Finalizada em: 01/05/2018

Capítulo Único

A brisa matinal soprava suave, balançando as folhas amareladas que ainda resistiam nos galhos das árvores. Quando a maior parte delas se encontravam no chão, cobrindo a grama verde e formando algo parecido a um belo tapete natural. Apesar do brilho do sol, a temperatura era amena naquela manhã de outono, e caso alguém decidisse sair de casa a aquela hora, precisaria de um casaco leve para vagar pelas ruas.
O garoto sabia muito bem disso, assim, antes de deixar sua casa levou consigo um moletom escuro surrado. O tinha há muito tempo, mas ainda servia para espantar a friagem. Além do mais não podia se dar ao luxo de querer algo novo. Não quando sua família passava por tantas dificuldades.
Suspirando, o jovem se recostou no tronco de uma das árvores do jardim, fitando o céu quase sem nuvens. Já estava ali há certo tempo e não pensava em ir embora tão cedo. Só deixaria o lugar quando completasse o seu objetivo. Sentindo o vento gelado açoitar sua face, finalmente ouviu passos naquela direção. Erguendo os olhos, viu o momento em que ela passou um pouco distante, seguindo mais à frente, onde um campo aberto ficava.
A observou caminhar, não deixando que nenhum detalhe escapasse. Os cabelos soltos dançando com o vento, os passos tranquilos e ritmados, as mãos ao lado do corpo, a conduzindo graciosamente. Estava tão bonita quanto das outras vezes. Intimidado, encolheu os ombros. Até aquele momento parecia que toda a coragem do mundo o rodeava, todavia, bastou vê-la por um instante e isso tudo se dissipou. Tudo o que sentia agora era medo.
O que ela pensaria sobre ele quando soubesse a verdade sobre seus sentimentos?
O pior é que não era a primeira vez que se sentia assim. Não. Aquela cena se repetia a mais tempo do que gostaria. Porém, era covarde demais para se afastar daquele tronco e segui-la.
– Eu sou mesmo um idiota... – murmurou, cerrando os punhos.
Então, como sempre fazia, preparou-se para voltar para casa, afinal precisava ajudar os pais. No momento em que se afastou da árvore, a brisa trouxe algo que se grudou em seu casaco. Levemente surpreso, o garoto parou e pegou a pequena flor cor de rosa. A fitou, analisando suas pétalas arredondadas e delicadas. Sabendo de onde ela vinha, virou metade do corpo na direção. Era o mesmo caminho que gostaria de ter feito desde a primeira vez.
Voltando a olhar para a delicada flor, o loiro respirou fundo. Talvez ela quisesse lhe mostrar algo, talvez dissesse para não desistir. Ele não sabia. A única coisa de que tinha certeza era que ter aquela pequena planta entre seus dedos renovou a sua coragem e ele não a deixaria passar novamente.
Decidido, voltou-se para o caminho por onde ela havia ido. Sem pensar, continuou com a flor entre os dedos, seguindo por entre as folhas amareladas que já começavam a ressecar. Caminhou a passos largos e decididos e quanto mais o fazia menos árvores via, assim como as folhas. Aos poucos tudo voltava a ser verde. E quanto mais seguia mais grama avistava. Foi quando viu uma enorme área coberta por flores. E eram exatamente como aquela entre seus dedos. Nunca havia chegado até aquela parte e se arrependia, pois era um dos lugares mais bonitos de sua cidade.
Diminuindo as passadas, pôde contemplar a beleza daquela paisagem em contraste com o azul celeste que era intenso naquele dia. Deu mais dois passos, adentrando entre as flores que iam até um pouco acima de seus joelhos. Algumas eram um pouco mais altas e ele conseguia tocá-las com as pontas dos dedos. Perdeu-se na sensação agradável por um segundo, mas então a viu. Sentada na grama mais a frente, onde havia apenas alguns punhados de flores aqui e ali, ela apoiava as mãos no chão, olhando para cima.
Lá estava ela. A garota que conhecia desde que era uma criança. Aquela que o havia defendido dos valentões da escola e que dividiu o lanche toda as vezes que o viu sem algo para comer durante o intervalo. A menina que se tornara sua melhor amiga e que agora era a dona do seu coração.
Enquanto se aproximava cautelosamente, não sabia exatamente o que dizer. Tinha até ensaiado mentalmente as palavras que achou serem as melhores, mas quando ela se virou em sua direção, fazendo com que seus olhares se encontrassem, ele soube que nada do que pensou faria sentido.
Ao ter seus olhos sobre si, parou onde estava, vendo-a se levantar.
– Genos-Kun?! – disse surpresa, enquanto limpava os pedaços de grama das calças. – Eu não vi você chegar.
-San! – foi o que conseguiu dizer. – Desculpe se a assustei.
– Não. – ela sorriu, balançando a cabeça. – Só não sabia que gostava de lugares como esse.
Aquele era o momento para começar a falar. Ela estava ali, parada em sua frente, o encarando com um belo sorriso. Era simples. Bastava contar e pronto. Entretanto, sua mente não parecia entender. Ainda que seu coração gritasse, seus pensamentos eram inquietantes.
Frustrado consigo mesmo, baixou os olhos por breves instantes e eles caíram sobre a flor que só agora percebeu que ainda segurava.
Kosumosu. – de repente a ouviu dizer e ergueu o rosto novamente, a encarando confuso.
– Como? – perguntou com o cenho franzido.
– É o nome da flor que está segurando. – ela respondeu, caminhando em sua direção. – Ela costuma florescer nessa época e por isso muitos a chamam de cerejeira do outono. Ou então pode chamá-la apenas de cosmos.
– Acho que não preciso perguntar onde aprendeu isso. – dessa vez, ele sorriu de lado.
Qualquer outra pessoa ficaria surpresa por alguém tão jovem entender tanto de flores, especialmente num tempo onde as pessoas não se importavam mais com elas e seus significados. Todavia, não era de impressionar que soubesse tanto, já que sua família era dona de uma das floriculturas da cidade.
– Acho que não. – soltou um riso divertido.
Ainda que não fossem ricos, a família dela tinha uma melhor condição de vida que a sua e, sempre que podiam, os ajudavam. O garoto era grato por isso, mas queria ele mesmo poder fazer isso pelos da sua casa.
– E se quiser, podemos continuar falando muito mais sobre elas. – a garota jogou os cabelos para o lado.
Poderia parecer um simples gesto, mas não para Genos. A brisa elevou seus fios por um breve momento, espalhando seu perfume floral, o embriagando. Ficou a observá-la, atônito, até que a garota percebeu que o amigo permanecia muito quieto. Ele não costumava falar mais que o necessário, ela tinha consciência, porém, era diferente quando estavam sozinhos.
Se conheciam desde a infância e desde então, não se recordava de terem se separado alguma vez. Quando se encontravam, conversavam horas a fio e compartilhavam seus desejos para o futuro, ainda que estes parecessem irreais. Era exatamente por esse motivo que o encarava com o cenho franzido. Seu melhor amigo tinha algum problema e ela, melhor do que ninguém, entendia isso.
– Genos-Kun. – o chamou mais uma vez. – Está tudo bem?
– Hm?! – o rapaz saiu de seu devaneio. – Eu... estou.
– Ah é? – apoiou uma mão no queixo, chegando-se ainda mais perto dele. – Não é o que parece.
, eu estou bem. – repetiu as palavras, deixando um leve suspiro escapar em seguida.
– Ei, nós somos amigos, lembra? – a menina voltou a sorrir. – Pode confiar em mim e contar tudo o que quiser.
Engolindo seco, o garoto decidiu que agora era a hora. Já havia enrolado demais. Eles eram amigos, o máximo que poderia receber era um não e ele o aceitaria sem insistir. Apenas precisava tirar aquele peso de seus ombros para voltar a ser sincero com ela.
Travando o maxilar, terminou a pouca distância que havia entre eles, ficando cara a cara com . Ao vê-lo tão perto, ela ergueu as sobrancelhas, como se perguntasse qual era o seu objetivo. Mesmo levemente confusa, ela gostaria de saber o que o loiro tinha a lhe falar. Genos reconheceu seu olhar e finalmente deixou que as palavras que tanto lhe atormentavam, deslizassem por entre seus lábios.
– Eu não sei quando tudo isso começou. – sua voz estava mais firme do que imaginou. – Apenas sei que um dia, sem nenhuma permissão, meu coração começou a bater mais forte a ponto de eu perder o fôlego. Eu não fazia ideia do que poderia significar, mas então comecei a prestar mais atenção e descobri o motivo.
– Qual? – ela perguntou num sussurro, surpresa com o que ele dizia.
– Cada vez que eu a via, que sentia o seu perfume e olhava em seus olhos. – enquanto dizia, levou uma mão até uma mecha dos cabelos dela, a colocando atrás da orelha. – Cada vez que o vento passava e balançava os seus cabelos. Era nesses momentos que meu coração palpitava descontrolado.
– Genos... – ela sussurrou, arregalando os olhos.
– Eu sei que é estranho, eu também achei no começo. – o garoto deslizou seus dedos até a pele macia de seu rosto. – E custei a entender o que aquelas batidas insistentes queriam dizer.
não disse nada, apenas deixou que ele continuasse. Delicadamente, Genos pegou sua mão direita e manteve entre a sua, sem deixar de encará-la. Agora que havia iniciado, precisava ir até o fim.
– Eu... eu amo você, . – finalmente as palavras saíram. – Não como uma amiga, mas muito mais do que isso. Não estou pedindo que entenda, entretanto, preciso saber o que sente por mim. Preciso me livrar dessa agonia em meu peito. Por favor.
A menina permaneceu estática, os orbes esbugalhados fitando o melhor amigo. No começo, não entendeu onde Genos queria chegar, mas agora que ele o havia dito com todas as palavras, não restava dúvidas.
– Você... – disse baixinho, perdendo a coragem de falar de repente.
Sob o olhar apreensivo do rapaz, ela fez a primeira coisa que pensou. Se afastou, o obrigando a soltar sua mão, dando dois passos para trás. Genos franziu o cenho, não compreendendo aquela reação, porém, não teve tempo para questiona-la, pois lhe deu as costas.
Assustada, a moça cruzou os braços como se quisesse se proteger do frio, ainda que usasse um casaco roxo suficientemente quente. Olhando ao redor viu o grande campo de flores de cosmos sendo suavemente balançadas pela brisa da manhã tendo como plano de fundo o céu azul. Permaneceu assim por um tempo que não saberia decifrar. Talvez um minuto ou quem sabe uma hora. Parada como uma estátua, processava as palavras do amigo sem conseguir acreditar.
Ele a amava.
Mas não como amiga e sim, como algo mais. Sem perceber uma lágrima escorreu por seu rosto, alcançando seus lábios, onde um singelo sorriso começava a surgir. Nunca, nem em seus maiores sonhos, ela imaginaria que Genos, seu melhor amigo desde que se entendia por gente, pudesse sentir algo semelhante àquilo.
O garoto de cabelos loiros espetados e pele alva, que apesar de sério, era inteligente e gentil. Que se esforçava para ajudar a família como podia e que, em meio a tudo isso, tinha tempo para ela. Ele a amava.
Respirando fundo, limpou o rosto molhado e se virou para sua direção. Se ele, tão reservado, conseguia dizer o que sentia, ela também poderia. Todavia, ao fazê-lo, seu sorriso murchou. Ele não estava mais lá.
– Não... – murmurou, desacreditada.
Aquilo era culpa sua, por agir como uma completa estúpida. Genos esperava uma resposta e sua reação deve ter sido para ele sinônimo de rejeição. Desesperada, a garota decidiu resolver aquele pequeno mal entendido. Antes, porém, correu até as flores de cosmos e colheu uma delas pelo caule fino e esverdeado.
Em seguida, correu na direção por onde achou que ele iria. Ela precisava resolver aquela questão de uma vez por todas. Enquanto andava pelo mesmo caminho que tinha feito para encontrar , o jovem de cabelos platinados permanecia fitando o chão, acompanhando os próprios passos.
Quando revelou para a amiga o que sentia, não achou que pudesse receber algo pior do que um não. Agora via que estava bem enganado. A reação dela diante de sua confissão estava além de tudo o que teria imaginado e a dor da rejeição assolava seu interior sem piedade. Teria sido melhor permanecer quieto do que ter o silêncio da garota que amava como a única resposta para sua agonia.
Suspirando, parou por um segundo, olhando para o céu no exato momento que uma nuvem passava em frente ao sol, escurecendo a paisagem. Era como se estivessem refletindo o seu humor, obscuro e decepcionado. Decepcionado não com , mas consigo por ter conseguido destruir uma amizade de anos.
O que seria deles dois agora?
Não teve tempo para uma resposta, pois ouviu alguém chamar seu nome. Confuso, franziu a testa se virando na direção de onde a voz vinha. Arregalou os olhos ao vê-la correndo, chutando as folhas amareladas com as botas escuras. Continuou no mesmo lugar, sem entender o motivo de estar ali, mas novamente não conseguiu uma resposta. Quando estava próxima o suficiente, a garota o abraçou com força, passando os braços ao redor de sua cintura, afundando o rosto em seu peito.
– Genos-Kun... – ela disse ofegante. – Eu... sinto muito.
De forma inconsciente, ele passou seus braços ao redor dela, numa clara tentativa de protegê-la, pois havia notado algo a mais. Suas palavras saiam entrecortadas não por conta do esforço físico, mas sim porque ela chorava.
... – a apertou mais contra si. – Está tudo bem.
– Por que sempre diz isso quando, claramente, não está nada bem? – ela fungou.
– Pode não estar agora... – ele disse, continuando após uma breve pausa. – Mas vai ficar.
Ao ouvir suas palavras, se afastou um pouco, podendo então olhá-lo de frente. Ela sabia que ele não iria chorar, pelo menos não em sua presença. Ainda assim, estando tão próxima, viu seus olhos marejados. Desfazendo o abraço, ela usou as costas das mãos para limpar o rosto e então Genos viu a pequena flor entre seus dedos.
Kosumoso. – ele repetiu baixinho apenas para si mesmo, porém, ela ouviu.
– Você aprende rápido, não é?! – no lugar do pranto um belo sorriso surgiu, o que o aliviou.
– Eu costumo prestar atenção ao que diz. – respondeu, baixando os olhos.
– Eu sei. – balançou a cabeça em concordância. – É por isso que tenho mais para te dizer sobre ela.
– Não sei se esse seria o momento. – o rapaz suspirou.
– Apenas escute. – ela lhe estendeu a mão. – Por favor.
Ainda com o rosto abaixado, Genos viu a mão dela surgir em sua frente. Hesitou um pouco, mas não tardou a pegá-la. Satisfeita com isso, a menina o conduziu até estarem embaixo de uma árvore grande, com uma copa repleta de folhas amarelas. Com calma, ela pediu que se sentasse e fez mesmo.
Ali, em meio as folhas ressecadas, os jovens permaneceram calados por incontáveis minutos, até que ergueu a flor que ainda segurava acima de suas cabeças. Genos olhou para lá, vendo as pétalas rosadas refletindo a luz do sol.
– Sabia que existe uma significado por trás da flor de cosmos? – a menina começou a dizer.
– Não. – respondeu apenas.
– Claro que não. – ela riu. – Então eu vou te contar.
Se virando para ele, pegou sua mão e colocou a flor em sua palma. O garoto apenas a observou calado.
– Pra muitas pessoas essa flor, assim como a maior parte das outras, serve apenas para adorno. – a garota disse. – Mas acontece que a cosmos, dentre todas elas, têm um significado especial pra mim.
– Significado especial? – a curiosidade falou alto.
– Desde muito tempo essas flores são o símbolo daqueles que tem o coração puro. – explicou. – E hoje, eu soube que isso é verdade.
Se aproximando mas, ela apoiou uma das mãos no rosto alvo dele e sorriu.
– Ao vê-lo revelar seus sentimentos, com tanta sinceridade em meio a um campo repleto delas e segurando uma delas. – ela riu abafado. – Você, Genos, é a pessoa com o coração mais puro que conheço e me contar tudo aquilo reforçou minha certeza.
– Talvez... – engolindo seco, ele desviou o olhar. – Talvez fosse melhor ter ficado calado.
– Não! – negou com a cabeça. – Isso não é verdade.
– Eu acabei com a nossa amizade. – Genos falou. – O que há de bom nisso?
– E por que acha isso? – foi a vez de ela franzir o cenho. – Por acaso sabe o que eu sinto?
Verdadeiramente confuso, o garoto a encarou. Havia revelado seus sentimentos para e recebera o silêncio como resposta. No entanto, ela estava ali, sorrindo, como se nada de mais tivesse acontecido. Seus olhos brilhavam como se refletissem a luz dos raios solares e havia certa ternura neles que o hipnotizavam.
Pensou por um segundo a mais e percebeu que ela tinha razão. Apesar de não ter recebido um sim, também não recebera um não. Ele não sabia o que ela sentia e, de certa forma, esse fato reacendeu uma pequena chama de esperança bem no fundo do seu peito.
– Você é sempre tão cabeça dura. – voltou a falar, soltando um riso divertido. – Não me impressiona que esteja sofrendo por algo que nem ao menos tem certeza de que é verdade.
– O que quer dizer? – questionou.
– Disse pra mim que quando sentiu seu coração bater mais rápido, não soube o que significava. – a jovem repetiu suas palavras.
– Sim... – murmurou após um suspiro discreto.
– Acontece que quando o meu coração perdeu o controle eu não precisei me esforçar para entender o que ele queria dizer. – de maneira gentil, acariciou o rosto dele com o polegar. – Só precisei olhar em seus olhos para saber que você era o motivo de tudo aquilo.
– Como assim? – Genos arregalou os olhos.
– Me desculpe se agi de forma estúpida, eu estava assustada por descobrir os seus sentimentos. – a garota admitiu. – Nem no meu mais belo sonho você sentiria algo parecido.
, por favor... – a olhou com as sobrancelhas erguidas.
– Você nunca percebeu, não é? – ela decidiu testá-lo mais um pouco.
– Percebi o quê? – dessa vez ele engoliu seco, pois imaginava que palavras poderiam vir a seguir.
– Que eu amo você. – a garota respondeu.
Enquanto sustentava seu sorriso costumeiro, acompanhava a reação do amigo. Genos permanecia boquiaberto, com os olhos arregalados. Era como se não acreditasse no que acabara de ouvir. Na verdade, ele não acreditou. Pelo menos não no começo. Mas então voltou a prestar atenção nos olhos de e reconheceu a sinceridade neles.
Conhecia aquela garota melhor do que ninguém e não havia dúvidas de que suas palavras eram verdadeiras. Piscando os olhos algumas vezes, tentou dizer algo, porém, foi como se tivesse perdido o dom da fala graças a surpresa que remexia com todo seu interior.
Ela o amava.
E ele nunca percebeu.
– Quanto tempo vamos ter que ficar aqui até você digerir isso? – de repente disse debochada.
– Me desculpe... – pigarreou, tentando encontrar algo decente para falar. – Eu só...
– Está tudo bem, Genos-Kun. – a menina piscou um dos olhos para ele.
– Está? – franziu o cenho.
– Bem... está quase. – apoiando a mão no queixo, olhou para cima fingindo pensar.
– O quê? – o rapaz ficou confuso. – Por quê?
– Como por quê? – ela voltou a encará-lo. – Acabamos de dizer o que sentimos e você ainda não me beijou.
Genos soltou um suspiro aliviado ao ouvir a sentença. Deveria esperar algo parecido vir de sua melhor amiga, sempre tão espontânea e divertida. As vezes custava a entender como puderam se tornar tão próximos mesmo sendo tão diferentes.
– Genos?! – a ouviu chamar seu nome. – O que tanto pensa?
– Nada. – sacudiu a cabeça. – É que... tem certeza disso?
– Genos-Kun... – suspirou, revirando os olhos.
– Tá, me desculpe! – ele fingiu se render.
– Vai ou não vai me beijar? – questionou, ainda fitando um ponto qualquer.
– Eu vou! – respondeu rapidamente.
o olhou diante de sua firmeza e deixou que um novo sorriso aparecesse. Inspirado por aquela bela visão, Genos se aproximou mais dela, apoiando uma mão seu rosto que estava incrivelmente quente apesar do frio que fazia. Por um segundo fitou seus lábios que permaneciam entreabertos, como se o convidassem. Em seguida a encarou nos olhos tão profundos.
Estava nervoso, assim como ela. Seria o primeiro beijo para ambos. Felizmente, haviam guardado esse momento para compartilhar, assim como faziam com todos os outros.
– Eu preciso... – ele murmurou quase inconscientemente.
Antes que a garota respondesse, aproximou seus lábios dos dela, fechando os olhos no processo. Quando as bocas se tocaram de forma gentil, uma corrente elétrica os atingiu em cheio, trazendo sobre os dois jovens uma sensação que nunca haviam experimentado. Era bom e eles queriam mais. Queriam sentir um ao outro.
Ainda que não soubessem direito o que faziam, o instinto e o desejo de partilharem a sensação que os aquecia internamente foi suficiente para que aprofundassem o beijo. Passando a mão pela cintura da amiga, Genos a trouxe para seu colo, sentido suas mãos macias alcançarem seus fios platinados. Para eles era como se mundo não importasse. Até parecia que o tempo havia parado para que pudessem aproveitar mais. Todavia, eles tinham a consciência que não e quando o ar faltou, foram obrigados a se afastar.
Encostaram as testas, permanecendo de olhos fechados. As respirações ofegantes se misturavam e nenhum deles sabia o que dizer.
– O que será de nós agora? – a menina perguntou.
– O que o destino quiser que seja. – o loiro respondeu, levando a mão direita até seus fios .
Com cuidado, colocou a pequena flor de cosmos neles perto de sua orelha, confirmando que isso a havia deixado ainda mais bonita.
Ao sentir o movimento, abriu as pálpebras, o encarando com um sorriso. Por que haviam demorado tanto para chegar até ali? Ela não fazia ideia. Mas agora que estavam juntos, queria aproveitar o quanto pudesse. Com isso mente, se aproximou para beijá-lo outra vez. Genos entendeu sua intenção e sorriu minimamente, pronto para retribuir o gesto. Todavia, um som estranho, semelhante a uma explosão, os assustou e se afastaram, confusos.
– O que foi isso? – a garota questionou, já se levantando.
– Eu não sei. – ele respondeu, se erguendo também.
Caminharam um pouco e então puderam ver a fumaça densa vindo da cidade.
– É onde nossas casas ficam! – se virou para ele, alarmada.
– Vamos ver o que está acontecendo. – respondeu, após respirar fundo.
Então a pegou pela mão e juntos correram em direção da rua onde moravam. Algo de errado acontecia e precisavam encontrar suas famílias para saber se estava bem.
Correram por algum tempo, virando em algumas esquinas. Quanto mais se aproximavam, mais destruição encontravam. Prédios parcialmente demolidos, carros tombados, postes caídos. Foi quando viram o fogo. Este provinha de algumas casas e apartamentos, o que fez o coração do rapaz se descompassar, dessa vez em desespero.
– Genos-Kun! – gritou quando viu no último minuto a faixada de uma loja desabar.
Parando de supetão, a garota viu a floricultura de sua família arder em chamas. Sem conseguir acreditar, as lágrimas encheram seus olhos e as mãos foram aos lábios, abafando um gemido de pesar. Rapidamente, Genos a trouxe para seus braços, a tirando de perto de lugar, conduzindo-a para um beco.
– O que está acontecendo? – mais uma vez ela disse, abraçando o amigo com força.
– Ei, vai ficar tudo bem. – disse, depositando um beijo em seus cabelos.
– Genos... – pensou em contrariá-lo.
– Eu sei, não está nada bem agora. – ele foi rápido em completar. – Mas vamos fazer assim.
Se afastando dela, a segurou pelos ombros e a olhos nos olhos. apenas o encarou de volta, aguardando suas palavras.
– Vamos encontrar nossas famílias e ter certeza de que estão bem. – explicou. – Depois volte e me encontre aqui, nesse mesmo lugar, ok?
– Tudo bem. – ela concordou.
– Vai ficar tudo bem. – o rapaz repetiu a sentença. – Eu prometo.
Por fim, a trouxe para si mais uma vez, unindo seus lábios num beijo urgente que foi retribuído com a mesma intensidade. Quando se afastaram, o olhou pela última vez antes de lhe dar as costas e correr em direção a sua casa.
Dada às circunstâncias, Genos poderia não ter notado, mas ele viu. Quando virou a esquina, a flor em seus cabelos caiu, alcançando o asfalto escuro. Em outra ocasião a pegaria de volta, mas não havia tempo. Precisava encontrar seus familiares.
Decidido, deixou as sombras, correndo em direção a sua casa. Haviam combinado de se reencontrar e ele confiava plenamente naquela promessa. Tudo iria ficar bem. Tudo precisava ficar bem.
É claro que, se Genos soubesse como as coisas teriam acabado naquele dia, não teria feito aquela promessa. Na verdade, se sequer imaginasse que um ciborgue descontrolado invadiria o lugar onde viviam, jamais teria permitido que ela voltasse para lá.
Aquela máquina havia destruído tudo, incluindo as pessoas que ele amava. De uma só vez, perdeu o pouco que tinha. Entre elas, estava . A viu pela última vez quando virou aquela esquina, então, quando se aproximava dos escombros da própria casa, ouviu seu grito.
Tentou voltar, mas a última coisa que viu foi um ciborgue e então perdeu a consciência. Quando despertou tudo o que sentia era apenas dor, em todos os sentidos. Por isso jurou a si mesmo que iria encontrar aquele infame assassino e que se vingaria por cada um que ele feriu.
Enquanto esse dia não chegasse, continuaria lutando. Agora era um ciborgue que lutava pela justiça e ajudaria onde fosse preciso. Ali, no telhado de um prédio qualquer da Cidade Z, analisava o perímetro com atenção.
Foi quando algo grudou em sua roupa.
Com os dedos metálicos tirou de lá a pequena flor que conhecia muito bem.
- Kosumosu. – murmurou para si mesmo enquanto a observava.
Já estava um pouco machucada, talvez por conta da viagem para chegar até ali. Ainda assim, continuava bela como sempre. Bela como ela.
Fechando os olhos com força, permitiu se lembrar da velha amiga por um segundo. Já não conseguia sentir como antes, porém, se lembrava bem da sensação de tê-la ao seu lado. Era libertador.
De repente, uma ventania passou, levando consigo as pétalas da cosmos. Enquanto as fitava flutuando sem rumo, o jovem suspirou. Agora não havia mais o que fazer. Mesmo que quisesse vê-la outra vez, sabia que não seria possível. Assim, concentrou-se no que poderia fazer melhor. Lutar pela justiça.
Caminhando mais um pouco, viu a carcaça de uma animal no chão, completamente ressecada. Cerrando os punhos, olhou para cima e encontrou o que procurava. Um enxame de mosquitos pairava sobre a cidade.
- Alvo localizado. – disse com seriedade.
O passado havia ficado para trás, deixando apenas boas lembranças. O agora se resumia a lutar pela justiça e era isso que ele faria. Por ela.




Fim



Nota da autora: Sem nota.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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