CAPÍTULOS: [único]









Capítulo Único


Dizem por aí que a vida é cheia de surpresas. Eu não poderia discordar. Mas, se você for eu, não para por aí. As surpresas acabam sendo ironias. Confusões. Armadilhas que se enroscam no seu coração e, quando você tenta fugir, o estrago já está feito. E o pior: o estrago é uma delícia, apaixonante e prazeroso.
Às vezes, é uma droga ser eu.
Meu nome é , e vou contar como tudo começou.

Gimme, gimme, gimme a man after midnight…
e foram embora — falou por cima da música. Gritou, na verdade. ABBA estourava nossos tímpanos.
Eu revirei os olhos, com uma cara de “Jura? Não me diga” enquanto balançava a bebida no copo. Percebi que meus gostos haviam mudado muito com o passar dos anos. Na adolescência e durante a faculdade, posso dizer sem titubear que era a pior do grupo. Noitadas, festas, drogas lícitas e ilícitas e experiências até mais loucas do que as de . Bem, agora era o contrário.
— Sabe o que me deixa triste? — perguntou.
— A felicidade de outras pessoas? — eu sugeri. Ele soltou um “haha” alto e seco, de quem não havia achado graça.
— Não. O fato de que a maior parte das nossas conversas são brigas.
Encarei-o por alguns segundos. E então, gargalhei.
Ri até não conseguir mais respirar. me observou com a testa franzida e, mesmo que as pessoas não pudessem me ouvir por causa da música, recebi alguns olhares estranhos. Talvez achassem que eu estava gritando com ele, ou tendo um ataque de tosse.
— Uau, você está muito bêbado — falei, abanando o rosto para recuperar o ar. Ele cruzou os braços.
— Eu não estou bêbado. É por isso que a convivência com você é impossível, você nunca leva nada do que eu digo a sério.
Pisquei, incrédula.
— Você não se atreva a dizer isso para mim — eu me aproximei e apontei na cara dele — Eu poderia jogar na sua cara as milhares de vezes que você não me levou a sério, mas...
Ele agarrou o meu dedo e deu um sorrisinho malicioso. Minha voz morreu.
— Vamos dançar, . Você não queria?
— Na verdade, nã...
me levou à força para a pista, onde um amontoado de pessoas fazia movimentos constrangedores ao som das músicas da minha época de criança. não sabia dançar, mas estava se mexendo com uma expressão de deboche, como se estivesse me desafiando a fazer alguma coisa.
Percebi que ainda estava com o copo na mão e coloquei o resto para dentro em um gole.
— Então? — mexi nos cabelos e joguei a cabeça para trás. Dando passinhos para lá e para cá, senti raiva de mim mesma porque sabia que poderia soltar a garota dentro de mim e fazer todos pararem para me olharem impressionados, mas não faria isso porque tinha vergonha de e do que ele poderia pensar de mim.
Otária. Era isso o que eu era.
— O quê? — ele gritou. Revirei os olhos. No fim da noite, estaríamos surdos.
— Aquilo que você disse sobre a maior parte de nossas conversas serem brigas – expliquei — Era mais uma de suas mentiras ou vai fazer algo a respeito?
Ele parou de se mover.
— Acho que vou — falou. As luzes do clube pararam de piscar, os sons desapareceram e não havia mais ninguém ali, senão nós. Quando os dedos de levantaram o meu queixo com um toque suave, eu não conseguia encará-lo nos olhos, então os fechei e ele pressionou seus lábios nos meus.
Fiquei chocada demais para reagir, mas senti como se meus ossos tivessem virado pó. Eu não podia me mexer, mas meu corpo parecia alerta, em chamas ao toque e ao beijo de . Eu nunca havia sido beijada daquela maneira.
Ele se afastou o suficiente para que eu sentisse o cheiro de álcool em sua respiração. Eu estava tremendo e meus cílios estavam úmidos quando abri os olhos. começou a deslizar os polegares pelas maçãs das minhas bochechas, mas eu afastei suas mãos com um tapa.
— De todas as coisas que você já fez para mim, essa foi a mais doente — eu sussurrei e a música alta não pareceu impedi-lo de me ouvir.
Desviei o rosto, ciente da minha humilhação, e saí sem saber para onde ir. Qualquer lugar onde eu pudesse me esconder.

The Beacon School, New York City, 28 de março de 1999
— Vai, ! VOCÊ CONSEGUE! — gritou. Ela era a única de pé na arquibancada do ginásio e a única que parecia animada com aquele amistoso (idiota) de basquete. Infelizmente, logo em seguida do incentivo dela, meu irmão (também idiota) levou uma bolada na cara — Ok, eu desisto. é muito ruim. Um orangotango jogaria melhor.
— Ei! — eu falei, na defensiva — Coitado do orangotango. O que ele fez pra você para merecer uma comparação tão ruim?
riu e o treinador pediu palmas para quando ele foi para o banco da reserva com o nariz sangrando. Coloquei a mão na testa. As pessoas sabiam que nós éramos parentes e ele insistia em passar vergonha.
O amistoso era apenas um treino – o time da nossa escola dividido em dois – para o campeonato das escolas particulares de Manhattan e, se vencessem, contra os outros distritos. Bem, eu duvidava que eles fossem conseguir. Eram todos péssimos.
Todos, menos .
Mordi o lábio inferior ao observá-lo com o uniforme azul marinho, grudado no corpo pelo suor e mais molhado ainda quando ele virou o restante da garrafinha de água sobre a cabeça. Era inacreditável o quanto ele havia mudado nos últimos seis anos, desde que minha família havia chegado aos Estados Unidos. fez amizade com logo de cara e, mesmo que ela me intimidasse no início (ela era muito hiperativa e usava roupas muito americanas), nos tornamos amigas pouco tempo depois. Então, descobrimos que o garoto da última casa da rua era nosso colega de classe, e assim entrou no grupo.
Ele era tímido, quase não falava e tinha um corte de cabelo engraçadinho. Agora, seu cabelo havia crescido (seus braços também) e a popularidade entre as garotas e os garotos o tornou fluente em novos idiomas: sarcasmo e arrogância. Todas as garotas do ensino médio eram apaixonadas por ele, mas eu era uma de suas melhores amigas. Eu podia sentar ao lado dele no almoço, e eu podia tocá-lo a hora que quisesse – às vezes, esfregava isso na cara delas só para me sentir bem. Dava soquinhos de mentirinha nele e sentia seu abdômen (que não era nem um pouco de mentirinha).
— Então — falei para , tentando soar casualmente — Você já tem um par para o baile de primavera?
— Noah Dancy — ela respondeu, olhando distraída para as unhas. Arregalei os olhos.
Noah Dancy! Ele era um dos garotos mais cobiçados do último ano e tinha grandes chances de ser coroado rei do baile. Bem, agora suas chances eram ainda maiores, já que ele levaria .
Não que Noah fosse algum tipo de príncipe encantado, já que o último lugar que levava uma garota antes de dispensá-la e deixá-la em pedaços era a cama. Bem, eu conhecia minha melhor amiga o suficiente para saber que ela não era uma santa e provavelmente estava esperando por aquilo.
— E você? — quis saber.
— Ah, eu fui chamada por vários garotos, é claro — dei de ombros de um jeito exagerado demais para parecer natural, mas assentiu como se dissesse “tudo o que você disser é verdade e eu não estou duvidando” — Mas nenhum que tenha me agradado.
— Você tem alguém em mente? — ela sorriu maquiavélica.
— Não! Quer dizer, seria legal ir com algum dos gatos do time de basquete, mas...
— Então você tem alguém em mente! — me sacudiu. Ai, meu Deus, o que eu tinha na cabeça quando cogitei pedir a ajuda dela? — O que está esperando? Um convite formal?
Eu a encarei.
— Não é esse o objetivo dos bailes?
revirou os olhos dramaticamente.
— Não espere por um homem idiota dar o primeiro passo. Tenha atitude. Atitude é sexy! E feminista! — ela me empurrou para que eu saísse do banco. Um pouco desconcertada, fiquei de pé. — VAI, TIME!
Coloquei a mão na boca dela para calar aquela matraca.
Era isso. Eu estava mesmo fazendo aquilo? Meu Deus. Fui andando até o vestiário antes que desistisse na metade do caminho. O vestiário tinha um cheiro ruim de suor e perfume masculino e ketchup misturados. Recebi alguns olhares em lugares inapropriados e assobios desnecessários, mas ignorei e continuei marchando decidida até parar atrás de .
Eu o cutuquei nas costas. Ele se virou para mim e deu aquele sorriso pela metade de quem está secretamente caçoando de você ou imaginando safadezas sobre você.
— Ei, ! — ele puxou a camiseta pela gola. Engoli em seco e me concentrei em seu rosto, não em seu torso despido. Estávamos aparentemente na nossa semana de trégua, então não nos cumprimentaríamos com insultos ou implicâncias como normalmente.
— Ei. Foi um bom jogo. — falei.
— Foi uma merda.
— Realmente — admiti e ele riu, tirando toalhas e roupas limpas do armário — Escute, eu estava falando com sobre o baile de primavera, e ela começou com essa conversa totalmente louca de que eu deveria chamar um garoto do time para, você sabe, manter as aparências e... — eu estava soltando rápida como uma metralhadora, mas engoli as palavras quando ergueu a mão.
— Isso é sério? — ele perguntou. Senti meu rosto esquentar e ele balançou a cabeça — Não, não é nada disso. Quer dizer, legal pra você. Eu posso apresentá-la para algum dos caras. Ser sua “ponte”. É assim que vocês garotas dizem?
— Tudo bem! — dei um gritinho, cedo demais, e então percebi o que estava dizendo — Espera. Quem você vai levar?
— Kathryn Turner — ele respondeu — Dá para acreditar? Eu mal posso esperar para fazer aquela garot...
— Certo, , detalhes que eu não preciso saber — cortei-o. E... eu não conseguia respirar. Parecia que as paredes estavam encolhendo e iriam me esmagar — Falamos mais tarde sobre esse negócio de ponte, ok?
Fui embora antes que ele dissesse mais alguma coisa.
Kathryn Turner. Aquela vagabunda. Eu não me importava que não me levasse, mas justo ela?
Eu não me importava que ele não fosse o meu par. Me importava?
Não voltei para , porque ela iria perguntar o que havia de errado comigo e nem eu mesma sabia a resposta. Entrei no banheiro e escondi o rosto nas mãos. Naquele momento, eu juro que só queria ter 30 anos, ter um homem que me amasse e estar bem longe de para que ele nunca mais pudesse bagunçar minha cabeça – mesmo quando eu não sabia que ele estava fazendo isso.

Nunca me senti tão grata por e estarem ocupados demais com a sobrinha dela para se importarem com a minha existência. Por Aaron estar em Hong Kong, também. Honestamente, o quão desastroso seria? “O meu problema? Ah, eu só traí você com , estou lidando com meus sentimentos como uma porra de uma adolescente, mas não é grande coisa.”
Não havia sido uma traição, certo? Era só um beijo. Um beijo não era sexo e um beijo não significava nada.
Então, por que eu me sentia tão horrível?
Liguei para o trabalho às cinco da manhã e disse que estava doente – eles iriam sobreviver; eu tinha centenas, talvez milhares de colunas não publicadas. Já eu duvidava muito que fosse conseguir. Estava enjoada com a ressaca e meu corpo pedia para que eu continuasse na cama, assistindo a filmografia inteira do Colin Firth. Não havia me dado ao trabalho de pentear o cabelo e me arrumar. Vesti uma camiseta do Manchester United grande demais para mim (meu pai não se deu ao trabalho de comprar um tamanho diferente do de . Por que ele faria isso, não é?) e levantei apenas para água e comida. Muita comida.
A campainha tocou, e eu quis morrer.
— Aarghhh — grunhi e pausei o filme. Aaron sempre reclamava dizendo que o apartamento era pequeno demais e eu sabia que ele só dizia isso porque ele não era a moça da limpeza. Enquanto me arrastava até a porta, ele pareceu ainda maior. — Quem é?
Não tive resposta, mas iria abrir a porta só para gritar com o engraçadinho filho da puta que me fez vir até aqui.
Ironia ou não, o engraçadinho filho da puta era .
O que ele esperava que eu fizesse? Provavelmente que gritasse e tentasse socá-lo e agisse como uma criança escandalosa. Provavelmente esperava que eu fosse agir como se eu me importasse. E é claro que eu não me importava.
— O quê está fazendo aqui? — cruzei os braços e ergui o queixo. Minha voz saiu tão fria que poderia ter congelado o Rio East.
— Eu... eu trouxe isso — ele estendeu a caixa que tinha em mãos e eu não havia notado até então. Encarei-o desconfiada, mas ele deu um sorrisinho que não explicou nada. Minha curiosidade falou mais alto, então eu a peguei e abri.
Pacotes de M&M’s. Muitos deles. Um M&M vermelho de pelúcia. Havia até mesmo uma capa de celular com estampa de M&M.
Queria estar com raiva dele. Queria estar furiosa. Talvez eu ainda estivesse, mas não consegui não rir.
— Pra quê isso? — perguntei, baixinho.
— No caminho até aqui, eu estive pensando — ele começou e eu a encarei, impressionada por ele ter pensado uma vez na vida. Ele percebeu. — Idiota — ele deu uma risadinha — Continuando, eu estive pensando que deveria pedir desculpas, mas não sabia pelo quê exatamente deveria me desculpar. Então achei que isso seria melhor.
Fechei os olhos. De alguma forma, aquilo doeu. Mas eu não deveria esperar nada diferente dele.
— Não sabe pelo quê se desculpar, ? — eu sibilei — Que tal por ter sido nada mais do que estúpido comigo pelos, o quê, últimos vinte anos das nossas vidas? Por ter me feito uma idiota desde sempre? Ah, e escuta só essa: que tal por ter me beijado ontem à noite? Sinceramente, qual o seu probl...
— Essa é a questão, . Eu não me arrependo de tê-la beijado, eu queria isso desde... desde que eu consigo me lembrar.
A minha boca ainda estava aberta pela frase interrompida, mas a fechei para engolir em seco.
— Você o quê? — sussurrei.
— Estou apaixonado por você — ele disse e eu me senti tonta. deu um passo para a frente, finalmente entrando no apartamento, e fechou a porta — E não sabia como lidar com isso, não sei, e não sabia o que fazer. Já faz tempo, mas nas últimas semanas eu percebi que precisava admitir para mim mesmo e fazer alguma coisa, porque em breve você vai se casar e vai morar em uma casa grande no subúrbio porque não quer que seus filhos cresçam na cidade e vai ter um Golden Retriever e, além dos feriados, não vamos mais nos ver.
Algo dentro de mim me incomodava, e eu tinha a leve impressão de que era o meu coração se partindo.
Ele estava mesmo dizendo aquilo? Ele estava sendo sincero? E, o mais importante:
— Por que um Golden Retriever? — eu quis saber. Ele abriu um sorriso, como se soubesse que eu era a única mulher que poderia fazer aquela pergunta em um momento daqueles.
— Porque eu gosto de Golden Retrievers, e eu quero ser o cara da história, não Aaron.
Eu não sabia se as últimas palavras haviam mesmo saído da boca dele, porque o beijei com tanta força que pareceu doer. O impacto nos pressionou contra porta, mas ele me sustentou com as mãos apertando minha cintura. Pendi a cabeça para trás e tomou o meu pescoço com um beijo voraz que incinerou o meu corpo. Agarrei seus cabelos com uma mão e apertei a outra contra a boca, mas ela não conteve o gemido que deixei escapar.
— ele suspirou contra a minha boca e eu segurei o seu rosto, com os olhos fechados, temendo que aquele momento se dissolvesse e tudo fosse um sonho se eu os abrisse novamente — me beijou e suas mãos desceram para as minhas coxas nuas.
Parecia que eu ia quebrar.
Tropeçamos pelo apartamento e ele tateou a parede do corredor até achar a maçaneta do primeiro quarto, o quarto de hóspedes. Aquilo estava mesmo acontecendo.
— eu choraminguei, me afastando. Não importava quantas merdas eu já tenha feito na vida, parecia que eu sempre dava um jeito de me superar. Se recomponha, , ordenei a mim mesma — O quê estamos fazendo?
O que eu conhecia provavelmente ficaria com raiva e gritaria comigo, dizendo o quanto eu era idiota. Bem, pelo menos o que eu achava conhecer. Esse segurou minhas mãos e me puxou para perto dele outra vez, com um olhar de completa devoção.
— Você não quer? — ele perguntou.
— Quero — admiti com firmeza, o que foi surpreendente até para mim — Mas não parece errado? O primeiro beijo no meio de um monte de bêbados suados, a primeira vez... — encolhi os ombros e gesticulei para mim mesma.
achou graça.
— Linda? — ele encostou os lábios no espaço entre as minhas sobrancelhas — Sempre preferi você sem maquiagem. Esse cabelo? Muito sexy. E... uau, eu nem acredito que estou vendo você assim, . — ele me beijou outra vez — Apesar de o time ser uma droga.
Dei uma risadinha e funguei. Não me lembrava de as lágrimas terem começado a cair.
As mãos dele deslizaram sob a barra da minha camisa gigante e eu não o impedi, porque depois seria a minha vez. Estávamos com pressa demais para continuar e não tivemos tempo para apreciar aquele momento vagarosamente, como se tivéssemos todo o tempo do mundo, mas eu já esperava o que vi quando deslizei as pontas dos dedos pelo seu corpo.
Ele era lindo, e estava comigo. Naquele momento eu o teria e seria dele.

Não era uma mulher que conseguia as coisas facilmente. Nunca fui.
Nem consegui nascer primeiro. Acho que mesmo quando era um espermatozoide ele conseguiu chegar ao óvulo antes de mim. Às vezes me pergunto se os cinco minutos fizeram alguma diferença, se as coisas seriam diferentes se eu fosse a primogênita. Provavelmente não. continuaria sendo o filho homem, o primeiro aluno de sua classe na Columbia. E daí se eu era a primeira da minha? Ele seria um engenheiro civil, faria algo de útil, o que, na visão dos meus pais, uma jornalista não conseguiria – “jornalistas escrevem para morrer de fome”, eles disseram, entre risos.
Eu não guardava mágoas do meu irmão por causa disso. Ele sempre foi, na verdade, um dos poucos que acreditaram em mim. E o outro...
Precisei batalhar para chegar aonde cheguei. Me esforçar para conquistar tudo o que tenho. Com exceção de Aaron.
Talvez por isso me apaixonei tão rápido por ele – foi como se eu nem tivesse tido tempo para pensar no que estava acontecendo. Ele me achou perfeita à primeira vista, eu não precisei provar nada para fazê-lo me amar.
Mas, é claro, isso foi só no início.
Passei muito tempo negando a verdade para mim mesma. Por que ele trabalhava demais, por que ele não me tratava como antes – como um romântico dos filmes clássicos. Se eu não tivesse ignorado o que estava bem na minha frente desde sempre, talvez não tivesse sido um choque tão grande depois.
Porque é claro que, quando seu namorado não gosta da sua melhor amiga, há algo muito errado. E o problema não é ela.
No último domingo antes de ele viajar, saímos para o brunch com os pais dele. Os pais estúpidos, politicamente corretos de Aaron. Ele fazia de tudo para evitar minha família – meus pais adoravam ele, talvez porque eles nunca tivessem imaginado que eu fosse me casar (e antes de , já que Kate havia destruído essa expectativa deles) –, mas eu era obrigada a lidar com a dele, apesar dos comentários ácidos de Carl e Linda Campbell e suas estratégias ardilosas de demonstrar seu desprezo por mim. Quando estendi o braço para pegar mais uma fatia de torta, Aaron se inclinou e encostou a boca na minha orelha.
— Já não comeu o suficiente, ? Você está engordando.
Aquele comentário não deveria ter me afetado tanto, mas imaginei que havia capturado a dor de uma adolescente com distúrbios alimentares. Como ele podia ter dito aquilo? Eu me sentia insegura às vezes sobre o meu corpo, mas sabia que não teria a aparência jovem para sempre. Eu ganharia peso e minha pele se tornaria flácida, principalmente se tivesse filhos. Com o passar dos anos, meu cabelo perderia a cor e poderia até cair. Eu teria marcas por toda a parte para provar a minha idade.
Ele não seria capaz de me amar quando eu estivesse assim?
Acordei abraçada ao travesseiro e percebi que não havia sido um sonho. Havíamos ficado no quarto de hóspedes, porque eu não poderia ficar com na cama onde Aaron costumava dormir comigo.
O que eu amava de verdade e o que eu achava que amava. Eu só não tinha certeza de qual era qual.
O outro lado da cama estava vazio e os lençóis estavam amassados. Virei-me para o criado mudo. Meu anel de noivado estava lá – sim, eu me dei ao trabalho de tirar – e, ao lado dele, um pedacinho de papel.
Poderia ter ficado para ver você dormir, mas tenho que trabalhar.
Vou estar no tribunal pela manhã, mas depois de meio-dia irei para casa. Te vejo lá? ;)
-

O bilhete me fez sorrir. Desci da cama e senti arrepios com o contato contra o chão frio. Saltitei na ponta dos pés para pegar a camisa jogada no chão e a vesti para atravessar o corredor até o outro quarto, mesmo que ninguém estivesse me vendo.
Peguei meu celular e digitei uma mensagem para ele:
Ainda não. Preciso de mais tempo para pensar, desculpe. E boa sorte com o caso, mesmo que você não precise. X
Tinha noção do que havia acontecido na noite passada (e mais outras vezes durante a madrugada), mas, de certa forma, não parecia errado. Eu não me sentia culpada, mesmo sabendo que deveria. Eu me sentia, finalmente, inteira.
Fui para a sede do The New York Times. Escrevi uma coluna sobre as surpresas que aconteciam na cidade que nunca dorme quando você menos espera por elas. Passei o resto do meu turno e o início da noite no prédio, escrevendo ininterruptamente, decidida a cumprir o meu dia sabático de pessoas. Precisava colocar minha mente no lugar.
No próximo dia, eu estava pronta. Eu precisava ser honesta comigo mesma, e também precisava ser honesta com .
Mesmo que fosse absurdo. Mesmo que doesse. Mesmo que as coisas entre nós nunca mais fossem ser as mesmas.
Saí no horário do almoço e peguei o metrô na estação da 42th Street. Ele não iria sair do apartamento dele, mas eu não poderia arriscar pegar um táxi e esperar mais do que o necessário para vê-lo.
No elevador, meu cérebro estava gritando para que eu voltasse atrás, mas eu estava ocupada demais tentando fazer minhas mãos pararem de tremer. Todos sabiam que não trancava a porta, por mais irresponsável e arriscado que isso fosse quando você está morando em Nova York, então não bati. Apenas abri.
E o encontrei com a boca colada na de uma garota no meio da sala de estar.
Não sei por quanto tempo assisti à cena. Talvez segundos. Talvez minutos. Só sabia que estava dormente e meus pés pareciam ter se cravado no chão de forma que eu não poderia correr e fugir para chorar ou vomitar – a primeira coisa que viesse à tona. Quando eles se desgrudaram, a expressão de pavor do não foi a primeira coisa em que prestei atenção.
Foi nela.
Ela era linda. Bronzeada, cabelos cacheados, lábios enormes e totalmente o oposto de mim. Era mais alta do que eu e tinha um corpo mais avantajado. Depois de finalmente ter conseguido inserir na minha cabeça que não havia nada demais em ter trinta e um anos, olhando para aquela menina eu me senti, com todas as letras, uma velha.
Eu não iria surtar. Iria simplesmente voltar para o elevador e desaparecer.
! — gritou, mas as portas de metal já haviam se fechado.
Disparei para fora do prédio e esbarrei com a multidão que andava apressada pela calçada. Ainda não havia tido tempo para reagir, apenas sentia como se um caminhão tivesse passado por cima das minhas costelas. Continuei andando sem um rumo, mas provavelmente seria até a estação mais próxima.
Escutei o meu nome. Ele parecia zangado e frustrado.
— Espera, caralho! — rosnou. Educado, como sempre.
— Ah, meu Deus, tem como você me deixar em paz? — eu gritei. A essa altura, não importava mais o que os outros fossem pensar.
— Você entendeu tudo errado! Chegou no pior momento possível! — ele me segurou pelos braços, de forma que seria impossível eu escapar pela minha própria força. Porque, naquele momento, eu não tinha nenhuma.
— Ah — eu ri, sentindo o gosto salgado das lágrimas na boca — Eu não duvido que tenha sido o pior momento. Mas, me diz, como é a sensação de ser um babaca mentiroso?
— Ela me beijou, . Eu não fiz nada, por favor, acredite em mim.
Pisquei com força, me recusando a acreditar.
— Não. Não.
— Eu juro, , aquela garota não significa nada! Nós tivemos algo no passado e ela veio tentar me seduzir, mas eu estava dizendo para ela que não podia quando... bem, você viu — ele fez uma careta e eu tentei me libertar de suas mãos, sem sucesso — Acredite em mim. Ela é para mim... ela é como a Brooke para o !
— A Brooke é namorada do , IDIOTA!
— Claro que não é, isso é o que ele diz agora até perceber que ele e estão apaixonados um pelo outro. — ele disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
E eu quase ri.
e não est...
— Por favor. Diz que acredita em mim.
Havia certo desespero nos seus olhos. Nunca havia visto tão vulnerável. Eu sentiria pena dele, se não sentisse mais de mim mesma.
Pena. Logo isso, um sentimento desprezível para a coitadinha da .
— Você não vai mais me usar. Nunca mais. — eu o encarei — E só de pensar que eu havia vindo aqui para dizer que escolhia você, que iria terminar as coisas com Aaron... eu sou mesmo uma estúp...
Antes que eu terminasse de me falar, ele me beijou.
Tudo pareceu ir embora, e esse era o problema. O beijo dele me fez esquecer o que eu não deveria, perdoar o que eu não deveria. Porque havia urgência e paixão e na verdade não importava se estávamos no meio da rua e as pessoas nos julgavam e esbarravam em nós, porque estávamos juntos. E meu coração só se quebraria de verdade se fosse o contrário.
— Diz que acredita em mim. Eu não posso te perder. Não posso te perder depois de ter sofrido em silêncio vendo alguém te tirar de mim. — ele sussurrou. Seus olhos brilharam próximos ao meu rosto, e eles estavam marejados.
— Eu acredito em você — respondi.
me abraçou com tanta força que pude senti-lo por completo, seu coração batendo acelerado contra o meu peito. Eu não queria soltá-lo, e não era a primeira vez na minha vida que pensava que poderia segurá-lo para sempre.
— Mas eu estava falando sério — adicionei. Ele pareceu confuso. — Eu realmente não posso terminar com Aaron agora, pelo menos até avisá-lo e a minha família, até ter um lugar para morar, até tudo estar estabilizado... e nós dois — mordi o lábio — Até ter certeza de que iremos durar.
Ele abriu um sorriso.
— Confie em mim, eu não vou deixá-la escapar.


Fim



Nota da autora (13/01/2016): OI, GENTE! Tem alguém vivo aí? AOSKALKDJKAJL esse final tão fofo! Bem, promessa é dívida, e como eu havia dito nas notas de Change My Luck vocês não irão sofrer só por um mas dois otp’s poderosíssimos. Essa shortfic foi literalmente short, mas eu amo tanto esse casal que queria compartilhar um pouquinho de como começou com vocês – com direito a quarteto fantástico no high school, a cena que eu mais gostei de fazer hehe. De coração, espero que tenham gostado e, por favor, me deixem saber nos comentários ou no twitter (@herondalems)! Continuem acompanhando CML, porque esses dois ainda têm o que causar por lá também. Stay fab <3 xoxo




comments powered by Disqus




Qualquer erro nessa fanfic são apenas meus, portanto para avisos e reclamações somente no e-mail.



TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO SITE FANFIC OBSESSION.