câmera pendurada em meu pescoço e apontei a lente em sua direção.
— Não se mexa. — se deixou fotografar sem ao menos questionar, após alguns cliques decidi não prolongar mais seu sofrimento. — Agora, como prometido, de volta para a água.
A ajudei a descer das pedras com cuidado, já que até mesmo aquilo a havia machucado. A sereia sumiu de meu campo de visão assim que mergulhou de volta, emergindo um tempo depois com a expressão de puro alívio no rosto.
Bom, eu já sabia que não poderia ser uma boa ideia deixá-la exposta ao ar livre como faziam com as baleias e golfinhos em apresentações. O tanque de ficaria longe da luz do sol para não correr o risco de machucá-la.
— Você não vem?
Me equipei com meu respirador e joguei-me na água fria, sendo acompanhado pela sereia, que nadava com perfeição, movendo sua cauda ao meu redor deixando-me mais uma vez embasbacado.
Liguei a luz da câmera a fim de capturar imagens claras da performance que proporcionava apenas para mim, registrei em vídeo os movimentos graciosos dela sob a água azul, que bagunçava seus cabelos longos e revelava seus pequenos seios escondidos por suas madeixas na maior parte do tempo. Eu estava hipnotizado. Não sabia se a assistia através do visor ou a olho nu, independente do ponto de vista que eu olhasse aquela cena, ainda parecia um sonho. Parecia impossível de ser real.
A sensação que tinha se comparava a emoção que senti no dia em que tive o prazer de nadar ao lado de uma cachalote. Só que mil vezes mais forte, eu senti vontade de chorar ao contemplá-la, desejei desesperadamente que meu pai pudesse estar ali comigo.
O sorriso de desapareceu assim que ela se aproximou o bastante para ver lágrimas em meus olhos através dos óculos de mergulho. Subimos para a superfície assim que minha visão começou a ficar turva devido ao meu choro desenfreado. Me livrei dos óculos e do respirador tentando controlar minhas emoções.

— O que aconteceu? — Fui até ele preocupada. Seus olhos lindos encararam-me brilhosos, e mais uma vez gotas grossas surgiram neles, misturando-se com as que o mar deixou em sua pele. — Porque seus olhos estão jorrando água?
riu, fazendo-me ficar em dúvida entre sua voz ou sua risada como som favorito, era quase que um empate técnico.
— São lágrimas. — Passou as mãos pelo rosto, disfarçando. — Não sabe o que são lágrimas? Vocês não choram?
— Sim, quando estamos tristes. Mas eu nunca soube que os olhos poderiam vazar dessa forma. — mais uma vez gargalhou.
Debaixo da água não existiam lágrimas, ou ao menos elas eram invisíveis, se misturavam com o oceano que era tão imenso que amenizava nossa dor. Nunca chorei em toda minha vida, conheci poucas sereias e tritões que já o fizeram, já ouvi algumas baleias chorarem por perderem filhotes. Não costumávamos chorar, a não ser que estivéssemos sentindo uma tristeza profunda, o som era desolador, tão alto que poderíamos ouvir a longas distâncias. Porém nunca presenciei uma lágrima cair. Pelo menos não até conhecê-lo.
Humanos choravam em silêncio, ao contrário de nós. Me perguntei como eram consolados se não os ouviam chorar. A solidão de chorar sozinho deveria ser enorme.
— Eu não estou triste. — Suspirei tocando-lhe o rosto molhado mais uma vez por suas lágrimas incessantes. — Estou chorando de felicidade, por estar aqui, com você.
Não pude evitar o sorriso largo ao ouvi-lo falar aquilo, olhando-me nos olhos. Estar tão feliz ao ponto de chorar? Eu não entendia, porém não importava, vê-lo sorrir me deixou mais tranquila ao perceber que estava realmente feliz.
Ele me beijou outra vez, fazendo meu coração dar pulos de felicidade dentro de mim. Se eu fosse humana, choraria de felicidade também.
Espalmei minhas mãos em seu peito, sentindo sua pele contra a minha. conseguia ser quente mesmo estando em plena água fria, me perguntei se todos os humanos tinham tal habilidade. Eu gostava de tê-lo tão perto, sentia-me aquecida, não só fisicamente, mas também em meu coração.
— O que é isso? — Meus dedos se esbarraram com um pequeno objeto prata que envolvia o pescoço de . Eu conhecia aquele desenho de algum lugar...
— É uma corrente, meu pai me deixou ela antes de partir. — Pegou-a com os dedos, mostrando-me direito. — É uma âncora. Usamos para deixar os barcos parados em alto mar.
A luz do sol acertou a tal âncora, que brilhou de um jeito lindo, deixando-me fascinada.
— Aqui, pegue para você. — A desprendeu do próprio pescoço, vindo com ela em minha direção.
— N-Não, , eu não posso aceitar. — Se eu tivesse tido a sorte de ter algo que pertenceu a minha mãe, jamais daria a alguém! Não poderia aceitar um presente tão significativo!
— Fique com ela, amanhã você me devolve. — Insistiu, fazendo-me ceder e afastar meus cabelos para que ele colocasse em mim.
— Então você irá voltar?


— Essa será minha garantia. — segurou o pingente sorridente, depois me encarou com entusiasmo. — Te encontro aqui, amanhã. — Ela assentiu veemente.
— Não vejo a hora de poder te ver novamente. — Aproximei-me dela, pegando em seu queixo, fechou os olhos assim que tive meu rosto próximo do dela.
— Você ainda vai me ver bastante, eu prometo.
Beijei seus lábios pela última vez naquele dia e a deixei, fazendo meu caminho de volta a cidade em minha lancha, completamente ansioso para o dia que logo viria.

Mais uma vez fui discreta ao retornar para casa, agindo como se nada tivesse acontecido. Apesar de ser cada vez mais difícil não sorrir à toa ao me lembrar dos poucos momentos que tinha tido ao lado dele. havia me prometido que eu o veria mais vezes, e aquilo meio que acalmava meu coração diante de meu medo de nunca mais vê-lo.
Meu pai me viu algumas vezes durante aquele dia, em todas elas fiz questão de disfarçar meu machucado e arranhões, mas, principalmente, a corrente linda que tinha me dado. Passei a noite olhando para ele entre meus dedos, ansiosa para vê-lo novamente e poder devolvê-lo.
Amanheceu e eu ainda estava por ali, encarando o presente emprestado dele, lembrando-me da sensação de ser beijada. Era tão mágico, pensar em alguém e sentir o coração acelerar como se a pessoa estivesse ali. Suspirei imaginando a dor que meu pai sentia por ter perdido minha mãe e nunca mais ter sentido tudo aquilo novamente.
— Pode me explicar o que é isso, ? — Assustei-me com a voz imponente de meu pai, que encarava a âncora pequenina em minha mão possesso.
— P-Pai, e-eu posso explicar, eu…
— Você foi até a superfície, ? — Interrompeu-me fazendo-me encolher os ombros, tamanho era o meu medo. Seus olhos estavam ainda mais escuros e ele estava tomado pela ira. Eu sabia bem que ele não precisava de resposta para aquela pergunta, por isso, permaneci calada. — Onde encontrou isso?
me deu de presente, m-mas eu vou devolver a ele, pai, e-eu prometo!
Meu pai veio até mim e me arrancou a corrente com força, quebrando-a. Meu coração se quebrou junto, eu imaginei que desculpa eu daria a quando ele perguntasse da corrente que ganhou do pai que faleceu.
— Se encontrou com um humano? — Mais uma vez, ele não precisava de respostas. Sabia como funcionava.
— E-Ele não é como o senhor falou que era! Mentiu para mim esse tempo todo! é gentil, amoroso...
— Amoroso? — Se aproximou encarando-me desconfiado. — , o que ele fez com você?
— N-Nada, pai, ele não me fez nada de mal…
!
— E-Ele me beijou, s-só isso. — Meu pai esbravejou tão alto que minhas irmãs vieram ao nosso encontro, saber o que estava acontecendo.
Todas elas tinham a mesma expressão de pena em seus rostos. Eu era quem sentia dó delas, nenhuma iria experimentar a sensação de ser beijada ou ao menos saber o quão lindo era lá superfície. Me sentia tão bem lá, livre, longe da escuridão das profundezas, sem precisar se esconder como se fôssemos monstros.
— Eu te avisei para ficar longe da superfície, te avisei que humanos não são confiáveis, será que não entende que estou tentando te proteger?
— M-Mas papai, n-não há nada para que o senhor me proteja! Ele não me machucaria! é um humano bom. — Ele riu amargurado. Meu pai jamais iria deixar que eu conhecesse o mundo a não ser que fosse apenas pelos seus olhos, ele nunca me deixaria ser feliz, não depois do que aconteceu com minha mãe.
— Está apaixonada, está cega!
— Eu não poderia estar enxergando melhor! — O enfrentei, assustando até mesmo o próprio. — Não haja como se já não estivesse em meu lugar antes, pai, eu sei que minha mãe te machucou, mas não quer dizer que todos eles sejam iguais! não...
— Chega! — Berrou, deixando até mesmo as outras filhas encolhidas num canto. — Você está proibida de voltar lá, está me ouvindo ! — Quem estava brava e com razão era eu! Não era justo!
— Mas pai! — Insisti, magoada.
, se você for até lá esqueça que tem uma família. — Fiquei boquiaberta com o que escutei. Seus olhos vacilaram por um instante, porém ele manteve a pose encarando-me impassível. — Escolha, ou ele, ou nós.
— O senhor não p-pode f-fazer isso comigo.
A tristeza profunda invadia meu coração, fazendo-me emitir o som de soluços. Toquei meu rosto tentando sentir lágrimas, porém elas eram mesmo imperceptíveis ali, só conseguia sentir aquela sensação horrível de desamparo e desespero. Nunca mais desejei sentir o que estava sentindo naquele momento, o único jeito de sanar tudo aquilo seria um abraço das pessoas que eu amava, e justamente eles estavam contra mim.
— Escolha, . — Me deu as costas, provavelmente para não me ver sendo devorada pela tristeza, se sentir tentado a ceder e me abraçar.
— Porque, papai? O que minha mãe te fez pra te fazer odiá-los tanto? — Ainda soluçava, quando o vi se virar e me olhar com o semblante triste.
— Sua mãe foi tudo o que os humanos são, traiçoeira, mentirosa, egoísta! Ela trouxe homens para me capturar, me dizia que eu era uma criatura única, que valeria muito para eles em terra firme. Fui seduzido por ela, atraído como os peixes que mordem as iscas que eles jogam ao mar.
— E-Ela queria te matar? — Assustada, pensei em todos os anos que meu pai nos colocou medo em relação aos humanos. Se aquela era a verdadeira história, então ele tinha razão em odiá-la.
— Ela não, eles, os homens que ela trouxe consigo. Sua mãe era a minha isca, consegui escapar, porém eu sabia que era inevitável, eu sabia que algum dia outro humano maldito iria voltar para tentar o mesmo! Por isso eu avisei, , olhe em sua volta, porque acha que vivemos escondidos? Olhe as orcas, quantas delas desaparecem e nunca mais são vistas, quantas delas têm seus filhotes roubados? Sabe o que acontece com eles? Vão parar em tanques que mal se comparam com o tamanho do mar, presos para entreter os outros humanos que parecem não se contentar em apenas nos admirar de longe. Eles querem nos controlar, nos exibir como se não importássemos. Os tubarões? Cortam as barbatanas e jogam de volta para o mar, quantos você já não viu morrerem?
Aquela era a história mais assustadora que eu já ouvi em toda minha vida. Eu já presenciei algumas coisas estranhas pelo mar, já vi carcaças de tubarões, ouvi o choro das baleias e até mesmo o som delas, chamando os filhotes sem ter resposta. Porém não sabia quem eram os responsáveis por todo aquele mal.
E apesar de estar aterrorizada ao saber que corri um risco alto de cruzar com alguém mal daquela forma, eu sabia que era diferente. Se ele fosse como os outros, teria me machucado no dia em que nos conhecemos! ficou preocupado comigo quando me viu machucada pelo sol, insistiu que eu voltasse para água, ele sabia que ali era o meu lugar! Não tentou me impedir de voltar muito menos me prendeu. ia sozinho me ver, eu provavelmente era o segredo dele.
Da mesma forma que ele era o meu. Bom, era, antes de tudo ser descoberto.
, não confie neles. De todos os que já conheci, o único que não tentou me fazer mal o foi o que me devolveu você. Não acredite nas palavras bonitas que eles te dizem, nos beijos que te dão, muito menos se deixe comprar por objetos sem valor algum pra você. Nós somos a sua família e não queremos te perder. Por favor, prometa que nunca mais irá até a superfície.
Não adiantava falar, meu pai mesmo admitia que nem todos humanos eram maus, mas mesmo assim não queria me deixar ver , que me provou que era uma boa pessoa. Meu coração doía em ter que tomar aquela decisão. Nunca pensei que teria que escolher entre minha família e algo que tinha me feito tão feliz. Sempre achei que, algum dia, iria poder ter os dois.
— Tudo bem, e-eu não irei mais a superfície. — Meu pai ficou visivelmente aliviado, me deixei ser abraçada por um tempo, sentindo o aconchego que só minha família me fazia sentir. Não era a mesma sensação de calor que me proporcionava, mas aquela eu teria que me conformar em nunca mais sentir. — Pai… será que eu não poderia me despedir?
… — Eu conhecia aquele tom de voz, ele usava quando eu estava sendo teimosa demais, mais que o normal.
— Por favor pai, me deixe dizer adeus a e eu nunca mais volto lá. — Negociei do mesmo jeito que aprendi com . Meu pai ponderou por um tempo, deixando-me ansiosa pela sua resposta. — Por favor, por favorzinho…
— Me promete que irá cantar caso ele tente algo. — Fiquei receosa com sua imposição.
Eu sabia dos efeitos do nosso canto em humanos, sabia que o mataria caso cantasse para ele. Sempre tive muito medo de cantar, não sabia se conseguiria lidar bem com a morte daquela maneira, sendo provocada por mim. Porém era nosso mecanismo de defesa, e eu confiava plenamente que nunca me faria sentir ameaçada.
Não havia motivo para ter medo.
— Eu prometo.
— Tudo bem. — Soltei um gritinho agudo, fazendo ele e minhas irmãs reprovarem minha felicidade exagerada. — Mas somente amanhã….
— Eu sei, depois estarei proibida. — Revirei os olhos em implicância. — Muito obrigada, pai. Eu te amo. — O abracei forte sendo abraçada de volta na mesma intensidade.
Partiria meu coração ter que deixar de vê-lo, porém eu ainda o teria em minhas lembranças e pensamentos, e aquilo jamais poderia ser tirado de mim. Iria ter a oportunidade de lhe dizer adeus, portanto aproveitaria ao máximo meus últimos momentos ao seu lado.


***


— Caralho… — Joshua exclamava pela décima quinta vez do banco de trás do carro, arrancando-me risadas. — Eu nunca vi isso em toda a minha vida. — Comentou, ainda embasbacado com os vídeos que assistia em looping.
— Eu já. — Assim como o repórter, encarei Jack assustado. — Nos filmes. — Gargalhou alto fazendo-me desaprovar seu senso de humor ruim.
— Será que devemos tapar os ouvidos?
— Cara, não viaja. — Manobrei o veículo no estacionamento do cais. — Elas não cantam.
— Quem garante que não?
— Você sabe que a pequena sereia não existe, não sabe? — Ri junto dele daquela vez. — Vamos lá, vamos capturar um caranguejo também, quem sabe ele também não canta para nós?
— Vai se foder. — Joshua ralhou, fazendo-nos rir ainda mais.
O repórter estressado foi o primeiro a deixar o carro, levando consigo sua câmera de mão e o microfone que usaria para capturar nossas falas. Iríamos produzir uma pequena reportagem, porém, depois do fiasco que tinha sido o falso documentário do Discovery, já esperávamos que duvidassem da veracidade das imagens. Porém eu aproveitaria o hype para divulgar a atração do local onde ficaria o tanque que manteria .
Todos iriam poder vê-la com seus próprios olhos e quem sabe até conversar com ela, caso pudessem pagar a mais pelo privilégio. Deixamos o Sea World e a Disney com sua mulher vestida de Ariel comendo poeira. Seríamos o Jurassic park da vida real.
Soltei um assobio ao me deparar com o tamanho do barco que Jack conseguiu alugar. O Infinity era enorme e contava com uma grande piscina em seu interior. E logo após substituir a água doce pela salgada, estaríamos prontos para partir. A pistola que Jack tinha consigo já estava munida de dados tranquilizantes, era o suficiente para fazer adormecer por algumas horas e não dificultar sua captura nem seu transporte.
Quando estava tudo mais do que pronto, rumamos para o local do grande encontro. Após a pequena viagem, os rochedos já eram visíveis ao longe. Chamei a atenção dos dois e cada um pegou seu binóculo, observei risonho a face de ambos se retorcer em pura surpresa.
Lá estava ela, , com seus cabelos ruivos, acenando contente em direção ao barco.

Estranhei a embarcação que se aproximava, não era a mesma que eu conhecia. Porém, assim que avistei com seus cabelos bagunçados pelo vento, de longe, passei a acenar para o mesmo, feliz pela oportunidade de poder vê-lo mais uma vez. Segurava sua corrente com firmeza em minha mão, infelizmente ainda estava quebrada, não fazia ideia de como consertá-la, eu esperava que ele entendesse e não ficasse bravo comigo.
desembarcou, porém tinha algo diferente nele. Ele estava vestido, e não me pareciam roupas confortáveis para nadar, muito menos tinha consigo sua câmera ou os equipamentos que usava para respirar quando entrava na água.
Me alarmei assim que avistei outros dois homens vindo atrás, um deles carregava algo parecido com a câmera que usava para registrar momentos, o outro, tinha um objeto desconhecido por mim, porém, arrastava uma rede grande. Eu já havia visto uma daquelas antes, envolta das carcaças dos tubarões mortos.
Minha respiração falhava a medida que os três se aproximavam a pé pelos rochedos. Afastei-me com medo.
, sou eu, o . — Retirou os óculos escuros do rosto, me sorrindo enquanto vinha em minha direção.
Sua voz, seu sorriso, nada soava como antes.
Após tudo o que ouvi de meu pai, depois de ver que ele tinha razão e constatar tudo ao ver que era sim mal como os outros, que estava fazendo exatamente o que meu pai havia me avisado que ele faria para tentar me capturar. Aqueles dois homens, a rede… A tristeza que eu sentia em meu coração, mas uma vez retornou, daquela vez eu pude sentir o gosto amargo das lágrimas que escorreram pelo meu rosto.
Um dos homens me apontou algo e de repente senti um impacto forte em meu ombro, arranquei aquele objeto pequeno de minha pele, vendo o sangue sujar a água. Um frasco pequenino e transparente, seu líquido avermelhado ainda estava em grande quantidade ali, o arremessei contra as rochas, ouvindo o barulho do vidro se quebrando. Senti uma forte tontura, mas senti também a ira me tomar. Enquanto nadava para longe da rede que foi jogada em minha direção, cantei em meio aos soluços de meu choro doloroso.

Oh, I know how to feel
Oh, eu sei como sentir
I know that love exists
Eu sei que o amor existe
But it's asleep with the fishes
Mas ele está dormindo com os peixes
Down in Atlantis
Lá na Atlântida

Logo, suas ações foram parando roboticamente, o homem que carregava a câmera abaixou seus braços e o mesmo aconteceu com os outros dois. Olhei para os olhos de e o verde de antes havia ganhado um tom opaco, sem vida.
Enquanto perdia minhas forças devido a tontura que me atingia a cada vez mais, deixei que meu corpo caísse mar a dentro, a água fria me envolveu num abraço apertado, prometendo-me que eu estaria segura ali.

Oh, my Lord, where's my soul?
Oh, meu Senhor, onde está a minha alma?
How did we end up like this?
Como nós terminamos assim?

Os três corpos caíram depois, os homens foram afundando aos poucos, seus objetos foram largados e tiveram o mesmo destino que seus corpos teriam assim que seus pulmões se enchem de água e eles morrerem sufocados.
Acompanhei até onde consegui, seu olhar era de um profundo desespero, fazia parte do feitiço do canto. Quem tramasse contra uma sereia e fosse vítima de seu belo canto, entraria em um transe profundo, afundando-se na imensidão do mar. Quando estivesse se afogando e em busca de seu precioso oxigênio, despertaria para sentir a agonia da morte chegando como um castigo. Os que afundavam, não tinham seus corpos devolvidos, permaneciam sob a custódia do mar para toda a eternidade.

Fast asleep with the fishes
Adormecendo rápido com os peixes
Down in Atlantis
Lá na Atlântida

Peguei em seu rosto e lhe beijei pela última vez antes de voltar para casa e deixá-lo se afundar.




Fim.



Nota da autora: A música que me inspirou em escrever a história é a Atlantis, da Bridgit Mendler um ícone injustiçado, pelo amor de Deus, ouçam, é maravilhosa. Vamos dar stream para essa mulher maravilhosa que nunca errou.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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