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Última atualização: 22/03/2017

Capítulo Único


As pessoas diziam, até minha mãe dizia "Isso é mais que uma amizade, cuidado", eu nunca liguei. Ela, pra mim, era minha parceira, me ajudava com as meninas e estava ali sempre que eu precisava, me ajudando a escolher minhas roupas para um encontro, mandando eu cortar meus cabelos e dizendo que eu precisava estudar mais. Algumas pessoas diziam que éramos namorados, eu ria e falava "Namorados? Essa anã é quase minha irmã" ela ria, com seu sorriso tímido, aquele sorriso de lado, aquele que fazia surgir uma covinha em suas grandes bochechas que ela dizia odiar. Então as pessoas diziam que apenas queríamos esconder. As pessoas falam demais, não é mesmo? Até que um dia eu a vi com um cara, então eu descobri que não queria vê-la com outro, mas demorou tempo demais para que eu percebesse isso. Tive que olhar ao redor, pensar. Amigos não se olham como a gente se olhava, amigos não se amam como eu a amava, era algo diferente e algo faltava. Ou algo estava adormecido? A partir daí eu percebi que ela odiava quando me via com uma garota, e quando as pessoas diziam que éramos namorados, em seu sorriso tímido tinha algo a mais, vergonha, aquela vergonha que sentimos quando queremos muito algo, mas ao mesmo tempo é algo que não deveríamos querer, sabe? Aquele sorriso que diz "por favor, não me exponha". E assim passou um mês e eu reparava em cada detalhe, desde a sua forma de andar, falar, até como ela puxava a blusa para baixo quando estava na educação física, com medo de alguém ver seu corpo. Então eu reparei em seu corpo, o mesmo corpo que na noite passada tinha dormido ao meu lado na cama, onde passamos a noite jogando vídeo games e discutindo como seria se acontecesse um apocalipse zumbi, o mesmo corpo que nunca reparei como era perfeito. Algum tempo depois também reparei que ela estava ficando vermelha com mais frequência, especialmente quando seu colega de mesa da aula de ciências sentava ao seu lado. Quem aquele cara pensava que era para ficar provocando essas sensações nela? E mais uma vez eu percebi algo novo, eu queria provocar essas sensações nela. Mas até então, não éramos amigos?
Desde então, nossas conversas nunca mais foram as mesmas, na verdade até eram. Mas eu procurava em suas palavras, seu rosto, algo para me dar forças e perguntar se ela também sentia o mesmo, ela dizia que não queria um diploma, fazer faculdade. Ela queria viajar o mundo, conhecer todas as civilizações, fotografar tudo e lançar um livro, ela queria que as pessoas enxergassem o mundo como ela, e eu como um bobo, caía de amores pela minha melhor amiga, assinava em baixo tudo que ela dizia, achava lindo seu discurso, abandonaria minha casa para viajar com ela naquele momento! Ela falava também que um dia sossegaria, queria passar tudo que seus pais lhe ensinaram se algum dia tivesse filhos. Queria ensinar que o mundo é mais do que entrar em um jeans tamanho 36, que amor, respeito, compaixão com o próximo era necessário, que as palavras mudam o mundo, assim como gestos e a forma de olhar para cada coisa. Não preciso dizer que nesse momento eu estava tão hipnotizado que a beijei, eu não pensei, não esperei. Apenas mirei em sua boca e torci para que ela correspondesse, ela correspondeu. Foram os melhores meses da minha vida, foram os melhores anos ao lado da minha melhor amiga, minha grande paixão e companheira.
Quando as pessoas souberam do nosso relacionamento foi algo que não sei explicar, minha mãe fez uma festa, adorou a notícia e torceu por nós, nossos amigos diziam que éramos um casal perfeito e eu achava o mesmo, porém ela tinha um sonho, ela me incluiu em seus sonhos, mas eu não a incluí nos meus. Ela queria viajar, eu só queria uma vida pacata na cidade que nasci comandando os negócios dos meus pais, nada mais. Houve um momento que esqueci dela, quando a gente pensa que temos tudo, relaxamos, não percebemos que devemos zelar por aquilo que temos, pelas pessoas em nossa volta que nos amam. Eu achava que ela já era minha, eu dela, então o tempo não ia atrapalhar. Então ela escapou por entre meus dedos, quando percebi outro alguém já a fazia sorrir, as pessoas diziam que éramos jovens, que eventualmente isso aconteceria, que iríamos encontrar um outro alguém. Então eu segui minha vida e fiquei sabendo que ela seguiu a dela, viajou o mundo inteiro, uma viagem que tinha programado para dois, porém ela estava só lá, e eu só aqui. Cada dia que passava eu sentia sua falta, passou meses, anos. E eu ainda sentia sua falta.
Uma certa noite ouvi boatos que ela estava noiva, tempos depois que havia voltado para cidade, então me disseram que ela estava solteira, e que ela estava mais linda do que já era, mas não acreditei, teria como? Todos meus sentimentos não tão adormecidos surgiram à tona, resolvi bater em sua porta e vi que era verdade, ela estava mais linda que nunca. Me convidou para entrar, disse que eu não precisava de cerimônias, que eu conhecia o caminho e fomos para a cozinha, fiquei observando-a preparar um chá. A noite assim se passou, ela me contou sobre os lugares que passou, me perguntou como andava minha vida, então disse que era tarde e iria viajar amanhã, meu coração gelou. Perguntei por que ia tão cedo, e ela disse que nada a impedia de ir. Aquele sinal que a muito tempo procurei eu seu rosto, naquele momento eu o vi claramente. Ela ainda me amava, eu, um Zé ninguém. Ela ainda me amava. Então a chamei para sair, perguntei se poderia ficar por mais uma noite, e ela aceitou com um sorriso tímido na boca, o mesmo sorriso de antigamente. Fui para casa me sentindo feliz como não me sentia a anos, fui dormir esperando pelo amanhã, torcendo para o sol nascer mais cedo, para ver ela mais uma vez, ela era única.
A porta se abriu, e então ela veio andando em minha direção. Segurei minha respiração, ela estava perfeita, ela era perfeita. Usava um vestido azul anil, que combinava perfeitamente com seus olhos azuis e seus cabelos negros que caiam em forma de cascata pelos seus ombros. Eu ainda não acreditava que aquela mulher caminhava em minha direção, se alguém me dissesse a alguns anos atrás que essa cena aconteceria, eu iria rir e dizer que nem nos meus sonhos eu teria a chance, ela era apenas minha amiga. Mas encontrei a mulher perfeita para mim e não a perderei mais uma vez. Naquela noite fomos a um restaurante, terminamos a noite em um pub dançando ao som de Ed Sheeran, feito dois apaixonados, ela não teve vergonha e tirou os sapatos, ficando livre para rodar, sorrir e me seduzir. Ela não se importava com os olhares e eu muito menos, só tinha olhos para ela. Eu dizia piadas e ela gargalhava até quando eram horríveis, naquela noite desejei compartilhar todos os meus segredos, compartilhar uma casa num bairro de classe média, aquelas com cercas brancas com um jardim perfeito, um quarto, dois cachorros, filhos e uma vida. Toda vez que ela sorria minha vontade crescia, mais e mais. Então a noite acabou e deixei-a na porta de casa, antes dela entrar, me enchi de coragem e deixei em seus lábios um beijo de boa noite, sabe aquele instante em que as bocas se separam, e os olhares se cruzam? Em seu olhar eu vi o nosso futuro, então tive certeza absoluta. I found the girl.

Fim!



Nota da autora: (22/03//2017) Sem nota.




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