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   “Você já presenciou algum milagre?
   Eu já. Vários.
   Na verdade, eu sou um.
   Não estou me achando, antes que pense isso de mim. Não faz meu tipo. Acontece que eu tenho superpoderes. E, meu caro amigo, se isso não é um milagre, eu não sei o que é. Existem milhares como eu, por aí, espalhados ao redor do mundo. Você mesmo pode ser um deles. Cada um em certo canto, aproveitando suas vidas pacatas e maçantes.
   Alguns nos veem como monstros, outros já nos nomeiam como os destemidos super-heróis.
   Acho que, no fim, não somos nenhum dos dois.
   Eu vou contar uma história a você, caro leitor. Um momento da minha vida totalmente mágico no qual eu passei, ou melhor, presenciei. Foi ali que tudo mudou. A verdade apareceu nítida como nunca.
   Contudo, antes disso, você precisa saber de algumas coisas.
   Para nós, mutantes, como os cientistas nos chamam, existe um lugar, um lar. Ele se chama Base Secreta. Só os melhores trabalham lá, temos: os melhores agentes, os mais inteligentes cientistas, os médicos estudiosos, os grandes visionários da moda, os especialistas em armas e computação e, claro, os heróis que contém algumas habilidades — eu sou um deles.
   Nós, com poderes, somos o centro dali. Os reis. Praticamente mandamos naquele lugar. Afinal, sem nossa espécie, digamos assim, não existiria nada daquilo.
   A cada década a Base muda de lugar, sem deixar rastros. É uma organização secreta para proteger o mundo. Criada por todos que havia o poder total. É a esperança.
   Vendo assim, por fora, tudo parece uma maravilha, não é?
   Errado.
   Se você ousar se aproximar mais, conseguirá notar as rachaduras.
   As mentiras. A fantasia que eles impregnam.
   A feiura.
   E, diferente do que você deve imaginar, nós não fomos os que começaram com a Base Secreta.
   Fomos os que terminaram com ela.”
   R. H.


I.


“Toda revolução começa com uma faísca.”
— Jogos vorazes.
1990

   Era um dia ruim, como qualquer outro.
   Só para Robert, provavelmente, já que o resto parecia estar tendo o melhor dia de suas vidas. Eles olhavam para o céu com fascínio, como se um milagre divino estivesse acontecendo diante de seus meros olhos.
   O homem enquanto isso estava sentado no topo da montanha, na parte plana, observando as pessoas lá embaixo com um interesse genuíno. Gostava de analisar, era o seu forte. Tinha particularmente uma grande curiosidade pela raça humana. Em um termo geral ele podia descrevê-los em uma palavra: esquisitos.
   Todos estavam felizes, rindo e comemorando. Tentavam pegar os flocos de neve, mesmo que fosse praticamente impossível. Dava para ouvir, com muita atenção, as gargalhadas das crianças, os gritos de animação misturados com as brincadeiras até os pais chamando atenção e os jovens querendo que a qualidade da internet, que estava começando para valer nessa época, aumentasse.
   A cena abaixo dele mostrava que apesar de toda a agonia que sentia o mundo não parava.
   E que, apesar de tudo, a neve continuava a cair.
   Era uma maravilha da natureza, um espetáculo para muitas pessoas, sim, mas para o homem aquilo não passava de uma grande besteira — será que as pessoas não conseguiam notar isso?
   A preciosa e bela neve não passava de uma ocorrência meteorológica que consistia na precipitação de flocos formados por cristais de gelo. Falando assim, parecia sem graça, certo? Porque era mesmo.
    Culpa do natal.
   Grande parte ficava mais bocó que o normal nessa época por alguma razão desconhecida.
   Robert realmente tinha essa teoria de fim de ano, por isso preferia se isolar nesses eventos. Quando a data se aproximava ele já preparava suas armaduras e tentava controlar mais a paciência — a pouca que restava.
   — Está frio aqui, sabia?
   Realmente estava, mas aquilo não importava. Não para ele. Naquela altura do campeonato, esse era o menor de seus problemas — a lista era imensa. O homem olhou para o lado, já reconhecendo aquela voz tão familiar aos seus ouvidos. E como não iria? Antes mesmo que seu cérebro processasse a informação, seu coração já parecia saber. Era sempre assim.
   — É de se esperar. Seria estranho se estivesse nevando e fazendo um calor do cão, não acha? — Respondeu secamente.
   — Estranho, não — ela rebateu sorridente. — Eu diria impossível.
   Kelsey Jones estava parecendo que ia ao Polo Norte. Usava um gorro grosso na cabeça em um estilo eskimo, já no corpo tinha em média de uns cinco casacos, provavelmente, e quatro calças de veludo na parte debaixo. Para finalizar, botas para o inverno nos pés, claro. E, mesmo assim, parecia ainda com frio.
   Robert soltou uma risada, mesmo não querendo dar o braço a torcer. Quer dizer, não era para tanto. Estava frio sim, mas pelo amor de Deus! Apesar de tudo, sabia como a amiga era friorenta.
   Uma rajada de vento atingiu os dois, fazendo Kelsey dar vários pulinhos em uma maneira estúpida de se aquecer.
   Aquela mulher era única no mundo, realmente.
   — E o que você está fazendo aqui, eu posso saber? Vai pegar um resfriado, Kells. Por favor, volte para Base.
   Ele a conhecia tempo suficiente para saber que ela faria exatamente o contrário. Ela aproximou-se dele com cuidado, sentando-se ao seu lado com dificuldade por causa do excesso de roupas — aquilo realmente era incômodo — e o encarou demoradamente.
   — Não quero ficar lá sem você...
   Um suspiro escapou pela boca dele, mesmo tendo tentado segurá-lo. Sinceramente, não tinha bem o que falar. Tudo que ele sabia era que não podia encará-la nos olhos. Esse gesto estragaria seu plano de...
   Bom, de deixá-la para trás.
   Só de pensar nisso foi como se, de repente, seu coração começasse a sangrar.
   — Você sabe que eu sempre volto.
   — Eu sei — ela parou, aflita, engolindo em seco em seguida. — Mas... depois de meses.
   — Mas eu sempre volto — retornou a falar, sério. — Então qual é o problema, Kelsey?
   Sua voz saiu rude, ríspida. A mulher até pensou em dar meia volta, fazendo o que ele tinha mandado, contudo, seu corpo não deixava. Ela não queria ir. Não podia. Não conseguia.
   Acostumada com o modo de ser do rapaz, abraçou a si mesma quando a corrente de vento atacou novamente e seguiu em frente em seu diálogo, firme e forte, não se deixando abalar.
   Muitos não aguentavam o jeito de como o homem agia, mas diferente da maioria, Kelsey o entendia. Conhecia-o.
   E tinha mais uma coisa que ajudava nesse quesito, também.
   Ela o amava.
   — É só que... Eu sinto a sua falta, na maior parte do tempo.
   Sua voz revelou a fragilidade que ela sentia e aquilo a irritou. Não queria parecer fraca. Não para o homem mais forte que ela conhecia. Mesmo assim, se isso o fizesse ficar, para ela estaria tudo bem.
   Era sempre assim, todo bendito fim de ano. Robert sumia antes que o relógio anunciasse meia-noite. Não avisava ninguém, apenas desaparecia, como se nunca tivesse existido de fato.
   Sem deixar rastros.
   Era simples: ele não queria ser encontrado.
   Era um tanto desesperador para ela, já que ele nunca enviava notícias. Aparecia quando bem entendia, como se nada tivesse acontecido. E todas as vezes ela temia que nessas idas e vindas Robert se fosse para sempre.
   Estava tão perdida em pensamentos que mal notou quando ele colocou sua mão sobre a sua, apertando-a forte. A mulher sentiu os dedos frios dele sobre os seus, os entrelaçando. Sua pele junto com a dele, confortando seu coração.
   — Eu também sinto a sua. — Ele sussurrou.
   E como sentia. Só Deus sabia o quanto era difícil ficar tanto tempo sem Kelsey ao seu lado, sua fiel e melhor companheira. Para ele era humanamente impossível sentir falta de alguém a um ponto que chegasse a doer fisicamente, mas estava errado — como sempre. Tinha comprovado que era verdade assim que ficou longe dela por algumas semanas.
   — Então não vá.
   Robert sorriu para si mesmo, quem dera fosse simples assim... Em seguida, sem conseguir aguentar, olhou para os olhos belos e claros da mulher ao seu lado, sua grande perdição. Como previsto, várias emoções o atingiram no mesmo instante. Já estava acostumado. Era assim mesmo quando o assunto era Kelsey Jones.
   No começo foi uma sensação boa, semelhante a êxtase. Ela era tão linda. Como um ser humano conseguia ser tão bonito?, se perguntou. Se alguém pedisse para ele descrevê-la, o homem não conseguiria botar sua beleza em palavras — seria a tarefa mais difícil de sua vida.
   E, então, quanto mais olhava para ela, mais sentia. Uma mistura de felicidade e dor começou a aparecer. Ele a amava tanto que chegava a doer, por mais estúpido que parecesse. Não se orgulhava em admitir, mas não dava para esconder.
   Com um pequeno sorriso inocente ela se aproximou mais dele, por fim enterrando seu rosto na curvatura do pescoço de Robert, uma mania sua. Já ele, cuidadoso, como sempre era quando se tratava de Kelsey, a puxou mais ainda para si, segurando-a por trás, fazendo pequenas carícias em seu cabelo.
   Céus, ele odiava sentir. Odiava amar.
   Sentia-se mais fraco, de algum modo. Só que em outros momentos parecia mais forte. Era confuso demais. Talvez nem tanto. Fraco, pois sabia se algo acontecesse a ela... Bom, ele não gostava nem de pensar. E, forte, pois nos momentos tenebrosos bastava lembrar seu rosto que tudo ficava bem de novo. Ela era sua luz nos dias sombrios.
   — Eu preciso ir, você sabe disso.
   Dessa vez ele não ia embora por motivos bestas, como tirar férias sem autorização apenas para irritar seu mentor idiota, ou se afastar por não aguentar ver a felicidade das pessoas ao redor e saber que nunca seria como elas, mas sim por algo maior.
   Olhou para uma direção específica, que era nada mais e nada menos que a localização da Base Secreta, seu “lar”. Tudo de bom que estava sentindo se esvaneceu rapidamente ao se lembrar daquele maldito lugar. Sentia nojo de lá.
   Só de lembrar que ia deixar para trás Kelsey naquele ambiente quis gritar.
   — Mas você vai voltar, não é?
   Ela o conhecia mais do que ele mesmo. Era justamente esse o problema. A mulher conseguia notar que algo estava errado dessa vez. Podia, com muita atenção, notar a angustia que o rapaz sentia.
   Ele a abraçou mais forte, não querendo soltá-la nunca mais. De acordo com a programação, a partida dele seria hoje junto com mais alguns. E seria mais do que meses. Seria por anos. E uma volta não estava nos planos, infelizmente.
   — Eu sempre voltarei para você.
   Era verdade. Ele daria um jeito de voltar para sua amada e melhor amiga, Kelsey Jones, nem que sua vida dependesse disso. Sabia que provavelmente isso era só uma forma de confortar seu coração, já que no fundo sabia que isso não seria possível.
   Era tudo tão difícil. Tão doloroso.
   Contudo, no meio de tantas dúvidas, ela era sua única certeza.
   A mulher não disse nada, continuou quieta, o abraçando com força.
   Ficaram assim por minutos, quem sabe até mesmo horas, mas teve um momento — o mais difícil, em sua opinião — que ele teve que soltá-la. Ela se levantou sorridente em seguida, limpando o resto da neve que continuava em sua roupa.
   — Vamos, já devem estar servindo o jantar!
   Ela parecia mais animada só de pensar na comida, o que o fez rir. Ele balançou a cabeça, prestando bem atenção nos detalhes de seu rosto, tentando gravá-los a todo custo. Não se perdoaria se os esquecesse.
   — Pode ir, preciso botar alguns pensamentos em ordem ainda...
   Diferente do que Robert pensava, ela não insistiu. Apenas concordou como se compreendesse. Por fim, deu um aceno a ele, afastando-se.
   A cada passo que ela dava para longe ele se sentia mais infeliz.
   Era duro se despedir. Ainda mais de alguém que significava tudo para você.
   — Kelsey! — Gritou novamente, chamando-a.
   Ela se virou no mesmo segundo.
   — Sim?
   Deus, como era difícil. Achou que não ia conseguir, mas quando viu as palavras saltaram de sua boca, de tão sinceras e puras que elas eram.
   — Eu amo você. Muito. Nunca se esqueça disso.
   Ela sorriu novamente com aquele ar gracioso que só ela tinha e, por fim, voltou a se afastar.
   — Não vai dizer o mesmo para mim? — Gritou pasmo.
   Ela não se virou de novo, mas Robert não precisou ver sua expressão para saber como ela estava. Sua voz denunciava o quanto o choro queria sair.
   — Cumpra sua palavra e volte para mim. Se fizer isso, direi isso a você todos os dias, até você enjoar da minha voz.
   Sem dizer mais nada, continuou a andar para longe, até sumir de seu campo de visão.
   Olhou novamente para frente. Agora não havia mais ninguém brincando na rua. Todos tinham entrado em suas respectivas casas, acabando com a alegria que reinava.
   Robert sentia seu coração estar tão gelado quanto o tempo.
   E, apesar da tristeza, da raiva e da angústia, a droga da neve continuava a cair.
   O homem botou as mãos no rosto, tentando definitivamente não pirar.
   Aquela havia sido a primeira vez que ele tinha mentido para Kelsey.
   A verdade era que ele não a encontraria mais tarde.
   Ele não a encontraria nunca mais.

***


   — Meu Deus, eu não aguento mais preencher essas porcarias de relatórios! — Lorenzo gritou, angustiado.
   — Então não preencha, seu grande idiota. — Retrucou Yumi, jogada em um sofá ali perto, entediada.
   Ambos estavam na sala de lazer, mais entediados do que nunca. O garoto precisava completar as informações que ainda faltavam sobre sua última missão, graças à ordem de seu mentor, Mickail Belikov. Conhecido também como seu pior pesadelo ou, como ele gostava de ser chamado, Sr. Belikov.
   O homem já tinha certa idade, mas mesmo assim se recusava a largar seu posto de diretor da Base. Dizia que, sem ele, aquele lugar iria se tornar um pesadelo. É, ele se achava o melhor do mundo. Dizia que ninguém substituiria seu lugar, pois era único.
   — Sim, Yumi, eu estou a fim mesmo de apanhar...
   Podia soar estranha aquela frase, já que eles eram maiores de idade e não mais crianças, mas não era bem assim. Os castigos que o russo dava aos seus aprendizes eram os piores possíveis: surras até a pessoa ficar inconsciente, dias aprisionados em cela sem direito a alimentos e até mesmo tentativas de estrangulamentos.
   O homem era um grande psicopata, na verdade. Todos tinham medo dele. Os únicos que ousavam, às vezes, enfrentá-lo eram Robert Hemmings, Lorenzo Colasanti e Joel Edwards.
   Robert nutria um ódio pelo mais velho que chegava a ser assustador. Era um bom garoto, queria que o bem prevalecesse no fim, mas quando o assunto era seu mentor... Bom, ele desejava, com todas as forças, que Mickail morresse da pior maneira possível.
   Lorenzo o enfrentava quando o russo pegava pesado com seu melhor amigo, sempre o defendendo — e se ferrando junto. Já Joel fazia questão de irritá-lo não por odiá-lo, mas sim por querer a atenção dele. Chegava a ser exaustivo.
   O resto parecia robôs que obedeciam as ordens do velho amargo.
   — Hm, não sei. Quem sabe com umas boas cacetadas na cabeça seu cérebro não volte a funcionar...
   O garoto sorriu para ela antes de mostrar o dedo do meio, arrancando um sorriso da amiga.
   — E você, engraçadinha, o que está fazendo?
   — Não é da sua conta.
   — Tocante. Agora pare de charme e fale logo.
   — Lendo um livro sobre como se livrar de idiotas feito Lorenzo Colasanti.
   Ele a continuou a olhando sem expressão, com uma sobrancelha erguida, a fazendo rolar os olhos em seguida.
   — Caramba, que chato, estou lendo um romance, satisfeito?
   — Quem diria! Yumi Hirai, a sem coração lendo uma história de amor. Sinceramente, é o fim do mundo.
   — Vá se foder, seu imbecil.
   — Eu amo você também, gatinha.
   A porta foi aberta por Elizabeth, a agente eleita por todos os homens da Base como a mais bonita. Yumi a olhou com um desprezo evidente, se levantando do sofá onde estava deitada, não aguentando ficar no mesmo ambiente que a ruiva. Quando passou por Lorenzo, não deixou de sussurrar:
   — Aproveite a sua puta, só não assuste com a conta no final.
   Na saída esbarrou de propósito o ombro no da mulher, a fazendo reclamar baixo. Contudo, a heroína não ligou, apenas seguiu em frente, sorrindo sarcástica.
   No meio do caminho pensou em parar e usufruir seus poderes para ver o que eles conversavam, ou melhor, faziam. Seria fácil, já que ela tinha o dom da projeção astral, onde mesmo com seu corpo apagado, podia flutuar por aí, como uma alma penada, observando tudo e a todos. Censurou-se por isso. Desde quando se importava com Enzo, seu amigo irritante e mulherengo? Ela não tinha chances com ele. Não era bonita e nem tinha corpo para compensar. O que o belo, poderoso e popular italiano veria nela?
   E, mesmo se conseguisse, com toda certeza ela seria só mais uma na lista dele.
   Sentia raiva do rapaz por ele não notar o quanto ela era apaixonada por ele.
   Argh, maldição!
   A vida, às vezes, era realmente uma merda.

   Enquanto isso, não tão longe dali estava Jean Deville, o terceiro integrante há mais tempo na Base Secreta depois de Robert e Lorenzo. Tinha entrado lá quando havia três anos. Praticamente tinha crescido ali, no meio de toda aquela bagunça.
   Diferente dos dois melhores amigos, o francês era sereno e quieto. Não gostava de causar tumulto, muito menos de chamar atenção. Era tímido de seu modo. Um grande charme, as mulheres sempre diziam.
   — Você é quietinho... — Serena, a garota que se tornou sua namorada, alguns meses depois, disse sorrindo maliciosamente. — Deve ser bom na cama.
   Ele era o cérebro da equipe — todos precisavam de um, certo? Tinha seus momentos de loucura, como qualquer outro, mas era o titulado mais são do grupo.
   O homem folhava um livro sobre o passado da Base Secreta — de como ela havia surgido, por que, como... — até que a porta de seu quarto foi aberta por Lauren Hamid, sua grande amiga e vizinha de quarto.
   — O que você quer? Sua pasta de dente acabou de novo? — Interrogou sorrindo.
   A mulher entrou no quarto dele, apenas com roupa íntima, pouco ligando se Jean estava ali ou não. Eles não tinham aquele problema, eram bem a vontade um com o outro.
   — Hm, na verdade foi o fio dental. Tem para me emprestar?
   — Sim. Você já sabe onde fica, suponho.
   Pelo menos cinco vezes ao dia Lauren ia até o quarto dele pedir algo emprestado. Ia de fio dental até colchões. Ele nunca questionava seus motivos, achava melhor não saber mesmo — para o bem de sua sanidade.
   — E então, como anda Zahra?
   Zahra Ahmed era paquistanesa, como Lauren. Elas haviam se conhecido em uma missão e desde então mantinham um relacionamento duradouro. Sr. Belikov havia arrumado um emprego para a jovem, assim ela não ficaria longe da namorada por muito tempo. Tinha sido a primeira coisa legal que o mentor havia feito na vida. Atualmente, pelo que ele sabia, ela trabalhava na área de computação em um cargo baixo, mais que rendia a melhor das recompensas para a moça: ficar perto da namorada.
   — Com as pernas — Sorriu cínica.
   — Hilária.
   — Certo, ela anda um saco — Rolou os olhos, irritada, gritando do banheiro. — Sério, eu não sei mais o que fazer. Conversei com Kelsey sobre isso, até.
   O homem sorriu, já sabendo o que a americana deveria ter dito sobre todo aquele drama, mas mesmo assim continuou o diálogo.
   — E o que ela disse?
   — O que você acha? Sabe como nossa doce Jones é. Disse para eu pensar com muita calma, pois posso me arrepender depois. Alegou também que Zahra era uma boa pessoa e que me amava de verdade. E que o ciúme doentio que ela anda sentindo deve ser por algum problema no qual ela está passando que eu desconheça.
   — Concordo com a Kells.
   — É claro que concorda... Falei com Robert depois.
   Novamente Jean segurou a gargalhada, também imaginando o que o melhor amigo tinha dito.
   — E aí?
   — Ele me mandou falar para Zahra se foder. Sinceramente, acho que ele é o único que me entende.
   — Nunca peça conselhos amorosos a Robert Hemmings! Não aprendeu nada durante todos esses anos, Lau?
   — De verdade? Não.
   Ela voltou para o quarto, já com os dentes devidamente limpos. Sorriu feliz para o amigo, arrancando uma risada do francês. Os dois sempre se deram muito bem, apesar de serem opostos em quase tudo.
   — E onde está a ciumenta?
   — No meu quarto. Estou vendo se com uma dose extra de sexo ela não acalma. — Falou com naturalidade.
   O homem largou o livro, ainda rindo.
   — Ó, Céus... Saía daqui, sua pervertida!
   A mulher sorriu maliciosamente, desviando da almofada no último segundo que ele tinha jogado nela.
   — Quem vê pensa que você é santinho, não é mesmo, Deville?
   Ele se levantou, empurrando-a delicadamente para trás, fechando a porta em sua cara, mas ainda sim a ouvindo berrar novamente:
   — Eu estou de olho em você, garanhão!
   Jean continuou a rir sozinho, mesmo depois de ela ter voltado para seu quarto. A Base Secreta não era o melhor lugar para se viver, mas ele amava seus amigos com todo coração.
   Seu riso cessou assim que olhou o relógio, contudo. Se havia uma coisa que ele não suportava era se atrasar!
   Irritado consigo mesmo, xingando baixinho, foi correndo para o lugar combinado. Passou por todas as pessoas com a cabeça abaixada, com medo que o reconhecessem e parassem, como de costume. Era incrível a popularidade que se recebia por ser um herói.
   Todos estavam elegantes, mais que o normal. Usavam vestidos de festa, maquiagem e penteados chiques. Era risada para lá e para cá. O que a véspera de natal não fazia com as pessoas? A maioria também levava presentes para os amigos mais próximos.
   — Onde está indo com tanta pressa, Einstein?
   Ele freou assim que ouviu a voz de Kelsey. Querendo ou não, não podia ignorar sua “filha” — uma brincadeira dos dois. Ela foi a quarta a chegar à Base, pequena e confusa, no meio dos três garotos bagunceiros, os fazendo terem mais responsabilidades, pelo menos quando o assunto era ela.
   Lorenzo era o irmão mais velho. Aquele bem pentelho quando queria, mas que se tornava protetor quando necessário. Jean era o pai calmo, sempre tentando manter a paz, só enviando amor. Já Robert era o melhor amigo e primeiro amor dela — na verdade, o único.
   Passaram muitos anos somente os quatro na Base Secreta, até que entrasse os outros.
   — Eu? Bom, nada demais, só indo... Você sabe, tomar um ar fresco.
   Sua amiga usava agora, diferente de antes, um vestido vermelho-sangue com um belo decote. A saia era longa e tinha um grande corte até a coxa, deixando-a com um ar sexy. Incomodado, notou que a maioria dos rapazes que passava a encarava demoradamente.
   Agradeceu mentalmente, contudo, por Robert não estar ali. Se estivesse o amigo provavelmente arrumaria uma bela de uma confusão.
   — Vai vestido assim ao baile?
   Ele olhou para si mesmo, um pouco nervoso. Não vestia uma roupar formal, como a maioria. Usava o uniforme oficial da Base.
   — Vou me arrumar ainda. — inventou qualquer desculpa.
   — Oh, claro. Só não se atrase muito. Não quer perder a troca de presentes, sim?
   Ela parecia contente, ele reparou com pesar. Sabia que, daqui a algumas horas, quando finalmente notasse o que tinha acontecido, ela ficaria devastada. Todavia, não tinha escolha. Já estava feito.
   — Claro, chegarei a tempo — mentiu.
   — Ótimo, guardarei seu lugar então! E, antes de você ir... Algum sinal de Robert? Faz algum tempinho que não o vejo.
   — Provavelmente no salão a esperando — mentiu novamente.
   Seu sorriso alargou enquanto ela assimilava as palavras. Será mesmo que Robert tinha decidido passar o natal ali na Base Secreta, com ela? O francês se sentiu mal por iludi-la. Não aguentando a pressão e a culpa que caiu sobre seus ombros, resolveu relevar a verdade, mas antes que isso acontecesse, outra pessoa se enfiou entre eles.
   — Finalmente achei a minha mulher preferida. Onde estava, meu anjo?
   Os dois olharam para Joel Edwards. O popular dos heróis. O galã. Ele tinha tudo de bom: era o mais bonito, rico, poderoso e charmoso. Todos o amavam — ou odiavam, não tinha meio termo.
   Ele chegava a ser tão mulherengo que ganhava de Lorenzo, porém, diferente do italiano, ele não deixava as cartas na mesa. Às vezes iludia os pobres corações desesperados em busca de um grande amor para conseguir o que queria. Jogava sujo.
   — Me vestindo.
   — Ora, que pena eu não ter chegado nessa hora... — sorriu maliciosamente.
   Essa era uma das poucas situações na qual Jean ficava irritado. Não gostava nenhum pouco de Joel. Talvez passasse tempo demais com Robert e, por isso, havia começado a compartilhar o ódio pelo rapaz. Todavia, era mais do que aquilo.
   Tudo naquele homem o irritava.
   Desde o gel bem passado no cabelo até suas falas. Não havia nada de bom ali. Era incrível como Jean tinha que se segurar para não usar sua visão a laser nele.
   — Não acho — ela rebateu serenamente. — Deveria ficar feliz, pois se tivesse invadido meu quarto nesse momento, provavelmente não estaria aqui para contar a história.
   Joel ficou sem fala por alguns segundos, até que deu um pequeno sorriso, afastando-se.
   — Encantadora como sempre! Vemo-nos no salão, princesa.
   Antes de ir acenou com a cabeça para Jean, nada feliz. O homem retribuiu o gesto com desprezo também, afortunado por ele ter ido finalmente embora.
   — Bom corte.
   — É, Joel precisa de limites...
   O francês concordou, irritado. Ele dava em cima de todas as garotas, sem exceção! Lembrou-se de Serena, sua ex-namorada. Ficou arrasado assim que a pegou aos beijos com aquele grande canalha.
   — Ela não entende o que é uma mulher comprometida...
   Kelsey sorriu, olhando para baixo, triste.
   — Eu não estou.
   — Seu coração sim. E é isso o que vale.
   — Se você diz...
   Com pressa, sem ter mais tempo para jogar fora, aproximou-se da garota, beijando sua testa demoradamente, com uma dor no fundo do peito por saber que a estava deixando para trás.
   Assim como Lauren.
   Assim como todo o resto.
   — Você é linda, Kelsey. Por fora e por dentro. Não deixe ninguém mudar isso.
   Sem esperar uma resposta, saiu andando, como a maioria: com um sorriso falso no rosto e com a verdadeira dor guardada no coração.

***


   Angelina tinha separado todos os papéis com muita atenção. Analisava-os sem parar. Queria achar os podres nas entrelinhas, mas estava difícil. Eles eram ordinários, mas bons. Botou a mão no rosto, acabada.
   Estava naquela sala escura há o que? Minutos? Horas? Dias?
   Tinha perdido o contato com a realidade há algum tempo já.
   Ela fazia parte da revolução. Quando Robert não estava no comando, ela é quem entrava. Tinha altos planos para botar a Base Secreta para mais baixo ainda. Queria que aquele lugar deixasse de existir para sempre.
   Engoliu em seco, irritada consigo mesma. Precisava achar informações úteis. O prazo final era hoje.
   Ela estava na sala de arquivos secretos, escondida, é claro. Tinha a mão leve, o que facilitou o roubo da chave. Com uma lanterna na cabeça presa em um suporte começou a fuçar os armários lotados de pastas com informações.
   Nada relevante até agora.
   Foi aí que, como uma luz no fim do túnel, viu um armário branco que reluzia na escuridão. Parecia mais especial do que os outros, de alguma maneira.
   Mais valioso.
   Não por se destacar mais, mas sim por se destoar dos outros tão mais bonitos e chamativos. Esse era propositalmente para não chamar atenção.
   Angelina, como era experiente, sabia que devia ter alguma razão para isso.
   Abriu as portas, dando de cara com várias pilhas de diversas pastas. Ela pegou qualquer uma, folhando rapidamente. Nada de especial. Continuou mexendo, botando as mãos aos fundos, até parar em uma espécie de alavanca.
   Puxou-a, sem hesitar. Sorriu mais ainda ao notar que uma pasta caiu em suas mãos quando o fez. Abriu sem esperar mais nada, ansiosa. Era agora ou nunca.
   Nas primeiras páginas não havia nada de muito útil, até que a sorte foi mudando. Seus olhos pararam em uma folha bege que ela conhecia muito bem. Sentiu seu coração parar. Céus, ela havia conseguido.
“Projeto Emundans”


   — Oh, seus grandes cretinos... Vocês estão fodidos.
   Satisfeita era pouco para o que ela estava.
   Há muito tempo ela e mais alguns desconfiavam da Base Secreta. Era tudo tão perfeito que chegava a ser falso. Na verdade, nem tanto assim. Eles eram submetidos a exercícios sete horas por dias. Eram obrigados a irem a missões que botam suas vidas em risco e se eles ousassem falhar recebiam punições severas. Além de tudo, como se não fosse suficiente, alguns passavam por vários testes, diariamente, feito por cientistas. Grande parte nunca mais foi vista.
   Foi Robert quem tomou a iniciativa. Começou a averiguar, prestar atenção dos detalhes despercebidos pela maioria. Fazer perguntas aos seguranças, como se não quisesse nada. Recolher respostas pouco a pouco. Sair de madrugada vasculhando as salas, até achar o corpo de Xavier Schneider, sem qualquer sinal de vida. Ele estava em um laboratório com o corpo todo aberto. O pior era a pele dele: totalmente verde, com escamas.
   Nada humano ali.
   O pobre homem tinha sido uma cobaia de uma experiência que tinha dado errado, como outras centenas, eles descobriram mais tarde.
   Ele era um humano, como qualquer outro. Um dos agentes mais destemidos e competentes. E morto pelos próprios colegas de trabalho. Pelos cientistas em busca de algo que todos, no fundo, queriam ter — e que nunca teriam.
   A perfeição.
   Pois era isso que o Projeto Emundans falava. A palavra vinha do latim, que significava purificar. Havia sido criado por Stewart Johnson e demorou alguns anos para ser aprovado pelo conselho. Durante anos o projeto ficou inativo, até que voltou com força total.
   Agora eles já estavam testando nos heróis, aos poucos.
   Infelizmente, só ela e mais alguns notavam que o resultado das experiências não era positivo. Não os tornavam super-heróis melhores.
   Tornava-os monstros.
   Ainda tremendo, provavelmente pela animação que sentia, saiu correndo disparadamente depois de esconder a pasta dentro de sua jaqueta. Trancou a porta — usando sempre luvas para não deixar digitais — e foi para o depósito central, o lugar combinado com seus amigos.
   Como previsto, apenas Jean estava ali, parecendo inquieto.
   — É bom notar que todos respeitam horários.
   Ela ignorou o francês, seguindo em frente. Estavam na parte mais escura do local que era o ponto mais longe da porta. Assim, se alguém entrasse por ali por algum motivo não os veria.
   O que era pouco provável, ainda mais naquele dia. Uma das causas de escolherem a data de partida para hoje era por causa da famosa véspera de natal. O evento mais esperado do ano, pelo menos por ali. Todos amavam o baile, onde tinha discursos envolventes, premiações e trocas de presentes. Ninguém daria falta deles, não quando se tinham comida boa, música, gargalhadas e bebidas.
   — Achei os arquivos que procurávamos.
   Ele finalmente pareceu mais sereno.
   — Jura?
   — Sim. Era exatamente o que nós pensávamos: eles querem dar superpoderes a todos, contudo, não é qualquer pessoa que suporta isso. Ela precisa ter a genética apropriada. Uma célula especial...
   — E para esses que suportam, eles querem dar os poderes. E, quem não tem isso, como Xavier...
   — Eles eliminam. Exato.
   — Como uma...
   — Purificação. É. — interrompeu impaciente. — Onde estão os outros? Precisamos compartilhar o tesouro que temos em mãos. Imagine quantas pessoas passarão para o nosso lado!
   — Realmente, seria a chave da nossa vitória.
   Angelina Parker nunca se sentiu tão feliz na vida. Era como se, finalmente, as coisas estivessem dando certo. Ela havia começado até mesmo a acreditar em milagres natalinos.
   Havia um espelho rachado no canto, com sua visão já acostumada ao escuro, enxergou seu rosto. Tudo continuava igual: o cabelo louro liso com algumas mechas, macio como seda, os olhos escuros como amêndoas e um corpo de matar, igual à personalidade.
   Só havia uma diferença: o sorriso.
   Angelina mal sorria de verdade. Era como achar um diamante no seu próprio quintal: simplesmente não acontecia.
   — Você devia sorrir mais — Jean comentou admirado. — Fica mais bonita assim.
   — Diga para a minha vida colaborar... e para as pessoas que estão nela também.
   Antes que o francês pudesse responder duas pessoas tinham se juntado ao grupo. Robert discutia com o melhor amigo, o charmoso italiano Lorenzo. O estrangeiro parecia levar algumas broncas do mais velho, que estava vermelho de raiva.
   — Onde estavam? — Perguntou Jean.
   — Eu estava lá fora, respirando um pouco de ar puro e quando estava a caminho daqui, contudo, ouvi a voz de Lorenzo em um momento um pouco constrangedor — olhou feio para o amigo.
   — O que foi? Não me olhem assim! Se Elizabeth quisesse transar com vocês, tenho certeza que não iriam recusar! — Reclamou, incomodado.
   — É verdade, eu não me incomodaria nenhum pouco... — O francês admitiu, fazendo Angelina rolar os olhos.
   — Isso é porque vocês se interessam pelo exterior, em vez do mais importante: o interior. Se soubessem o que se passa pela mente da senhorita Elizabeth, como eu, vocês não a achariam mais atraente.
   Todos olharam para a quinta voz que havia surgido do nada. E lá estava o último integrante do grupo secreto. Com os cabelos negros, assim como os olhos e a roupa, Monish Duhruva apareceu na frente de todos, sorrindo minimamente.
   —... Entretanto, é assim que o ser humano funciona, não é? Uma grande pena, realmente. Eu chegaria a dizer que é uma lástima.
   Lorenzo bufou, ganhando outra cotovelada de Robert, que estava sério. Diferente do italiano, ele respeitava Monish. Era um homem muito poderoso, inteligentíssimo também e, além de tudo, tinha o coração mais bondoso de todos. Só queria a paz.
   — Olá, Monish. Você demorou.
   — Sim — respondeu a Jean enquanto arrumava seus óculos. — Peço desculpas por isso, mas posso ver que não fui o único.
   — Realmente... — o francês fuzilou o resto dos colegas com os olhos.
   — O que importa é que estamos aqui! — o homem dos olhos azuis falou. — Pelo que posso ver pela alegria de Angelina, ela conseguiu o que nós precisávamos. Temos tudo ao nosso favor, pessoal. Tudo mesmo. E é por isso que tenho uma proposta nova a oferecer, mas antes preciso certificar algumas coisas...
   Lorenzo o olhou desconfiado, não gostando do tom de voz do amigo.
   — Esse é um caminho sem volta — Robert começou seu discurso. — Lembrando que estamos aqui por um bem maior. Queremos evitar a destruição da raça humana. Somos heróis e é assim que iremos agir daqui para frente. E se precisarmos fazer sacrifícios para isso, é o que faremos. Sem medo, sem receio e muito menos ressentimentos. Temos uma missão a cumprir e, pela primeira vez, eu me recuso a falhar.
   Lembrou-se de Kelsey, dela sorrindo para ele com um fio de esperança, achando que ele ia resolver ficar por ali mesmo, junto com ela.
   Ele queria tanto, mas tanto que chegava a doer. Mesmo assim, no fundo, estava fazendo tudo aquilo, todos aqueles planos e a revolução, por ela também. Tudo por sua segurança.
   E se o preço para Kelsey Jones ficar bem era ele nunca mais vê-la, tudo bem. Ele pagaria.
   Quando você ama alguém de verdade, se pensar bem, tudo o que você faz por ela são sacrifícios intermináveis. E todos eles valem a pena.
   — Vocês estão comigo? — Tornou a falar. — Estão dentro, não importa o que aconteça? Que até o último suspiro irão resistir, lutar? Que vão honrar o nome que as pessoas chamam vocês? Serão realmente super-heróis?
   Lorenzo foi o primeiro a concordar, Jean em seguida, junto com Angelina. Monish foi o último, dando um aceno com a cabeça, decidido.
   — Tem certeza que está do nosso lado, não é? Afinal, seu melhor amigo é totalmente contra nós... — O italiano falou desconfiado olhando para o último integrante.
   — Joel tem uma adoração por Mickail Belikov e isso o deixa cego. Ele não consegue ver que o que nós fazemos é o certo. Como disse, ele é o meu melhor amigo. Entenderá perfeitamente quando souber. Aceitará.
   — Por que acha isso?
   — Eu não acho, tenho certeza. Estou do lado de vocês, é só isso que precisam ter em mente.
   O líder do grupo respirou fundo, atordoado.
   — Mesmo se Joel descobrir e nunca lhe perdoar?
   — Faço a mesma pergunta para você, Robert, mas mudando o nome para Kelsey. E tenho certeza que a nossa resposta é igual: sim.
   O homem engoliu em seco, dando um passo para trás, por fim fechou os olhos, irritado consigo mesmo. Não podia se deixar abalar. Voltou novamente ao normal, dando um sorriso.
   — Então, como todos estão dentro, acho que posso falar minha ideia.
   Eles assentiram, silenciosamente.
   — É simples. Hoje não fugiremos como planejamos.
   A exaltação começou. Jean o encarou sem reação, já Lorenzo parecia não reconhecer mais o melhor amigo. Monish, contudo, continuou sereno, enquanto Angelina gritava descontrolada, borbulhando de raiva.
   — O que? Estamos esquematizando isso há meses, Hemmings! Meses! Não banque o espertinho para cima de nós...
   Ele calou todos com um gesto.
   — Posso continuar?
   Todos aceitaram de prontidão, menos Angelina, que relutou alguns minutos.
   — Como eu disse antes, hoje não iremos fugir. Faremos mais do que isso. Iremos adiantar o processo.
   O cérebro deles ainda processava a informação, de um a um. Quando a resposta carregou para todos, ficaram sem reação. Angelina foi a única que conseguiu quebrar o silêncio.
   — Isso quer dizer...
   Robert sorriu ao ver que ela não conseguiu terminar a frase pelo choque. E, mesmo que estivesse escuro no local, ele tinha certeza que todos enxergaram seu sorriso mal-intencionado.
   — Isso mesmo, cara Parker, isso quer dizer que hoje tomaremos o controle da Base Secreta.

II.


“O mundo está mudando. Ou mudamos com ele, ou não haverá nada de nós para ser lembrado exceto pó.”
— Sol e Tormenta.
2015

   — Estamos chegando?
   — Se você fizer essa pergunta de novo, seu imbecil, eu juro que mato você — Luke respondeu Calum, no limite. Ao notar o olhar de sobre ele, contudo, respirou fundo, mais controlado. — E sim, Hood, nós estamos.
   — Ótimo! Adoro gente simpática como você, Hemmings, já te disse isso?
   — Graças a Deus não. — Murmurou para si mesmo, seguindo adiante.
   O grupo finalmente tinha saído da Base Secreta pela madrugada. Havia dado errado em alguns aspectos, como previsto. Não sobre a fuga, já que ela havia sido perfeita, mas sim sobre depois dela. Eles não tinham para onde ir. Ficaram vagando sem rumo por longos dias, vendo que botar o plano em ação era bem mais difícil do que parecia em mente.
   Foi então que, de repente, a bússola de Michael — a que ele havia ganhado de Joel, que um dia pertencera a sua mãe — começou a tremer disparadamente. Uma luz irradiava do objeto e, quase sem acreditar, ele seguiu a norteada.
   Não contou a nenhum dos seus amigos, contudo. Disse apenas que sabia um lugar e ninguém mais o questionou, a não ser Celiny, claro. Ela reclamava a cada segundo.
   — Vão formar bolhas nos meus pés! — ela reclamou irritada.
   — O problema não é nosso, irmã — Peter rebateu sem perder a classe. — Guarde essa informação para você e lide com isso.
   Ela continuou a reclamar.
   Luke havia utilizado o portal para onde Michael havia mandado: Oxfordshire, Inglaterra.
   Como dito antes, ninguém o questionou. Luke nem pensou em fazer isso, já que confiava cegamente no melhor amigo. ficou preocupada ao ver Michael parecer tão nervoso, mas se manteve quieta. Já estava fazendo tudo para ter uma cama macia no fim do dia a esperando e não a droga de uma barraca fedorenta.
    segurava a mão do garoto com força, não entendendo bem a situação, mas tentando passar segurança e conforto a ele.
   Derek, Celiny, Peter e Frida iam logo atrás, irritados com a situação, no fundo. Onde nos metemos?, era o que se perguntavam.
    era a última do grupo, junto com Ashton. Eles eram os únicos que não conseguiam acompanhar os outros. Estavam cansados e com fome. Fora que não dormiam bem há dias. E agora, do nada, Michael tinha uma ideia e todos seguiam sem questionar? Era enlouquecedor.
   — Consigo sentir como ele está confuso — a russa sussurrou. — Está totalmente perdido. Não faz a mínima ideia de onde está indo.
   Ashton mordeu os lábios. Era verdade. sentia emoções, ótimo. Dava para se enganar, mas o garoto conseguia ler pensamentos. E, com tristeza, viu que ela estava certa.
   — E aí, acertei?
   O garoto olhou para o colega de quarto, agora ex, no caso, um pouco triste por ele. Era óbvio que Michael estava nervoso, mas ele parecia seguir algum extinto. Queria se mostrar forte para o restante do grupo. Queria, desesperadamente, acertar.
   — Não. Ele sabe para onde está indo.
   Não soube o porquê da mentira. Talvez não quisesse que começasse a interrogá-lo e arrumasse uma confusão, mesmo que não chegasse a ser a cara da garota.
   Fora que, mesmo que Ashton não tivesse motivos, confiava em Michael Clifford. De alguma maneira, sabia que ele não o decepcionaria.
   — Tem certeza que estamos chegando, Michael? — a voz de Frida soou um pouco impaciente, alguns repararam. — Estamos andando há horas.
   — Olha, eu não queria dizer nada, mas é verdade... — Derek, o médico, disse baixinho, parecendo exausto.
   , que liderava o grupo com o amigo, se virou para trás, borbulhando de raiva. Algumas atitudes de seus colegas de equipe a irritavam profundamente.
   — Merda! Acha que nenhum de nós está cansado? Bom, aqui está à novidade: nós estamos! Ele sabe para onde está indo, porra. Agora calem a droga boca, ninguém os obrigou a vir. Quem quiser pode ir embora. Se não aguentam uma mera caminhada, não vão aguentar o que ainda vem pela frente.
   A americana, que por coincidência era a mais nova do grupo, sentiu sua pele esquentar e o solo dar uma pequena tremida. Respirou fundo, tentando manter sua sanidade estável, ao menos. Calum, que entendia bem sua situação, se aproximou dela, pondo a mão em seus ombros, como se quisesse alertá-la, mas ao mesmo tempo dar forças à adolescente.
   — Aguente firme, pirralha, não queremos que você cause outro terremoto... — falou brincalhão.
   Às vezes controlar os quatro elementos tinha lá suas desvantagens. A garota continuou seguindo em frente, tentando esfriar a cabeça. Se tinha alguma coisa que não suportava era reclamações sem sentido. Sinceramente... sua paciência era mais curta do que as saias que as garotas atualmente usavam.
   Em silêncio caminharam por mais duas horas. Já estava escurecendo, o que tornava a floresta mais assustadora ainda.
   Celiny já ia anunciar que desistia, mas então viu que eles finalmente tinham chegado a um lugar. Bom, a cidade em que eles estavam era realmente vazia, mas esse lugar no qual se encontravam — no meio da floresta — era pior. Contudo, lá estava: uma grande e bela casa, parecendo abandonada, mas ainda sim uma casa.
   Era como uma miragem. Não parecia real. Nem Michael acreditava! Estava há tanto tempo sem ver uma que quase chorou. Saiu correndo, com os outros o seguindo.
   — Está trancada! — anunciou.
   Calum deu um sorriso atrevido, passando pela francesa jogando charme, como sempre.
   — Deixe comigo, minha linda. Quebrar coisas é minha especialidade.
   Quebrou a porta, facilmente. Só tinha dado um empurrão e ela já estava ao chão, estilhaçada. Sorriu para si mesmo, satisfeito por estar aperfeiçoando seu poder de superforça a cada dia mais.
   — Nossa...
   — Se achou isso legal, Francesinha, me convide para passar uma noite com você. Sou ótimo em quebrar camas também. As garotas adoram.
    rolou os olhos, mas um sorriso permanecia em seus lábios. Céus, aquele garoto não tinha jeito, mesmo. Michael apenas observava tudo ao longe, com uma careta de desgosto no rosto.
   Todos entraram na casa em estado de alerta e começaram a vasculhar, esperando encontrarem alguma coisa no mínimo horrível.
   A bússola tinha parado de brilhar, revelando que aquele era o destino final.
   Lembrou-se de Joel contanto mais sobre o interessante objeto.
   “— Reza a lenda que a bússola não é desse mundo, mas sim de outro. Um completamente diferente do nosso. Bom, no final das contas, nem tanto. A lenda diz que ela nunca o levará para onde quer ir, mas sim aonde precisa estar.”
   — Acharam alguma coisa? — perguntou vasculhando as gavetas, um pouco incomodada pela quantidade de pó naquele lugar.
   A casa era grande. Muito espaçosa de um jeito bom. Por alguma curiosidade, ela continuava com a decoração toda no lugar. Nada tinha sido tirado dali, o que denunciava que os donos do recinto tinham saído às pressas, por alguma razão desconhecida. Depois que todos pensaram nisso, o clima ficou mais pesado.
   Havia dois andares. No primeiro piso estavam , Derek, Peter, Celiny, e Frida. Já no andar de cima se encontrava , , Luke, Ashton, Michael e Calum.
   Como previsto, só havia quartos. Eles eram pouco enfeitados, como se os moradores não se permitissem a se apegar ao lugar, Ashton reparou com pesar. Provavelmente se mudavam constantemente, pensou.
   Viu um bilhete no chão escrito com a caligrafia bonita, o que denunciou que havia sido mesmo um pensamento ou desabafo e não um conselho ou recado.
   Nele continha a seguinte mensagem:
   “Você não pode ajudar o que não há salvação.
   Não me refiro a apenas uma pessoa.
   Refiro-me ao mundo.
   Nós estamos todos perdidos.
   Estamos, no fim, todos mortos.”

   O garoto largou a pequena folha, com o cenho franzido. Era um pouco triste pensar daquele modo. Finalmente tinha entendido, todavia. Conseguira captar a amargura nas palavras, a desistência, a conformação. O autor daquilo havia perdido seu bem mais precioso: a esperança.
   — Às vezes eu penso a mesma coisa. Se estamos destinados a um fim cruel, por que insistimos em continuar a lutar? Por que batalhamos empenhados em ganhar, sabendo que no fim vamos perder?
   Ashton tomou um susto ao ver ao seu lado, pensativa, ainda encarando o bilhete em suas mãos. De onde ela tinha surgido? Aquilo não importava, entretanto. Ao ver que ela esperava uma resposta, ele pensou a respeito.
   — Hm, pois o ser humano é masoquista? — Arriscou.
   Ela sorriu verdadeiramente.
   — Acho que é mais do que isso. Como essa pessoa diz, todos estarão mortos no fim. Por isso, acho eu, que não temos nada a perder.
   — Não. Acho que é a esperança falando mais alto.
   — Por mais difícil que seja acreditar, algumas pessoas não tem isso, Ashton. Esse é um sentimento que alguns deixarem de ter a algum tempo... — murmurou baixinho.
   — Você está errada, .
   — Como disse?
   — Eu disse que você está errada. A esperança faz parte de nós. Alguns têm mais, outros menos, mas ela sempre está lá, em todo canto, no nosso interior, viva. Às vezes adormece, mas continua ali. Ela é quem nos move diariamente, . É o nosso combustível invisível. Você luta por um futuro melhor, mesmo que isso pareça impossível de acontecer. Você continua jogando o jogo, pois sabe que ele pode virar a qualquer momento, mesmo que seja difícil. Tem todos os motivos para desistir, mas por alguma causa resolve ficar, continua seguindo em frente. Ouve a razão gritando em sua mente, mas sempre escolhe o coração.
   Ele olha de soslaio para ela, vendo que a garota continua petrificada enquanto ouve as palavras dele. Vê que é a hora de parar, mas não consegue.
   — Você acredita, — aproxima-se dela. — Você tem esperança.
   O garoto se aproximou mais dela, até que ficassem cara a cara. Ele queria dizer mais, queria fazê-la enxergar o que era complexo para ela e tão nítido para ele.
   Será que a americana não enxergava que o futuro de milhares de pessoas dependia deles, mesmo que a maioria não soubesse disso?
   Aproximou-se mais, falando por fim em seu ouvido:
   — Você é a esperança.
   Ela continuou ali, parada, encarando seus olhos avelãs, como a garota mesmo tinha denominado. Um sorriso se espalhou por seu rosto e sem se dar conta ela o abraçou forte, resolvendo não pensar muito.
   — Você me surpreende cada vez mais... — ele sussurrou correspondendo o gesto.
   — Digo o mesmo para você, Irwin. Continue assim, gosto de surpresas.
   Ele a olhou, cheio de dúvidas.
   — Achei que as odiasse.
   Ela deu um sorriso maior ainda, afastando-se.    — Toda regra tem uma exceção. E você é a minha.
   Sem dizer mais nada, saiu do quarto, deixando o pobre garoto confuso. Não estava entendo mais nada, realmente. Continuou vasculhando o cômodo, mas não se concentrava mais em sua tarefa. Agora tudo que conseguia pensar era em uma pessoa...
   Na verdade, em uma garota explosiva que a cada dia mais estava acabando com sua sanidade — ou o que restava dela.

   Derek deu um suspiro infeliz ao ver tanto pó. Aquele cenário lembrava o velho depósito da Base Secreta, seu pior pesadelo. Não aguentava mais ler papéis sem utilidade e muito menos encontrar aranhas nos cantos. Era desanimador, realmente.
    estava ao seu lado, lendo revistas antigas que estavam em uma cesta ao lado do sofá. Aquilo era de anos atrás. Noticias que chegavam a ser até mesmo mais velhas que o próprio médico. Não que ele fosse um idoso ou qualquer coisa do tipo, muito pelo contrário, era jovem, mas deu para pegar a mensagem, certo?
   Ele olhou para a garota, irritado. Era injusto ele ter que ficar matando aranhas enquanto ela lia fofocas da idade média.
   — Aceita um chá ou um biscoito, Belikov?
   A russa estava tão entretida que nem ao menos percebeu o sarcasmo evidente em sua voz.
   — Obrigada, Derek. Seria ótimo.
   O médico grunhiu, irritado, se afastando logo depois de matar outra aranha. Era totalmente irritante. Quis botar fogo naquelas manchetes e matar , mas se conteve. Precisava ter calma. Ele cuidava de vidas e não as tirava das pessoas.
   Seguiu em frente, cada vez mais nervoso.
   — Você estuda arduamente por anos para acabar assim... — murmurou para si mesmo ranzinza.
    estava sentada no sofá de couro folhando um livro qualquer, tentando ver se tinha alguma coisa interessante ali. Era um exemplar de Romeu e Julieta, mas não qualquer um e sim uma das primeiras edições. Checou cinco vezes para ter certeza. Aquilo ali devia valer tanto dinheiro que ela quis chorar. Conteve-se, todavia. Continuou folhando com cuidado, já que era tudo muito frágil, até que uma folha solta caiu. A garota, com pesar, a pegou, já pensando em como ia colar de novo, até que notou que ela não fazia parte do livro, mas que era uma mensagem solta.
   A garota leu e sentiu seu coração se encolher com o amor nas palavras. Era mais que um recado, era uma declaração de amor. Com cuidado pousou o livro em cima da lareira, com o bilhete preso embaixo para não voar. Resolveu vasculhar os outros armários.

   Todos estavam reunidos novamente na sala. O andar de cima tinha sido um fracasso total: nada de útil. Queriam chorar pela perda de tempo que haviam gastado, mas aguentaram firme. resolveu perguntar de novo, inconformada com aquela falha deles.
   — Ninguém realmente não achou nada? Nenhuma coisa que pareça ser importante? Uma informação? Uma frase...?
   Cada um refletiu um pouco. Luke tinha achado apenas um diário, mas ele tinha sido queimado, o que o tornou como um nada. Derek só encontrou, infelizmente, aranhas malditas. Celiny havia achado duas lagartixas, somente. Peter algumas contas, descobrindo apenas o ano em que as pessoas viveram naquela casa, mas já tinha dito essa informação a eles. Frida só tinha a dizer algo sobre os donos da casa: as roupas deles eram horríveis, pelo que ela havia visto na área de serviço. havia achado o bilhete romântico, mas aquilo de nada adiantava. e Ashton uma mensagem depressiva, apenas. , Calum e Michael não tiveram nem essas pequenas sortes. Foi aí que os olhos de brilharam.
   Sim, ela tinha encontrado algo importante.
   No meio das revistas havia uma folha solta, provavelmente caído na cesta sem querer de algum modo. Fazia parte de um arquivo. Não parecia ser nada demais no começo, mas olhando agora o nome parecia familiar...
   — Eu acho que achei.
   — É? — Luke perguntou esperançoso. — O quê?
   A garota engoliu em seco por ter todos os olhares em cima dela, mas continuou em frente.
   — A Geração da Vitória significa algo para vocês?

III.


“Não podemos escolher de onde viemos, mas podemos escolher para onde vamos.”
— As Vantagens de Ser Invisível.
1990


   Johanna Clifford sempre fora uma menina quieta. Era tímida, simplesmente não conseguia puxar papo com outras pessoas, por mais que quisesse. Não tinha amigos, oh, não mesmo. Ela era muito sozinha — em todos os aspectos.
   Não precisava de nada daquilo mesmo. Ela tinha seu bom e velho discman, com todas aquelas variedades de músicas que de alguma maneira a entendiam. Ela se sentia melhor assim, por mais que parecesse estranho.
   O fato é que pessoas em geral a cansavam. Eles não a entediam — e ela não os culpava.
   — I hate to look into those eyes…
   Ouvia suas músicas no volume máximo, o que era mais um motivo para a chamarem de estranha, mas ela não se importava. Nunca se importou.
   —… And see an ounce of pain.
   Seu sorriso aumentava a cada verso, a cada batida e a cada acorde. Céus, como ela amava aquilo. A música, para ela, era tudo. A garota queria sair cantando pelo corredor, dançando sozinha mesmo, já que ninguém se dava ao trabalho de convidá-la.
   Diferente de todas as garotas dali, ela era a única que não ia ao baile da véspera de natal. A única que não ia nem ao menos a ceia. Ficaria sozinha em seu quarto, ouvindo uma trilha sonora mais depressiva ainda apenas para entrar no clima.
   Ela gostava do natal. Gostava da sensação que se instalava no ambiente e da neve. O problema não era com aquela data, especificamente.
   O problema era a droga do ano inteiro, ainda mais por causa de todas as pessoas daquele lugar que não colaboram em tornar seus dias melhores.
   Notou que seu fone falhava e, com um suspiro, resolveu pegar outro no depósito. Não tinha escolha, já que não suportaria passar aquela noite especial sozinha sem sua melhor companhia: a música. Desfez o seu caminho para o quarto, indo até aquele lugar imenso. Qualquer um em sã consciência teria certo medo, ainda mais por os corredores estarem vazios, mas Johanna não era lá muito normal.
   Estava acostumada ao silêncio, a penumbra e ainda mais a solidão.
   Abriu as portas pesadas do depósito, caminhando por ali tranquilamente. Ia até lá quase todo dia, era praticamente seu esconderijo, sabia andar por lá de olhos fechados. Foi ao setor dos fones, até que ouviu algo, fazendo-a paralisar de imediato.
   Parecia uma voz. Na verdade várias, todas sussurros. Engoliu em seco, começando a sentir medo. Quer dizer, quem estaria ali àquele horário? Nada mais pôde ser ouvido e ela ficou aliviada.
   — Que boba você, Johanna... — riu sozinha.
   Pegou o fone da grande pilha, resolvendo sair dali o mais rápido possível, até que ouviu de novo. Era uma voz, ela não estava louca. O pior de tudo é que era familiar.
   Vinha do fundo do lugar, na parte mais escura. Vá embora, seu cérebro ordenou, agora mesmo!
   Não, rebateu a curiosidade, não ligue para ele. Siga em frente, Johanna. Viva um pouco. Você quer isso. Você precisa disso.
   Sem hesitar, foi até o local, discretamente, sem ser vista, sempre por trás das prateleiras.
   — Você enlouqueceu? Sinceramente, Robert, só pode ser isso!
   — Pense comigo, é genial!
   — Genial? Genial? Sinto lhe dizer, Hemmings, mas a única coisa genial vai ser minha mão na sua cara!
   Ela reconheceu a voz cheia de fúria. Era Angelina, a garota que manipulava a dor. Engoliu em seco, tentando ver os outros, já sabendo que Robert Hemmings também estava entre eles.
   — É sério! Ninguém vai esperar um ataque no meio da noite. Não da para nós perdermos! Todos os guardas e agentes vão estar bêbados ou ocupados demais para reagir de imediato. Eles querem uma festa épica! E é isso que daremos a eles, simples assim.
   — Robert, o que você está dizendo é completamente... — Jean suspirou fundo. — Eu não sei nem o que falar.
   A mulher escondida nas sombras sorriu ao ouvir a voz do francês. Sempre teve uma grande simpatia por ele.
   — Pessoal, vocês não conseguem notar que agora é a nossa chance? Não teremos outra igual a essa! Oportunidades e oportunidades...
   — Estou com o chefe — Monish quebrou o silêncio, sorrindo para si mesmo. — Se querem mesmo ganhar, acho que hoje é um bom dia para isso.
   — M-mas... — Angelina tentou argumentar.
   — Os argumentos de Robert são válidos.
   A mulher engoliu em seco por ter Monish contra ela. Quer dizer, o homem era o mais inteligente do lugar. Todos o respeitavam, inclusive ela.
   — Tudo bem. Se Monish acha que tomar o controle da Base é a coisa certa a se fazer, então, bom, acho que é mesmo.
   — Por que você só acredita quando ele diz isso? — Robert resmungou ferido.
   — Ora, cale a boca.
   Jean os olhou sem reação, até que começou a pensar melhor. Seu amigo estava certo, era um plano arriscado em partes, mas tinha chance de dar certo. Eles eram em pouco, realmente, mas o francês, além da visão a laser continha o poder de duplicação. Podia ter milhares de cópias suas, o que formava facilmente um exército. Menos um problema. E ele estava pronto para isso.
   Provavelmente haveria mortes. Muitas.
   Contudo, elas sempre aconteceriam, não é?
   Além do mais...
   Sacrifícios são necessários.
   — Estou dentro — comentou receoso.
   Johanna não conseguia acreditar. Como eles ousavam? Ela não era fã número um daquele lugar, mas haviam acolhido todos eles! Davam comida, cama e conforto. Agora, os ingratos, queriam se rebelar? Era inadmissível.
   Sem conseguir se segurar, ela já estava na frente deles, com os olhos arregalados e, com toda coragem que tinha, disse:
   — Vocês não vão fazer isso. Eu os impedirei.
   Todos eles a olharam, chocados. Robert franziu o cenho, demorando alguns segundos para reconhecê-la. Ah sim, a garota que cura tudo e todos, a compreensão se espalhou em seu rosto.
   — Johanna? — Angelina perguntou incrédula.
   — Sei o que planejam! Eu ouvi tudo! Isso é algum tipo de revolução? Uma espécie de motim? Onde está à gratidão de vocês? Pior ainda, hoje é véspera de natal! Um dia que só deveria haver alegria e vocês querendo manchá-lo de sangue...
   — A cor da data é vermelha mesmo, nem vai destoar! — Robert falou sorrindo sarcástico, por fim levantando as mãos em sinal de rendição. — Oh, sim, desculpe, piada de mau gosto.
   A garota o ignorou, com os nervos a flor da pele. Ela sentia medo por eles estarem em maior número — fora que eram muito poderosos. Seu poder era ridículo comparado aos dos colegas. Johanna não passava de uma formiga ao lado deles.
   — Eu vou contar tudo a todos. Sou uma boa corredora. Chegarei ao salão e espalharei o plano de vocês antes que coloquem em ação.
   — Você não ousaria... — Angelina perguntou raivosa. — Ou sim?
   Eles não a conheciam. Nunca fizeram questão de conhecer. Sentiu-se, de repente, feliz por ser invisível. Era um grande poder ninguém saber sobre ela, justamente por isso: ela podia sem quem bem entendesse. Durona, sensível, amável, rude... Tinha tantas opções!
   Ela escolheu uma que gostaria realmente de ser: forte.
   — Sim, eu ousaria. — Desafiou firme, mas tremendo por dentro.
   — Não queremos machucá-la, Johanna, mas se você não colaborar, seremos obrigados a fazer isso...
   Lorenzo, que até então se mantinha quieto, fez um sinal para todos se calarem. O homem parecia sério. Irritado, na verdade. E era estranho vê-lo assim, já que sempre foi um dos mais bem humorados do grupo.
   — Não é preciso se preocupar, pois ninguém tomará o controle de nada. Não hoje.
   Robert olhou para o melhor amigo sem reação. Angelina botou as mãos na cabeça, surtando, enquanto Jean encarava o chão, pensativo. Monish, como sempre, apenas observava tudo calado.
   — Como é, Colasanti? — gritou a mulher, assustando Johanna ali perto. — Posso saber o motivo?
   — Simples: se nós fizermos isso hoje, todos nós morreremos...
   — Sacrifícios são necessários! — Robert explodiu. — Achei que tivéssemos concordado com isso...
   — Depende do que é sacrificado — falou seco. — Sua vida? Bom, é sua escolha. Contudo, e se eu dissesse estaremos arriscando mais do que isso?
   — Dê um exemplo. — Pediu Monish, curioso.
   O italiano sorriu para si mesmo ao ver as expressões de raiva dirigidas a ele, mas o homem não ligava. Tudo tinha seu tempo. E aquele não era o deles.
   — Seus filhos.
   Angelina, estourada do jeito que era, abriu a boca para contestar, incrédula. Ele a conhecia tão bem que já sabia suas palavras. Nós nem temos filhos, ela diria.
   Sim e, pelo jeito, nunca irão ter, ele queria responder.
   Porém, antes que essas falas acontecessem ele resolveu poupar saliva e tempo.
   — O amanhã — continuou listando.
   Johanna o olhava com os olhos arregalados. Parecia tão assustada que ele chegou a ter pena. Robert como sempre, o olhava de forma diferente. Finalmente conseguia compreender o que estava acontecendo ali. Monish a mesma coisa, visto pelo modo como sorria.
   Por fim encarou um a um, antes de listar o último exemplo.
   — O futuro.
   O homem se aproximou mais do grupo, tentando irradiar poder e sabedoria. Poucos o respeitavam, pois ele estava longe de ser o mais dedicado ou inteligente. Só que ninguém podia negar... o italiano, quando falava sobre tempo ou futuro, sempre tinha razão.
   Pois esse era o seu poder.
   Lorenzo Colasanti podia viajar no tempo.
   — São esses itens e muito mais que iremos sacrificar. Mesmo assim vocês insistem em continuar? Eu vi, sabe. Vi o futuro.
   — E o que há nele? Realmente vai ter uma batalha? — Jean perguntou ansioso.
   — Sim, vai — olhou para baixo, evitando encarar certa pessoa que estava no ambiente.
   — E nós venceremos, certo?
   — Às vezes, Robert, os finais felizes não são os que permanecem no final. Por isso nunca podemos contar com eles...
   — Isso é ridículo! O futuro ainda não existe. Não quando o presente está acontecendo agora.
   — Você está errada, Angel. O futuro está acontecendo nesse exato momento. Parece impossível, mas é verdade. E eu posso provar.
   Ela continuou firme, irredutível.
   — Não acredito em você.
   — Ora, não diga que eu não avisei.
   Os olhos de Lorenzo ficaram mais brilhantes que o normal, realçando mais ainda a cor azul neles. O chão, lentamente, começou a vibrar, alertando a todos. A cada segundo o tremor aumentava, fazendo todos caírem, menos o italiano. O depósito desaparecia aos poucos, até que tudo em volta deles havia ficado branco e, então, várias imagens começaram a passar tão rapidamente que não dava para ver nenhuma delas.
   Johanna se arrependeu por ter se metido naquilo tudo. Caramba, ela devia ter ido para o seu quarto com o fone quebrado, mesmo, e curtir seu natal solitário. Bem feito, intrometida!, disse mentalmente para si mesma.
   Jean estava pasmo e, claro, fascinado também. Encarava tudo ao redor dele sem ter o que pensar. Era tão impossível que chegava a ser maravilhoso. O homem era bem mente aberta, uma de suas melhores qualidades.
   Angelina teve que botar o orgulho de lado e notar o quanto aquilo era maravilhoso. Eles estavam viajando no tempo, meu Deus! Era tão surreal. Monish, ao seu lado, ainda estava ao chão, parecendo em êxtase.
   E Robert...
   Oh, Robert.
   Bom, ele ainda estava processando as informações. Sempre soube que o melhor amigo possuía aquele poder, mas não tinha conhecimento de que ele explorava o futuro. O italiano nunca contava a ele, ao menos. E deveria, certo? Os dois eram praticamente irmãos!
   Tudo parou e, lentamente, o branco voltou, antes de a verdadeira imagem aparecer. Era uma cidade pequena, repararam de cara. Dava para notar só pelo modo de vestimenta e de como as pessoas tratavam uma as outras.
   — Bem vindos ao futuro, meus caros! — O italiano saudou, satisfeito.
   — O-onde nós estamos? — Johanna perguntou, branca.
   — Oxfordshire, Inglaterra.
   Todos continuaram a observar a paisagem. Era realmente muito bonito o lugar. Todo verde, bem conservado, com casas simples, mas aconchegantes. A neve caía até ali — Robert reparou com tristeza.
   — Ano...? — Monish indagou encantado.
   — 2015.
   — Nossa... — Angelina falou engolindo em seco. — O que as pessoas estão segurando?
   — Celular. — Lorenzo respondeu. — Ele evoluiu muito da nossa época para cá. Estão vendo aquilo ali, na vitrine? Bom, é uma televisão.
   — Mas ela é fina!
   — As coisas mudam. — deu de ombros. — Agora, andem! Não temos muito tempo.
   — O que faremos?
   — Nada demais, apenas iremos visitar algumas pessoas muito especiais que, infelizmente, alguns não terão a chance de conhecer.
   Ele continuou seguindo em frente, decidido. Talvez estivesse fazendo a maior burrada de sua vida, mas ele não ligava. Sabia o que tinha acontecido a alguns dos seus colegas e só Deus sabia o quanto era difícil agir como se não soubesse. Afinal, ele não podia mudar certas coisas. Aprendeu com muito esforço que não podia brincar com o tempo.
   — E quem são esses? — Robert, seu melhor amigo, perguntou.
   Lorenzo sorriu, pela primeira vez no dia se sentindo feliz.
   — Eles têm muitos nomes, mas vamos chamá-los de heróis do amanhã.

IV.


“Como a maioria dos sofrimentos, esse começou com uma aparente felicidade.”
— A Menina que Roubava Livros.

2015

   — Você sabe que isso é ridículo, certo? Quero dizer, são árvores. Todas elas são iguais.
    estava devidamente agasalhada agora, tentando não morrer de tédio enquanto escolhia uma árvore de natal com seus amigos para enfeitar a casa. Ordem de Deville, claro, de quem mais seria? Segundo ela, era uma tradição.
   Tudo que realmente queria fazer era dormir.
   Francamente, havia coisa melhor que isso?
   — Na verdade, você sabia que...
   A russa fechou os olhos ao ouvir a voz de Ashton, logo se amaldiçoando por não ter previsto aquilo.
   — Oh, lá vamos nós de novo. — murmurou desolada.
   —... existem muitas espécies de árvores? Uma mais linda que a outra, algumas até com mais funções. A mais alta do mundo, por exemplo, se chama Hyperion. Joguem no google, é uma beleza!
   Calum, ali perto sentado na neve fofa, cansado de andar, olhou para Ashton, bufando.
   — Alguém cancele a assinatura do Discovery Channel desse menino, por favor!
   — Muito engraçado, Hood, mas nunca devemos ficar cansados quando o assunto é aprender mais. Nossos cérebros precisam de estimulo. Por falar nisso, vocês sabiam que...
   , delicadamente, pousou sua mão na boca dele tampando-a. Os dois colegas a olharam agradecidos como nunca.
   — Hm, deixe para lá, Ash.
   O garoto deu um suspiro desanimado ao ver Frida se afastar dele, provavelmente estranhando seu lado nerd totalmente radical.
   — Céus, ela me odeia.
   — Por que será, não é mesmo? — Calum falou baixinho para si mesmo, mas Ashton tinha escutado.
   — Todos vocês odeiam tanto assim as curiosidades que eu digo?
   — Também não é para tanto, mas... — fez uma expressão culpada.
   — Sim, todos nós. — Calum a cortou.
   — gosta! — Defendeu-se.
   — Estamos falando aqui de seres normais, Irwin. não bate bem, todos sabem disso. Não sei como ela ainda não meteu um soco na sua cara de sonso.
    se aproximou do mais velho, botando uma de suas mãos em seu ombro, tentando dar algum consolo a ele — sem sucesso.
   — Não nos leve a mal, Ashton, mas é irritante.
   O garoto assentiu, chateado, prometendo a si mesmo que começaria a se policiar quanto a isso. Era só que... Bom, ele não conseguia se controlar. As palavras eram tão naturais a ele que saíam sem sua permissão. Ali perto estava Peter discutindo com um vendedor, tentando fazê-lo abaixar o preço da árvore, mas o homem se mantinha irredutível, o que estava começando a irritar o herdeiro.
   — Cem libras ou nada feito.
   — Você tem noção do dinheiro que está pedindo? Isso é um assalto sem arma!
   — Como eu falei antes, é isso ou nada.
   — Certo, você é quem sabe.
   Ele se afastou daquele velho repugnante, com rancor por não ter conseguido o que queria. Como aquele homem ousava cobrar aquele preço por uma mera árvore? Peter tinha cara de idiota, por algum acaso? Tentou, a todo custo, não perder a classe.
   — Irwin! — Chamou furioso.
   — Sim?
   — Faça o homem abaixar o preço para cinco libras. Eu até falaria cinquenta, mas ele não merece isso.
   O pobre garoto arrumou seus óculos, nervoso. Sentia-se intimidado na presença do mais velho. Ele parecia exalar poder, tanto que chegava a ser gritante.
   — Não sei se é uma boa ideia... — engoliu em seco.
   Ashton odiava seu “dom” com todas as forças. Ele sabia o quão era poderoso, mas chegava a um ponto que era nada mais e nada menos que: abominável. O garoto obrigava as pessoas a fazerem certas coisas contra a vontade delas. Havia algo mais desumano?
   — Não pedi sua opinião, apenas ditei uma ordem. Agora, .
   Ele foi.
   Olhou novamente para o dono do estabelecimento, provavelmente ali na neve desde cedo, trabalhando duro para voltar no fim do dia, cansado. Era um senhor no fim da vida, já. Não usava aliança, o que provavelmente explicava a amargura em seu rosto: a solidão. A culpa começou a corroê-lo antes mesmo de obedecer à ordem, mas sentiu uma mão pequena agarrar a sua, puxando-o para trás.
   Com o coração acelerado, notou que era Frida.
   Ela parecia irritada. E linda, ele pensou apaixonado.
   — Deixe o garoto, Edwards! Ele não fará nada que não quiser. E, pelo rosto dele, é contra a sua ideia.
   Peter suspirou fundo, começando a perder o controle que tentava com tanto afinco manter. Sempre procurava se controlar ao máximo, mas às vezes simplesmente não dava. Encarou a garota a sua frente, toda bem vestida, com roupas de primeira linha, achando que mandava em alguma coisa. Sentia pena da mulher enquanto imaginava o quão bem suas vestimentas ficaram manchadas com o próprio sangue da ruiva.
   — Ora, ruivinha... Não me desafie.
   — Não estou desafiando, Peter. Estou ordenando. — sorriu cinicamente. — Eu mesma irei pagar as cem libras, sem problema. Só pare de atazanar o garoto.
   Sem dizer mais nada puxou Ashton para trás, indo em direção ao caixa, enquanto Peter estava no mesmo lugar, estarrecido. Os outros observavam a cena de longe, preocupados.
   Quando pensou seriamente que Peter ia matar Frida, ele apenas andou para longe, provavelmente tentando controlar a raiva — a russa a sentia e ela estava em alto nível.
   — Aqui, senhor. Cem libras. Peço desculpas pela inconveniência do meu colega.
   Ele finalmente sorriu.
   — Obrigada, jovem. Tudo bem, você sabe como é... Adolescentes!
   Ela sorriu, assentindo quando ele acrescentou que poderiam escolher qualquer árvore. Para irem embora dali rápido, escolheram a primeira que viu. Todos entraram em acordo. Calum, por causa da superforça, foi o que a carregou em direção ao carro, com facilidade.
   — Frida... E-eu, hã, quer dizer, obrigado.
   A ruiva sorriu para ele enquanto entrava no automóvel.
   — Não me agradeça, Ashton. Agora se tiver uma próxima vez, você já sabe o que fazer.
   Todos eles tinham combinado de se encontrarem com os veteranos, Derek e Celiny no centro, onde eles estariam os esperando. Peter se juntou a eles, calado. E, com Ashton no volante, eles seguiram em frente, quietos.

   Era véspera de natal. Dava para sentir a animação de todos, junto com as risadas e a celebração já adiantada. A cidade era pequena, mas o centro estava cheio. Eles logo se separaram ao verem que os outros não estavam lá. Frida foi ver as roupas dali, Peter desapareceu, Calum foi a uma loja de doces com enquanto Ashton tinha ido à de games.
   E lá estava , sozinha na cafetaria, tomando um chocolate quente observando a neve. Gostava dela, estava acostumada, já que em seu país era algo tão natural.
   Botou a mão no vidro um pouco embaçado da janela fazendo um coração com o dedo, lembrando de quando era criança.
   Foi aí que viu um carro estacionar do outro lado da rua. Finalmente eles tinham chegado. Derek e riam de uma maneira exagerada, logo entrando no pequeno supermercado, seguidos por Michael e , de mãos dadas. E logo atrás estava Celiny, provavelmente reclamando no ouvido de Luke. A russa se encolheu não querendo ser vista ao notar que ele olhou em sua direção.
   Ele logo sumiu pela porta do estabelecimento também.
   — Um dólar por seus pensamentos. Oh, merda, estamos na Inglaterra. Por uma libra, quero dizer.
   A russa, ainda com o cardápio ao lado da cara, olhou para homem parado a sua frente, quase caindo da cadeira ao ver o rosto dele. Bom, ela esperava alguém esquisito, já que esse tipo era o único que falava com ela freqüentemente, mas em vez disso...
   — Certo, nada de libras para a senhorita. Posso me sentar aqui? A cafetaria está cheia.
   Não tinha mais ninguém ali a não ser eles e a garçonete.
   Mesmo assim, a russa assentiu com a cabeça, em choque.
   Bem-humorado, o homem se sentou, observando a paisagem. A russa reparou o quanto ele era bonito. Lindo, na verdade. Tinha os cabelos negros e os olhos azuis como o céu, ressaltando o contraste com a pele branca. Seus traços eram perfeitos, como se ele realmente tivesse sido desenhado à mão por um artista muito talentoso. E, com felicidade, parecia estar na faixa dos vinte.
   Ele lembrava a alguém.
   — Qual é o seu nome?
   — ... — murmurou encabulada.
   — O meu é Robert, é um prazer conhecê-la.
   — Hm, certo.
   Ela não diria a mesma coisa sobre si mesma. O prazer era todo dela, para ser sincera. Conseguia sentir suas bochechas esquentando. Por que aquele homem falava com ela? Simplesmente não fazia sentido. Será que ele pediria um favor? Só isso mesmo para alguém tão bonito articular com ela.
   — São seus amigos? — apontou para lá fora, onde Luke gargalhava na companhia de Michael.
   — Mais ou menos. É complicado.
   — Você sabe qual é a melhor parte de desabafar com um estranho?
   Ela negou com a cabeça, desconfiada.
   — É que você nunca mais irá vê-lo! — falou triunfante. — Vamos lá, menina. Eu sei que você precisa desabafar. É o seu namorado, hein?
   — O que? Luke? Não!
   Robert olhou para Luke, com os olhos brilhando.
   — Então esse é o nome dele. Luke. — a palavra soou bem em sua boca, como se estivesse certa.
    não tinha reparado em nada disso, continuou encarando o loiro ao longe, logo bufando.
   — Ele é um idiota, não vale a pena, vai por mim.
   — Como disse?
   — Luke. Ele é um completo babaca. Trata todos mal.
   — Ele parece ser um bom menino. — defendeu.
   — Mas não é.
   — Talvez tenha dificuldades em expressar sentimentos, apenas. Eu sou assim também. Por favor, não o julgue tão severamente.
   — Acho que é mais do que isso...
   A russa deu um suspiro desanimado, ainda encarando Luke ao longe.
   — E você gosta dele.
   — Eca, não.
   — Não foi uma pergunta.
    fechou os olhos, irritada. Será que todos os homens bonitos eram idiotas assim? Se levantou da cadeira, nervosa, pronta para ir embora. Não era obrigada a aturar um estranho (mesmo que fosse bonito), dando palpites em sua vida.
   — Sabe, , acho que eu e ele não somos os únicos a não saber lidar com nossos próprios sentimentos.
   A russa praticamente rosnou ao ir embora. Robert ficou lá, observando a cena ainda encantado. Então o nome do seu filho era Luke. Ficou analisando o menino que gargalhava sem parar. Eles eram parecidos na aparência. A cor do cabelo mudava, mas de resto... Tentou, com amor, achar alguma semelhança do garoto com Kelsey.
   Sentiu logo uma presença ao seu lado. Já sabia quem era.
   — Eu sei que você disse para não termos contato direto, mas...
   — Mas você não me escutou, como sempre. Porra, Robert! — Lorenzo gritou furioso. — Quer ferrar tudo? Se eles nos reconhecerem... Meu Deus! Pode não parecer, mas o tempo é muito sensível. Uma atitude errada e muda tudo.
   — Eu só falei com , que por falar nisso é encantadora, e não com Luke. Portanto... foi contato indireto.
   O amigo se sentou ao lado dele, exausto.
   — Vejo que já reconheceu seu filho, então.
   — E como não poderia? Ele é a minha cara!
   Então era assim que todos se sentiam ao ver o filho nascer? Foi como ele se sentiu: aquela emoção arrebatadora, uma felicidade que, até então, não havia experimentado. Uma ligação forte, como se nada ou ninguém pudesse destruí-la.
   — Como se sente em relação a isso? Não vai pirar, certo?
   — É... estranho. Contudo, gosto da ideia. Ele parece ser alguém maravilhoso, só um pouco travado, como eu. Onde estão às qualidades da mãe? Sempre pensei que nosso filho teria os olhos dela.
   Lorenzo paralisou por alguns segundos, olhando estranho o amigo.
   — Rob...
   Mas, antes que terminasse a fala, outra garota apareceu na cena. Ela era linda. Nova ainda, uma adolescente — parecia ser a caçula do grupo. Olhos claros, cabelos castanhos e um sorriso maravilhoso — e familiar.
   Foi na parte do sorriso que ele a reconheceu, já que aquele em questão era seu preferido no mundo inteiro.
   — Ela é...
   — Sim, filha da Kelsey. Jones.
   — M-mas... — Engoliu em seco, parecendo perdido. — Por que você disse só filha dela?
   — Robert, sei que pode ser um baque para você, mas... Bom, acho que como deu para notar, Kelsey e você não ficam juntos no final da história. Eu sinto muito, cara.
   Foi como um pesadelo. Um pesadelo bem real, em sua concepção. Robert se levantou da cadeira, em choque. Ele devia ter ouvido errado. Não podia ser. Quer dizer... Não!
   Olhou novamente para Luke, com atenção. Ele realmente não tinha nenhum traço de Kelsey. E não tinha nenhum traço seu. Nem uma mísera semelhança sequer.
   A verdade o atacou sem piedade. Kelsey e ele não ficariam juntos no futuro, então. E mesmo que o tamanho do amor que sentiam um pelo outro fosse enorme, no final... não importava. Era tão injusto! Não deveria doer, mas doeu. Machucou de uma forma tão cruel que ele desejou nunca ter sabido da verdade. Às vezes viver no mundo da ilusão era bem melhor do que ser lúcido.
   Sem perceber, seus olhos se encheram de lágrimas.
   — Não! Você está mentindo. Ela... Ela me ama, sei que sim! E eu a amo mais do que tudo. Nós nos amamos! É impossível! Como duas pessoas que se amam tanto podem não ficar juntas? — sua voz tremeu de indignação.
   O italiano, o homem percebeu, nunca pareceu tão triste.
   — Às vezes, Robert, o amor não é o suficiente.
   — Pare! Simplesmente pare de mentir para mim!
   — Eu sei que é difícil, cara, eu sei que sim...
   — Preciso encontrar o meu eu do futuro. Preciso saber o que aconteceu, e-eu...
   — Não, você não pode.
   Robert bateu na mesa com força, assustando a funcionária ali perto. Ele estava explodindo. Como, depois de tudo, seu amigo dizia que ele não podia fazer tal coisa? Era o futuro dele! Sua vida! Não podia ficar sentado vendo tudo que amava e que conhecia ser destruído tão facilmente.
   — Você não vai me impedir, Colasanti! — Gritou com ódio. — Não pode esperar que eu olhe meu futuro arruinado e querer que eu fique calado...
   — O que eu estou dizendo é que você não pode falar com o Robert do futuro, pois ele não existe.
   Finalmente aquilo chamou sua atenção. Lentamente o homem parou de andar, se virando para o melhor amigo. Lorenzo parecia devastado, mas também aliviado, como se tivesse tirado um peso de seus ombros.
   — Você morreu em 2005. Em um beco qualquer, com uma bala cravada no peito. Sua mulher também. E Luke estava lá. Ele viu tudo.
   — Não pode ser...
   — Sei que é difícil. Para mim também é. Saber de tudo isso é... como uma morte lenta. Você está aqui agora comigo, mas eu sei que não vai estar mais, um dia. Tenho a certeza disso. E dói. Desde que vi sua cena, são raras as vezes que visito o futuro. Só sei de algumas coisas que não posso revelar.
   — Esse não pode ser o meu destino. E a revolução? O que acontece? E depois?
   — Você vai presenciar tudo isso com seus próprios olhos. Por enquanto será um mistério, como tem que ser.
   — E Luke...
   — Tornou-se uma pessoa forte. Ganhou amigos para a vida inteira. Uma nova família.
   — Então... ele ficará bem, certo?
   — Ele é um Hemmings. Ele sempre ficará bem. — comentou com um sorriso, como se quisesse dizer mais.
   — É, você tem razão.
   Engoliu em seco, tentando manter a calma. Lorenzo estava certo... Não tinha muito que fazer quando envolvia o futuro. Ele já estava feito. E, bom, se ele resolvesse mudar isso significaria que Luke não existiria igual à . Incrível mesmo é a diferença que uma pessoa faria deixando de existir. Não afetaria só ela própria, mas sim várias pessoas ao redor, mudando cada detalhe, todo o percurso.
   — Robert...
   — Hm?
   — Faria um favor para mim?
   — Diga.
   — Só se lembre de que a vida, às vezes, age de maneiras estranhas.

   — Então, compraram tudo, certo? Onde estão os enfeites?
   — No carrinho, Deville — Derek respondeu cansado. — Compramos tudo. Comida, enfeite, presentes, fantasias...
   — Esse natal será épico! — Michael gritou feliz.
   — Querido, as pessoas estão olhando. — falou risonha, abraçando o garoto.
   — Desculpe, meu amor. É minha animação falando alto.
   — É, controle-se, Michael. E vocês dois, sem muito açúcar, não quero ficar diabética tão cedo... — a francesa murmurou rolando os olhos.
   Eles chegaram ao caixa, passando os produtos. Foi mais rápido do que imaginaram, felizmente. Aos olhos dos estranhos que passavam curiosos, provavelmente pareciam uma família grande e estranha. Derek empacotava os produtos junto com Calum. Lá fora, brincava na neve com Luke, e Michael — ele não resistiu logo se juntando a eles.
    ia conversando calmamente com a francesa, rindo abertamente sobre uma piada que a mais velha tinha feito. Celiny e Peter voltaram para o carro, resolvendo esperá-los por lá. E Frida ainda comprava roupas para todos os seus companheiros.
   Naquele momento, estava tudo tão bom que parecia que nada poderia os atingir.
   No entanto, a desgraça nunca demora a chegar, infelizmente.
   E, como previsto, dessa vez não foi diferente.

   Angelina não conseguia acreditar. Ainda estava em uma espécie de choque. Não estava conseguindo processar a situação. Jean, como um bom amigo, segurava a sua mão, parecendo estar tenso por ela.
   — Olha, não é tão ruim quanto parece ser...
   — Não deveríamos estar aqui. É errado. O nosso tempo é anos atrás, simplesmente não...
   — Bom, é, mas já estamos aqui, não há o que fazer — Monish a interrompeu sereno. — Resta aceitar.
   A garota colocou as mãos na cabeça, se perguntando como tinha deixado aquilo acontecer. Tudo estava dando muito certo mesmo para o gosto de todos. Johanna estava em uma poltrona observando o lugar, um pouco acanhada. Deveria estar odiando aquele momento, mas era bom ter companhia, só para variar.
   — Onde estão Robert e Lorenzo? Como ousam nos deixar sozinhos aqui e...
   Uma voz cortou o ar gelado da casa e da fala da garota.
   — Calma aí, Parker, estamos aqui. Céus, você vai ficar com os cabelos brancos antes do tempo.
   Ela olhou para o italiano que estava na porta com os braços cruzados e um sorriso irônico no rosto. Ao seu lado estava Robert, cabisbaixo. Ele parecia arrasado, mas do jeito que era jamais se abriria com eles.
   — Más noticias? — Jean perguntou.
   — Nada surpreendente, só confirmei o que sempre suspeitei: a vida é uma merda.
   — Nossa, notícia velha — Johanna murmurou baixinho enquanto analisava um exemplar do Romeu e Julieta em cima da lareira.
   O garoto abriu a boca para responder até ver o que ela segurava. Parecia o destino o punindo de alguma maneira cruel. Sem sequer pensar voou até a garota, puxando o livro de sua mão e o analisando com precisão. Ele sabia que era só um livro — o preferido de Kelsey, mas ainda sim... só um livro — mas sentia que tinha algo a mais ali.
   Verificou de perto, procurando uma pista, até que encontrou um bilhete junto a ele.
   Lorenzo, novamente, estava ao seu lado, sereno.
   — Leia — incentivou.
   Ele assentiu, resolvendo seguir o conselho do melhor amigo — apenas para mudar a rotina. E a carta continha a seguinte mensagem:
   “Sei que você está lendo isso.
   Isso mesmo, eu sei. Espero que sim, ao menos.
   Basta ter conhecimento dessa informação que me sinto bem novamente, já que tem sido dias difíceis sem você.
   E a cada dia piora.
   Realmente, se soubesse a falta que me faz...
   Ia ficar louca, que nem eu estou agora.
   Amo você. Já disse isso, mas nunca vou me cansar de dizer.”

   Ele acabou de ler com uma careta.
   — É uma mensagem de amor.
   Lorenzo parecia se divertir a beça.
   — Isso mesmo, escrita por você.
   — Por mim? Você está brincando, certo? Olhe essa carta! Eu jamais escreveria algo assim! Não faz meu tipo...
   — Exatamente, caro Hemmings. Kelsey, assim que visse, notaria que teria algo errado, já que você nunca fez o tipo fofo. — sorriu. — Repare nos detalhes, seu grande imbecil.
   Robert continuou olhando, leu novamente — duas vezes —, mas não viu nada demais. Era só uma mensagem melosa, como várias que ele já tinha lido ao decorrer da vida.
   O italiano suspirou impaciente, parecendo estar quase decepcionado.
   — Olhe as iniciais de cada frase, que palavra elas formam?
   Novamente ele lê o recado açucarado, contudo, logo nota a mensagem oculta nas entrelinhas. Seus olhos brilharam de entusiasmo.
   — “Sibéria”.
   — Isso mesmo!
   — E isso é...
   — São coordenadas. Não sei se sabem, mas essa casa em que estamos foi um dos esconderijos depois que fugimos da Base. Ficamos aqui por meses. E você, Robert, sempre na esperança de que se um dia Kelsey viesse procurá-lo, deixava uma pista para que ela conseguisse achá-lo.
   Todos processaram a informação, olhando em volta com admiração, tentando desvendar o futuro.
   — Eu volto? Você sabe, hm, para ela...
   — Robert Hemmings, você é muitas coisas, mas com toda certeza é um homem de palavra. É só o que tenho a dizer.
   Ele abraçou o amigo pelo ombro, sorridente, enquanto observava a casa cheia de memórias — que ainda seriam feitas, no caso. Ela estava suja, apesar de terem realizado uma bela faxina ali. Ficaram conversando por alguns minutos até que Monish, em alerta, virou-se para eles de repente, sério.
   — Eles estão chegando.
   — Merda...
   Entreolharam-se, tentando bolarem um plano, qualquer coisa que fosse, mas estava difícil. Jean já ia mandar todos se esconderem quando notou que Monish continuava parado, parecendo quase em pânico, dando a entender que mais más notícias ainda estavam chegando. E ela logo veio.
   — E não estão sozinhos.

V.


“Não se preocupe. As melhores pessoas sempre carregam alguma cicatriz.”
— A Escolha.
2015

    fechou os olhos, cansada. Não havia contado a ninguém, mas durante a caminhada que haviam feito depois da fuga da Base Secreta, bom... Ela tinha se machucado muito, sempre caindo e se cortando nos galhos ou em outros objetos afiados. Fora que havia torcido feio o pulso. É claro que Michael nunca saberia. Não se dependesse dela.
   A garota odiava preocupar os outros. Não tinha necessidade.
   E do jeito que ele era... Bom, capaz de levá-la ao hospital por isso.
   Michael, ao seu lado, puxou-a mais para perto, beijando sua testa demoradamente, enquanto fazia carinho em seu rosto. Ele não se cansava de observá-la.
   — Você tem cara de que gosta do natal...
   — Por que acha isso?
   — Não sei. Talvez porque a data represente felicidade, amor, família e esperança. E tudo isso me faz lembrar você.
   A alemã soltou uma risada curta, não acreditando que tivera a sorte de achar um homem daqueles solto por aí, tão fácil assim. Às vezes tinha medo de acordar e ver que tinha sido tudo um sonho muito bom.
   — Eu gosto do natal, nada contra. Só que eu nunca aproveitei muito bem. Tenho memórias tristes desse dia.
   — Não se preocupe, faremos novas recordações. E muito boas, daquelas que quando você se lembrar, irá sorrir.
   — Juntos?
   Ele encostou sua cabeça na dela, em seguida apertando o nariz dela de leve.
   — E você pensou em ser de forma diferente, mocinha?
    levantou as mãos em sinal de rendição, ainda sorrindo. Ficou encarando o garoto dar mais uma risada e seu coração pareceu acelerar mais. Ela não estava ligando nem um pouco para o fato de estar espremida no banco do carro na parte de trás, ao menos ficava mais perto de Michael. Estava tão concentrada em seus pensamentos que acabou falando em voz alta um deles.
   — Eu sou sortuda em tê-lo. Como as garotas deixaram você escapar, hein?
   — Não foi isso. É só que elas não têm o fator x...
   — O que tem de errado com elas, eu posso saber?
   Michael sorriu discretamente, voltando a olhar a janela, onde toda paisagem não passava de um borrão graças à velocidade que Peter dirigia.
   — É simples.
   — É?
   — Sim.
   — Ótimo, então me conte.
   O garoto olhou para o lado discretamente, onde se encontrava uma adormecida no colo de Luke, praticamente babando. O loiro estava na mesma sintonia, roncando baixinho, arrancando um sorriso de Michael. Peter dirigia distraidamente enquanto Celiny, ao seu lado, ouvia música usando fones de ouvido. O garoto, por fim, aproximou-se mais de , como se fosse contar um grande segredo a ela que iria, praticamente, abalar o seu mundo — no fim, era quase isso.
   — Elas não são Barth.
   A garota começou a gargalhar, não se aguentando, fazendo-o tampar sua boca em uma velocidade impressionante.
   — Shhhh! Não fale em voz alta, as garotas ficarão com inveja.
   — Você é um bobo, Clifford. É o que eu mais gosto em você.
   — Sempre soube que um dia acharia alguém que veria que meus defeitos são, na verdade, qualidades.
   O sono começou a bater nela, de repente. Culpa da neve lá fora que deixava o clima mais sereno. Ajeitou-se no colo de rapaz, fechando seus olhos enquanto perdia a consciência, mas não antes de sussurrar uma frase que fez Michael ficar paralisado por inteiro.
   — É isso que acontece quando eu deixei me apaixonar por você...

***


   — Eu quero tacar fogo em todos vocês! — gritou descontrolada.
   — Péssima notícia, Francesinha: esse poder é o de . Mas relaxe, ela fará isso de bom grado para você. — Calum rebateu sorridente.
    soltou um grunhido, pensando seriamente em ir a pé naquele frio. Qualquer coisa era melhor do que aquela loucura infernal! Na frente ia na direção e Calum ao seu lado, mascando um chiclete sem parar.
   Atrás na janela estava Ashton, em seguida , Derek e na outra ponta Frida. Estava tendo uma briga um pouco séria, já que o médico tinha perdido uma grande quantia de dinheiro — eles não estavam em uma situação que podiam se dar ao luxo de desperdiçá-lo —, acusando aos demais de deixarem tudo em sua responsabilidade.
   — Como você não conferiu o troco ao receber? — Frida perguntou irritada.
   — E por que você mesma não fez isso, Torrini? Oh, é, você estava comprando roupas.
   — Exato e, mesmo assim, não perdi um tostão.
   — Desculpe, está bem? Eu recebi o dinheiro, mas deve ter caído do meu bolso, eu realmente não sei...
   — Você nunca sabe de nada, não é, Derek? É impressionante. E nunca ninguém contesta, já que você é um Trennor! — Cuspiu a última palavra com repulsa.
    olhou para ruiva com certa estranheza. O que tinha dado nela? A calma da mulher havia evaporado de repente. Devia ser aquele aperto no carro que se tornava sufocante a cada minuto mais, enlouquecendo a todos.
   — Não fale assim com ele! — a russa se intrometeu revoltada. — Derek já se desculpou.
   — Quem chamou você na conversa, Belikov?
   A garota abriu a boca, chocada. Certo, quem era aquela e o que ela tinha feito com a verdadeira Frida? Bom, queria que, no fim, as duas se ferrassem.
   — E quem chamou você para vir conosco, para começo de conversa? Que eu saiba você deu uma de intrometida e veio mesmo assim, então cale a boca antes de falar de mim.
   — , não precisa falar desse modo com Frida, tenho certeza de que ela não fez por m...
   Antes que Ashton pudesse continuar, parou pelo susto que havia levado ao sentir o carro brecar com força total, sobressaltando a todos. tirou o cinto, tremendo de raiva, logo se virando para trás.
   — Chega! Eu falei chega! Frida, eu sei que esses dias não estão sendo fáceis, mas eles só vão piorar igual nosso mal humor. Então se controle! Derek perdeu dinheiro, uma grande parte que tínhamos, mas tudo bem, não foi por mal. Daremos um jeito. , não dê corda e, Ashton, digo o mesmo. Se eu ouvir a voz de algum de vocês eu acho que jogo esse carro no rio mais próximo, pouco me importando se ele está congelado ou não.
   Ninguém respondeu de imediato e ela ficou orgulhosa de si mesma. É, até que eles a respeitavam, afinal. Arrumou os cabelos, pensando se valia a pena se desculpar pelos gritos ou se deixava por aquilo mesmo. Resolveu ficar com a segunda opção.
   — Isso! É disso que eu gosto: silêncio. Viu como é fácil obedecer a ordens? Deviam tentar mais e...
   Foi aí que notou a expressão de puro terror na face de Ashton e ele, lentamente, com a mão tremendo, apontou para frente. A francesa não entendeu de inicio, até que se virou para frente, dando de cara com uma cena que a fez ficar de olhos arregalados.
   Aproximavam-se meia dúzia de carros daqueles que só se vê em filme, realmente de corrida e que suporta bem a neve. Um automóvel de peso e bastante intimidador perto do carro alugado deles de quinta categoria.
   — Mas o que...
   Finalmente os seres misteriosos desceram do carro. Todos de preto, é claro, mas mascarados, como de costume. já sabia quem eles eram antes mesmo de se revelarem. Um homem muito bonito estava entre os capangas. Esse, porventura, estava vestido normalmente, com a face descoberta, sorridente. Tinha os cabelos loiros compridos até os ombros. Os olhos eram verdeados em um tom raro.
    engoliu em seco vendo todos parados, esperando por alguma ação do lado deles. Tremendo por dentro, saiu do carro, arrumando seu cachecol enquanto ouvia os gritos de protesto de Calum.
    — Ora, mais que surpresa agradável. — o jovem desconhecido falou.
   — Surpresas são acidentais. Acho que a situação está mais para armadilha. — ela rebateu.
   Ele tinha sotaque forte, parecia pertencer aos países do norte, mas ela não soube distinguir qual. Apenas mordeu os lábios, torcendo para os outros amigos chegarem logo. Não estavam muito atrás. Na verdade, já deviam estar ali.
   Ouviu alguém saindo do carro. Era Calum. O garoto se posicionou ao lado da mulher, firme e forte, como um segurança em ação, prestes a fazer qualquer coisa para protegê-la.
   — Oh, mais um para a festa. Por que os outros não saem também? Por favor, sem timidez aqui... somos todos amigos — gargalhou sozinho novamente, radiante.
   — Quem é você? — O moreno perguntou desconfiado.
   — Meu nome é Nikolai Leveski. Sou conhecido também como braço direito de Monish. Depois de Jack, claro, aquele humano intrometido...
   — Oh, então você é um extraterrestre para não ser um humano, espertalhão? — Calum continuou o interrogatório, cínico.
   — Não me considero um deles. Fraco e tolos. Argh, é lamentável. Sou muito melhor. Tenho poderes. E de verdade, sabe, nasci com eles. Não fui um experimento qualquer como O’Connel, aquele cretino.
    não estava gostando daquela conversa. Então Nikolai devia ser um desses mutantes soltos por aí que a Base não tinha interesse, dando consequentemente a ele a escolha de passar para o lado de Monish ou morrer. Assim como tinha acontecido com Adam McGoren.
   — Você vai nos matar? — a francesa perguntou com certo medo na voz.
   — O que? É claro que não. Que bobinha! — Ele gargalhou encantado. — Quero dizer, eu não, mas meu mestre vai. Oh, ele está tão ansioso para isso...
   A francesa, mais uma vez, olhou para trás discretamente, tentando ver outro carro com seus amigos chegando, mas nenhum sinal deles. Onde tinham se metido? Será que já estavam a casa? Ela era muito perto. Praticamente já estavam lá. Só faltava mais um minuto, no máximo...
   — Procurando pelos queridos amigos?
   Olhou para Nikolai, desconfiada, mas ainda sim muda. O garoto gargalhou, adorando tudo aquilo.
   — Deville, você é incrível. Ouvi muitos elogios sobre você. Do meu mestre, claro. Ele é um grande fã seu, tenho que dizer. Na verdade, é um grande fã de todos os heróis! — Bateu palmas, ainda rindo, como se tudo aquilo fosse uma piada para ele. — Oh, vocês são tão chatos. Hm, certo, vou acabar com o mistério e a agonia de vocês... Seus preciosos amigos estão, nesse exato momento, presos dentro desses carros com algumas armas apontadas para a cabeça de cada um. Brilhante, não é? O tempo todo esperando por uma salvação, sendo que são vocês quem tem que salvá-los!
   — Está mentindo.
   — Não, querida. Não estou. E, bom, é bem mais fácil quando eles estão inconscientes, assim não precisamos lidar com rebeldias desnecessárias. É um saco, acredite.
   — Eu sei bem como é... — ela olhou de relance para trás.
   — Então, o que quer de nós? — o moreno indagou irritado.
   — Hm, eu quero que, civilizadamente, venham até mim. Assim todos nós iremos fazer uma visitinha ao patrão. Ele os espera animadamente.
   Calum não conseguiu conter um sorriso petulante. Como aquele cara, depois de tudo, ousava falar um absurdo desses? Eles haviam enfrentado uma mulher-cobra com vinte homens segurando metralhadoras! E, então, ele aparecia do nada achando que os heróis desistiriam tão facilmente? Era realmente uma piada — tinha que ser.
   — Se não fizerem isso, os amigos de vocês morrem.
   — Sabe, essa ameaça não funciona mais. Da para ver que vocês precisam de nós, ainda, pelo menos. Você não pode nos matar. Não você.
   — Oh, garoto, pare de tentar bancar o espertinho, querendo me pegar no flagra. Eu não os matarei como mesmo disse, porém os levarei comigo. E se vocês tentarem algo contra nós, temos permissão para aniquilá-los, sim. Nosso chefe não suporta jogos estúpidos...
   Ele deu um passo a frente, sorridente, deixando os dois a sua frente tensos.
   — Se for para brincar, heróis, que seja direito.
    deu um passo para frente, logo aceitando seu destino. Estava exausta de lutar. Céus, era véspera de natal! Se nem naquele dia ela tinha sossego, bom, isso significava que nunca o teria.
   Calum ao notar o que ela pretendia fazer, a segurou pelo pulso, com a expressão fechada.
   — Prove.
   Nikolai congelou por um segundo, confuso demais para fazer qualquer outra coisa, por fim abriu a boca, incrédulo. Bem que diziam como aquele garoto, o tal Hood, era um arrogante metido a valentão. O sorriso vacilou.
   — Como?
   — Eu disse: prove. Mostre-nos nossos amigos. Não acredito em ameaças vazias, quero evidências.
   — Você...
   Foi a vez de Calum sorrir.
   — Eu só estou jogando direito.
   O homem engoliu a raiva, não gostando de ser desafiado, ou melhor, questionado. Sua palavra sempre fora verdadeira, por que seria diferente dessa vez? Irritado, estalou os dedos, fazendo os capangas mascarados se mexerem, abrindo alguns carros e tirando de lá pessoas desacordadas.
   — Aqui estão. Peter e Celiny Edwards, Jones, Luke Hemmings, Barth e Michael Clifford, em carne e osso. Agora acreditam?
   — Oh, sim. Agora sua palavra vale alguma coisa...
   Os outros, finalmente, saíram do carro. Derek parecia querer desmaiar, na verdade, mas aguentava firme. Frida estava ao seu lado, fria feito gelo. Mantinha uma expressão neutra, não querendo transparecer a sensibilidade que sentia. Ashton engolia em seco, na dúvida se usava seu poder ou não, já que havia muitas armas ali em jogo sendo apontadas, ainda por cima, para a cabeça de seus colegas.
    estava já entrando em pânico quando sentiu algo estranho. Confusão. É, o mesmo tipo de sentimento ruim quando você está por fora de uma situação. Ela olhou com mais atenção para , que abriu um olho só antes de encarar a russa, em seguida piscando antes de fechá-lo. A garota entendeu bem a referência. Eles não estavam mais inconscientes, só estavam fingindo que sim.
   Pela cara concentrada de Ashton, a russa tinha quase certeza de que ele estava se comunicando com as vítimas pela mente. Quase sorriu.
   Calum, ao seu lado, se encheu de arrogância do nada. Hm, ele tinha reparado em tudo também. Olhou para Nikolai com atenção, analisando ele de cima a baixo, ficando com certa pena no fim.
   — Quando você deu a entender que tudo isso não passava de um jogo, eu particularmente fiquei feliz com a analogia. Sim, sério, fiquei contentíssimo.
   Aquilo roubou a atenção do mais velho, que arqueou uma sobrancelha, escorregando sua mão até a arma que ele tinha na cintura, apenas esperando uma ação violenta do rapaz para atirar, nem que fosse a um local que não o danificasse tanto.
   — Sabe por que eu gosto tanto de jogar?
   Agora o moreno andava calmamente em direção a Nikolai, que instantemente deu um passo para trás, sacando a arma em sua direção, firme, logo a destravando. Ele não sorria mais, o jovem notou.
   — Por quê?
   Quem sorria agora era Calum. Estava cansado daquelas perseguições. Da morte — que cada vez chegava mais perto deles e, infelizmente, teria uma hora que ela os pegaria para valer.
   Ele estava cansado de tudo. Exausto de ser a droga de um super-herói.
   Agora, apesar disso, se sentia forte. O sangue corria por suas veias rapidamente e ele se recusava a perder — como sempre se recusou. Era uma questão de honra. Não importava por quantos capangas controlados por Monish ele precisaria deter, faria quantas vezes fosse necessária para, finalmente, chegar ao famoso mestre. A batalha final. Oh, ele estava ansioso por ela.
   Sorriu quando uma arma começou a levitar e se posicionar em direção à cabeça de Nikolai que esse, porventura, apontava outra arma para Calum, sem se dar conta do que acontecia a suas costas. Era um ciclo vicioso — que acabaria dali a alguns instantes.
   Coragem. Calum precisava de coragem.
   Encarou Luke, que agora não fingia mais estar desacordado. Na verdade, devolvia o olhar do moreno com firmeza. Engolindo em seco, sem nem pensar muito, assentiu a cabeça.
   “Faça.”
   Olhou Nikolai, travando o maxilar por alguns segundos, por fim relaxando, sorrindo em seguida.
   — Pois eu amo vencer.
   E, por fim, como o esperado, o cano da arma se encostou à cabeça do homem e antes que ele, ou qualquer um, impedisse, Luke — sorrindo como nunca — apenas com a mente apertou o gatilho.

***


   — Todos estão com suas armas?
   — Hm, Angel, uma pena, mas acho que da última vez que eu consultei, notei que as minhas estão há vinte cinco anos atrás! — Robert gritou nervoso.
   A mulher o mandou um olhar fulminante.
   — Não seja estúpido.
   Ele deu um sorriso cínico a ela, sem nem um pingo de paciência.
   — Então não faça perguntas estúpidas, lindinha. Só estou devolvendo a ignorância.
   Jean suspirou irritado por causa da conversa paralela. Ele estava preocupado com os heróis atuais lá fora, sendo atacados nesse momento. Então, é, o francês não tinha paciência para lidar no momento com seus amigos infantis.
   — Sem brigas, certo? Não temos armas de fogo aqui, mas há muitas facas na cozinha.
   Robert bufou, rolando os olhos. Seus sentimentos estavam à flor da pele. Quer dizer, eles estavam em um século diferente, Deus do céu! O jovem havia conhecido seu filho! É, filho! E a mãe do garoto não era a mulher que ele amava. Como se não fosse o suficiente, descobriu que morria jovem ainda, assassinado, com seu filho assistindo ao espetáculo sangrento.
   Morto por uma bala.
   Uma mera massa que, em geral, é de liga de chumbo.
   Tinha sobrevivo a uma revolução contra pessoas tão poderosas quanto ele para, no fim, anos depois morrer em um assalto.
   Era ridículo.
   Tinha que ter algo errado ali. Algo que Lorenzo não havia contado a ele.
   Só de pensar nesse dia que, para ele, não havia ainda chegado se sentia triste. Como Luke devia ter se sentido? Seu garotinho loiro tinha apenas oito míseros anos na época! Viu seu pai e sua mãe serem mortos a sua frente. E, apesar de tudo, estava ali. Lutando por um futuro melhor, para que outras pessoas não passassem pelo que ele passou.
   Ele era mais do que um guerreiro.
   Era o tipo mais destemido e forte de herói.
   O homem reparou que nunca sentiu tanto orgulho de alguém como sentia de Luke.
   — Nunca precisamos de armas para vencer algo. O que há com vocês?
   — A pergunta, Robert, é o que há de errado com você? — Jean explodiu, assustando a todos. — Está estranho faz algumas horas. E, é, essa não é a melhor situação de todas, mas não tem motivos para ficar assim, sabia? Está sendo difícil para todos e...
   — Eu vou morrer.
   Os presentes ficaram em silêncio ao Robert ter interrompido Jean bruscamente, jogando a bomba em cima de todos sem aviso prévio. Olharam para Lorenzo, esperando que ele risse — nunca conseguia mentir.
   Porém, o italiano se manteve sério, triste, olhando para baixo com os olhos cheios de lágrimas. Johanna observou a cena com certa compaixão. Quem dera alguém se importasse tanto com ela a esse ponto.
   Reunindo coragem, deu um passo a frente, pondo a mão no braço de Robert, tentando transmitir forças enquanto os outros estavam em estado de choque.
   — É por isso que está assim? Você teme a sua morte?
   Era normal. Ninguém iria julgá-lo. Muito pelo contrário. Todos olhavam para o homem como se o entendessem.
   Mas eles não me compreendem, ele pensou com tristeza.
   Olhou para a janela, observando a neve cair, sem pressa, enquanto sentia seu coração se encolher. Tudo que veio em sua mente, por incrível que pareça, foi um par de olhos azuis iguais aos seus e um cabelo loiro radiante.
   Suspirou fundo, por fim.
   — Não é a minha que eu temo.
   Todos, sem exceção, se sobressaltaram quando várias facas e outros objetos pontudos foram jogados em cima da mesa sem nenhuma delicadeza. Monish estava de braços cruzados, eles repararam, com uma expressão que nunca tinham visto antes. Não havia a serenidade de sempre, nem o sorriso bondoso. Ele parecia distante de alguma forma e, notaram, com raiva.
   — Ótimo. Alguns dos heróis podem até morrer, mas não será hoje.
   Ele continuou parado, observando os colegas o olharem com um ar estranho. Suspirou impaciente, dando um passo a frente, escolhendo uma arma.
   — Escolham as mais afiadas. — aconselhou. — Lembrando que as artérias não tem reversão, gerando uma hemorragia rápida, sendo a principal delas artéria aorta, ou seja, atinjam os pontos sensíveis do: abdômen, pescoço e tórax.
   Angelina saiu do estado de choque, engolindo em seco. Avançou à mesa, pegando qualquer faca.
   — Lembrem-se do jugular — ela não deixou de dizer. — Caso queiram cometer um assassinato a moda antiga, clássico.
   Robert tentou sorrir, mas acabou parecendo mais com uma careta, mas naquela altura não ligava. Levantou-se, não tolerando sofrer por algo que não tinha nem acontecido. Tudo em seu tempo.
   — Hemorragia, estado de choque e dor — arqueou uma sobrancelha, analisando sua nova arma. — Minhas consequências preferidas para os caras malvados.
   — Prefiro as mortes lentas — rebateu Lorenzo, baixinho.
   Johanna engoliu em seco, se lembrando da Base, onde Sr. Belikov ordenava que eles mesmos executassem os assassinos — ou suspeitos. Ela lembrou-se da primeira vez que matou alguém. Havia sido com quinze anos. Ela não queria, não mesmo, mas fora obrigada. Um tiro na cabeça — não quis torturá-lo.
   Só depois de alguns anos chegaram à conclusão que aquele suspeito era inocente.
   — Vocês realmente estão pensando em matar alguém?
   — Ou você mata, Johanna... — Jean olhou para ela demoradamente. — Ou você morre.
   — Esse é um jeito meio bárbaro de pensar, não acham?
   Monish olhou para ela, igualmente chateado.
   — É assim que funciona.
   — Essa atitude está mais para vilões do que heróis! — Exclamou horrorizada.
   O que estamos nos tornando?, pensou com pesar.
   — No fim, minha doce e cara Clifford, somos uma mistura dos dois — Robert respondeu amargurado. — Algumas vezes um lado predomina mais, já em outras, o outro fala mais alto. Um pede paz e o outro guerra. Além de lidarmos com uma batalha externa, há a interna. O bem contra o mal. A luz contra a escuridão. Algumas vezes você ganha, já em outras vezes você perde. E sabe o que isso nos torna, Johanna?
   A garota engoliu em seco, negando com a cabeça ao ver ele se aproximar mais dela até que ficassem cara a cara. Pela primeira vez, ela não conseguiu desvendar a expressão do rapaz.
   — Humanos.
   Sem dizer mais nada, com sua arma na mão, saiu pela porta da frente, decidido. Os outros aos poucos foram atrás, firmes. Já tinham se metido na encrenca, não havia muito que fazer. Johanna encarou as facas com certo desgosto, por fim pegando uma com receio.
   E, mesmo com uma dor no peito, seguiu em frente. Exatamente como haviam ensinado.
   Assim como tinha que ser feito.

   Eles não estavam longe. Os tais famosos heróis do amanhã. Estavam perto da casa, facilitando o processo. Por insistência de Lorenzo eles foram pelo mato, no meio das árvores, para que ninguém os visse.
   — Isso é ridículo! — Robert tinha argumentado. — Como você quer que nós os detenhamos se não podemos interferir?
   — Se ele nos virem tudo vai mudar. O tempo é sensível, como eu já disse. Não estraguem tudo. Não há reversão. É mais complicado do que parece. Precisamos esperar o momento certo, isso se ele realmente aparecer...
   — Mas, qualquer coisa, é só mudar e...
   Lorenzo o interrompeu, sério como nunca.
   — Não se pode mudar o que já está feito.
   E ali estavam eles, escondidos no meio de todas aquelas plantas, vendo uma cena nada agradável. Um homem loiro, jovem ainda, estava estirado ao chão sem vida, com uma poça de sangue a sua volta. A confusão só estava começando, é claro. Do nada, um moreno que parecia de certo modo arrogante, bateu com o punho no chão, com força. Tudo tremeu, causando um pequeno terremoto de segundos, mas tempo suficiente para os heróis darem a volta por cima. De repente, estava socando o homem que a segurava, enquanto Luke cuidava de dois que se aproximavam em direção a ela.
   Já Michael criava algumas ilusões recheadas de terror na mente de alguns enquanto ficava de guarda, atirando em quem se aproximasse, mesmo que isso infringisse sua integridade.
   Tudo aquilo estava um inferno.
   Os tiros continuavam.
   Peter controlava o gelo — que estava em alta graças à neve ali. Ele formava paredes resistentes e também formava blocos do mesmo material nos pés dos inimigos, deixando-os imóveis.
   Celiny hipnotizava alguns, os seduzindo para perto dela antes de Frida se aproximar, os matando.
   Derek ficava parado, chocado com tanto sangue a sua volta. Já ficava invisível, sempre aparecendo repentinamente na frente dos mascarados, os pegando desprevenidos.
   Ashton controlava alguns enquanto o ajudava a eliminá-los.
   Eles estavam vencendo. Disparadamente.
   Trabalhavam como uma equipe de verdade, os mais velhos repararam.
   Estava tudo muito bom para ser verdade.
   O jogo virou, de repente.
   Mais carros chegaram, os cercando. Vários homens saíam de lá dentro, os pegando por trás. Eram tantos que não dava para contê-los. Os tiros continuaram. Chegou a um ponto que estava ficando insuportável. Luke protegia a todos, mas estava difícil.
   Eles estavam encurralados.
   Estavam fracos.
   Robert, cheio de pânico, percebeu que o escudo que Luke fazia estava se rompendo. Seu coração encheu de medo e tudo que fez foi quase correr em sua direção, já que Lorenzo o segurou antes disso.
   E, foi aí, do nada, que aconteceu.
   Luke, finalmente, o tinha visto.

   Eles estavam ferrados.
   Bom, quando não estavam, certo? tinha um corte feio no braço esquerdo. Era superficial, mas incômodo. Já estava mais gravemente ferida, mas ainda sim viva. As duas estavam de mãos dadas, apenas esperando o momento que o escudo de Luke falhasse e elas, assim como o resto, serem fuziladas pelas milhares de balas.
   Dessa vez não tinha jeito. Eles iriam fracassar.
   — E se nós... — tentou Calum, logo sendo cortado pelo loiro.
   — Perdemos.
   — Mas...
   — Olhe em volta! — Gritou se sentindo miserável. — Estamos cercados. Eles estão todos armados e em um número absurdo. Nós perdemos.
    não conseguia acreditar. Não. Eles mal tinham começado a ideia do exército, tinham deixado seu lar, sem data de volta... E falharam na primeira tentativa. Era deprimente.
   Não estavam preparados.
   Nunca estiveram. Nunca estariam.
   Eram fracos, como todos pensavam — até mesmo eles próprios, no fundo.
   Poderosos, sim. Eles tinham consciência disso, mas estavam em pouco número e, mesmo com superpoderes, era difícil deter um grupo grande.
    engoliu em seco ao ver o escudo começar a se desfazer.
   — Nós vamos morrer? — perguntou desolada.
   Luke a olhou por um segundo antes de voltar a encarar seu maior problema.
   — Provavelmente.
   — E você não vai fazer nada?
   Outro tiro. Outro sinal que a morte estava se aproximando. Seu cérebro estava trabalhando rapidamente, tentando analisar as situações, as saídas. Porém, ao que parecia, aquela história não teria um final feliz.
   Foi aí que aconteceu.
   Os olhos azuis cristalinos de Luke se cruzaram com certo par igual aos dele.
   O loiro ficou em choque e, ele pôde jurar, seu coração parou, o tempo pareceu também congelar. Além do mais, mesmo que o momento tivesse durado segundos, para ele pareceu uma eternidade.
    Parecia um reflexo dele mais velho com o cabelo pintado. É, havia as diferenças, mas pareciam primos. O homem pareceu em choque — Luke também estava assim, por alguma razão desconhecida.
   Na verdade, ele parecia alguém que não estava mais vivo.
   Os dois semelhavam ter algum tipo de conexão. O garoto tinha sentido isso, contudo, antes que pudesse analisar mais, alguém o derrubou no chão com força, quebrando o contato visual.
   — Me agradeça depois — urrou, irritada.
   O escudo tinha sido desmanchado por inteiro. As pessoas gritavam e os tiros se intensificaram. Agora era Peter que fazia um escudo de gelo, ajudava, mas apenas por alguns segundos.
   Luke, ainda sem reação, olhou para o meio das árvores, onde estava o tal homem, mas não tinha mais ninguém lá.
   Provavelmente havia sido uma alucinação.
   Peter fez a parede de gelo os cercar, como um escudo, dessa vez era mais grosso, impossibilitando enxergar o lado de fora. Estavam, temporariamente, cegos.
   Se aproximaram mais, dando as mãos, pela primeira vez cheios de esperança. Aquele não podia ser o fim.
   Nesse exato momento as coisas mudaram. Tudo que eles conseguiam ver eram sombras através da camada grossa de gelo. Mais pessoas se juntaram. Nada de anormal até aí, até que elas começaram a atacar seus supostos colegas, mostrando que não pertenciam ao grupo dos malvados. Muito pelo contrário...
   E somente uma pergunta rondava na mente dos jovens: quem eram seus supostos salvadores?

   — Lide com os da direita que eu lido com os da esquerda! — Gritou Robert para Lorenzo.
   — Ah, eu queria os da esquerda...
   O homem o olhou sério, antes de voltar a lutar. Tinham se metido na batalha, já que não havia escapatória. Ficariam ali até que o bloco de gelo fosse perfurado e, quando isso acontecesse, fugiriam. Não podiam ser vistos pelos heróis.
   É, Luke havia olhado para ele, mas provavelmente tinha achado que era uma invenção de sua mente — Monish havia lido os pensamentos dele e confirmado que não tinha perigo.
   Jean tinha o poder de se multiplicar. Fazer clones seus, o que ajudava muito — ao total havia cinquenta cópias. Gastava energia, é claro, mas eles estavam vencendo graças a essa vantagem. O francês só estava conseguindo lidar bem com a situação, pois era muito esforçado. Fora que uma coisa todos eles tinham que concordar: a geração deles era a melhor.
   E por certo motivo, ou pessoa, chamado Mickail Belikov. O mentor pegava pesado, ultrapassava os limites, mas era somente por causa dele que eram tão preparados, tinham que admitir.
   Angelina Parker estava em um canto tentando se mostrar indefesa e, quando vários homens se aproximavam a fechando, ela usava seu poder só de uma fez, que era fazê-los sentir dor até morrerem. O que durava alguns segundos, no máximo. Monish estava em cima de uma árvore observando tudo, passando as informações importantes pela mente deles. Como, por exemplo, ditava quantos se aproximavam pelas costas.
   Johanna odiava tudo aquilo, mas ela era igualmente boa ao restante. Qualquer um que ousasse encostá-la, bom, as consequências não eram bonitas. Eles estavam vencendo, como sempre, derrotando quase todos.
   Robert e Lorenzo eram uma dupla com muita química quando o assunto era guerrear. Eles sempre treinaram juntos, desde pequenos, o que ajudava muito na hora, consequentemente. Seus golpes combinavam um com o outro.
   — Por que essa gente está atrás deles?
   O italiano arregalou os olhos ao ver o amigo levando um soco no nariz, logo depois sorrindo ao vê-lo revidar com muita força, apagando o homem com quem lutava.
   — Tem certeza que não sabe? — Lorenzo deu um sorriso irônico.
   Agora seria a hora que Lorenzo também levaria o soco se não tivesse abaixado a cabeça a tempo. Pulou em cima do agressor, irritado até o último fio de cabelo, batendo sua cabeça com força no chão, também tentando deixá-lo inconsciente. Robert logo se intrometeu, tomando conta da situação. Quando todos estavam derrotados, mortos ou desacordados, é que eles se entreolharam surpresos.
   — Cara, nós somos muito bons.
   Robert olhou para o melhor amigo satisfeito, orgulhoso, assentindo a cabeça levemente.
   — Eles nos chamam de geração da vitória por algum motivo, não é mesmo?
   Lorenzo riu, como sempre fazia. Até que estava dando tudo certo. Eles não tinham feito nada que iria mudar o futuro radicalmente, não por seus cálculos. É, os heróis “novatos” não tinham visto eles, então tudo bem.
   — Trabalho feito! Vamos dar o fora daqui! — Angelina gritou. — Eles cuidam do resto...
   Todos estavam a um passo de obedecer, até que viram um dos homens atirar contra a proteção de gelo com frequência até que ela, por fim, explodiu na hora, espalhando o caco cortante em cima de todos. Agilmente, se jogaram no chão, protegendo o rosto.
   Os capangas, sabe-se lá de quem, seguiram em frente aos heróis do amanhã, pouco ligando para os salvadores misteriosos. Eles queriam os atuais. Deviam ter algo muito valioso, Jean pensou, curioso.
   Um homem tinha jogado uma espécie de gás, apagando a todos lentamente. Menos eles, já que um dos poderes de Robert era ser imune a venenos, gases e poderes de outras pessoas direcionadas a ele. O homem em si era um escudo humano, resumindo. Fora que ele já era treinado o suficiente para expandir seu dom, protegendo alguns, como seus colegas, mas não tão poderoso para socorrer os outros.
   Viu Luke apagar com certo pânico. Queria correr até o filho — ainda era estranho pensar assim —, queria protegê-lo e dizer que tudo ficaria bem, mesmo que não fosse verdade. Um por um apagou. Alguns resistiam mais, outros menos. E, por incrível que pareça, um dos heróis que parecia ser o mais velho, com o cabelo vermelho, estava resistindo bem. Estava ficando mole, sonolento, mas continuava a lutar, parecendo desesperado por todos seus amigos estarem desacordados.
   Foi tudo muito rápido, como sempre.
   Um homem que, no meio de muitos, fingia estar morto — ele estava quase lá — se levantou de supetão com uma faca nas mãos, pronto para levar o garoto com ele para o inferno. O jovem não reparou de imediato, sua mente estava confusa, já não entendia mais nada. Via tudo turvo, deixando aos poucos o gás vencer.
   Lorenzo com os outros, um pouco longe, impedia qualquer um de se meter, eles tinham se envolvido demais. Se Michael — esse era o nome do rapaz — morresse, então era assim que deveria acontecer.
   A hora dele tinha chegado.
   Na verdade, já estava preparando o portal para volta, reunindo energia para tal gesto, quando seu pesadelo virou realidade: Johanna se soltou de seus braços, indo para longe, onde de maneira nenhuma ela podia intervir.
   — Johanna, não! — Ele gritou, alarmado.
   Mas era tarde demais.
   A mulher, antes, tinha ficado paralisada observando a cena, pela primeira vez olhando o garoto com atenção. Reparando nos detalhes. Foi como se, de repente, tudo fizesse sentido. E foi por isso que ela correu.
   “— Iremos visitar algumas pessoas muito especiais que, infelizmente, alguns não terão a chance de conhecer.”
   E então, depois daquela fala, Lorenzo a olhou discretamente. Johanna não entendeu na hora, mas agora entendia muito bem.
   Agiu sem pensar. Simplesmente se soltou do colega, pouco se importando se sua ação mudasse todo o percurso da história, do mundo ou do que fosse. Ela não ligava, de verdade. Sabia que só tinha que fazer uma coisa: salvá-lo.
   Ela parou bruscamente quando ouviu um berro alto vindo da boca do jovem, cheio de dor e até mesmo desespero. O mais engraçado é que ela havia sentido também, como se os dois tivessem uma ligação tão forte a esse ponto.
   Continuou a andar, com a visão embaçada pelas lágrimas, pegando qualquer arma no chão e em seguida matando o assassino sem hesitar, com facilidade e raiva, sem parar até que chegasse ao garoto ferido.
   Ele estava morrendo.
   A faca tinha sido cravada profundamente em uma região delicada, no pulmão. Não sobreviveria por muito tempo. O sangue já escorria loucamente, assustando-a.
   Sem pensar muito, colocou as mãos sobre ele, em cima do ferimento, tremendo. Precisava conseguir, mesmo que fosse difícil e tirasse toda sua energia. Não podia deixá-lo morrer, não quando eles, ao que tudo indicava, tinham o mesmo sangue.
   — Vai ficar tudo bem, querido — ela prometeu.
   Seu coração doeu ao ver os olhos dele, tão verdes quanto os seus, brilharem por causa das lágrimas.
   — Quem é você? — sussurrou.
   Ela se assustou pela pergunta, logo ficando nervosa. Ele devia poupar esforços! Sua situação de vida era crítica para se dar a esses pequenos luxos, como a curiosidade. O mais incrível é que ela nem ao menos conseguiu ficar brava com ele, por mais que tenha tentado.
   Pousou uma de suas mãos no rosto dele, só aí notando que tremia.
   — Digamos que eu sou seu anjo da guarda.
   Ela sorriu para si mesma com a fala. Não era de toda mentira, contudo. Sentiu uma espécie de luz começar a irradiar de suas mãos e sem esperar, com animação por ter conseguido, as colocou com mais força sobre o machucado, arrancando outro grito — dele e, principalmente, seu.
   Sempre era difícil curar pessoas, já que por insistentes eles ficam ligados de verdade, sentindo a mesma dor que eles, física e emocional. E, apesar de tudo isso, tinha que se concentrar na solução.
   — E você? Qual é o seu nome?
   Ela não devia ter perguntado, mas sua curiosidade fora maior, não pôde evitar. Fora que ela queria se distrair também. O jovem deu um sorriso trêmulo, ainda de olhos fechados.
   — Michael. O meu nome é Michael.
   Ela gostou da voz dele. Era linda. Grossa e firme. O medo que sentia igual ao embrulho no estômago causado pela preocupação, foi sumindo assim que viu o ferimento dele sarando. Começou a cicatrizar, em seguida evaporando.
   Tinha conseguido. Michael estava a salvo.
   Ele estava apagando de vez, mas não para sempre e sim até o efeito do gás passar. Beijou a testa dele demoradamente e, antes de virar as costas, passou as mãos no cabelo dele, com um aperto no coração. Suspirou fundo, reunindo forças para ir embora. Antes que fizesse isso, contudo, sentiu a mão dele contra a sua, fracamente. Ele a encarava, parecendo fazer muita força para manter os olhos abertos, apesar de tudo, estava verdadeiramente feliz. Antes de apagar completamente, disse a ela a seguinte frase, cheio de apreciação e esperança:
   — Eu sabia que você viria.
   Johanna ficou parada, sem saber o que pensar ou dizer. Nada vinha em sua mente, então ela só ficou ali, parada, o abraçando mais forte. O momento durou pouco, já que Lorenzo a puxou para trás, sobressaltando-a.
   — Você ficou louca? Não pode interferir no futuro dessa maneira! Meu Deus, acho melhor você começar a rezar para que as coisas não fujam do controle! — O italiano gritou furioso.
   — Calma, cara. Talvez esse momento realmente tivesse que acontecer.
   Todos olharam para Jean que encarava desacordada com atenção, parecia analisar os traços dela. Seus ombros estavam rígidos e ele parecia mais preocupado do que nunca.
   — Está feito, não há como mudar. — Robert se intrometeu. — Não temos tempo para lamentar. Precisamos se livrar dessa bagunça, mas antes iremos deixar os heróis em casa. Seguros.
   Todos concordaram, já traçando um plano em mente, entretanto, antes que pudessem começar a botá-lo em ação, Monish se aproximou de todos que estavam desacordados. Abaixou-se para ficar na altura deles, fechando os olhos concentrado enquanto colocava suas mãos em cima da cabeça de cada um.
   — O que ele está fazendo? — Johanna perguntou assustada.
   — Não é óbvio? — Angelina respondeu estática. — Ele está apagando a memória deles.
   A mulher encarou Michael que parecia estar em um sono profundo, como um belo anjo sereno. Então, quando ele acordasse, não se lembraria dela? Nunca mais?
   Engoliu em seco, triste. Apesar dos pesares, sabia que era o certo a se fazer. Robert, Angelina e Jean pareciam estar na mesma sintonia, com os mesmos pensamentos lamentosos.
   — Eles nunca esquecerão vocês — Lorenzo disse baixinho ao reparar em como os amigos se sentiam. — Vocês são parte deles. Sempre foram... e sempre vão ser.
    Eles continuaram observando Monish apagar a memória de cada um, pelo menos os acontecimentos recentes. Demorou alguns minutos, em torno de dez, até que tudo estivesse feito. O homem se levantou, parecendo satisfeito.
   — Às vezes é mais seguro não lembrar. — revelou pensativo. — Eles verão tudo como um sonho agora, o que só comprova mais do que nunca que eles podem se tornar realidade.
   Todos assentiram, por fim pondo eles nos carros — que eram do uso deles — os levando para a casa em seguida, como se nada tivesse acontecido. Depois cuidariam dos corpos sem vida jogados no meio da estrada sem uso junto com os vários carros de última linha.
   Posicionaram os jovens em cada quarto, colocando todas as sacolas lá dentro, junto com a árvore de natal. Até limparam um pouco a casa! A hora de irem embora estava chegando, antes que fossem, contudo, Johanna se aproximou de um dos colegas, séria.
   — Michael será feliz, Lorenzo?
   O homem suspirou, mas nada disse, apenas continuou limpando a mesa de centro, mas quando o olhar da mulher continuou em cima dele, teve que responder.
   — Por que a pergunta? — quis desconversar.
   — Vi nos seus olhos quando disse que alguns de nós não estaríamos aqui para conhecê-los. E eles denunciaram que eu seria um deles.
   Aquilo fez o italiano abaixar a guarda. Olhou para Johanna, cheio de compaixão. Devia ser difícil estar na pele da moça. Imagine só, ver seu filho crescido — um que você nem sabia que existia — e, então, descobria que não estaria ali com ele. Nunca estaria, pois você estava morta. Realmente, não era algo fácil de lidar.
   — Não se preocupe, Michael será muito feliz. Tão feliz que invejará alguns! — Assegurou, sorrindo ao lembrar-se de uma cena.
   — Ele irá sofrer em algum momento? — perguntou com a voz trêmula.
   — Sim, muito. O sofrimento faz parte da felicidade. Não dá para ter um sem ter o outro. Michael passará por momentos sombrios. Ele irá achar que a morte é até mesmo uma opção válida, contudo, como qualquer pessoa e um verdadeiro herói: ele seguirá em frente.
   Ela assentiu, parecendo conformada. Confiava em Lorenzo. Se ele disse que Michael seria feliz, então estava tudo bem, não importa o que acontecesse a ela.
   — Você sabe de tudo que vai acontecer no futuro, não é?
   — Sei mais do que deveria, do que gostaria, de saber.
   Nesse momento eles viram Robert descer as escadas, parecendo cansado. O brilho em seus olhos, entretanto, denunciava sua felicidade à parte.
   — Se despediu de Luke?
   — Sim, por mais que eu saiba que irei vê-lo de novo... — comentou prazeroso, como se a ideia o agradasse muito.
   Johanna o olhou sorridente.
   — Luke, o loiro, é o seu filho, então? Ele realmente se parece com você.
   Robert não conseguia explicar o que estava sentindo. Queria levar Luke com ele. A ideia de deixá-lo para trás doía de uma maneira que beirava ao insuportável. No entanto, estava feliz por saber que eles se reencontrariam, um dia.
   Ainda não havia superado a notícia sobre Kelsey, mas saber sobre Luke havia diminuído o vazio que sentia.
   — Sim, é — falou orgulhoso, estufando o peito.
   Foi difícil se despedir, mesmo que por hora. Ele não soube bem o que dizer ou falar, apenas apertou a mão do garoto contra sua, por fim cantando uma canção calma — uma antiga, muito bela que falava sobre vidas que se entrelaçavam, não importando o quanto demorasse ou fosse difícil — mesmo que, no caso, o garoto já estivesse dormindo.
   Podia ser de sua imaginação, mas antes o garoto parecera estar atormentado e, então, depois da música, teve um sono tranquilo, sem nem ao menos se mexer uma vez sequer.
   Parecia estúpido — talvez fosse mesmo —, mas todos sempre diziam que quando você vira pai, é uma reação normal, certo? Pois então, oras, ele estava apenas seguindo as regras do manual de ser um pai normal!
   — Michael parece se dar bem com ele.
   O homem sorriu, pois sabia que era verdade. Ele notou logo de cara que o filho se dava bem com o garoto de cabelos colorido, pareciam ser melhores amigos, inseparáveis, assim como ele era com Lorenzo.
   — É, quem sabe no futuro nós não nos tornamos mais próximos também? — piscou para ela amigavelmente.
   Johanna sorriu — fora um sorriso verdadeiro, daquele tipo que nem ela estava acostumada a usar. Pela primeira vez, começou a se sentir menos só. Era incrível saber que quando acordou aquele dia, não esperava nada daquilo e, então, de repente paravam no futuro, vinte anos depois, onde ela via a modernidade e, melhor ainda, pedaços sobre como sua vida era— ou fora — como Michael. Quando você menos espera coisas boas, elas simplesmente acontecem.
   — É, quem sabe. O futuro é um mistério... Ou nem tanto assim. — Ela olhou de soslaio para Lorenzo.
   — Ei! Nem me olhem assim, minha boca é um túmulo. Fora que eu nem sei tanta informação.
   Foi a vez de Robert sorrir. Ele se aproximou do melhor amigo, abraçando-o com força, como raramente fazia. Quis, de repente, chorar. Suas emoções ainda estavam sensíveis, graças às notícias que havia recebido nas últimas horas. Mesmo nem todas sendo boas, ele sentia-se feliz, de alguma forma.
   — Obrigado pela oportunidade — sussurrou.
   O italiano se afastou, obrigando-se a não se emocionar também. Deu uma cotovelada no amigo, divertido, tentando descontrair o clima.
   — Digamos que a vinda de vocês era necessária aqui. — piscou.
   Os três se entreolharam, sorridentes, notando que uma nova cumplicidade nascia ali. Os heróis jovens podiam até ter se esquecido do ocorrido — mas eles, com toda certeza, não. Levariam aquilo para sempre em suas memórias, consecutivamente repetindo para si mesmos que nada fora um sonho, mas sim real.
   — Lorenzo e seus segredos... — murmurou Angelina, aparecendo na sala, junto com Jean, que sorria.
   — É o meu charme. — Deu de ombros.
   Monish também surgiu, abatido, mas com um sorriso no rosto. Estava feliz, apesar de tudo. Os bonzinhos, mais uma vez, venceram os maus — pelo menos por hora. Tudo estava bem novamente.
   — Nossa, ele não é muito nítido, então. — o indiano falou rindo.
   O italiano rolou os olhos, mas também não se aguentou, logo se juntando aos demais que riam. Ficaram alguns minutos assim, até que pararam, encarando-se demoradamente um ao outro. Por fim os seis se aproximaram novamente, até que não houvesse muito espaço entre eles. Já sabiam o que tinham que fazer.
   — Está na hora de ir para casa — Lorenzo disse.
   — Sim — Robert rebateu sério. — Está.
   Os outros assentiram, mesmo que no fundo estivessem gostando do tempo atual. Fora aquela liberdade que estavam tendo... Não se lembravam da última vez que Sr. Belikov havia os deixado sair por aí, aproveitando a vida que a cada dia que passava se tornava mais curta. Sempre ficavam traficados naquela espécie de jaula subterrânea, sendo forçados a se tornarem algo que eles não eram e não queriam ser — monstros, pessoas sem emoções, feitas para eliminar o mal com as próprias mãos. Robôs, fantoches... É, havia muitos nomes.
   O que importava é que eles iriam lutar contra isso — e venceriam.
   Não havia alternativa.
   Eles precisavam vencer.
   Enquanto o italiano se concentrava em fazer o portal — já que era mais prático e simples do que transportar todos por conta própria, apenas com um aperto de mão — sorriu, tentando quebrar o clima tenso que se instalava lentamente.
   — Me chama de futuro e vem me desvendar. E aí, gostaram? Vou dizer essa cantada para a primeira gata que aparecer na minha frente.
   — Por favor, não polua os ouvidos dela como você acabou de fazer comigo — Angelina comentou com uma careta.
   — Aposto cinquenta rublos que se ele disser isso, leva um soco na cara — Jean lançou a proposta, sorrindo maliciosamente.
   — Cinquenta rublos? Eu também posso apostar contra mim mesmo? — Lorenzo questionou com os olhos brilhando pela quantia fácil de dinheiro que ganharia.
   — Não! — Robert fez uma careta. — Certo, eu vou confiar na capacidade do meu amigo de conquistar uma mulher, apostando o mesmo valor.
   — Fechado, Hemmings.
   O homem dos olhos azuis sorriu maroto.
   — Prepare-se para perder, Deville.
   Lorenzo, ao lado de Robert sussurrou baixinho, apenas para ele ouvir.
   — Você sabe que vai perder, não é?
   — Claro que sei, idiota. É de você quem estamos falando, mas Jean está desanimado esses dias, vamos dar um pouco de alegria a ele.
   O italiano sorriu em resposta, orgulhoso do amigo.
   Enquanto todos davam as mãos, vendo o portal começar a se formar, entreolharam-se novamente, rindo, afortunados. Mais uma vez haviam sobrevivido. O anoitecer já predominava o céu, provavelmente daria meia-noite dali a alguns minutos. Seria o tão esperado natal, a data que todos esperavam o ano inteiro — grande parte, ao menos.
   Angelina gargalhou, do nada, não se aguentando. Aquela situação, no mínimo, era bizarra. O grupo da revolução que pretendia fugir ou dominar a Base Secreta estava ali, no futuro, fazendo uma visita à nova geração. Descobriram coisas que mais ninguém sabia. Como a televisão seria — era incrível como a evolução era tanta! Não era nada daquilo que planejara para sua noite, mas de alguma forma, nada poderia ser melhor do que havia acontecido.
   Jean estava igualmente satisfeito. Ele havia visto e reconhecido sua filha. Preferiu não pensar nisso para não doer muito, mas sentiu um orgulho arrebatador ao observar a mulher forte e linda que ela havia se tornado. Monish também não estava para baixo. Sentia uma sensação de paz dominá-lo. Havia gostado dos jovens, eles tinham algo que poucos possuíam — bondade pura, talvez.
   Eles eram a esperança de que o mundo não estava perdido. Não ainda.
   Johanna sorria para si mesma, não conseguindo se segurar. Ela sabia, de algum modo, que a partir daquele dia ela havia ganhado amigos de verdade e que a solidão não era mais um deles.
   Robert começou a rir sozinho novamente, balançando a cabeça de um lado para o outro. Quem diria que tudo aquilo tinha acontecido, não é mesmo?
   — Querem saber de uma coisa? — perguntou maravilhado.
   — Sim, o quê? — todos questionaram.
   O homem deu um meio sorriso, encarando cada integrante daquela equipe enquanto refletia, ficando distante a cada segundo.
   — A vida é um mistério. — Falou por fim.
   Os cinco restantes concordaram — ela era mesmo, não havia como negar. Lorenzo encarou o amigo, logo dando uma piscada misteriosa, como sucessivamente fazia, dizendo que havia algo sempre nas entrelinhas.
   — E é o melhor de todos.
   Ainda sorridentes, apertaram as mãos mais fortes, uma contra a outra.
   E então, juntos, pularam para dentro do portal.

   Ashton acordou com uma pontada incômoda na cabeça, semelhante à ressaca, ou pior, o primeiro dia na Base Secreta, quando acordou em uma cela — mesmo que fosse luxuosa trazia más lembranças. A diferença, agora, é que ele se encontrava em uma espécie de casa abandonada — como tinha parado lá?
   O quarto que estava era pequeno, todo branco e cheio de pó. Sua rinite já dava sinais de vida, enquanto isso. O jovem olhou para o lado, encontrando Michael dormindo serenamente. Soltou um suspiro, resolvendo acordá-lo. Talvez, quem sabe, o amigo conseguisse explicar a situação.
   — Ei, cara!
   — Hm? — resmungou.
   — Você sabe onde estamos?
   — Como assim?
   O garoto abriu os olhos, tentando compreender o que Ashton dizia. Provavelmente estavam na Base — ou já tinham fugido de lá? Ele não se lembrava de mais nada.
   — Merda!
   Tinham sido sequestrados, era uma certeza. Devia ser isso, tinha que ser! Começou a se desesperar. Levantou de supetão, saindo correndo até o andar abaixo, quase caindo. Seu coração pulsava fortemente e tudo que ele conseguia pensar era em seus amigos. Tentava acessar sua memória, mas ela estava confusa demais. Parecia que uma névoa estava separando ele delas.
   Quando chegou a sala, ao que parecia, com Ashton ao seu alcance viu todos seus amigos lá, parados, conversando, preocupados. Então eles também não sabiam o que diabos estava acontecendo?
   — Vocês estão todos bem? — Michael perguntou preocupado.
   — Só com uma dor de cabeça dos infernos — Peter reclamou ranzinza.
   — É, talvez tenhamos bebido muito ontem... — Derek começou a falar. — É a única explicação plausível.
   Luke, que tinha as mãos na cabeça, arregalou os olhos, apertando mais contra si, que estava em seu colo de olhos fechados, com dor também.
   — Espero que o que tenha acontecido não envolva drogas ou bebidas alcoólicas. ainda é menor de idade e duvido muito que eu a deixaria se dopar até ela não se lembrar de nada.
   — Hm, duvido muito que deixaria algum de nós fazer isso. — Calum corrigiu.
   — Você se surpreenderia... — Michael sussurrou, levando um soco da francesa no ombro em seguida.
   — Ai!
   Ela o mandou um olhar irritado, logo o calando. Foi aí que viu que encarava um bilhete que tinha achado no pé da árvore de natal — que essa porventura eles não sabiam como ela havia ido parar ali também.
   — O que é isso? — questionou.
   — Não sei, ao que parece uma mensagem. — A russa articulou com o cenho franzido.
   — Leia para nós, por favor. — Luke pediu ansioso, estava louco, sentindo-se incompleto sem as memórias recentes, parecia que algo importante havia acontecido.
   — Meu Deus! — gritou.
   — O que? — Ashton perguntou assustado. — É tão grave o que está escrito aí?
   — Na verdade nem li, fiquei abismada pelo fato de Luke ter falado a palavra mágica “por favor”, realmente, é o fim do mundo!
   Enquanto todos na sala a fuzilavam com os olhos, Luke ria sem humor algum.
   — Belikov, senhoras e senhores! A melhor comediante do mundo... — o loiro a respondeu, totalmente cínico.
   , sem paciência, pegou delicadamente o bilhete da mão da amiga e leu em voz alta, sem conseguir mais esperar. Precisava saber. Não se lembrava de nada dos últimos dias. A última coisa que se recordava era deles saindo da Base. Ou prestes a sair.
   Antes que debatesse mais sobre o assunto mentalmente, começou a ler em voz alta, para todos ouvirem em alto e bom som.
   “Feliz natal, heróis do amanhã. Vocês provavelmente não sabem quem nós somos, mas nós sabemos quem vocês são e isso é tudo que importa, por hora. Não precisam ter medo, agora está tudo bem. Apenas façam o que foram ensinados a fazer: sigam em frente. Ignorem os detalhes. Não pensem, apenas esqueçam. É o melhor a se fazer, acreditem.
   Só há uma coisa que precisam saber de verdade: isso não é um adeus.”

   Todos se entreolharam quando acabara a leitura. Frida engoliu em seco, quieta até então, mirando o chão, sem uma opinião formada sobre o assunto. Celiny, por incrível que pareça, não estava palpitando também. Peter, como de costume, preferia não se meter — e Derek, dessa vez, estava com ele.
   Já as mentes dos outros heróis fervilharam em teorias. Michael ainda sim achava que tinham sido sequestrados, igual Calum e . Os três achavam que só podia ser isso, ainda mais depois daquele bilhete com algo nas entrelinhas. e apostavam já que aquilo tudo fosse uma armadilha — mais uma, no caso. e Luke tentavam não ligar o caso a Monish, mas era difícil. Devia ter um dedo dele ali, nem que fosse pouca coisa. Já Ashton acreditava que não fosse nada daquilo. O bilhete não parecia ameaçador, na verdade, ele soava como se todos, no fim, fossem cúmplices. Era difícil explicar. O garoto só tinha uma certeza: o que quer que tenha acontecido não era nem de longe o que eles pensavam.
   — Na carta falava “nós” — Luke falou. — Quem será que compõe esse grupo?
   — E como assim, vamos nos ver em breve? — também refletiu, ficando confusa. — Não tenho a mínima ideia de quem possa ser.
   — Não parecem ser pessoas más... — Ashton resolveu dizer.
   — Ou, talvez, é isso que eles querem que nós pensemos. — contra-atacou.
   — Céus, Belikov, vou queimar todas suas revistas. — Calum falou irritado. — Isso aqui é a vida real, pessoal. Não deve ser nada muito complexo ou conspiratório.
   — Calum tem razão... Deve ser algo fácil, nós é que estamos complicando tudo! — se intrometeu.
   Michael, quieto, olhou para garota com certa curiosidade. Era incrível como ele sentia que nesse período de memória apagada ela havia dito algo importante a ele. Era uma sensação forte, chegava a ser quase certeza. Olhou demoradamente para . O que será que tinha sido? Por que, sem saber a resposta, ele sentia-se um pouco vazio?
   — Sabem de uma coisa? — levantou bruscamente. — Isso não importa.
   Luke a olhou como se a visse pela primeira vez na vida.
   — Como disse?
   — Eu disse que não importa. Aconteceu, está feito. Não há por que nós quebrarmos nossas cabeças com isso. Iremos apenas esquecer, por hora. Pelo que eu vi, nossas memórias do acontecimento recente estão voltando aos poucos — apesar de ter certeza que a parte essencial não irá.
   — Sim... estou me lembrando de nós sairmos para fazermos compras! — Derek falou visivelmente animado.
   — Sim! Bom, o melhor que nós podemos fazer é esperar por essas pessoas misteriosas. E, enquanto isso não acontecer, precisamos apenas fazer uma coisa...
   Calum, calado, a observou demoradamente, abrindo um sorriso lento.
   — Seguir em frente — disse por ela.
    observou pela janela a neve cair. Já estava de noite, daqui a pouco seria natal, ela recordou-se em seguida. Caramba, tinham muito que fazer, mas antes...
   Sorrindo, se aproximou da lareira, rasgando o papel em vários pedaços antes de tacá-lo no fogo, que logo o consumiu. Por fim, voltou a olhar para trás, recebendo alguns olhares de choque — principalmente de Luke. Contudo, pela primeira vez, ela não ligou.
   — Isso mesmo. Vamos seguir em frente, como deve ser...
   Ficou distante, vendo a folha virar cinza, até que se tornasse completamente pó, deixando de existir. Por fim, completou sua própria frase.
   — Como precisa ser.

VI.


“Vamos seguir em frente. Vamos lutar. Vamos ser feridos. E no fim ainda vamos estar de pé.”
— A Torre Negra.
1990

   Era estranho estar de volta.
   Esse foi o primeiro pensamento que ocorreu na mente daquelas seis pessoas assim que seus corpos colidiram ao chão com força.
   Estavam de volta ao depósito, tudo intocável, do jeito que haviam deixado. A pasta com o projeto secreto em cima da mesa, algumas armas ali no canto... Tudo, sem exceção, exatamente igual.
   De alguma maneira, aquilo os decepcionou.
   Lorenzo foi o primeiro a se levantar, urrando de dor.
   — Cara, essas viagens ainda vão me matar.
   — Esse portal é muito violento. Nós somos despejados de uma forma horrenda. Acho até que quebrei meu braço. — Reclamou Jean, indignado.
   — Ora, sem drama. Podia ser bem pior... — Monish falou sorridente, esfregando seu novo hematoma. — Lorenzo podia ter se perdido no tempo conosco.
   — É realmente a cara dele. — Concordou Angelina, ali perto, ainda deitada, dolorida.

   — Estamos sãos e salvos. E é isso que importa.
   Essa última frase foi proferida por Johanna, que já estava de pé, alisando sua roupa com uma careta. A dor de cabeça ainda persistia — viajar no tempo, na hora de se transportar, não era nada legal — e parecia que iria atormentá-la para sempre.
   — Relaxem, as agonias persistem apenas por uns dias...
   — Bom saber, Colasanti! — Grunhiu Angelina mal-humorada. — Avise antes, da próxima vez.
   Robert abriu os olhos, grogue, tonto demais para se levantar. Fez um esforço a mais, sentindo sua visão ficar turva. Agora ele via vários pontinhos, já na cabeça era como se alguém tivesse pegado uma panela e o tivesse acertado mais de cinquenta vezes.
   — Acho que estou morrendo — murmurou.
   — Não hoje, amigo. — Lorenzo falou animado. — Levante-se logo! Quanto mais pensarem na dor, mais forte ela fica.
   — Alguém sabe que horas são? — Robert retornou a questionar, ainda com a cabeça girando.
   — Dois minutos para meia-noite. — Informou Jean ao olhar o relógio na parede, sentindo-se melhor. Não queria vomitar mais.
   — Como? Já?
   Sem pensar, levantou-se sem nenhuma sutileza, ganhando somente mais dor. Era difícil explicar, mas sentia que precisava estar em outro lugar. Gritou, caindo no chão novamente, mas empurrou Monish quando ele tentou ajudá-lo de prontidão. Sua vista estava embaçada e escura, ele não conseguia ver muito bem, mas seguiu em frente, mesmo que seu corpo gritasse para ele parar.
   Ele lembrava-se de Lorenzo um dia dizendo algo para ele, como se não quisesse nada:
   “— O destino sempre está mudando, principalmente quando fazemos uma escolha. Tudo pode acontecer, Robert. Uma ausência, por exemplo, pode mudar tudo.”
   Começou a correr mais depressa, achando que ia desmaiar a qualquer momento, contudo, ele não tinha muito tempo. Era paranoico mesmo, mas sua linha de raciocínio fazia sentido. E, depois de hoje, tudo realmente era possível.
   Mais uma vez ouviu a voz de Lorenzo em sua mente.
   “— Sempre há algo nas entrelinhas, Robert.”
   Tentou correr com mais velocidade, mas acabou caindo com tudo no chão. Ele já conseguia ouvir todos se preparando para fazer a contagem regressiva no salão. Tudo que conseguia ver em sua mente, no entanto, era Kelsey sorrindo para ele.
   Sentiu alguém o puxando para cima, só aí viu que era Lorenzo, seu melhor amigo, parecendo verdadeiramente preocupado.
   — O destino está mudando, Hemmings. Eu posso senti-lo.
   — Que porra...
   — Já era para você estar no salão — falou desesperado. — Se você não chegar lá a tempo...
   Ele sabia, simplesmente sabia que algo estava errado. Também conseguia sentir, por isso ficou totalmente desesperado. Quando estava jogado no chão do depósito foi estranho, parecia que algo dentro dele gritava para ir em direção ao salão, ao encontro de Kelsey, como uma ordem.
   —... Então tudo vai mudar. Mais uma vez. E mais alguns deixarão de existir. Vamos, não temos tempo.
   Sem dar mais explicações, arrastou o amigo com ele, esbarrando nas pessoas todas arrumadas, rindo sem qualquer motivo, já bêbadas em seu caminho. Quando entraram no salão, receberam alguns olhares estranhos. Não era para menos, visto como estavam vestidos. E manchados de, bom, sangue.
   O cérebro de Lorenzo era como uma máquina. Ele nunca havia contado a ninguém, mas as grandes enxaquecas eram por causa de seu poder. Cada atitude que ele via acontecer aparecia mil hipóteses do que poderia calhar se ela fosse a errada.
   Nesse exato momento ele conseguia enxergar como o futuro seria se Kelsey não visse Robert em segundos. Seus olhos começaram a dilatar, mas ele continuou guiando o amigo pela multidão, ouvindo o começo da contagem regressiva para o natal.
    A visão de Robert foi clareando aos poucos, se acostumando novamente, mesmo que as dores de cabeça e no corpo persistissem. Cambaleando, foi até o centro do salão, arrastado por Lorenzo, que parecia estar tendo um infarto.
   Tudo estava se apagando, até que ele a viu.
   Kelsey estava maravilhosa, como sempre.
   Ela parecia triste, arrasada, na verdade. Não sorria como costumava ainda mais na virada para o natal. Zonzo, se soltou de Lorenzo, indo até ela, tremendo. Sua mente estava confusa, nada fazia sentido a não ser ela ali, parada, cabisbaixa.
   O que tinha acontecido?
   Quem havia feito isso com a mulher mais bela de todas?
   Parou por um segundo assim que viu Joel ao lado dela, perto demais, sussurrando em seu ouvido sem parar, fazendo pequenas carícias em seu rosto. Foi aí que tudo voltou ao normal. As dores sumiram — talvez a raiva tenha as disfarçado. Sua visão voltou como era de costume e, sem pensar, ficou ali parado vendo o maior absurdo da face da terra.
   Tudo fez sentido, de repente.
   Kelsey estava triste, pois Robert e os outros haviam ido embora — e ela soube, de algum modo, que era para sempre. Joel, do jeito que era, estava aproveitando o estado emocional dela, dando em cima descaradamente, tentando tirar algum proveito.
   Ele se aproximou mais dela, pronto para beijá-la.
   Na verdade pronto para morrer, pensou Robert com raiva.
   A contagem regressiva estava quase acabando.
   Começou a correr como nunca havia feito. Empurrou qualquer um que ousasse interferir em seu caminho.
   O destino estava prestes a mudar.
   Seu coração doía e ele suava. Não chegaria a tempo, ao menos se...
   Ele gritou o nome dela.
   Ela não o olhou, apenas continuou parada, encarando Joel assustada, sem saber como reagir ao que estava prestes a acontecer. E estavam quase lá, se beijando. O homem gritou mais uma vez, alto. Nada.
   — Três...
   O fôlego estava quase no fim e ele realmente pensou em desistir. Tudo doía e agora seu coração também. Só queria fechar os olhos por um longo tempo, cansado demais para fazer qualquer outra coisa.
   Mas heróis não desistem.
   Muito menos se ele em questão fosse Robert Hemmings.
   Por isso, juntando todas as forças que restavam — que era poucas — gritou o nome dela, avançando sem parar na multidão. Era sua última chance, precisava bastar.
   Lentamente a garota se afastou de Joel, olhando para trás, sem conseguir acreditar, mas lá estava.
   Seus olhos encheram de lágrimas e por um segundo achou que era uma miragem. Tinha que ser. Quer dizer, o que mais seria?
   Ela havia recebido a notícia da partida deles. Como não tinha percebido? O modo como Jean mentiu, as últimas palavras de Robert...
   “Eu amo você. Muito. Nunca se esqueça disso.”
   Era mais do que uma declaração de amor, era uma despedida.
   Só que, apesar de tudo, ali estava ele, correndo até ela, parecendo que se não a alcançasse em segundos, morreria.
   A mulher arregalou os olhos, não sabendo o que pensar. Estava arrasada, mas brava por outro lado. Como Robert, Jean e Lorenzo se atreviam a deixá-la? Eram seus melhores amigos desde sempre! Eles significavam tudo para ela. Era injusto o modo que haviam a tratado.
   — Dois...
   Antes que se decidisse qual seria sua reação, Robert fez aquilo por ela. Ainda em choque, sentiu os braços fortes dele em volta de sua cintura a apertarem com força, quando finalmente ele a alcançou.
   O fato é que o impacto do abraço tinha sido com tanta intensidade que os dois haviam caído ao chão com tudo. A loira em vez de ficar irritada, começou a rir, esquecendo-se da mágoa misturada com raiva por hora.
   Ele estava ali, não é mesmo?
   Céus, ele realmente estava ali.
   Era só isso que importava.
   Observou com carinho a expressão de Robert mudar de felicidade para preocupação. Agora ele a observava com cuidado, procurando algum ferimento, já estava até abrindo a boca para provavelmente perguntar se tudo estava bem, mas antes que ele pudesse fazer isso, ela o puxou pela nuca, o beijando.
   Robert arregalou os olhos por uma fração de segundo, surpreso, mas não demorou em retribuir, finalmente sentindo-se em casa. Foi somente naquele momento que descobriu o quanto sentia falta de Kelsey, ainda mais de seus doces lábios.
    — Um...
   Os dois pouco se importaram se todos estavam olhando. Provavelmente não, já que faltava pouco para a tão esperada hora.
   Ele a segurou mais forte, tentando puxá-la para mais perto mesmo que, no caso, não houvesse mais espaço entre os dois. O beijo era intenso, fazendo jus ao casal, cheio de amor, saudade e, também, havia algo a mais, mesmo que apenas Robert soubesse dessa última parte.
   O gosto amargo da desilusão era forte. Todo instante que ele a tocava se lembrava do que vira no futuro e sempre doía do mesmo modo. Nunca menos, sempre mais.
   E, mesmo já sabendo o trágico final da história deles, não foi o suficiente para deixar de amá-la.
   — Você voltou — ela murmurou emocionada, logo após de quebrar o beijo com um selinho longo, toda sorridente.
   — Eu sou um homem de palavra, Srta. Jones.
   Apesar de tudo, da confusão que emanava, ele conseguiu sorrir para Kelsey. Passou a mão no contorno do rosto dela, fazendo pequenas carícias, apreciando o momento. Sabe-se quanto tempo duraria.
   Por mais que tentasse era difícil explicar como se sentia.
   Ele a abraçou mais forte, pensando que se nunca mais a soltasse, talvez ela nunca fosse embora.
   Pronto. Era meia-noite. Os dois conseguiram ouvir claramente os gritos das pessoas ao redor deles, desejando felicidades, trocando presentes, comemorando de verdade. Apesar de todo barulho, de estarem literalmente jogados no chão, no meio do salão com muitas pessoas em volta, continuaram ali, sorrindo um para o outro.
   Ela voltou a abraça-lo, encostando sua cabeça na curvatura do pescoço dele, como de costume. O homem sorriu, beijando sua testa.
   — Acho que você precisa me dizer algo...
   Kelsey o olhou com curiosidade, até que tudo voltasse a ficar claro em sua mente.
   — Oh, sim, feliz nat...
   — Não! — Ele a cortou, ainda sorrindo.
   — Hm, certo — sua expressão ficou serena enquanto ela se aproximava dele, sussurrando em seu ouvido a seguinte frase, como se fosse o maior segredo de todos os tempos: — Eu amo você, Robert Hemmings. Sempre amei. E chega a ser com tanta intensidade que, às vezes, acho assustador. Creio que a essa altura você já saiba disso. E eu fico feliz que tenha voltado para mim, se não eu mesma iria atrás de você.
   — Uma mulher obstinada. Realmente o meu tipo.
   Ele sentiu a risada dela abafada em seu pescoço, o que o fez tremer por dentro e por fora. A mulher se afastou um pouco, o encarando demoradamente.
   — Feliz natal, Robert. — Ela sussurrou, por fim.
   Ele queria dizer tanto a ela, mais do que podia botar em palavras. Queria falar o quanto a amava, o quanto sentia saudades dela o tempo todo e que, no fim, cada um seguiria um caminho diferente.
   O que nós fizemos de errado, meu amor?, ele pensou triste enquanto observava a expressão de pura felicidade dela. Se a mulher soubesse de tudo, talvez não ficasse tão feliz...
   “Você não pode mudar o que já está feito”, lembrou-se de Lorenzo falando para ele. Por isso resolveu guardar aquele segredo somente para si mesmo. Os dois ainda tinham muita coisa pela frente. E Robert iria aproveitar cada pequeno segundo, antes que acabasse.
   Mesmo tendo conhecimento de que daria tudo errado no fim, continuou ali com ela, pois algumas dores valem a pena serem sentidas.
   Puxou-a novamente para si e, antes de beijá-la novamente, apreciou a beleza de sua mulher por alguns minutos, dizendo, finalmente:
   — Feliz natal, Kelsey.

   Lorenzo assistia a cena com um sorriso nos lábios. Por meros segundos achou que tudo iria por água abaixo. Realmente achou, na verdade, que estava tendo um ataque cardíaco.
   No entanto, tudo acabou dando certo. Mais do que certo, ele diria. A expressão de Joel ao ver Robert e Kelsey se beijando e ele ter sido jogado de lado não houvera preço, realmente.
   O homem saiu pisando duro, bufando de raiva, decepcionado, até. O italiano enquanto isso gargalhava. Depois ficou observando os dois amigos. Era triste saber o fim de tudo aquilo. O sorriu foi morrendo ao saber o quão doloroso seria para ambos com a separação.
   Lembrou-se da expressão cheia de dor, a voz suplicante de Robert — como se Lorenzo pudesse consertar tudo — dizendo que era injusta aquela situação. E na verdade, era mesmo.
   Se havia um casal que merecia ficar junto para sempre, era aquele. Lorenzo tinha acompanhado a história toda. Demorou a eles admitirem o que sentiam algo além de amizade um pelo outro, apesar de deixarem claro que se pertenciam desde sempre.
   Robert sempre fora protetor com Kelsey de uma forma que nem Lorenzo e Jean eram. Ele estava lá realmente em todos os momentos. Na alegria e, principalmente, na tristeza.
   Era difícil imaginar um sem o outro. Parecia que não fazia sentido. A verdade é que se alguém dissesse aquilo a ele, sobre o fim de tudo, não acreditaria nem em um milhão de anos.
   Mas ele viu com os próprios olhos o que aconteceria. E não seria nada bonito. Foi aí que ouviu a contagem regressiva terminar e todos gritarem, em sinal de comemoração.
   Meia-noite.
   Finalmente natal.
   Assustado ao notar esse fato, saiu correndo, aos berros.
   — Alguém me beije, pelo amor de Deus! É meia-noite...
   Ele trombou com alguém, logo caindo no chão, urrando de dor pela décima vez no dia.
   — Hoje é natal, idiota. Não ano novo.
   Reconheceria aquela voz em qualquer tempo. Um sorriso surgiu em seus lábios, mesmo que tivesse tentado segurá-lo ao máximo. Foi aí que ele a olhou, pela primeira vez naquela hora.
   Yumi estava com um vestido dourado simples longo, com alguns detalhes brilhantes. Seu cabelo estava preso em uma trança desfiada de lado e no rosto usava uma maquiagem mais chamativa, mas linda.
   — Uau.
   Ela o olhou estranho, mas logo notou que ele a encarava demoradamente, de boca aberta. Sentiu suas bochechas ficarem vermelhas e antes que dissesse que aquela produção toda fosse culpa de Kelsey (a melhor amiga a obrigara de forma severa), ele a interrompeu.
   — Me chama de futuro e vem me desvendar.
   A garota arregalou os olhos, não entendendo porque de repente os olhos dele brilhavam, como se, pela primeira vez, a estivesse vendo de verdade.
   — Sabe muito bem que eu posso te dar um soco na cara, certo?
   O italiano sorriu, divertido, se levantando.
   — Estou esperando — falou, em seguida fechando os olhos.
   Ele realmente acreditava que ela daria um soco nele — quer dizer, fala sério, era a Yumi, a garota que o odiava! E, apesar de ele irritá-la sempre que podia, gostava dela. Era uma boa pessoa, engraçada por sempre estar irritada, principalmente.
   Lorenzo ficou ali, sorrindo divertidamente, esperando o belo soco, até que sentiu algo, sim, mas não fora o que esperava. Não tinha sido um tapa, mas um singelo beijo em sua bochecha, mas que o deixou completamente paralisado.
   — O q-que foi isso? — Perguntou assustado, arregalando os olhos.
   Nem ela parecia saber a resposta. Parecia igualmente, até mais, espantada. Engoliu em seco, ficando vermelha — um fato histórico.
   — Milagre natalino, talvez?
   A expressão de Lorenzo se suavizou e ele deu um sorriso maior. Aquela garota não parava de surpreendê-lo. Abriu a boca para dizer algo, mas parou assim que viu Jean entrando no salão, acompanhado com os outros.
   — Rápido, me dê um soco no rosto. Do jeito que você tem vontade de fazer noventa e nove por cento do tempo.
   Ela o olhou sem entender, mas quando viu o olhar desesperado vindo do garoto, não hesitou. Simplesmente deu um murro em cheio na lateral do rosto dele, ainda mais se lembrando da cena de mais cedo, dele com Elizabeth.
   — Isso foi ótimo, parece que fiz terapia.
   — Eu pedi você me socar, não matar! — Reclamou, botando a mão em cima do novo machucado.
   Mais uma nova ferida para sua lista, contudo, valeu a pena assim que viu Jean comemorando ao longe, dizendo que havia ganhado cinquenta rublos. Bem que Robert disse que daria certo o plano, quer dizer, mais ou menos.
   — Posso saber para que te matei, como você mesmo disse?— Perguntou cínica.
   — Bom, engraçadinha, é uma longa história. Eu disse que falaria essa cantada para a primeira gata que visse na minha frente, então, Jean apostou que eu levaria um fora, mais precisamente um tapa, já Robert apostou que ela me daria bola...
   — Uma aposta de risco.
   — Exato! Ele fez justamente para Jean ganhar e se animar, afinal, são cinquenta rublos! Nós só não esperávamos que o milagre natalino fosse intervir...
   Yumi sorriu, envergonhada.
   — Foi muito legal da parte de vocês. São bons amigos.
   — É, temos nossos momentos. — Deu de ombros, como se aquilo não fosse nada demais.
   Os dois ficaram quietos, lá no fundo do salão, observando os outros que pareciam animados até demais. Joel já se agarrava com outra mulher, enquanto Kelsey e Robert tiveram a decência de se levantarem, dançando juntos, lentamente, trocando sussurros. Não tão longe dali estava Lauren, parecendo entediada enquanto a namorada brigava com ela.
   — Então... Quer dizer que você me acha gata, é?
   — Na verdade, acho você muito mais do que isso.
   Ele a encarou nos olhos, sorrindo de lado, mas ao invés de Yumi jogar, ela já havia se antecipado, vencendo a rodada.
   — Não irei cair tão fácil em seus papinhos bonitos, Colasanti.
   — Merda! — fingiu estar decepcionado. — Bem que desconfiei.
   — Não sou igual às garotas com quem você sai.
   — Tem razão, você é bem melhor.
   A japonesa o olhou, pasma, não conseguindo conter o riso. Lorenzo era um completo idiota! Talvez fosse por isso que gostasse tanto dele.
   — Você não para mesmo, hein?
   — Desculpe, força do hábito. — Falou rindo.
   Ela logo o acompanhou. Estava com o espirito leve, o italiano notou. Gostou dela assim, apesar de também gostar dela irritada. Simplesmente gostava de Yumi por inteiro, em qualquer humor. Silêncio de novo, até que ele olhou para frente, vendo todos dançarem uma música lenta.
   Foi naquele momento que percebeu o quão nervoso estava. Estava até suando! Céus, desde quando ficava assim perto de uma mulher? Bom, desde quando ela era Yumi Hirai, mais lindo do que nunca. Não que ela não fosse à maior parte do tempo, mas hoje em especial... Nossa.
   — Ei, escute... — Começou nervoso.
   — Diga.
   Certo. Ele conseguia fazer isso, claro. Respirou fundo a encarando nos olhos.
   — Você quer dançar comigo?
   Um sorriso verdadeiro começou a surgir no belo rosto da mulher. Lorenzo nunca tinha dado muito valor a ele, notou de repente, com tristeza.
   — Achei que você nunca fosse perguntar! — Fez uma voz dramática, sorridente.
   Ele pegou a mão dela delicadamente, a puxando para pista de dança, cheio de charme, já bolando algumas piadinhas em sua mente que com certeza ela iria adorar! Já ia lançar uma quando uma visão apareceu.
   Ele já sabia o que aquilo significava.
   Quando aquela espécie de visão aparecia era porque algo estava errado. Viu a cena que deveria realmente acontecer, para tudo no futuro dar certo: Yumi conheceria aquela noite seu novo namorado, George Kane, um ruivo charmoso com um alto cargo na Base — um dos melhores engenheiros mecânicos. Era ele quem devia ter a noite especial com ela, não Lorenzo.
   Yumi devia estar sozinha para ele convidá-la para dançar.
   Era assim que tinha que ser.
   O italiano ficou congelado por um segundo, não acreditando no que estava acontecendo com ele. A vida conseguia ser injusta a cada dia mais.
   Engolindo em seco, soltou a mão dela com certa dificuldade, dando seu melhor sorriso — ou tentando.
   — Sabe de uma coisa? Eu sou uma cabeça oca! Tinha me esquecido completamente que já tenho planos.
   — Hã, planos...?
   — É! — sorriu mais. — Você sabe, com Elizabeth. Nós vamos nos encontrar. Eu pensava que era uma da manhã, mas lembrei de que combinamos agora. Por isso eu convidei você para dançar, só para fazer um tempo.
   Yumi o encarou sem reação até que as palavras começassem a fazer sentido. O olhou com atenção, esperando realmente que tudo aquilo fosse uma piadinha de mau gosto — mas não era. E ela sabia bem disso.
   Deu um passo para trás, magoada, com o coração doendo. Como ele tinha se atrevido a fazer isso justamente com ela? Quem ele achava que era, pelo amor de Deus?
   Queria gritar aos quatro ventos o quanto ele era idiota. Lorenzo Colasanti era um canalha e, como Joel, ele nunca mudaria.
   Ela havia se arrumado tanto — havia passado maquiagem! Usava salto até — com a esperança que ele a notasse. E, então, descobriu que era apenas uma distração quando, para ela, ele era muito mais do que isso.
   — É realmente a sua cara isso, Lorenzo.
   — Ser charmoso a ponto de ter várias pretendentes em uma noite?
   O homem ainda forçava um sorriso, tentando parecer descontraído, quando na verdade sentia-se um lixo. Porém, ele precisava fazer isso — mesmo que no fundo não quisesse.
   Ele não podia colocar todo o futuro em risco por causa de um desejo seu.
   — Não, ser um completo imbecil que consegue estragar todas elas!
   Sem dizer nada, ela se afastou furiosa. Até que no meio do caminho mudou de ideia, vindo novamente até o italiano, mas sem dizer nada. Foi somente mesmo para dar outro tapa em seu rosto, dessa vez com muita mais vontade e força.
   — Tenha um ótimo natal, Lorenzo Colasanti.
   E lá se foi ela, marchando pelo salão, quase soltando fumaça pela boca. Até que se sentou em um banco vazio, botando as mãos no rosto, provavelmente tentando se controlar.
   Lorenzo se forçou a ver a cena seguinte.
   George Kane, o ruivo, pediu licença para os amigos, indo até Yumi. Ele se sentou ao lado dela, chamando sua atenção. A mulher o olhou, desconfiada, limpando discretamente as lágrimas. Ele disse algo que a fez sorrir.
   O italiano, mais incomodado do que nunca, não suportou ver o resto por algum motivo desconhecido.
   Afastou-se, indo até a porta do salão, até que avistou Jean em um canto, bebendo uma taça de vinho, junto com Angelina, igualmente no mesmo tédio.
   — Então, esse é o melhor natal de todos os tempos, hein? — falou falsamente animado.
   — Com toda certeza do mundo — Jean replicou tedioso. — Foi bom irmos ao futuro. Pelo menos vimos que a coisa toda vai melhorar. Não sei se viram minha filha, mas ela é a garota mais lindo do mundo todo...
   — Pare de se gabar — Angelina respondeu, rolando os olhos. — Não vai ser esses pais babões que há por aí, não é?
   — Ah, vou ser sim! — Falou abobado. — Não vou parar de pensar no futuro tão cedo.
   — Acho melhor pensar no presente, Deville, já que o seu futuro todo será refletido nas suas escolhas de hoje.
   — Profundo, Colasanti. Verdadeiramente profundo...
   Angelina rolou os olhos, mais uma vez virando sua taça de vinho, bebendo tudo que havia nela. Ela tinha guardado o projeto secreto da Base em seu esconderijo secreto. No quarto seria óbvio demais, fora que ela não conseguia tirar da cabeça que havia sim câmeras lá. Era um pouco de paranoia, mas não impossível. Por isso colocou no último lugar que iram procurar...
   — Parece que alguém pelo menos está se divertindo.
   Lorenzo e Jean olharam em direção a pista, vendo Kelsey e Robert aos beijos. Os dois fizeram uma careta enquanto Angelina dava um pequeno sorriso.
   — Sortudos desgraçados. Deve ser bom esse tipo de relação, não é? Onde os dois se amam na mesma intensidade? — O francês deu um suspiro infeliz.
   — Credo, seus depressivos.
   — Não éramos nós que estávamos com uma cara de enterro agora pouco. — Angelina provocou.
   — Tenho um motivo... — o italiano falou baixinho.
   — Que se chama Yumi Hirai. É, sacamos tudo. — Jean rebateu.
   Lorenzo bufou, mas não conseguiu negar. Olhou de relance para a mulher, vendo-a dançar com aquele ruivo imbecil. Achava-se por que era engenheiro. Grande coisa, pelo que o italiano sabia, ele não podia viajar no tempo, certo? Péssimo dia para ser George Kane.
   Ou talvez não, já que mesmo sem poderes, ele que ganhou a garota no fim.
   — Preciso de alguma bebida fortíssima.
   Angelina deu um sorriso satisfeito, como se dissesse “bem vindo ao time” e logo pegou uma garrafa que estava dando sopa na mesa ao lado.
   — Não sei o que é, mas deve servir.
   Encheu três taças, logo distribuindo aos dois amigos. Eles se entreolharam, arqueando a sobrancelha, erguendo os copos.
   — Aos heróis do amanhã?— perguntou o francês.
   Angelina não disse nada, apenas sorriu de lado enquanto o italiano assentia com uma piscadela, mas completava:
   — É, mas, principalmente, aos heróis do hoje.
   E então, sorridentes, brindaram.

   Johanna saiu do quarto com um vestido regata velho que tinha. Ele era preto, rodado na cintura e justo em cima. Era a descrição de simples. Não havia nada demais e estava bom assim, já que gostava de passar despercebida.
   Diferente dos outros, ela havia ido para o quarto depois da chegada ao presente. Tomou um banho longe e relaxante, pronta para dormir, até que se lembrou de como havia se sentido na companhia dos outros.
   Foi bom não estar sozinha.
   Realmente, estava acostuma a solidão, por isso nem se incomodava mais, mas depois de hoje, quando ela tinha experimentado a companhia de outras pessoas tão legais, viu que era bem melhor daquele jeito.
   Por isso tomou uma atitude um pouco insana, em seu ponto de vista, talvez arriscada...
   Ela não passaria mais seus dias, sozinha. Muito menos na noite de natal!
   Mesmo morrendo de medo por dentro, respirou fundo, tratando de se acalmar. Tudo daria certo. Ela entraria no salão, encararia todas as pessoas — provavelmente chocadas por ela ter se juntado a eles — e iria se divertir!
   Ou tentar, ao menos.
   Se nada desse certo, ela ainda tinha seu discman a esperando em cima da cama.
   Saiu do quarto de cabeça erguida, levando logo um susto ao notar que não estava sozinha.
   Monish estava a sua frente, amarrando seu sapato, todo arrumado também. Usando uma roupa formal, que havia ficado linda nele.
   Os dois se encararam, ambos com certo choque. Talvez por estarem tão arrumados ou por irem ao evento do ano, logo os maiores anti-sociais do século.
   — Nossa... — disseram em uníssimo, observando um ao outro.
   Johanna desviou os olhos, constrangida, enquanto Monish limpava a garganta, também sem graça por aquele momento embaraçoso.
   — Quanto tempo, certo? — deu um sorriso de lado.
   — Nem me fale, não nos vemos há uma década! — ela respondeu a graça de volta.
   Os dois se olharam de novo, mas dessa vez não quebraram o contato visual, mesmo que no fundo estivessem morrendo de vergonha. Foi aí que Monish deu um passo a frente, ofereceu seu braço a ela, que aceitou de prontidão.
   — Vamos?
   — Sim!
   Antes que pudessem continuar o caminho até o grande salão, onde acontecia a festa, ele parou, fazendo-a parar também.
   — E se me permite dizer, Johanna, você está linda esta noite.
   Sem dizer mais nada, continuou a andar junto com ela. A única diferença é que ambos não conseguiam tirar o sorriso bobo do rosto.

   Os dois já tinham dançado muitas e muitas músicas, até não aguentarem mais. Dentre todos, Johanna logo soube que se daria melhor com Monish. Ele era especial, de algum modo. Misterioso, talvez. É, esse era seu maior charme.
   Agora ambos estavam lado a lado, pegando fôlego enquanto observavam os casais dançando, comentando sobre alguns.
   — Joel realmente se da bem com as mulheres, não é?
   — É, meu melhor amigo entende bem do assunto — deu de ombros, sorrindo.
   — Vocês são tão diferentes e são tão amigos... E da certo?
   — Sim. Você sabe, esse assunto de opostos realmente é verdade. Joel tem pouco juízo, já eu muito. Sou sério enquanto ele é divertido. Gosto de ficar quieto no meu quarto lendo um bom livro, já ele ama uma boa festa. E juntos... somos um equilíbrio.
   Era verdade. Mesmo tendo suas diferenças, Johanna e qualquer outra pessoa via o quão bem eles se davam. Pareciam irmãos — sempre se implicando, mas deixando claro o quanto eles se adoravam.
   Seus olhos foram vagando pelo salão até que pararam sobre Kelsey e Robert. Ela admirava muito a mulher. Era a eleita por todos os mentores, principalmente Sr. Belikov, a melhor heroína da Base, concorrendo até com os rapazes.
   Johanna sempre admirou os dois secretamente. Eles pareciam ser aquele casal que existia somente em histórias fictícias.
   Era estranho ver Robert feliz, mas ali estava ele, gargalhando junto com Kelsey, mais alegre do que nunca.
   — Um dia eu espero ter um relacionamento como o deles.
   Monish parou de dar atenção a Angelina, que brigava com Jean, olhando para a mulher com um sorriso de canto, o seu forte.
   — Cheio de drama?
   Ela também deu um pequeno sorriso.
   — Cheio de amor.
   O homem continuou a encarando com aquele ar de mistério que só ele tinha, aumentando o sorriso. Por fim voltou a encarar o chão.
   — Então, se é isso que quer, espero que você consiga realizar seu desejo.
   A garota sorriu, mordendo os lábios, voltando a encarar as unhas, até que viu o casal tão falado se aproximar dos amigos.
   — Olhem aí o casal ternura... — Brincou Jean.
   — Cale a boca — riu Robert, de bom humor. — Parem de falar e venham logo, vão soltar fogos.
   — Oh, ótima maneira de serem discretos! Podem nos achar aqui por causa dessa graça e... — Angelina começou a protestar, sendo interrompido pelo moreno de olhos azuis.
   — Você parece o Sr. Belikov e isso não é um elogio, eu garanto. E realmente é verdade, mas o conselho aprovou, já que não haverá festa de ano novo. Agora, venham, não podemos perder isso.
   O salão foi esvaziando em segundos. Todos subiram pela escada de emergência, que levava ao topo da montanha, onde aconteceria o espetáculo. Jean passou por Lauren, que essa por sinal piscou para ele, mostrando que estava de mãos dadas com a namorada, alegando que estava tudo bem de novo. O francês sorriu em resposta, verdadeiramente feliz.
   Yumi ainda conversava com o maldito George Kane, Lorenzo havia percebido. E ele tinha até mesmo emprestado o paletó para ela!
   Os fogos começaram a aparecer no céu escuro, o iluminando de maneira bela e sofisticada. Todos ficaram ali, observando aquela maravilha de cores. Por sorte tinha parado de nevar, apesar de ainda fazer um frio intenso.
   Robert abraçava Kelsey por trás enquanto comentava que achava aquelas festas de final de ano uma grande baboseira, mas que estava feliz por estar ali, com ela.
   Johanna viu de soslaio Monish e Joel se abraçarem, desejando feliz natal um ao outro, ambos sorridentes, logo trocando socos de brincadeira. Ela virou o rosto, vermelha, assim que os dois a olharam.
   Angelina ficou sozinha em um canto, olhando para noite iluminada, bebendo o resto que havia na garrafa de vinho que tinha levado consigo — o álcool, seu velho e melhor amigo.
   Todos estavam perto um do outro. O grupo inteiro, aos poucos, se aproximou mais um de cada, felizes por aquele momento, apesar de tudo.
   — E que ainda venham muitas emoções! — Gritou Joel erguendo uma taça que havia trazido consigo.
   Os outro heróis fizeram o mesmo, já os que faziam parte da revolução trocaram um olhar cúmplice, cheios de sorriso.
   — Pode ter certeza! — Lorenzo sorriu maliciosamente. — Alguns de nós, mais do que ninguém, sabe que elas virão!
   Os amigos riram, não acreditando na ousadia do italiano. Então ficaram ali, abraçados no frio no topo da montanha, vendo a bela noite acima deles se tornar tão única.
   Juraram aproveitar o presente, mas secretamente, cada um deles, esperava ansiosamente o futuro — sabendo que, de alguma maneira, ele não os decepcionaria.

2015

   — Eu estou me sentindo um idiota por estar com esse gorro de duende... — murmurou Luke, emburrado.
   — Não reclame de barriga cheia... — Rebateu Derek passando em frente a ele carregando uma bandeja de biscoitos, com uma tiara de rena, com os grandes chifres a mostra, enquanto o sino nas pontas fazia barulho.
   O loiro segurou uma gargalhada, resolvendo ficar quieto. Calum logo apareceu na sala, igualmente irritado, também vestido de duende — ele e Luke eram um par de elfos. Simplesmente ridículo.
   — Espero que Monish não esteja nos vendo agora...
   Luke assentiu calado. Era só o que faltava. Não sabia o porquê de ter concordado com aquela ideia estúpida. Sim, os obrigara — não tinha dado escolha —, mas ele podia muito bem ter rejeitado.
   A quem queria enganar? Se dissesse não, capaz da francesa fazê-lo engolir a estúpida fantasia, apesar de achar que aquele método radical combinava mais com .
   Por falar na garota, essa estava toda de preto, com uma careta ao ver toda aquela decoração extravagante. Comida, enfeites, fantasias...
   — E quem é você, ? A morte?
   — Não, sou só a garotinha rebelde que não está na lista do papai Noel de boas meninas do ano.
   — Ops, alguém vai ficar sem presente, então... — Calum provocou.
   A mais nova deu um sorriso sarcástico, rolando os olhos em seguida.
   — Mas você não. Então aproveite e peça um cérebro! Vai que você dá sorte e descobre que milagres realmente existem...
    entrou nesse exato momento, vestida de Mamãe Noel. Ela parecia feliz da vida, achando tudo aquilo uma graça. , atrás dela, carregava o resto das comidas, vestida de criança — era realmente uma palhaçada aquela situação.
   O único que parecia se divertir, além da francesa, era...
   — Ho-ho-ho! Papai Noel chegou, crianças, não chorem!
   Michael Clifford estava vestido de bom velhinho, com o traje completo — até mesmo a barba branca, mesmo que fosse falsa. Correu até o sofá, jogando-se entre e Calum, sorridente.
   — Você foi uma má menina esse ano, . Estou triste. Meu melhor assistente, Elfo Luke, queria que você desabafasse com ele e...
   — Ah, pelo amor de Deus! — o loiro gritou, exausto. — O elfo Luke aqui só quer matar você.
   — Papai Noel também tem sentimentos.
   — Papai Noel não existe — rebateu Luke, sério.
   Nesse exato momento Michael pôs a mão no coração, chocado e verdadeiramente magoado. Balançou a cabeça de um lado para o outro, se levantando, decepcionado.
   — Elfo Luke, você está na lista negra. Vamos, Calum. Temos muito trabalho a fazer.
   O loiro continuou entediado, acostumado com o drama do melhor amigo. tinha um sorriso no rosto, segurando a gargalhada que tanto queria soltar.
   Celiny, Frida, , Peter e Ashton vestiam fantasias menos chamativas, a maioria com um gorro de Papai Noel e uma roupa combinando — menos Ashton, que fora obrigado a usar um traje todo verde, cheio de enfeites, representando a árvore de natal.
   Tinham resolvido apagar o episódio anterior de vez, mesmo que algumas lembranças — as mais banais — estivessem voltando. Agora se lembravam de irem comprar a árvore, de se encontrarem no centro, mas ao entrarem no carro tudo ficava preto novamente.
   Alguns ainda tentavam entender, em segredo. Era errado, mas não conseguiam evitar. Ashton era um deles. Precisava compreender o que havia acontecido, pois se não jamais conseguiria dormir tranquilo novamente.
   Parecia bobagem, mas ele levava esse tipo de coisa a sério.
   Nesse ano, depois de muita discussão, claro, tinham chegado a um acordo: aquele natal seria diferente de todos.
   Não queriam que fosse comum, fazer tudo como todos os outros faziam: comer, esperar até meia-noite, trocar os presentes...
   Oh, não! Era tão chato. Dessa vez, para ser épico e importante, quiseram criar um natal só deles. Uma programação diferente. Por isso mudaram as ordens das tarefas. Trocariam os presentes antes, jantariam e, então, esperariam meia-noite em frente à árvore, apenas por esperar.
   Não era lá uma mudança drástica, mas saía do comum um pouco. Enquanto alguns ajudavam a montagem da mesa, os outros já se juntavam na sala, esperando a hora mais ansiada — a troca dos presentes.
   Estabeleceram algumas regras: nada de presentear um ao outro. Tinham pouco dinheiro e não podiam desperdiçar. falou isso dez vezes, mas todos a ignoraram e, assim, essa foi a primeira regra a ser quebrada.
   As outras nem valiam a pena serem mencionadas.
   Nem todos tinham comprado presentes, no máximo apenas quatro pessoas, ou até menos, mas eles não estavam ligando muito para aquilo, já que tinham coisas a mais para se preocuparem — como perda de memória recente e um assassino poderoso livre.
   Finalmente, depois de alguns minutos que pareceram horas, todos se juntaram. Frida foi a primeira, logo anunciando que tinha sim presentes para todos, recebendo gritos de animação de alguns — no caso, Michael.
   — Todos merecem presentes, até as pequenas rebeldes... — Frida mirou , piscando a ela. A garota apenas suspirou fundo, desanimada, abrindo o embrulho, deparando-se com um vestido preto justo.
   Onde, por Deus, ela usaria aquilo? Mesmo assim sorriu a Frida, agradecendo.
    Todos tinham ganhado roupas — uma mais bonita do que outra. Ashton notou que a dele não era nada a sua cara. Na verdade, parecia mais com Luke. Ficou decepcionado ao ver que ela não havia captado sua essência, mas apesar de tudo sorriu para Frida.
   O próximo foi Derek, que presentou todos com um... cartão?
   — O que é isso? — Questionou Luke, confuso.
   — Como não podia gastar muito dinheiro, tive que usar a imaginação. Por isso... finalmente um cartão VIP da ala hospitalar para vocês! Todos aqui merecem esse certificado há séculos. Principalmente Michael. Então, bom, finalmente ele está aí para lembrarem o quão fortes vocês são.
   Todos deram risada com o presente sem noção. Era uma carteirinha feita à mão, por Derek mesmo, com o nome do paciente, idade, nacionalidade e as vezes que ele havia ido até lá, ferido.
   Michael arregalou os olhos, chocado.
   — Esse número realmente está certo?
   — Sim, Clifford, certíssimo. — Derek respondeu risonho.
   — Meu Deus, acho que sou imortal.
   Luke rolou os olhos, dando um soco no ombro do melhor amigo, que esse ria histericamente.
   — Mais alguém tem algum presente? — Questionou , ainda sorrindo para o médico, ganhando uma piscadela em resposta.
   O moreno suspirou fundo, captando o gesto dos dois e não gostando nada daquilo. Ele tinha visto muito bem que Derek não havia dado a carteirinha VIP porcaria nenhuma para ela! E sim um cartão, com sabe-se lá que mensagem. Ele não perdia por esperar...
   — Eu tenho! — gritou Calum, desesperado para quebrar o clima entre os dois. — Mas, antes que vocês se sintam especiais, é só para um...
   — Favoritismo! — Reclamou , emburrada.
   — E quem disse que não é você, bonitinha?
   Ela o olhou, toda esperançosa.
   — E é?
   — Não.
   A russa voltou a ficar desanimada, mais emburrada do que nunca, arrancando algumas risadas dos presentes. O moreno se aproximou dela, abraçando-a forte, em um consolo.
   — Não sei vocês, mas tenho toda a certeza que sou eu. — Luke falou, transbordando ironia.
   — Droga! — o moreno fingiu estar decepcionado. — Ele acertou! Pega aqui seu presente...
   Com um sorriso cínico, enfiou a mão no bolso da calça, fingindo procurar algo, até que a tirou, mostrando o dedo do meio.
   — Sutil, como sempre. — rebateu o loiro, nada ofendido.
   — Meu ponto forte. Bom, gostaria da atenção de todos aqui. Sou previsível e sei disso, vocês provavelmente já sabem para quem é o presente, mas não importa. Não sou muito de discursos, então não irei enrolar, só queria deixar claro que... Bom, apesar de eu irritá-la na maior parte do tempo, ela é especial para mim. E é com muito custo, acredite, que eu darei esse presente a você, Francesinha.
    arregalou os olhos ao ver que era com ela que ele estava falando, apesar de ser óbvio desde o início. Seus amigos começaram a brincar com a situação — menos Michael. Até Peter sorria.
    O moreno se aproximou, entregando a ela um envelope fino, misterioso.
   — O que é?
   — Abra e veja. Devo admitir que eu tive uma ajuda do seu fiel escuteiro... — apontou com a cabeça para Michael, que bufava sem parar.
   A mulher o olhou com uma sobrancelha arqueada antes de, finalmente, abri-lo. O que poderia ser? Várias opções passaram por sua cabeça, mas nenhuma chegou perto da realidade. Teve que ler duas vezes para ter certeza.
   E, mesmo assim, não chegou a nenhuma conclusão que fizesse sentido.
   — O que é isso?
   Calum se aproximou dela, orgulhoso por sua própria criatividade.
   — Isso é um passe de caía-fora-pervertido.
   — Hm, como?
   — Antes que pergunte, Michael é quem deu o nome. Eu chamaria passe de cansei-de-tanta-beleza. É simples, toda vez que quiser que eu vá embora é só mostrar esse cartão e eu irei deixá-la em paz por quanto tempo quiser. Até para sempre, se realmente desejar.
   A francesa o observou com o cenho franzido. Apesar de ele parecer feliz por ter tido a ideia, ela via em seus olhos o receio. Não queria, de maneira alguma, que ela usasse o tal cartão.
   — E por que você deu isso para mim?
   Ele encolheu os ombros, pela primeira vez com o sorriso falhando.
   — Eu... não sei. Sempre vejo o quanto fica irritada comigo. Diz que sou um idiota e com razão. Às vezes acho que você quer realmente se livrar de mim, então agora, pelo menos, tem um motivo.
    olhou para o presente, que também era feito a mão. Tinha uma carinha triste, chorando, com a legenda “Adeus”. A mulher engoliu em seco, sentindo certo pânico ao pensar em Calum parando de irritá-la. Gostava, apesar de tudo.
   Para ser sincera, gostava até mesmo de quando ele a chamava de francesinha. Sentia-se especial, de alguma maneira.
   Por isso tomou sua decisão rápido, sem pensar muito nas consequências — uma novidade.
   Ela levantou-se, indo em direção ao lixo, jogando o passe fora, depois de picotá-lo, sem qualquer remorso. Todos na sala estavam quietos, em choque.
   — V-você... — Calum começou a gaguejar, logo se recompondo, endireitando a coluna. — Bom, sinto muito, mas você agora não pode se livrar de mim.
   Os olhos do moreno brilhavam como nunca. Ele parecia verdadeiramente feliz. A francesa gostou de saber que ele também não se sentia a vontade em pensar neles se distanciando. Haviam se acostumado um ao outro, querendo ou não. piscou em seguida, sorrindo.
   — Essa é a intenção, Hood.
   O clima foi quebrado por Michael, que fingia estar vomitando, logo dando um sorriso falso de desculpas. não ligou, continuou encarando Calum e ele fez o mesmo, ainda sorrindo.
   — Você nunca me decepciona mesmo, Francesinha.
   A mulher não respondeu, apenas abaixou a cabeça, envergonhada ao notar, pela primeira vez, que o olhar de todos estava em cima deles. tinha se esquecido de até mesmo que eles estavam lá.
   — Vão para um quarto! — Gritou , recebendo um olhar feio de Michael.
   — Ficou louca, menina?
   — Certo! — falou, sorrindo. — Mais alguém?
   Todos negaram, um por um, até que Michael se levantou, de supetão.
   — Papai Noel sempre tem presentes!
   Ele distribuiu um pirulito para cada um. Até mesmo para sua garotinha má, e seu elfo rival, Calum — o Luke ele já havia perdoado.
   Foi somente na vez de que ele não entregou nada, apenas a ficou encarando com um grande sorriso.
   — Hm... O que foi? — perguntou incerta.
   O garoto continuou a sorrir, tentando se controlar para não abraçá-la. Melhor ainda, beijá-la. o deixava sem controle a cada dia mais que se passava.
   — Vou buscar seu presente! Não se mexa.
   A alemã, antes que falasse que não precisava, ficou quieta assim que o viu desaparecer rapidamente. Encarou os outros na sala, envergonhada, mas ninguém prestava muita atenção. Até que, claro, Michael entrou novamente no recinto, com um laço de presente amarrado no pescoço.
   — Surpresa! — se jogou em cima dela, rindo. — Agora eu sou oficialmente todo seu!
    fechou os olhos, sem conseguir acreditar na cena que via. Era por isso que quase nunca deixava seus melhores amigos sozinhos. e gargalhavam, se engasgando com a bebida, até. Luke rolava os olhos com só um pensamento: tão típico de Michael Clifford que nem se surpreendia.
   , ignorando os outros, abraçou o garoto, aproveitando seu presente, enquanto ria.
   — Você é, realmente, com toda a certeza do mundo, o melhor presente que eu poderia ter ganhado.
   Michael a beijou, sem esperar qualquer outra fala vindo da garota, querendo provar o quanto ela estava certa. Mas, no fim, era o melhor presente que o garoto ganhara na vida. Ela era tudo que ele sempre quis, mas que nunca pensou em encontrar. Afastou-se dela um pouco, mesmo contra vontade.
   — Eu sei, apesar de não gostar de me gabar muito. — piscou.
   Algumas piadinhas surgiram, até Ashton parecia estar sem qualquer vestígio de vergonha ali na roda, se entrosando sem problema. Ele brincava com , que parecia ser a mais próxima dele entre todos. Continuaram a conversar um pouco, até que decidiram jantar.
   O peru assado estava na mesa, quentinho, apenas os esperando naquela noite fria. Por incrível que pareça, o jantar ocorreu sem nenhum desentendimento ou provocação. Ninguém esqueceria: dia 25 de dezembro de 2015, o dia onde a trégua entre todos os heróis reinou.
   Quando todos terminaram, foram para sala conversar mais — era incrível o quanto de histórias interessantes eles tinham para compartilhar um com o outro. E houve um momento que Luke teve que sair. Não estava aguentando aquele clima de felicidade contagioso.
   Simplesmente preferia ficar só, nessas horas.
   Estava na varanda da casa, sentado em um banco, cantarolando uma música que não saía de sua cabeça desde o momento que acordara. Não tinha jeito mesmo.
   A neve caía, sem pressa e sem qualquer outra preocupação. Ele a invejou por alguns segundos.
   Começou a cantar em um volume normal e não mais em sussurros. Aquela música especial merecia ser conhecida por todos.
   — Música bonita. Qual é?
   O garoto se segurou no banco para não cair de susto, já que estava em uma posição um pouco arriscada, parando de cantar subitamente. Ele olhou para , que estava parada no batente da porta de braços cruzados, com um sorriso de canto.
   — Você canta bem. — Elogiou.
   — Obrigado.
   Luke estava vermelho. Ele sabia que sim. Teve certeza quando viu sorrir mais ainda, parecendo segurar uma gargalhada. Era só o que faltava para completar o dia, mesmo...
   — Mas então, Hemmings, que música é essa?
   — Ah, nada demais — deu de ombros, tentando parecer tranquilo. — É só uma música que meu pai costumava cantar todo dia para mim antes de eu dormir. Faz tempo que eu não me lembrava dela, para ser franco. Acordei hoje com ela na cabeça e por um momento...
   Ele parou de falar, de repente. A russa o olhou com certa dúvida, pensando se era uma pausa longa, mas logo constatou que ele realmente não continuaria.
   — Deixa para lá. — Falou, por fim.
   Até parece que ela, Belikov, deixaria um assunto daquele de lado. Em outra vida, quem sabe. Aproximou-se do rapaz, sentando no mesmo banco.
   — Não, diga. — insistiu.
   Luke ponderou por alguns minutos.
   — É besteira.
   — Se fosse, você não estaria tão abalado assim.
   O loiro sorriu, por fim cedendo. era legal com ele, mesmo que não merecesse quase nunca. Devia isso a ela. E, claro, era natal. Se havia um dia para recomeçar, era aquele.
   — Por um momento eu... Bom, você vai achar que eu estou louco, mas eu juro, , eu realmente achei que eu o estava ouvindo cantar para mim de novo. Eu escutei. E era tão real...
   — Você sente saudades dele?
   — A cada segundo. — deu um sorriso triste. — Ele sempre dizia que o natal era seu feriado favorito, pois alegava que milagres realmente aconteciam nessa época do ano.
   A russa sorriu, imaginando a versão de Luke menor, totalmente vulnerável, correndo pela casa na noite de natal, perguntando onde estavam seus presentes. Imaginou o pai dele o pegando no colo e o rodando no ar, aos gritos, cheios de felicidade.
   — Deve ter sido só um sonho bom.
   O garoto soltou um suspiro, olhando para o céu, se perguntando como estaria seu pai. Será que estava bem, onde quer que estivesse? Continuou observando a noite estrelada. Foi aí que jurou, por tudo mais sagrado, que havia visto algo explodir rapidamente, como fogos de artifício. Contudo, assim que piscou, ele havia sumido. Provavelmente sua mente pregando peças, mais uma vez.
   — É, deve ter sido isso mesmo.
   Os dois continuaram em silêncio, apreciando o vento gelado em seus rostos e a noite maravilhosa acima deles. Luke, ao colocar as mãos nos bolsos, com certo frio, esbarrou com uma caixinha lá no fundo, só aí lembrando que tinha se esquecido de dá-lo a futura dona.
   — Hm, ...
   — Sim?
   — Você provavelmente vai achar estranho. E é, mesmo, se pensarmos bem, mas... Bom, eu estava passeando pelas lojas e achei algo interessante.
   Ele tirou a caixinha do bolso, entregando a ela. A russa ficou tão surpresa que demorou alguns segundos para registrar o que estava acontecendo. Pegou o objeto, o abrindo com cuidado. Arregalou os olhos ao ver um anel grosso lindo, de bronze, brilhante. Dentro havia a legenda “Besstrashnyy”, que significava destemido em russo.
   Com o coração batendo forte, ela o olhou demoradamente, tentando ver se tudo aquilo não passava de uma piada, mas não era.
   — Olha, se você não gostou, irei entender. Não sou muito de dar presentes, na verdade, odeio tudo isso. Contudo, eu estava passando na loja e, bom, quando vi eu tive que comprar, pois só imaginei você o usando. Parece bobo, como eu disse e... é, eu não sei mais o que dizer. — falou, começando a se atrapalhar de verdade.
   A garota continuou olhando fixamente o anel, paralisada.
   — Você realmente me acha destemida?
   O loiro deu um sorriso, ficando mais tranquilo.
   — Você enfrentou uma mulher-cobra com um sapato e, então, tentou roubar a metralhadora das mãos dela. Você é irritante, , mas com toda certeza, é destemida. E, se quer saber, é a qualidade que mais gosto em você.
   Sem pensar muito, ela o abraçou, deixando o garoto congelado pela atitude cheia de afeto. Assim que a russa se afastou, dando pulos de felicidade, ele continuava parado, ainda tentando processar o acontecimento.
   — Obrigada, Luke. É maravilho. Eu amei.
   O objeto serviu como uma luva no dedo de , assim como a vendedora tinha dito a ele. Os dois continuaram um pouco lá fora, até que resolveram entrar novamente para dentro.
   — Ei, Belikov.
   — O que foi agora?
   — Espero que não fique metida depois disso...
   Ela gargalhou, exibindo um sorriso que ele nunca tinha visto.
   — Vou tentar — piscou, por fim entrando na casa.
   Luke olhou para o céu e, pela primeira vez, realmente concordo com seu pai.
   Oh, os milagres natalinos...

   Os doze estavam sentados em frente à lareira que tinha na sala, esperando dar meia-noite. Estavam nervosos, por mais que parecesse estranho. Era a primeira vez que os veteranos passavam o natal em outro lugar e, o mesmo para os calouros. Era bom, ao mesmo tempo. Estavam gostando do clima que sentiam. As risadas e até mesmo as provocações!
   Era simplesmente um dia mágico.
   Somente alguns segundos...
    olhou com paixão para a árvore decorada, pousando sua cabeça no ombro de Luke.
   — Seria perfeito se estivéssemos em casa...
   Os outros continuaram quietos, observando o relógio, ansiosos, cada um por um motivo diferente, mas no fim, todos ao mesmo tempo iguais. Aquela data marcaria um novo começo. Selaria o fato de que todos teriam que conviver por muito tempo, juntos.
   Luke sorriu, balançando a cabeça negativamente e, então, deu a mão para e para Michael, que estavam ao seu lado. Cada um fez o mesmo, até que estivessem ligados fisicamente. O loiro, antes de dizer o que queria falar, olhou para cada um, orgulhoso.
   — Não importa para onde nós vamos, se sempre estivermos juntos... Sempre estaremos em casa.
   Meia-noite.
   Era natal.
   Sem conseguirem dizer nada, simplesmente formaram um grande abraço em grupo, cheio de amor envolvido, ignorando as diferenças e rivalidades naquele instante, concentrando-se apenas nas coisas boas. Estavam com a alma leve, como sempre deviam estar.
   O mais importante é que não se sentiam mais perdidos, muito menos sozinhos.
   Agora sim estava tudo bem.
   Pois, finalmente, eles estavam em casa.


Fim.


Nota da autora: (31/12/2015)
Amores, antes de tudo espero que vocês tenham tido um ótimo natal e desejo que o ano novo seja melhor ainda! Espero que tenham gostado desse crossover entre Heroes of the Past e Heroes of Tomorrow <3
Natal um pouco sangrento, mas nada que nossos queridos heróis não estejam acostumados! Queria agradecer muito quem chegou até aqui e dizer que tem muito pela frente ainda, galera. Preparem-se! A aventura só está começando!
Amo todas vocês!
Aqui está! Meu twitter é @littleclary, caso queira conversar comigo ou fazer alguma pergunta, fiquem a vontade! E, se quiserem entrar no grupo da fic no whatsapp, meu número é (13) 99612-5617.
Beijão e até a próxima!




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