Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo Único

Cabelos úmidos penteados de modo despreocupado, olhos cansados e um semblante focado na tela do notebook a sua frente, o vinco entre as fartas sobrancelhas e a armação dos óculos escorregando lentamente para a ponta do nariz do meu atual objeto de atenção… Eu não sabia se eram as roupas casuais, o ar misterioso, os longos dedos que seguravam a xícara de porcelana ou a voz rouca que sempre lhe dava o ar de recém acordado - me sentia totalmente e inexplicavelmente atraída pela figura daquele homem misterioso. Não tinha a menor ideia do seu nome, sua profissão ou sua idade, mas seu pedido já estava gravado em minha memória. Eu saberia dizer o que ele queria de acordo com a passagem do tempo ou do clima, ele estivera vezes o suficiente na cafeteria para que eu prestasse atenção em sua figura desajeitada, mas ainda graciosa.
O sino da porta da cafeteria anunciou a entrada de novos clientes. A chuva do lado de fora havia aumentado seu fluxo, forçando os londrinos a se abrigarem no estabelecimento mais perto. e se moveram entre as mesas atendendo àqueles que preferiram escolher um local para matar o tempo. Atendi os que se dirigiram diretamente ao balcão. Executivos e estudantes de todas as idades passavam por ali e, no fluxo caótico de entradas e saídas de pessoas, a figura que eu observava tão atentamente desapareceu.

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Havia algo de belo na arte da observação, a linguagem não verbal transmitia informações que o observado não imaginaria. Mordi a ponta da caneta enquanto me obrigava a desviar os olhos dele. Os dele, profundamente , não haviam desviado da tela de seu notebook, assim como das outras vezes em que esteve ali. Seu cabelo estava arrumado e suas roupas casuais haviam sido substituídas por algo mais formal. O misterioso homem adentrou a cafeteria no final da tarde, o dia cinzento parecia combinar com o humor dele.
— Chefinha, hoje parece ser uma bela oportunidade para você oferecer a nova bebida em teste para o menu — parou em frente ao balcão, seus lábios continham um humor sagaz. Ele, assim como , acompanhava minha paixão silenciosa pelo freguês assíduo.
me disse o mesmo. Assim que ele passou pela porta, ela me fez essa proposta… o que é que eu faço com vocês dois? — mordi o interior da bochecha para não rir.
— Um aumento não cairia nada mau, chefinha! — respondeu ao passar pelo balcão, deixando a bandeja com as xícaras e pratos antes de se dirigir a um grupo de universitários que adentrou a cafeteria.
riu, acenando em concordância antes de levar a louça para a área em que eu estava começando a lavar o que havia acumulado. Enquanto sorria envergonhada, senti, quase como uma carícia, um calor gentil semelhante aos primeiros raios de luz da manhã que atravessavam a grossa camada de nuvens do céu londrino; a fonte dele era a pessoa a qual eu andava observando. Seus olhos haviam finalmente desviado da tela de seu notebook, seus lábios estavam levemente curvados, um sorriso discreto, mas arrasador…meu pobre coração não estava preparado para aquela manobra. Desviei os olhos como uma adolescente pega no flagra observando sua paixonite.
" Toma vergonha nessa sua cara, ! Você não é mais uma garotinha inexperiente, por que está recuando?! "

Como uma dose de espresso duplo, a minha confiança se restabeleceu. Ergui meu olhar da caixa registradora encontrando aquelas orbes num tom profundo de como o líquido que eu servia diariamente em xícaras de porcelana, ainda fixos em mim. A curva de seus lábios fartos pareciam tentadoras àquela distância. Não sabia se era o tempo que eu andava o observando ou a falta de interação social - além dos clientes e meus dois funcionários - que estava falando, mas, assim que finalizou as louças e tomou o meu lugar no caixa, segui até a máquina de café preparando a bebida em teste, algo que eu andava elaborando e aperfeiçoando para colocar no menu da cafeteria. Minhas mãos se moveram automaticamente, a máquina era quase uma extensão de minha devido à familiaridade e o tempo que eu dedicava a ela. Me abaixei, pegando duas xícaras um tom ocre, uma cor leitosa lembrava ao latte. A porcelana se aqueceu ao ter o líquido azeviche derramado em seu interior. Limpei o respingo de um dos pires, colocando ambas as xícaras sobre uma das inúmeras bandejas pretas do café. Com uma piscadela, deixei assumir minha função enquanto me dirigia ao misterioso e encantador homem.
— Imaginei que, como um bom apreciador de café, você me ajudaria com sua opinião a respeito dessa nova opção que estou testando — coloquei a bandeja sobre a mesa observando-o atentamente. Seu olhar manteve-se em minha face, eu não sabia se me sentia bem ou mal com aquilo.
— Apenas se me disser seu nome, minha cara — ele arqueou sua sobrancelha levemente, como um desafio, a diversão nitidamente expostas naquelas orbes .
— Depois de você, meu caro freguês — puxei a cadeira, me sentando ao lado dele. Mantive o olhar firme e então vi-o rir antes de levar a bebida lentamente aos seus lábios. Fingi não engolir em seco, ansiosa sobre o veredicto a respeito da nova bebida do cardápio.
— Se você acrescentar algumas avelãs torradas e optar por uma torra menos intensa, a combinação ficará perfeita — ele se pronunciou após um tempo analisando o sabor residual da bebida, sua expressão demonstrava que ele estava levando a sério a pergunta que havia lhe feito.
— Então você entende de café — me inclinei sobre a mesa, seu olhar passou pela minha face antes de voltar a sustentar o meu.
— Quem diria que você veria além da superfície — ele me respondeu, imitando minha postura, o perfume amadeirado com as notas de café que envolvia todo o ambiente tornou quase impossível não querê-lo.
— Um cliente comum pediria apenas expressos ou uma bebida onde a cafeína seria melhor diluída. Eu tive tempo o suficiente para descobrir parte de suas nuances, meu caro freguês — apoiei minha cabeça sobre uma das minhas mãos enquanto o olhava, seu perfil de perto era ainda mais atrativo aos meus olhos: lábios fartos, um nariz mais afilado, sobrancelhas fartas, mas não exageradas; maçãs do rosto altas e uma mandíbula bem marcada… eu queria descobrir o sabor daqueles lábios, descobrir as nuances não reveladas que só poderiam ser vistas após um tempo de convívio maior… assim como o café, ele era alguém que eu teria de ter paciência para obter o que desejava: seu coração.
— Seus olhos são afiados, queira me perdoar e vamos começar novamente — ele levou minha mão esquerda, a oposta que apoiava minha cabeça, próximo aos seus lábios, sua respiração envolvendo meus dedos em seu calor. — Eu me chamo , venho de uma tradicional família cafezeira, mas, o que posso dizer além de alegar em minha defesa, que apesar de não prosseguir no negócio da minha família, permaneço ingerindo apenas as bebidas preparadas através dos grãos plantados em minha terra natal — ele ajeitou os óculos, que escorregaram pela ponte de seu nariz após beijar o dorso da minha mão. Suas mãos, mesmo bem cuidadas, possuíam calos de uma infância cheia de afazeres do campo.
— Você me surpreendeu com tanta informação, meu caro freguês — ajustei minha postura na cadeira, recolhendo minha mão para levar a xícara em direção aos meus lábios, ganhando algum tempo e concluindo que tinha razão, eu testaria sua recomendação na próxima vez que precisasse abastecer o estoque. — Para equilibrar as coisas, serei concisa, mas direta: onde planeja jantar essa noite?
A surpresa banhou aquelas orbes e tentou escondê-la com um sorriso charmoso. Ele podia ser um homem de poucas palavras, mas seus gestos diziam mais do que sua boca pronunciava.
— Você ainda não me disse seu nome — o tom grave e levemente rouco eriçou os cabelos da minha nuca de uma forma muito agradável e sorri para ele antes de me levantar.
— Eu não preciso, você já detém o conhecimento sobre ele desde a primeira vez que pisou aqui, . Não falta muito tempo para que eu assim feche a cafeteria, então, até lá, meu caro freguês, que tal mais uma xícara de café? — arqueei minhas sobrancelhas, o desafiando, e ele relaxou sua postura no encosto da cadeira, me olhando sob as lentes de seus óculos… aqueles olhos, lindos e encantadores, misteriosos e ao mesmo tempo tão reveladores.
— Eu adoraria, minha cara . — me respondeu. Antes de pronunciar meu nome, ele brincou com as palavras, ocultando-as quase totalmente antes do meu nome, tendo em sua frase final minha … Eu não admitiria, não naquele instante em que ele podia me ler abertamente como um livro, mas, em algum momento, num futuro próximo, quem sabe?!

A noite se aproximava, o fluxo de clientes reduzia aos poucos como a maré se acalmando após uma tempestade. A chuva findando-se enquanto o olhar de acompanhava os meus movimentos… Uma bebida, uma paixão, uma história, uma emoção, um desconhecido amante de café, uma dona de uma cafeteria: quão clichê isso seria?!
Somente o futuro poderia dizer. Naquele momento, eu poderia apenas saborear um novo começo, uma nova história e, assim como uma nova bebida integraria o menu do café, uma nova pessoa integraria minha vida.




Fim



Nota da autora: Eu não consegui me manter longe desse desafio, quem diria que uma shortfic tão curta nasceria assim tão de repente. Obrigada a todos que chegaram até aqui, espero que tenham gostado dessa short, nos encontramos por aí.



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