FFOBS - If you say so, por Lethícia Cartaxo


If you say so

Última atualização: 19/07/2020

Capítulo Único

|Dezembro, 2017|

Mais uma noite de inverno, fria e solitária, agravada ainda mais pelo aniversário de um mês desde que o amor da minha vida me deixara para trás. Chegava a ser irônico que ele tinha ido embora logo agora, quando ele sabia o quanto eu odiava essa estação e tudo que ela trazia junto.

Desde que eu era menina, eu nunca fui muito fã do inverno. Nunca quis brincar na neve com os meus amigos ou pular nas poças de água depois de uma tempestade, essas, então, eram o meu pior pesadelo. Eu odiava trovões com tudo que existia dentro de mim, eles eram completamente assustadores, e os relâmpagos? Droga, só de pensar nisso, eu consigo sentir o meu corpo se contraindo, medo se espalhando rapidamente.

De qualquer forma, todo esse conceito mudou quando eu o conheci. Quando eu conheci . Parece um clichê absoluto quando eu falo dessa maneira, mas eu não tinha nenhuma dúvida de que o homem que outrora eu chamara de marido era a minha alma gêmea. Ele me compreendia de uma maneira que mais ninguém conseguia. Céus, obliterou todas as paredes que eu tinha ao redor do meu coração sem nenhum aviso prévio. Foi sorrateiro o suficiente para que, quando eu me desse conta, já estivesse completamente apaixonada. Em quase todas as formas, aquele homem era… viciante.

Peguei a xícara de chá que estava em minha mesinha de cabeceira, decidindo ir para a varanda e assistir à chuva estapeando os prédios, água torrencial em todos os lugares. Uma cena comum, tenho de admitir, mas ela me proporcionou um ingresso direto para a nostalgia. Comecei a sentir saudade dos braços ao redor da minha cintura, o queixo apoiado no meu ombro e o beijo no meu pescoço, a fricção da barba dele contra a minha pele. Eu sentia saudade da risada rouca, do jeito que os olhos ficavam ainda mais dóceis quando ele dizia que me amava.

Uma lágrima gorda e quente escorreu pela minha bochecha, e eu percebi que tinha que pegar a fotografia antiga, que eu deixava escondida debaixo os assentos acolchoados que estavam na varanda. As bordas estavam apagadas, ela estava ligeiramente amassada, ainda assim, eu conseguia ver a felicidade estampada nos nossos rostos - beijava a minha bochecha, um braço firme ao redor dos meus ombros, eu tinha um sorriso de orelha a orelha… Aquele dia tinha ficado marcado, era uma tatuagem na minha memória.

A cada dia que eu passava sem ele, minhas lembranças sempre voltavam para aquela. A gente estava tão feliz, um estado de satisfação que eu achava que nunca mais iria ter. Não depois dele.


|Verão, 2014|


“Você fica linda vestida assim, neném.” disse com um sorriso pretensioso, agarrando-me pela cintura e dando uma mordidinha no meu pescoço, a barba pinicando a minha pele e fazendo com que arrepios percorressem o meu corpo todo.

“Eu só tô vestindo a calcinha do meu biquíni.” Rolei os olhos, um risinho escapando. “Você não pode dizer que eu fico ‘linda vestida assim’ quando eu estou seminua.”

“Você fica linda seminua, meu amor.” Balanço a cabeça, com a escova ainda na mão e terminando de desembaraçar os meus cabelos. Ele pressiona os lábios brevemente contra a minha bochecha e depois me solta, deitando-se na cama enorme que estava no centro do quarto. “E por mais que eu ache que você não precisasse vestir mais nada além disso, o hotel não permite, então é melhor se apressar, estamos perdendo um dia lindo de verão à beira da piscina.”

“Já tô quase terminando.”

O hotel que e eu tínhamos encontrado em Jeffersonville, Vermont, não era um de cinco estrelas. Não que nós nos importássemos, só o que queríamos era passar um tempo juntinhos antes que ele fosse forçado a voltar para o trabalho, portanto qualquer coisa com um conforto padrão atendia às nossas necessidades.

Claro que o lugar não era ruim. Era uma cabana pequenina, todos os elementos de madeira esculpidos por alguém que eu julgava ser um artista, ninguém menos conseguiria atingir aquele nível de perfeição.

Um sorriso bobo escapou quando eu olhei aquele homem lindo olhando pra mim. Não importava que a gente já estivesse junto há quase dois anos, todos os dias ele fazia questão que eu soubesse o quanto ele me amava. Por isso que a gente gastou algumas boas horas na estrada para aproveitar a última semana de férias dele e, ao mesmo tempo, comemorar o nosso aniversário de namoro. Eu sabia perfeitamente que se sentia um pouco culpado por trabalhar muito e passar tanto tempo longe de mim, e eu não o culpava por isso. Ser o herói era o que fazia ele feliz, e, com ele feliz, eu estava feliz também.

Finalmente, depois de terminar de me vestir e passar mais um pouco de protetor solar no meu rosto, nós saímos, andando em direção à área da piscina. Meu namorado não demorou muito para entrelaçar nossos dedos, o dedão massageando sem preocupação o dorso da minha mão. Era um gesto tão pequeno, mesmo assim eu conseguia sentir um leve formigamento começar a se alastrar pelo meu corpo, um sorriso surgindo. Era como se cada célula minha reagisse a cada mínima coisa que ele fizesse, chegava até a ser um pouco embaraçoso.

Dada a hora, o lugar estava praticamente vazio quando chegamos lá. Quero dizer, ninguém seria maluco o suficiente para acordar às sete da manhã para ir à piscina, mas imagino que a maioria não tem como parceiro um agente treinado. Dormir até tarde com ele era uma rara exceção. Normalmente ele se levantava às seis e meia da manhã. Eu havia perdido a conta de quantas vezes eu acordei com uma cama vazia, e ele do lado de fora, exercitando-se, algumas vezes praticando os circuitos, outras socando sacos de areia… E eu não me importava nem um pouco, suado e sem camisa era realmente um colírio para os meus olhos.

Respirando profundamente, meus olhos fechados, eu não conseguia evitar o pensamento de que a minha vida estava exatamente onde eu queria que ela estivesse. Depois de anos trabalhando sob a supervisão de um chefe que eu odiava, eu finalmente juntei dinheiro suficiente para abrir a minha própria clínica veterinária em uma sociedade com a minha melhor amiga; mudei para uma casa confortável e boa, o que possibilitou que eu adotasse a minha primeira cadelinha, a Annie; tinha a melhor relação possível com a minha família e, claro, eu tinha encontrado o cara dos meus sonhos.

Não é que ele não tivesse defeitos, ele tinha, e muitos até, mas quando eu pensava em futuro, era só ele que eu visualizava do meu lado. O meu grande herói.

Na noite em que nos conhecemos, o que era curioso de pensar, ele chamara a minha atenção, ainda que involuntariamente, a série de eventos que aconteceu foi uma das mais traumatizantes que eu já vivera e, ao mesmo tempo, me deu o melhor presente que eu podia desejar.

Eu tinha ido a uma festa. Robbie, um antigo amigo de escola meu, convidou alguns de nós para uma festinha, a comemoração mais íntima do noivado dele. Eu não estava com muita vontade de ir, meu corpo completamente exausto e minha cabeça louca por apenas uma noite de sono. Ademais, o tempo estava péssimo, minha companheira de apartamento e melhor amiga estava gripada… Tudo me puxava para uma noite tranquila em casa. Contudo, como se a personificação do destino realmente quisesse entrelaçar o meu destino e o de , Cris bateu o pé e insistiu que eu fosse.

No meu vestido preto preferido, saltos altos e uma maquiagem leve, entrei no meu Prius cinzento e coloquei o endereço de Robbie no GPS. Ele não morava muito longe de mim, então foi uma viagem curta. Para uma festinha íntima, havia muita gente, carros estacionados por toda a extensão do quarteirão, o que fez com que eu deixasse o meu carro mais distante da casa. A noite não estava tão fria, mas ainda assim coloquei um casaco que estava jogado no banco de trás, encolhendo um pouco quando senti a brisa.

A rua estava vazia, um som alto vindo da casa de Robbie. Ri para mim mesma, andei em direção onde uma festa maluca deveria estar acontecendo. Chequei o meu celular brevemente, guardando-o novamente na bolsinha preta com detalhes dourados que eu havia levado. Era pouco mais de nove horas da noite. Claro que a minha distração trouxe um custo alto, mãos ríspidas e violentas me puxando em direção aos arbustos. Eu não conhecia aquele homem e, infelizmente, minha primeira reação não foi gritar, ou chutar ou fazer qualquer coisa, eu apenas paralisei. E ele se aproveitou disso.

Quando, por fim, achei a voz em mim para gritar, alguém o puxou de cima de mim, com a mesma força que se arranca um carrapato da pele de um cão. Não processei tudo que aconteceu de uma vez, meus olhos vidrados nos chutes sequenciais e socos que outro homem desconhecido dava. Também não o conhecia e não entendia por que ele decidira me ajudar, mas estava feliz que ele tivesse feito aquilo.

No fim das contas, não fui à festa do Robbie. Ele levou-me para uma cafeteria próxima daquela rua e comprou um latte para mim, parecendo preocupado pelo meu estado silencioso. Só então é que conversamos, expliquei tudo até ali. Só que o assunto não morreu, tivemos uma daquelas noites. Onde duas pessoas apenas conversam e conversam, o assunto parecendo infinito. Uma daquelas noites mágicas.

“Meu amor!” A voz rouca de me chamou, espirrando água em mim em um ar de brincadeira. “Vem pra água, por favor!”

!” Exclamei, puxando a toalha branca ao meu lado para enxugar o meu corpo. “Não quero me molhar.”

“Por favooor!” Ele insistiu, fazendo um biquinho. Eu podia apostar que se qualquer um dos colegas dele vissem aquilo não deixariam passar em branco. O pensamento me fez sorrir. “Só um pouco, quero conversar contigo sobre uma coisa.”

“Então conversa aqui. No seco.”

“Não. Tem que ser aqui na água. Por favor, neném, não vai demorar muito. Só uns cinco minutinhos e depois você pode tostar no sol.”

Suspirei.

“Cinco minutos, ok?” Joguei a saída de banho na espreguiçadeira e caminhei até a água, sentindo o gelado me envolver. “Essa água tá muito gelada, ah.”

“Vem cá, eu te esquento.” Ele disse, me puxando para um abraço, minhas costas encostadas no peito musculoso dele. “Você é tão linda. Demais até. Sabia?”

Em deleite, eu só deixei a minha cabeça cair e descansar no ombro dele, meus olhos fechados. Estar dentro do abraço dele era algo indescritível, se existia um lugar que eu poderia morrer em paz, era o toque macio dele. Meu namorado desenhou uma linha com a ponta do nariz pelo meu pescoço, mordendo a minha orelha, um som de satisfação escapando de mim. Os dedões começaram a massagear a parte de trás dos meus quadris. Não sabia o que ele tencionava fazer, mas, por Deus, eu estava gostando daquilo.

…” Sussurrei, virando-me para olhar pra ele. “Não faz isso comigo em público, não vou conseguir aguentar.”

“E usar essa voz sexy comigo pode?” A questão saiu em uma voz mais rouca do que o natural, a boca no meu pescoço, chupando a pele ali, eu resfoleguei. “Quero conversar contigo. Pedir algo, na verdade. ”

“Diz pra mim.”

“Primeiro eu quero que você saiba que é o amor da minha vida. Eu já amei outras mulheres antes, mas quando eu penso sobre ti, nenhuma das outras consegue igualar. Elas parecem cópias de carbono em comparação. Quando eu te olho, meu coração esquenta, minhas pernas tremem e só o que eu penso é que eu prefiro levar um tiro no estômago ou apanhar até a morte do que te perder.”

“Meu amor...” Uma lágrima teimosa escorreu pela minha bochecha, um nó se formando na minha garganta. parecia tão emocionado quanto eu. “Eu te amo tanto””

“Sh, querida, deixa eu terminar.” Ele sorriu, limpando as lágrimas que agora caíam torrencialmente. “O que eu tô tentando dizer é que, quando eu tenho que ficar longe de ti, eu sempre sinto como se algo estivesse faltando. A cama parece vazia demais, porque eu sinto falta do teu cabelo espalhado, de como você puxa os cobertores todos pra você e deixa os meus pés gelados de noite. Eu sinto falta do teu corpo colado no meu, dos beijos roubados… De você. E eu não quero mais sentir falta de você. Quero passar o resto da minha vida contigo, .”

“Sim.”

“Deixa eu perguntar primeiro.” Nós dois rimos, as nossas lágrimas se misturando. “Você casa…”

“Sim, sim, sim!”

!” apertou minha mão, inclinando a cabeça para o lado. “Casa comigo?”

“Sim, eu caso. Quero ficar contigo o resto da minha vida.”

Com o sorriso mais lindo do mundo na cara, ele colocou no meu dedo anelar direito um anel tão bonito, não minimalista, mas com um diamante no meio. Eu conseguia sentir meu coração batendo forte contra as minhas costelas enquanto eu olhava pra ele, minhas mãos nas bochechas dele, com as dele no meu quadril, me puxando para mais perto de forma que ele pudesse conectar os nossos lábios em um beijo. Não era nada fervoroso, como era o costume. Era o encontro de duas almas apaixonadas, ligando-se no plano físico.

“Eu te amo demais.”

“Eu também, querida, eu também.”


|Outubro, 2017|


Uma pilha de roupas, junto com sapatos espalhados, fazia uma bagunça no chão do nosso quarto. Não que eu ou nos importássemos muito, estávamos mais ocupados em normalizar a nossa respiração, o suor gelado no nosso corpo enquanto dois sorrisos cansados, mas felizes, adornavam nossos rostos. Nós tínhamos feito uma bagunça e tanto hoje à noite.

Suponho que tenha sido o tempo longo demais que nós passamos sem nos ver que causou tanta fome um pelo outro. Ele tinha sido designado uma missão no Afeganistão, uma que levou dois meses para ser concluída. O que significa que quando ele retornou, não tinha outra coisa senão afirmar com as nossas ações o quanto nós nos amávamos e sentíamos saudades. O resto não importava.

“Docinho?” Ele murmurou sereno, depois de me puxar para deitar a cabeça no peito dele, as mãos acariciando as minhas costas com calma. “Você não falou muito… Tá tudo bem?”

“Claro que tá, , só tô um pouco anestesiada. É tudo.”
O homem riu alto, balançando a cabeça enquanto apertava os braços ao meu redor em um abraço desengonçado. Eu, pelo outro lado, apenas sorri, ocupando-me com desenhos imaginários no braço pálido. Era tão bom estar perto dele de novo… Não precisava de muita conversa, apenas a sensação da pele dele contra a minha, protegendo-me do outono, era suficiente. A pior estação do ano estava se aproximando.

“Estive pensando...”

“Você, pensando? Isso é que é novidade. O que eles fizeram com você lá?” A piada fez uma careta aparecer na cara dele e eu ri, olhando pra cima. “Tô brincando, meu amor.”

“Engraçadinha.” Ele se afastou, deitando-se de lado para que nós pudéssemos nos olhar frente a frente. “É sério.”

“Diz. O que é que aflige essa cabecinha linda?”

“Então, bem, nós já estamos casados há dois anos...”

“Sim, estamos.” Um sorrisinho apareceu, ver ele nervoso era algo que eu provavelmente nunca iria achar que não era a coisa mais adorável. “O que é que você quer me dizer?”

O toque quente dele esgueirou-se para as minhas bochechas, apertando-as levemente e guiando a minha vista diretamente para aquelas íris que eu julgava serem as mais bonitas, tão profundas e expressivas. Elas nunca estiveram mais brilhantes. parecia feliz, as feições descansadas. Por um momento, tive de fechar os olhos, a intensidade das minhas emoções grande demais para que eu mantivesse a troca silenciosa de olhares.

“Não quero que você se sinta pressionada com o que eu vou dizer. Se você não quiser, tá tudo bem comigo. Você sabe que o que te faz feliz me faz feliz também.”

“Só me fala de uma vez.”

“Um filho. Eu quero ter um filho. Nós já estamos juntos há cinco anos, nós estamos casados, temos trabalhos estáveis… É a hora perfeita de começar a nossa família, você não acha?”

“Caramba, . Espera um minuto, eu… Droga.”

Sentei-me na cama, muito maior do que nós precisávamos, e observei a expressão dele com cuidado, a chama de esperança se apagando dos olhos dele. O problema não é não querer ter uma família com ele. Se existia alguém com quem eu gostaria de ter um filho, essa pessoa era . Ainda assim, eu não poderia ignorar o fato de que ele trabalha para o governo como um agente da CIA. É um trabalho perigoso. Na maior parte do tempo eu temia que ele não ia voltar inteiro das missões. Para piorar, ele tinha vários inimigos. Não sabia se conseguia arriscar a vida de uma criança daquela forma.

“Eu sei o que você tá pensando.” murmurou, sentando-se também. “Conheço essa cara.”

“Então você já sabe por que não podemos fazer isso.”

“Mas você quer, não quer?”
“É claro que eu quero. Não tem absolutamente nada que eu não queira com você.” Suspirei, balançando a cabeça negativamente, chorando por toda a confusão que eu estava sentindo. “É perigoso, e eu não posso fazer isso. Não com uma criança.”

“Eu vou me demitir.” Tudo, desde os detalhes firmes do rosto até a tensão nos ombros, me dizia que ele não estava falando aquilo no calor do momento. “Eu consigo encontrar outro. Ou talvez possa trabalhar com você na clínica veterinária. Não importa.”

“Não.” Toquei no antebraço dele gentilmente. “Eu não posso deixar você desistir de um trabalho que eu sei que você ama. Eu te amo demais pra permitir isso.”

“Me escuta.” Ele puxou minha mão para as dele, o calor vindo delas reconfortante. “Eu sei de todo o prejuízo que ele nos causou. Porra, eu odeio quando eu tô longe de você. Não quero mais fazer isso, então, no final do ano, eu vou entregar a minha carta de demissão.”

“Meu amor...”

“Não vem com isso de ‘meu amor’, eu já me decidi. Eu posso ficar no time de treinamento, preparando os novos recrutas, mas eu não quero mais missões. Cansei.”

“Promete pra mim que isso é o que você quer?”

“Juro de pés juntos, é isso que eu quero, neném.”

Então, num movimento rápido, sentei no colo de , meus braços ao redor do pescoço dele. O beijo que se seguiu não foi nada gentil, tinha um quê de desespero, com apertos, mordidas e gemidos. Eu sabia que no dia seguinte nós dois estaríamos cobertos de marcas, provas de tudo que tinha acontecido no dia anterior, porém eu estava em êxtase. Se alguém me perguntasse, eu jamais admitiria, mas eu estava feliz que tomara aquela decisão. Era horrível ter que passar tanto tempo longe dele. Agora eu sentia que conseguia respirar novamente, o peso da preocupação com a segurança dele desapareceu.

Apenas alguns momentos depois é que quebramos o beijo, ainda arfando.

“Vou te perguntar de novo agora.” Ele sussurrou, esfregando minhas costas lentamente. “Você quer, Sra. , fazer um filho comigo?”

“Você é tão brega.” Eu ri, escondendo meu rosto no pescoço dele, ficando intoxicada com o cheiro amadeirado que emanava dele. “Sim, eu quero, Sr. . Vamos fazer um filho juntos.”

“Vai ser um prazer.” Meu marido respondeu, em tom de brincadeira, ainda que eu pudesse sentir a “alegria” dele cutucando a minha coxa.

“Espero que seja um prazer para nós dois.”

“Não se preocupa, docinho, eu garanto que vai ser.”

“Preciso de provas.”

Rindo, me empurrou para o colchão, posicionando-se entre as minhas pernas, que eu ligeiramente cruzei ao redor da cintura dele. O nariz dele tocou o meu brevemente, uma provocação antes de finalmente me beijar como se não houvesse amanhã. A noite ia mesmo ser divertida.


|14 de novembro de 2017|


Enquanto colocava um pouco de chá em uma grande xícara branca, vestindo os meus mais grossos suéteres, eu comecei a pensar se um dia ia me acostumar a sentir saudade do . Ele tinha ido embora apenas uma semana atrás, mas todas as manhãs que eu acordava sozinha, uma dor chata se espalhava pelo meu peito. Não importava quantas vezes a gente já tivesse passado por isso antes, eu nunca estava completa sem ele.

Alguns dos meus amigos diziam que eu estava viciada nele, que aquilo não era natural, mas eles não sabiam muito da nossa vida pessoal, nem do quanto a gente se amava. Nunca fui de dar pormenores, não que alguém fosse entender desse sentimento louco.

Respirando fundo, eu decidi que seria melhor ir para o meu quarto, no primeiro andar, e me enrolar nos lençóis. Eu tinha acordado com uma náusea horrível, que perdurou o dia inteiro, nem sequer fui ao trabalho, gemendo ao telefone para Cris que não me sentia mesmo nada bem. Ela, como a melhor pessoa que eu conhecia, ofereceu para deixar uma panela de sopa na minha casa quando tivesse fechado a clínica, até ofereceu para ficar comigo hoje à noite, que não era bom ficar sozinha se estava me sentindo mal. Não era necessário, então, depois de me assistir devorar dois pratos, ela foi embora, afirmando que eu deveria ligar se sentisse qualquer coisa de estranho.

A verdade é que eu já estava melhor, deveria ser alguma virose ou algo do tipo. Não tinha que preocupar ninguém com aquilo.

No momento em que eu entrei no quarto, meu celular começou a tocar e eu corri para atender, meu coração batendo mais forte. Eu sabia que nessa hora, quase onze horas da noite, só poderia ser ele. Só poderia ser . Meu Deus, eu precisava muito ver o rosto dele de novo.

Oi, meu amor.” Ele falou, acenando pra mim. “Como é que foi o teu dia hoje?”

“Estava um pouco doente, mas eu estou melhor.” Respondi honestamente, colocando o copo de chá na cabeceira. “Deve ter sido algo que eu comi.”

Você tem que se alimentar melhor, . Ainda mais agora que a gente tá tentando.

“Sim, você tem razão. Só queria que você estivesse aqui.”

Falta pouco, neném, só mais uma semana, ok?

“É, eu sei.” Bebericando o meu chá de cereja com maçã, eu olhei para ele, observando o sorriso crescer. Eu amava demais aquele homem. “Você tá bem?”

Estaria, se eu tivesse você dormindo coladinha comigo, mas como não tá, só posso dizer que estou ‘mais ou menos’. Meu coração sente a tua falta o tempo inteiro, e outras partes do meu corpo sentem também.

“Que horror, seu pervertido!”

Nossa ligação demorou mais ou menos uma hora, uma conversa que me fez esquecer que eu estive doente ou triste alguma vez nesse dia. Nós rimos, contamos os detalhes do nosso dia, o dele, claro, muito mais movimentado, várias piadas, alguns “eu te amo”, e quando nós finalmente percebemos, era muito tarde para qualquer um de nós estar acordado. bocejou enquanto eu me espreguicei, mal conseguindo manter os meus olhos abertos.

A gente precisa ir dormir.

“Sim, acho que sim, meu amor.” Concordei, piscando sonolenta.

Eu te amo, minha menina.

“Eu te amo mais.”

Ele olhou pra mim, sério, parando por um momento, a respiração dele mudando, se tornando mais profunda. Tive a sensação de que ele tinha ficado chateado, claro que só durou alguns segundos, porque ele começou a rir, contagiante. Eu não consegui evitar o riso, ver ele tão alegre me fazia sentir maravilhosa por dentro.

Se você diz...

“Tchauzinho, meu amor.”

Acenando uma última vez, o sorriso ainda esticado e amplo, desligou a ligação. Eu joguei meu celular para o lado dele da cama, suspirando com deleite e me sentindo calma pela primeira vez em alguns dias. Alguns segundos mais tarde, senti meu corpo ser embalado por um sono calmo, a imagem tão bonita do meu marido ainda flutuando nos meus pensamentos.


|16 de novembro de 2017|


Hoje marcava exatamente dois dias desde que eu tinha falado com o meu marido e, como era óbvio, eu estava começando a me sentir ansiosa. Nos cinco anos em que estamos juntos, não importava o quão distante ele estivesse de mim, sempre achávamos uma maneira de nos comunicar. Alguns dias eram meras mensagens, outros, conseguimos ligar. Então era bem estranho que ele não tivesse nenhum tipo de contato, mas eu estava tentando arduamente não me deixar levar pelos meus pensamentos ruins. estava provavelmente com um grande problema nas mãos e não podia fazer nenhuma pausa. Sim, era a possibilidade mais possível.

Com positividade, eu me levantei da cama e fui para cozinha, onde preparei uma vitamina rapidamente com morangos, laranja e banana. Saciada, voltei pro quarto, tomando um banho rápido. Já vestida em minhas roupas normais de trabalho, sentei na cama, pegando mais um antiácido. O mal-estar continuava, mas eu precisava trabalhar. Não podia simplesmente continuar em casa, minha clínica precisava de mim. Além do mais, eu sabia que lá eu conseguiria sair da minha cabeça. Seria apenas eu e os meus bichinhos.

E durante todo o dia, eu tive que lutar para não ficar olhando pro meu celular. Não fazia nenhum bem ficar me martirizando. Ele era bom demais no trabalho dele para que eu ficasse duvidando das capacidades dele assim. Era inútil me preocupar, e ele também não ia querer que eu ficasse assim. Na melhor das hipóteses, estava voltando pra casa mais cedo e queria me fazer uma surpresa estúpida.

Balançando a cabeça, direcionei minha atenção para último animal que eu tinha uma consulta. Minha cabeça estava leve, como se minha pressão estivesse baixa ou algo do tipo. Não tinha comido desde a hora do almoço, e já eram quase oito da noite, claro que ela estaria baixa. Conseguia ouvir a voz de reclamando por não tomar conta de mim mesma direito.
“Esse filhote tá bem saudável.” Eu disse, coçando as orelhinhas do cãozinho na mesa de vacinas. “Pelo que eu percebi, ele só parece ter um leve resfriado, nada muito sério. Esse meninão vai melhorar em alguns dias, receitei alguns expectorantes e agora é só garantir que ele se alimente bem.”

“Tudo bem, então.” A mulher de sessenta e poucos anos sorriu para mim. “Obrigada, Sra. .”

“Me chama de , por favor. E eu que agradeço por ter escolhido nossa clínica para cuidar desse pequenino.” Nós apertamos as mãos brevemente. “Se não melhorar em uma semana, traz ele de novo aqui.”

“Farei isso sim. De novo, muito obrigada, .”

A sra. Emerson acenou em despedida e desapareceu pela porta de mogno do meu escritório, deixando-me completamente sozinha hoje. Suspirei, cansada, sentando e puxando uma papelada que a Helen pedira que eu desse uma olhada, análises sanguíneas para os animais que tinham cirurgias agendadas para a próxima semana.

Eu até consegui me concentrar um pouco e terminar todo o trabalho que eu tinha para aquele dia. Por fim, com as pequenas anotações sobre quais estavam liberados para a cirurgia e os que ainda não poderiam por alterações nos exames, eu guardei tudo dentro da minha gaveta.

Com a minha bolsa no ombro, fechei a minha sala, Cris já tinha ido embora e Phillip ainda ajeitava alguns sacos de ração que tinham chegado pela tarde. Cumprimentei-o e perguntei se poderia fechar hoje, pelo que recebi uma resposta afirmativa e fui embora, ainda confusa que no meu celular não tinha nenhuma mensagem nova. Meu Deus, se isso fosse uma estúpida surpresa, eu ia matar aquele desgraçado.

Do lado de fora estava frio, meu casaco completamente fechado. Por dentro ainda conseguia sentir o perfume pungente do , era daquele tipo que uma gota deixava tudo impregnado. Sorri. Eu sentia tanta saudade dele.

Pequenas gotas de chuva começaram a cair, o tráfego de volta para casa mais pesado, tantos carros e eu não consegui conter alguns palavrões. Normalmente eu levava apenas dez minutos pra chegar em casa, mas beiravam às nove horas quando finalmente estacionei em frente à minha casa, percebendo um Mercedes preto estacionado. Meu sangue congelou, uma sensação de pavor tomando conta de mim. Por favor, que não seja na minha casa, que não seja na minha casa...

“Sra. , espere!”

Virei-me lentamente.

“Sim?”
“Meu nome é Madison Anthony.” A bela mulher que me impediu de entrar na minha casa, a mão no meu pulso, apresentou-se com a maior polidez que eu já havia visto. “Eu trabalho com o teu marido, .”

“Ah.” Foi tudo que eu consegui dizer. Patético.

“Posso falar com você por um instante?”

“Pode.” Me senti minúscula dentro do meu casaco. “Podemos entrar? Tá muito frio aqui fora.”

“Claro.”

Não conseguia deixar minha curiosidade de lado, observando Madison e procurando por qualquer razão que pudesse explicar por que ela estava aqui. É claro que não consegui enxergar nada, ela tinha os traços contidos e estava apenas muito séria. Mas eu sabia que tinha algo de errado com ele, meu estômago dando saltos e o pouco que eu tinha comido no almoço prestes a sair.

Comecei a tremer, as chaves quase caindo da minha mão enquanto tentava abrir a porta. Se ela percebeu, não disse nada, o rosto imaculado. Talvez ela já estivesse habituada a esposas preocupadas com os cônjuges assim.

“Você quer alguma coisa?” Questionei, mordendo meu lábio inferior. “Um copo de água? Suco? Tenho certeza que se precisar de algo mais forte, deve ter uma garrafa de uísque em algum lugar...”

“Não precisa… Mas talvez seria melhor se você se sentasse, pra que a gente converse.”
“Eu sei o que você vai dizer, tá bem? E eu não sei se eu estou preparada pra ouvir.”

Pela primeira vez, Madison sorriu, ainda que um leve repuxar de lábios. Uma das mãos no meu braço, guiando-me para o sofá, onde sentei, as molas estalando suavemente. Ela estava do meu lado, ainda mantendo contato físico.

“Quão mal?” As palavras saíram tão baixas que eu não tive certeza se Anthony as havia entendido.

“Desculpa?”
. Ele tá machucado, não tá? É por isso que ele não me ligou nesses últimos dias.”

“Sra. ...”

.” Corrigi-a, lágrimas acumulando-se nos meus olhos. “Quando eu posso ver ele?”

“Receio que seja um pouco mais grave que apenas um ferimento.”

“O que é que você quer dizer? Ele tá em coma ou algo assim?”

Madison exalou, audível, com ar de que não queria ter de dizer o que iria dizer.

, ah, ele...” A voz dela tremeu por um milissegundo. “Ele, sinto muito, mas ele faleceu.”

No começo, a informação pareceu disjunta no meu cérebro, algo sem sentido flutuando num mar de pensamentos. Porque não podia ser verdade. , meu marido, o futuro pai dos meus filhos, nunca, nunca, me deixaria assim. Nós tínhamos feito promessas! Nós íamos formar uma família. Pelo amor de Deus, a gente jurou que ia envelhecer junto. Era uma mentira. Uma mentira cruel.

Mas Madison apertou gentilmente meu ombro, tentando me confortar. Não era mentira, finalmente me dei conta. Ele não ia aparecer de repente e gritar “surpresa”. Foi então que eu caí com tudo, um avião aterrissando no meio do mar. Todos os meus sentidos me abandonaram ali.


--


A minha respiração estava difícil, sorvos barulhentos apenas para conseguir obter o mínimo. Meus olhos lutam para sair da escuridão e nevoeiro que me impediam de ver direito. De qualquer forma, quanto mais eu tentava, mais eu percebia que, no fundo, eu não queria fazer aquilo. Porque significaria viver num mundo onde eu não ia ter a minha alma gêmea do meu lado. E eu não queria viver naquele mundo.

, você está bem?”

“Não, claro que eu não tô.” Lágrimas começaram a cair torrencialmente, minha respiração defasando tão rápido quanto. “Eu… Eu… O que é que aconteceu?”

“Ele foi acertado por uma bala perdida, nós tentamos de tudo para trazê-lo de volta, mas a bala estava alojada muito fundo e ele perdeu tanto sangue...”

“Quando é que eu posso vê-lo? O corpo dele.”

“Logo, nós estamos fazendo todos os ajustes para o funeral. Não precisa se preocupar.”

“Tá bem, eu-”

Mas eu não consegui terminar a frase.


--


Quando acordei novamente, eu não estava mais em casa, mas em um lugar muito claro e branco. Tinha tubos conectados ao meu corpo, um soro pingando e um monitor apitando para cada batimento meu. Por que eu estava em um hospital?

Naquele momento, uma enfermeira entrou no meu quarto, um crachá no pescoço indicando o nome Aubrey. Ela tinha um sorriso educado no rosto, os olhos castanhos me olhando e avaliando o meu atual estado, possivelmente. Grunhi enquanto me sentava.

“Como é que você está se sentindo, Sra. ?”

“Péssima.”

“Perfeitamente normal, você passou por um evento traumático e vai precisar de tempo para se recuperar.”

“Por que é que eu tô aqui?”

“Uma mulher chamada Madison Anthony te trouxe ontem à noite, quando você estava desmaiada. Ela nos informou sobre o seu marido, então nós estávamos certos de que era apenas o estresse, mas nós fizemos alguns testes e-”

“Ah, tá.” A sensação de uma âncora pesada me levando para baixo voltou, as lembranças da noite anterior espirrando na minha cabeça. “E cadê ela?”

“A senhorita Anthony não pode ficar, então ela chamou uma amiga sua, Cristina Anderson?” A mulher disse, os olhos cautelosos. “Mas eu tenho boas notícias.”

“Boas notícias?” Falei um oitavo mais alto, os olhos estreitos. “A única boa notícia que você poderia me dar é que eu tô morrendo.”

“Sra. , eu queria que tivesse algo que eu pudesse dizer além de que eu sinto muito pela sua perda.”

“Cala a boca, nenhum de vocês entende o que é que eu tô passando. Eu… merda, eu quero morrer, ok? Por favor, me injeta com alguma coisa. Alivia a minha dor. Eu te dou os direitos.”

“Não posso fazer isso.”
“Por que não?”

“Primeiro porque eu estaria cometendo um crime, e segundo porque a senhora está grávida.”

“Eu tô o quê?”

“Nós fizemos alguns testes, apenas para ter certeza de que a sua reação era apenas pelo estado de estresse extremo. A sua amiga nos disse que você tem estado doente por alguns dias. Eu sei que esse é o pior momento para que você esteja recebendo esta notícia, mas… Você está grávida.”


--


| Dezembro, 2017 |


Tudo para mim ainda era difícil. Levantar de manhã, não sentir os braços dele apertados na minha cintura ou ouvir os sussurros de quanto ele me ama, rouco. Eu ainda estava paralisada pela dor, e eu não conseguia ver como estaria melhor num futuro próximo, apesar de precisar estar dada minha situação atual.

Tomei um gole do meu chá, tentando controlar as lágrimas que ameaçavam retornar. A chuva amenizou um pouco, porém o vento continuou assobiando, batendo forte no meu rosto e deixando as minhas bochechas avermelhadas. Lembrar dele sempre me fazia sentir como se estivesse em casa, pelo menos por um pouco.

“Queria tanto que você estivesse aqui, meu amor.” As mãos pousadas na minha barriga, que dava os primeiros sinais. Eu sussurrei para o vento, com esperança de que, onde quer que ele estivesse, me ouvisse. “Pra ver esse bebê que você quis tanto crescer. Eu entendo que você teve que ir embora, mas seria tão melhor se você estivesse aqui pra viver tudo isso comigo...”

Uma única lágrima escorreu. Eu ainda tinha tanta coisa pra dizer a ele… Eu queria vê-lo de novo, ouvir a voz dele, abraçá-lo uma última vez, dizer que eu o amava mais do que tudo. Que ele era a pessoa mais importante no mundo pra mim e que eu nunca mais me sentiria tão completa de novo. Que nada seria exatamente igual sem ele. Eu daria tudo para poder fazer isso.

A cara feliz dele assombrava os meus pensamentos, as últimas palavras repetindo a si mesmas de novo e de novo na minha cabeça… “Se você diz”. Era tão irônico que mesmo destruindo o meu coração, ainda me deixou com um presente. Um pequeno pedacinho dele pra me lembrar que ele sempre estaria do meu lado. O último desejo dele se tornaria realidade.

“Eu espero que você esteja vendo a gente daí, e que saiba que eu ainda te amo mais.”

E, depois de dizer isso, uma brisa suave atingiu o meu rosto, como se ele tivesse me respondendo. Sorri, entrando no meu quarto, mais segura do que nunca de que, contanto eu o tivesse no meu coração, sempre estaria comigo.




Fim.



Nota da autora: Não sei de onde veio esse espírito de fic triste, mas tá aí. Espero que vocês tenham gostado, e se puder, deixa um comentário que eu vou gostar bastante.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus