Delatora [Confidente, vol.2]

Última atualização: 02/02/2024

“Eu acho que ele fez isso, mas eu simplesmente não posso provar.”
No Body, No Crime by Taylor Swift


Capítulo 1 - O ordinário e o novo

2018


O casamento é um ponto de virada na vida de boa parte das pessoas. Principalmente para aquelas que não estavam acostumadas em dividir a cama, o banheiro, as tarefas domésticas e a feira da semana. Fez apenas 7 meses desde que passou a usar os sobrenomes - e já assumia que se acostumara com tudo aquilo.
Estavam no verão, a estação favorita da maioria dos cidadãos de Lee’s Summit. As pessoas usavam shorts na rua, não era necessário ficar checando o tempo com medo de não estar agasalhado o suficiente e as piscinas passaram a ser utilizadas com mais frequência. Se pudesse, iria trabalhar de regada.
– Já está indo?
O detetive levantou o olhar, sentindo-se estranhamente eufórico. Na porta da garagem estava esfregando os olhos. Ele deu uma mexidinha no pé para encaixar o sapato.
– Pensei que quisesse dormir até mais tarde, por isso não te acordei – replicou ele.
levantou um pouco o canto dos lábios, uma forma de dizer que estava tudo bem. Àquela altura, o detetive já achava que conhecia cada um dos sorrisos dela e o que cada um significava.
Um sinal de alerta começou a piscar na cabeça de . Fez o que fazia toda manhã: abraçou-a e beijou-lhe a testa. desejou um dia de trabalho tranquilo e avisou que iria voltar a dormir, sentia-se cansada.
– Está tudo bem? – perguntou , já dentro do carro.
– Sim, não se preocupe – disse ela e ensaiou um bocejo. – Só preciso dormir mais um pouco.
Ele balançou a cabeça positivamente, mas o rosto não abandonou a expressão preocupada.
– Amo você – disse ele, esticando-se para beijá-la mais uma vez.
Dessa vez, riu de verdade.
– Amo você também, detetive.
Já no carro, a caminho da delegacia, deu uma olhada no painel do carro.
Era quinta-feira, fazia 77°F lá fora.
Os adolescentes pegavam o ônibus, os pais iam trabalhar. ouviu risadas lá fora.
Era um dia depois da terapia. Eram os dias imprevisíveis da casa – aconteciam a cada duas semanas e nem sempre mudavam algo na rotina do casal. sempre voltava mais quieta, apática. O processo de cura era lento e muito doloroso; para a mulher e para o esposo. Já era uma vitória saber que ela conseguia tomar pílulas receitadas pelo psiquiatra, depois do mal que a psicóloga falsa a fez.
era um peão no xadrez de sua família tóxica e depois tornou-se mais uma peça em uma família de criminosos. Sempre uma peça menor, movida para lá e para cá por mãos mais poderosas e imponentes. Agora que tinha independência, não sabia mais o que fazer. O que era um peão sem um rei para defender?
adicionou um lembrete no celular.
“Lembrar de comprar chocolates às 6 da tarde”.

A delegacia tinha passado por uma reforma nos últimos meses. havia perdido de vez o seu escritório e o ar-condicionado tinha que funcionar, para dezenas de homens e mulheres falantes, fardados e que tinham aversão a desodorante. Ainda era manhã, então o detetive desconfiava que o cheiro ruim vinha daqueles que passaram a noite em plantão e desconheciam o chuveiro que a unidade possuía.
Em cima da sua mesa, ele encarava a plaquinha:
“Detetive — Departamento de homicídios”
– Se bajulando a essa hora, ?
O detetive sentou-se em sua cadeira, ignorando a provocação.
Richard Lawrence agora deixava a barba crescer e assumiu as cãs – parecia estar vivendo uma crise dos 40, desde que se divorciou da mulher há um ano e passou a ser ainda mais viciado em trabalho. Agora, passava mais tempo na academia da polícia do que em casa dormindo.
– Bom dia, Richard – cumprimentou . – Como foi a operação noturna? Muitos adolescentes malucos?
– Nem me fale – disse o homem em uma expressão de cansaço. – Parecia um pandemonium.
fez uma careta complacente.
– Pensei que, depois do período de formatura, seria menos pesado… Mas parece que me enganei.
– Enfim, deixei para os outros resolverem. – Richard balançou a mão em descrédito. – O que quero te mostrar é isso.
O papel foi jogado na mesa sem muita cerimônia – não se importou, já havia acostumado com a brutalidade do colega de trabalho. A cópia do boletim de ocorrência indicava a denúncia do desaparecimento.
– Esther Edwards afirma que a amiga sumiu há 3 dias, se chama Alana James – Resumiu o detetive, sem paciência para esperar o amigo ler todo o relato. – Disse que marcou de encontrá-la na terça, como ocorria toda semana, mas Alana não apareceu. Tentou entrar em contato, mas só dá fora de área ou desligado. Esther até pensou que ela tinha se mudado, mas o carro ainda continua na garagem da casa que morava.
– E não foi para a casa dela, dos conhecidos? – franziu o cenho. – A mãe da desaparecida tem algo a dizer? Você chegou a passar para Roth?
Richard balançou a cabeça positivamente. Samantha Roth agora era Detetive Roth, do Departamento de Crimes Especiais, assim como Lawrence.
– E como eu posso ajudar nisso?
– Alana James é casada – respondeu Richard. – E o marido parece não ter sentido falta da esposa.
Para um bom detetive, meia história não bastava. Porém, conhecia o parceiro e sabia que ele não era lá o homem que adorava pedir favores.
– Quer que eu peça para o Capitão conseguir um mandato, não é? – implicou .
– O caso será nosso se você conseguir. Não acho que terá grandes problemas, a história me parece muito clara.
– Qual é a palavrinha mágica?
Lawrence rangeu os dentes, revirou os olhos, e então disse:
– Por favor.


Capítulo 2 - O segredo e a denúncia

Todos da delegacia sabiam que era o favorito do Capitão Pollack, mas ninguém sabia ao certo o porquê. Existiam muitas teorias: o sobrenome do detetive era famoso; a simpatia era conhecida por todos; o número de casos resolvidos era satisfatório e alguns achavam que em breve se tornaria cunhado do Capitão (mesmo sendo de amplo conhecimento que ele não estava disponível no mercado casamenteiro há um tempo).
Teorias e mais teorias – ou fofocas, para aqueles que são mais honestos do que quem os conta essa história. Era fato que Pollack favorecia , mesmo que gritasse com ele durante todo o processo. Então, não foi difícil conseguir um mandato para entrar na casa dos James.
Will James, marido da desaparecida, era um corretor de imóveis. Tinha sido um canoeiro ganhador de medalhas, inclusive nas Olímpiadas de Verão de 2004 e 2008. Em 2012, perdeu a medalha de bronze para um espanhol e teve uma lesão no pulso séria demais para continuar a carreira. Nada mais natural, adotar a profissão mais genérica e rentável depois de ter o sonho impedido tão cedo.
O bairro dos James não era um dos melhores. Era fácil identificar a necessidade de um ou outro reparo na casa, mas o jardim estava delicadamente arrumado e colorido – por sua vez, este fazia alguns dias que não recebia um golinho de água.
Como se não tivesse nada melhor para fazer, trabalhou de motorista e levou os detetives Roth e Lawrence até onde Will James trabalhava – apenas para descobrirem que, coincidentemente, ele havia tirado férias naquela semana. Uma viagem de apenas 20 minutos foi o suficiente para que todo o histórico do casal James fosse revelado para : os dois eram casados há cinco anos, mas moravam juntos desde a época da faculdade. Ela também era atleta, porém menos talentosa e não levou a carreira para o profissional.
Roth e Lawrence apertaram a campainha. Alguns metros atrás deles, fez o papel de um oficial qualquer, como se não estivesse com os ouvidos bem atentos para escutar barulhos estranhos, os narizes dilatados para sentir cheiros criminosos ou observar comportamentos dissonantes.
Will abriu apenas quando começaram a bater com os dizeres “Polícia, sr. James, abra a porta, por favor”. Automaticamente, o detetive lembrou das palavras da sua esposa: os policiais eram muito mais cordiais com brancos.
Não foi surpresa constatar que Will era um homem alto, branco e loiro.
E estava com uma aparência péssima. Os traços do seu rosto não o faziam ser o homem mais deslumbrante do mundo, mas, pelas olheiras e cabelos desgrenhados, era capaz de apostar que ter a polícia em sua porta era o menor dos problemas daquele homem.
A cordialidade do homem não durou muito. Lawrence era impaciente e logo perguntou:
– Alana James está com você?
deixou escapar um sorrisinho. Era uma pergunta que tinha muitas respostas e a maioria iria incriminá-lo.
Will fez uma cara sofrida.
– Aconteceu alguma coisa com ela?
– Ela está desaparecida, Sr. James – interpôs a detetive Roth. – Quando foi a última vez que a viu?
– Terça de manhã… – replicou exasperado. – Nós tivemos uma discussão e ela pediu um tempo. Quando voltei para casa, ela não estava mais aqui. Tentei ligar pra ela e não me atendia… Pensei… Pensei que ela tinha me bloqueado. Não achei que tivesse desaparecido.
Roth olhou para Lawrence com as sobrancelhas ruivas erguidas.
Lawrence virou-se para encarar , que deu de ombros.
– Podemos dar uma olhada na sua casa? – pediu Roth. Will assentiu ainda aturdido.
Que fofa, pensou . Eles iriam entrar independente do pedido ou não.
Enquanto vasculharam a casa, observava qualquer sinal de querer fugir de Will. Por sua vez, a presença de 3 policiais não parecia ser a maior preocupação do homem.
A casa estava uma bagunça – não uma bagunça "aconteceu uma briga e pessoas se feriram", mas uma bagunça "homem recém separado e infeliz vive aqui".
As fotos do casamento ainda estavam nas prateleiras. As medalhas, os troféus e os diplomas foram pendurados para orgulho, mesmo que estivesse com mais pó do que deveriam. Garrafas vazias de bebida estavam em lugares diferentes da casa e um cheiro podre exalava da cozinha.
Não havia sangue ou sinal de lutas. O sótão precisava de limpeza e tinha barulhos que indicavam que um bom inseticida deveria visitar a casa.
– Então, você está me dizendo que sua mulher saiu de casa enquanto você estava fora e não levou nada? Nem mesmo o carro dela? – Roth perguntou não conseguindo segurar a exímia fachada de boa policial.
Era de imaginar que alguém que dificilmente fosse encarado com uma leitura ruim de seu caráter demoraria para entender do que se tratava. Will James piscou uma, duas, três vezes. Só depois das perguntas retóricas da Detetive Roth, o homem percebeu o que tudo aquilo parecia.
– O quê? O que você está insinuando?
Lawrence revirou os olhos e mexeu a algema pendurada no cinto.
– Iremos fazer apenas algumas perguntas. Se você for cooperativo, não será necessário algemas – explicou Richard.
– Vocês têm uma casa no lago?
A voz de ressoou de modo esquisito pela casa. Roth, Lawrence e James viraram para o detetive, que encarava as fotos penduradas na parede.
apontou para uma foto em particular que tinha Alana, Will e uma moça desconhecida. Os três pescavam e riam como se tivessem contando uma piada muito engraçada.
– Tem bastantes fotos nesse mesmo lugar – justificou.
– Sim, temos – replicou Will. – Por que isso é relevante?
– Quando foi a última vez que você foi até lá? – Indagou mais uma vez.
– Er… um mês, dois talvez. Por quê? O que é que tem?
sentiu muita vontade de usar a força policial para colocar aquele homem em seu lugar – ora, era o principal suspeito do desaparecimento da mulher, estava em uma situação embaraçosa e ainda tinha coragem de ficar fazendo perguntas como se eles fossem os criminosos?
Ele quase podia ouvir comentar “só podia ser branco” quando o marido fosse contar sobre o seu dia. E iria rir, como se ele próprio não fosse um homem branco.
– Não encontrei isso nos seus registros – disse Roth, confusa.
– É do meu pai, na verdade – disse Will. – Nós cuidamos dela.
– Tem alguma possibilidade de sua esposa estar lá?
– Nenhuma – respondeu sem muita cerimônia.
– Por quê? – perguntou intrigado.
– Ela odeia aquela casa.
trocou um rápido olhar com Lawrence.
A casa do lago dos James era a próxima parada deles.


Capítulo 3 - O corpo e o colapso

O corpo de Alana James boiava no lago artificial em Stockton, a 2 horas de Lee’s Summit. Era possível sentir o cheiro ruim de longe – mas havia chovido há poucos dias e era impressionante pensar que um corpo de dias não havia se perdido na água. Não havia marcas de carro, de arrombamento ou qualquer invasão na propriedade. Os vizinhos não viram e nem ouviram nada – afinal, embora fosse temporada de ir ao lago, ainda era dia útil e a maioria das casas da região estavam fechadas.
Era quase como se Alana James tivesse ido ali para morrer.
Ao reconhecer o corpo da esposa, Will James vomitou. E chorou em desespero.
A perícia chegou um pouco depois dos três detetives. Depois da prisão de Stifler, vários substitutos passaram pela polícia até a atual perita: Betty Carlson. Era uma mulher mais velha do que aparentava, calada além do comum e com o que Lawrence chamava de “mente de titânio”.
Ainda estavam embalando o corpo em plástico quando Betty, amarrando os cabelos lisos para trás, apontou para a cabeça de Alana.
– Tem sinais de morte por afogamento e de traumatismo craniano, que pode ter ocorrido nas pedras do fundo do lago – disse. – Resta saber o que aconteceu primeiro.
– Ela era canoísta quando era mais nova – afirmou Roth. – Duvido muito que não sabia nadar bem.
Lawrence olhou ao redor. A vista do lago era bonita – etérea, aconchegante e romântica. Não seria um lugar que ele escolheria para tentar se matar. Comentou:
– Então, a teoria de ser suicídio não é sólida?
– Não temos nenhum histórico de problemas psicológicos – replicou Roth. – Mas podemos perguntar. Às vezes não encontramos porque não estamos procurando…
parecia sobrar mais uma vez naquele caso – talvez devesse concluir as demandas que ele tinha na delegacia. Se estava ali, era apenas porque tinha sido responsável pelo mandato conquistado do Capitão.
Ao menos era isso que Lawrence e Roth pensavam.
Alguns metros de distância, quase já na grama do vizinho, apontou para uma canoa verde e azul abandonada.
– Aquilo lá é uma canoa? – perguntou em dúvida.
Lawrence revirou os olhos.
– Claro, né?
– Mas essa não é aquela canoa de duplas? Tem essas duas modalidades, se não me engano. – franziu o cenho. – Acho que vi isso nas últimas Olimpíadas de Verão.
Os quatro oficiais ficaram em silêncio. Trocaram um olhar de quem esperava que o outro tomasse a iniciativa. Betty tirou as luvas do bolso e foi em direção ao barquinho, sem paciência para esperá-los dar o primeiro passo. Os detetives a seguiram entre pedras, grama e água de um lago calmo.
A canoa estava em bom estado, embora tenha sido vítima da chuva dos últimos dias. Os remos também estavam lá, jogados sem muito jeito. Só foi preciso um pouco de luminol para descobrir que em um deles havia sangue lavado pela natureza.


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– Ela era da sua escola.
tirou os olhos do quadro com as fotos da vítima e do suspeito para encarar seu parceiro, detetive Lawrence. Não havia como fazer isso em seu próprio escritório, restando a sala de reunião vazia. Em cima de sua mesa, estava o chocolate favorito de , mas ele não sabia quando ia poder entregá-lo – o detetive tinha que esperar mais um pouco para a autópsia ficar completa.
– Aparentemente era uma celebridade – acrescentou . – Há posts nas redes sociais sobre ela em todos os lugares. A morte dela repercutiu mais do que imaginamos.
– O Capitão mandou transferir completamente o caso para mim e você – avisou Lawrence.
O detetive soltou um suspiro. Era óbvio que iria acontecer isso, afinal, ele era da área de homicídios. No entanto, roubar casos nunca era visto de forma positiva dentro da delegacia, sobretudo de uma detetive novata como Samantha Roth.
Ele ainda lembrava da animosidade que cercava Lawrence no caso dos Stuarts, quando o crime caiu de paraquedas em seu colo. Não ajudava o fato de que eles não se gostavam na época.
– Você conseguiu gravar algum depoimento de James? – perguntou .
– Roth disse que era impossível – Richard bocejou. – Ele estava descontrolado e o liberou sem antes perguntar para mim, é claro.
olhou para o amigo como se ele fosse louco.
– E obviamente esse foi o motivo pelo qual o Capitão a tirou do caso. – A voz dele subiu um tom mais alto. – Não acredito que ela fez isso.
Richard balançou a cabeça para expor que concordava com o parceiro. coçou a cabeça. Era um erro de principiante deixar o principal suspeito acalmar-se e buscar advogados quando poderia arrancar informações valiosas diante de uma aparente histeria.
– Eu acho que ele seja o assassino… Ou, provavelmente, está ligado diretamente com a morte dela – disse depois de um tempo.
Lawrence fez um barulho de desdém com a língua.
– Lá vem você… nem viu todas as evidências e já está com teorias.
– Sim, pois você é o policial que mais baseia-se em evidências de todo Estados Unidos da América.
– Cala a boca, vagabundo – replicou Lawrence.
sorriu. Os dois sabiam que ele tinha razão.
O barulho de uma gaveta sendo fechada cortou a conversa entre parceiros. esticou-se um pouco para entender de onde vinha o barulho e viu Samantha descontar a raiva no móvel mais uma vez.
Lawrence deu dois tapinhas no ombro de .
– Te vira.
Sem perder tempo, colocou mais um lembrete em seu celular:
“Pagar o almoço de Sam nos próximos três meses”.


Capítulo 4 - A pedra e o caminho

Apenas as luzes da cozinha estavam ligadas quando chegou em casa. Tinha mandado mensagem perguntando se queria algo para jantar, mas recebeu apenas um emoji que significava “tanto faz”.
– Amor, cheguei.
Ninguém respondeu nada. respirou fundo e tentou não pensar no pior. ainda era uma mulher depressiva, mas havia tempos que não tinha nenhuma crise incapacitante. Esperava que fosse apenas uma indisposição, como qualquer outro dia.
Em dias de crise de , não dormia. Preocupava-se em demasia e doava-se em dobro. Amava a sua esposa e faria isso quantas vezes precisasse – mas, havia dias que eram mais desgastantes do que outros.
, onde você está?
Ela estava deitada na cama, ainda com as roupas de mais cedo. Encarava o nada, enrolada em lençóis, mesmo que estivesse quente demais para usá-los.
– Comeu alguma coisa, amor?
balançou a cabeça negando.
– Estou sem fome.
– E para seu chocolate favorito?
Ela levantou os olhos brevemente. Tentou segurar, mas um pequeno sorriso se formou em seu rosto; estendeu o braço magro.
– Quero.
deu um passo para trás.
– Só se tomar banho comigo.
Quem não conhecia a dinâmica do casal, dificilmente não iria ficar constrangido diante daquele pedido. Dar um banho era a forma dele cuidar da mulher: lavava seu corpo com cuidado e depois secava seu cabelo, quando não tinha nem forças para levantar da cama. Os olhos encheram de água e, pela primeira vez no dia, o choro veio.
– Eu amo você – ela disse com a voz embargada. – Sei que às vezes pode parecer que não, mas eu amo.
estava cansado. O dia tinha sido mais caótico do que ele imaginou, chegou mais tarde do que pretendia e estava com fome. Porém, sem resmungar, ajudou a levantar-se, tirou-lhe as roupas e ensaboou o corpo que amava e desejava – e ele só o fazia porque aquele corpo pertencia a ela.
Lavaram-se. Pediram comida em um restaurante que eles gostavam. comeu pouco, preferia o chocolate. Ela também ouviu murmúrios sobre o dia de , embora ele não tenha entrado em detalhes. O detetive disse que iria passar a noite acordado, precisava reler o relatório da Detetive Roth. Ele dormiu com a cabeça na barriga da esposa antes mesmo de escovar os dentes.


###

Todos os corpos passam a parecer os mesmos na sala de autópsia. Depois de anos analisando ferimentos, assinando documentos e discutindo técnicas de morte, os corpos estendidos nas gavetas pareciam se diferenciar apenas pela quantidade de cabelo.
Exceto quando a ficha era lida mais uma vez e o corpo passava a ter nome, idade e família.
– Ela morreu há 3 dias, ou talvez 2 – explicou Betty para os detetives. – A batida na cabeça não foi o suficiente para matá-la, mas deve ter a deixado inconsciente. Provavelmente foi jogada na água ou caiu depois da pancada. Eu prefiro essa teoria, porque não há nenhum sinal de briga. Morreu afogada.
– Foi um golpe só? – perguntou intrigado. – Não há sinais de briga?
Betty balançou a cabeça negando.
– A equipe de perícia não achou nada de incomum dentro da casa do lago – complementou Lawrence, que ficara fazendo hora extra do dia anterior. – Se havia pegadas na beira do lago, foram embora por conta da chuva.
começou a folhear o relatório intrigado. O crime perfeito não existia, mas as coincidências que o ajudavam eram demais para sua cabeça. Deu uma risada incrédula quando viu que nem mesmo digitais tinham encontrado no remo sujo de sangue – no entanto, foram encontrados fibras que sugeriam que o suspeito usava luvas no momento do ataque.
– Qual era a provável altura do assassino? – indagou .
– Entre 1,75 a 1,80 – replicou Betty e imitou o possível movimento que matou Alana. – O golpe foi de baixo para cima. É impressionante. Um golpe desse dificilmente é fatal, o que indica habilidade com os remos do suspeito.
encarou Lawrence.
– Acho que foi um golpe acidental. O suspeito deve ter fugido com medo quando viu que ela não tinha acordado.
Lawrence encarou .
– E como ela chegou ali, então? O marido?
Betty cobriu o rosto de Alana James com o lençol, indicando que seu trabalho tinha terminado.
– Isso eu não posso responder. Agora é com vocês, irei me retirar. Querem que eu traga um café com biscoitinhos?
fez uma careta e negou, Lawrence o seguiu. Nunca entenderia como alguém seria capaz de comer logo depois de estar cercado por tantos cadáveres. Ele precisava de ao menos meia hora de ar puro e visões menos mórbidas.
— Detetives, – avisou Scott, da porta da sala. — o suspeito já está aqui com o advogado para dar depoimento.


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Com as recentes reformas na delegacia, o ar-condicionado da sala de depoimentos estava em manutenção. O calor brindou a face dos homens assim que abriram a porta e retirou o casaco que utilizava quase como farda, mesmo em dias de verão.
Sentaram-se, resmungando o clima infernal, mas pouco poderiam fazer para manter a privacidade daquele depoimento. Acompanhada por James, estava a Sra. Rohden, uma advogada de 30 anos que vestia um terninho vinho e balançava um papel como um leque.
Após as breves recomendações, Lawrence fez a primeira pergunta:
— Pode nos descrever a última vez que viu sua esposa?
Will James mexeu o colarinho. Vestia formalmente naquele dia e tinha se barbeado finalmente. Não se parecia em nada com o homem que encontraram no dia anterior, embora ainda não tivesse aparência de quem dormiu bem à noite.
— Na terça-feira, no café da manhã.
— Havia algo de diferente naquele dia? Ela chegou a falar que queria ir para casa de vocês no lago?
Will deu uma olhadela para a advogada, que o encorajou com um aceno.
— Não realmente. Ela fez meu café como sempre – respondeu ele. — Sobre a casa do lago, ela havia falado em alugar para a temporada, mas não chegou a...
— Vocês alugam a casa com frequência? – perguntou , aquela informação nova sendo cheia de potencial.
Will negou com a cabeça.
— Nunca alugamos. Iria ser a primeira vez.
— Ela já tinha algum contato em mente? Alguém que estava interessado em ver a casa e alugar? – indagou Lawrence.
O homem franziu a testa.
— Não que eu saiba. Foi uma ideia muito jogada no ar, não chegamos a elaborar.
— Vocês estavam com algum problema no casamento? Algo que justificasse uma saída de casa com malas e tudo?
— Claro que não — replicou rapidamente.
percebeu uma movimentação debaixo da mesa e viu Will fazer uma careta. Era bem provável que a advogada o tivesse cutucado de uma forma um pouco violenta.
Lawrence levantou as sobrancelhas para e então disse:
— Então, qual é a sua teoria para as malas que ela carregava?
— Meu cliente não está aqui para descobrir quem assassinou a esposa. São vocês – interveio a advogada, antes que Will respondesse alguma coisa.
inclinou-se por cima da mesa. Os braços musculosos e a posição imponente, deixaram Will encurralado quando o detetive disse:
– Onde você estava na terça-feira?
– No trabalho, oras – disse ele com uma risada nervosa.
– Alguém pode confirmar o seu álibi?
– A minha secretária.
– Muito bem — balançou a cabeça positivamente. O calor o fazia se tornar mais impaciente. – Se eu ligar agora para ela, vou escutar que você passou o dia de terça sentado em seu escritório até o horário de voltar para casa?
— Não exatamente…
Sra. Rohden olhou para Will, como se tivesse criado um chifre em sua cabeça.
— Eu tive que dar uma saída para uma vistoria, ok? – justificou-se de forma embolada.
— Mas, você não sentiu falta da sua esposa quando chegou em casa? Nem nos últimos dias? — perguntou Lawrence com um ar inocente, como se não tivesse escutado suas justificativas antes.
— O que acontece entre mim e minha esposa só diz respeito a nós dois.
— Não vejo como isso tenha relevância para o caso — interrompeu a advogada. – Não responda, Will.
— Como não? — replicou , impaciente — Alana James é sua esposa. Sumiu por dias e você não contatou a polícia, nem os pais dela sabiam do sumiço. Então, ela é encontrada morta em poucos dias.
— Você está presumindo que meu cliente… — iniciou a advogada, que foi interrompida por James.
— Está bem, está bem! — disse ele. — Nosso casamento não estava mil maravilhas. Pensei que ela tinha ido embora para casa dos pais e pedido um tempo. Ela fazia isso às vezes.
— E vocês brigaram porque… — falou Lawrence esperando que o homem finalizasse.
— Porque ela era uma doida ciumenta do caralho.


Continua...



Nota da autora: Sim, voltamos com a continuação de Confidente! Espero que estejam tão ansiosos por essa nova história quanto eu. Aproveitem e me mandem suas teorias! Até mais.



Outras Fanfics:
Confidente

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