Let The World Burn

Finalizada em: Maio/2024

Ato I:

Eyes Don't Lie

A flecha escapou do meu arco enquanto acertava o alvo, mas não sem antes que a ponta dela ferisse meu indicador. Mil e um palavrões povoaram minha mente enquanto eu sentia o que não devia. Um fio prateado me ligava à pior pessoa que eu poderia estar presa: o rei do submundo. Eu sabia que tinha que escapar, a flecha que o atingiu não deveria carregar nenhum resquício de mim, porém ela carregou. Apenas uma única gota de sangue estabeleceu a ligação. Respirei fundo enquanto via Eros usar seu arco com maestria. Ele atingiu Perséfone sem problemas, mas eu tinha que estragar tudo!
Evitar Eros atrairia atenção indesejada, e eu precisava esconder aquele erro a qualquer custo, ainda mais que o rei do submundo não saía de sua toca com frequência. Ele era um dos três grandes do Olimpo. Ares e Afrodite estavam loucos quando haviam tramado aquilo! Segui Eros para longe dali. Com alguma sorte, Hades se apaixonaria por Perséfone, como o plano previa. Durante todo o trajeto, eu senti Hades, eu senti sua confusão. Respirei fundo enquanto bloqueava meu lado do laço. Eu tinha consciência do que eu havia feito, estava completamente, indubitavelmente, apavorada! Assim que adentramos a mansão de Afrodite, nossa mãe, ela nos questionou. Ares estava ali, ele era o pai de Eros, mas não o meu. Hefesto, o marido de Afrodite, era o meu pai biológico. Embora Eros e eu fôssemos gêmeos, nossos pais eram diferentes. Eros havia herdado a beleza de Afrodite, no entanto, eu não era a sua filha mais bela; não para os padrões da deusa do amor e da beleza. Eros cumpria com as expectativas dela, o filho de ouro. Não era sua culpa, favoritismos sempre houveram entre os moradores do Olimpo, aquilo não mudaria nunca!
Eros cuidou de informar Afrodite. Ele havia visto minha flecha atingir Hades, eu não havia errado, mas ele não havia notado o laço criado entre o rei do submundo e eu. Ares permaneceu em silêncio, seus braços estavam ao redor da figura de Afrodite. Ela não se incomodava com a presença dele, ele era um dos seus amantes favoritos. Assim que ela nos liberou, deixei a residência, não morava ali desde a maturidade, vivia entre os mortais, embora Eros desaprovasse. Mesmo apenas cinco segundos mais velho que eu, agia como um irmão mais velho. Ele talvez fosse a única criatura viva que parecia reconhecer minha existência diante ao número de filhos e filhas que Afrodite possuía.

! ! — Ouvi Eros correr atrás de mim, enquanto passava pelo hall de entrada da mansão de Afrodite.
— Sim? — Me virei para Eros quando estava nos primeiros degraus externos, preparada para sair.
— Por que você está com tanta pressa para deixar o local? — ele me questionou. Eros ainda vivia ali, ele não parecia saber como eu me sentia.
— Você sabe que a minha vida não está aqui, irmão. Eros, você é o único que ainda se apega a coisas bobas. — Sorri suavemente, enquanto o olhava diretamente. — Estou indo para casa.
— Mas esta é a sua casa. — Eros foi firme ao dizer cada palavra, eu sorri calmamente para ele.
— Não mais, e você sabe disso — o respondi, bagunçando seu cabelo.
— Não fale assim. Eu me sinto como se fosse nos deixar para sempre — Eros me respondeu, preocupado.
— Você é o único que ainda se importa, irmãozinho. Não se preocupe tanto assim. — Sorri calmamente para ele, antes de começar a descer os degraus. — Não me chame quando tiver outro trabalho, eu sei que você não precisava da minha ajuda. Você pode me contatar, eu não vou fugir.
— Às vezes eu sinto como se você fosse desaparecer diante dos meus olhos — Eros me respondeu, enquanto sua tristeza era clara, tanto em sua expressão, quanto em seu tom de voz.

Subi os degraus e o abracei forte, me permitindo abaixar a guarda. Eu estava triste por ele. Minha relação com Afrodite não existia, reconhecemos a existência uma da outra, mas não interagimos. Eu não poderia culpá-lo, mas também não poderia ficar naquela residência por ele. Quando me afastei de lá, eu senti o laço, o fio prateado estava claro como o dia, o que significava que ele estava ali e a ponte entre nós estava aberta. Ela havia se aberto quando abaixei minha guarda com Eros. Aquele laço era uma espada de dois gumes, um segredo que ninguém deveria conhecer, um erro que não deveria existir!


Ato II:

Talvez eu não fosse sua pessoa favorita

Ele estava zangado. Bem, ele estava muito além disso. Sem dizer uma única palavra, ele abriu uma passagem para seu reino, seu mundo, e, com um gesto, indicou que eu deveria o seguir. Havia cometido erros demais naquele dia, não desejava abusar da sorte, antes deveria consertar o erro que havia cometido o mais rápido possível! A face de Hades estava escondida por uma balaclava, suas roupas eram algo como a moda do mundo humano. havia se tornado uma nomenclatura para o rei do submundo. Hades possuía muitos nomes, ele não se importava o suficiente para barrar algo tão efêmero quanto aquilo. Ele me levou por corredores de pedra Ônix, no mais profundo tom de preto. Havia luzes para todos os lados, enquanto obras de arte decoravam as paredes do corredor. Estava pisando sobre um tapete macio que abafava o som dos passos. Tons escuros, dourados dos artefatos de ouro e algumas pedras preciosas enfeitavam a residência enquanto ele andava em minha frente, em silêncio, enquanto esperava que eu estivesse o seguindo. Cerberus apareceu, suas três cabeças estavam fixas em mim. O nervosismo foi sentido por Hades, que o dispensou com um assobio assim que ele fez carinho em suas três cabeças.

— O que foi que você fez, criança? — A voz grave e profunda de Hades me atingiu com força, suas palavras carregavam uma irritação silenciosa, seus olhos emitiam um brilho perigoso.
— Eu cometi um erro — o respondi, ainda de pé. Ele havia se sentado em sua cadeira imponente. Estávamos no que parecia ser um escritório.
— Sua pontaria diz o contrário. Me explique as razões por trás de seus atos. — Ele sinalizou para que eu me sentasse, mas eu estava nervosa. Mesmo que ele não estivesse gritando comigo, eu sentia cada célula no meu corpo gritar para que eu fugisse. — Você não vai a lugar algum enquanto eu não tiver minhas respostas, coelhinha.

Me sentia como uma presa diante do olhar de Hades, como um maldito coelho que foi encurralado por um lobo. Mesmo que seus lábios estivessem ocultados pela balaclava de caveira, eu sentia que ele estava sorrindo. Seus olhos possuíam um brilho predatório. Movida pelo instinto de autopreservação, dei alguns passos para trás, imaginando o quanto eu conseguia correr antes que ele me alcançasse, mas então eu senti seu poder. Aquele era o reino dele, sua presença era esmagadoramente poderosa, eu estava sem saída. Me sentei sobre a poltrona em frente da mesa dele. Os olhos de Hades estavam sobre mim o tempo todo.
— Não era para eu estar ali — o respondi, em um tom baixo, enquanto tentava recuperar minha voz, que parecia ter se perdido diante da presença quase opressora dele. — Foi um erro.
— Um cupido não erra uma flecha, coelhinha — ele me respondeu rapidamente, questionando minha resposta anterior.
— Não, mas eu errei. A flecha que te acertou carregava uma gota do meu sangue, é por essa razão que um laço se formou entre nós — o respondi, respirando fundo, tentando acalmar meus batimentos cardíacos. Como eu ainda não havia fechado a ponte entre nós, Hades sabia exatamente como eu me sentia naquele momento.
— Você não erra, minha cara coelhinha. — Hades se levantou, dando a volta em sua mesa. Ele colocou cada uma de suas mãos nos braços da poltrona enquanto me encarava, me aprisionando com sua presença. — A flecha me acertaria com ou sem seu sangue. Me conte o que está escondendo de mim. — Seus olhos travaram meu olhar. Era como se eu não conseguisse desviar os meus nem se eu quisesse.
— Perséfone era para ser a mulher que você deveria estar apaixonado nesse instante — o respondi em um sussurro, imóvel, incapaz de dizer o que ele faria. — Se ela te viu, então está apaixonada por você.
— Coelhinha, você não está me contando toda a verdade. — Ele tocou meu queixo, o levantando gentilmente, mas seu toque era firme, como uma ordem para que eu mantivesse meu olhar no dele.
— Eu lhe disse o que você precisava saber, nada além disso te diz respeito — o respondi, enquanto sentia a irritação crescente dele. Tirei sua mão da minha face. Eu poderia estar, literalmente, em suas mãos, mas não me curvaria a ele, não importava o quão intimidador ele fosse. — Estamos presos nessa situação por minha culpa, um erro que não deveria existir, um descuido que me trouxe até você.
— Eu suponho então que seu erro é um segredo. — Ele voltou a segurar meu queixo com firmeza, seu polegar acariciou minha bochecha. — E como você pretende desfazer isso, minha coelhinha?
— Pare de me chamar assim. — O encarei irritada, eu não era a presa dele.
— Eu a chamarei como eu quiser. — Ele riu, enquanto aproximava minha face da dele. — Como desfazemos isso?
— Eu não sei — o respondi entredentes, enquanto sentia a outra mão dele brincar com a parte interna do meu pulso.
— Seus olhos se tornam belos quando está irritada. Prefiro seus olhos faiscando do que banhados de medo. — Ele soltou meu queixo, enquanto se apoiava na mesa atrás dele.
— Eu vou resolver isso o mais rápido que eu conseguir, mas, para isso, preciso que me leve para uma das saídas. — Me levantei, pronta para partir, ignorando completamente sua fala anterior.
— Minha cara coelhinha, você ainda aprenderá que, por aqui, sou eu quem dá as ordens. — Ele riu, enquanto se aproximava outra vez. — Eu a levarei até a saída quando terminarmos nossa conversa.
— Hades, vamos lá, você está me fazendo perder tempo — o respondi, rolando os olhos, enquanto cruzava meus braços à frente do meu tronco.
— Eu não estou com pressa, coelhinha. E, para começar, você ainda não me disse seu nome. — Ele voltou a apoiar seus braços de cada lado da minha cabeça. — Eu sei que eu não sou o favorito no Olimpo, mas pensei que você me entenderia, minha cara coelhinha.

Meus olhos se arregalaram, enquanto as palavras dele tomavam forma em meus pensamentos. Ele sabia meu nome, sabia exatamente quem eu era, então não foi uma tarefa difícil para me encontrar. Seus olhos eram , quase pretos. Era como olhar para um abismo, não havia nada, nenhuma emoção, nenhum segredo, não eram janelas, era uma porta, uma armadilha preparada para tragar aquele que o olhasse nos olhos. O problema de olhar para abismos era que, em algum momento, eles olhavam de volta, e eu estava encarando um abismo mortal.

— Você passará a noite, uma medida de segurança para garantir que você não fugirá. Não sei quais habilidades um cupido pode ter, mas se você conseguiu ocultar suas emoções, poderá ocultar outras coisas. — Ele se afastou, enquanto estalava um dedo. Uma serva bateu em sua porta. — Eu a verei pela manhã, não feche a ligação. — Ele fora enfático, enquanto sua serva me conduzia para fora.

Eu tentei argumentar com ele, mas era uma luta perdida. Me deixei ser conduzida pela residência de Hades. O quarto em que eu fui colocada era bastante confortável, refinado. Ainda possuía tons escuros, mas não era preto, era mais um azul profundo como a noite. As luzes dos abajures tornavam o local confortável e elegante ao mesmo tempo. O que me levou a questionar: “Como e quem havia decorado aquele lugar?”.Ignorando completamente a razão, comecei a me despir antes de tomar um banho no banheiro gigantesco. A banheira era de mármore preto, e a água quente me ajudou a relaxar, embora estivesse me sentindo nervosa. Tentava não pensar naquilo, porque eu sabia que Hades saberia como eu me sentia a cada mudança, ele vigiaria a ligação para ter certeza de que eu não havia fechado o meu lado. Quando retornei para o quarto, minhas roupas haviam desaparecido e, em seu lugar, havia um pijama sobre a cama. O tecido de cetim preto era macio ao toque. O vesti, ainda irritada, não gostava da sensação de que alguém esteve ali enquanto eu estava no banho. Apenas para garantir, tranquei a porta do quarto antes de me deitar, não sabia se conseguiria adormecer, mas, sem muita escolha, fechei meus olhos.


Ato III:

Confiança é conquistada

No que eu supus ser a manhã seguinte, ao acordar, encontrei uma bandeja de café da manhã em cima da mesinha de cabeceira. Nela, havia um bilhete, no qual estava escrito para eu encontrar Hades assim que terminasse minha refeição. A serva, que estava do lado de fora, me levaria até ele. Amassei o bilhete antes de tomar o desjejum, a comida não estava ruim. Assim que terminei de comer, explorei o guarda-roupas, odiando que houvesse apenas vestidos. Não que eu odiasse vestidos, mas era horrível estar de vestido caso fosse necessário fugir. Procurei uma opção menos reveladora, ainda assim o vestido possuía uma fenda, deixando minha perna esquerda de fora quando eu andava, e encarei no espelho. Estava bem vestida, até demais para apenas encontrar Hades, ou , como eu passaria a chamá-lo, já que ele não tirava aquela balaclava e se movia sem fazer som algum. Segui a serva. Dessa vez, ela me deixou sozinha com /Hades, numa sala com sofás; ele por acaso tinha amigos? Contive uma piada infame antes de me sentar num dos sofás. Pude sentir o olhar dele em minha pele, os olhos de vagaram por meu corpo.

— Eu posso sentir o que está sentindo, embora o seu olhar não tenha sido nem um pouco discreto. — O encarei com a face erguida.
— Como esperado de uma filha de Afrodite — ele resmungou, antes de se aproximar, parando em minha frente. — Confiança se conquista e não se pode comprar. Por ter feito o que eu te pedi na noite anterior, coelhinha, e não ter tentado fugir, te concederei o benefício da dúvida quanto à confusão em que se meteu. — Ele tocou minha face, enquanto sua voz soava baixa, rouca. Eu odiei o quanto sua voz afetou meus batimentos cardíacos e fez os pelos da minha nuca arrepiarem, mas de uma forma boa.
— Você era o alvo, mas não era para ter acabado assim — o respondi, enquanto tirava a mão dele da minha face e me encostava contra o estofado do sofá, ficando mais confortável. Eu não iria permitir que ele me intimidasse.
— O que você fará para reverter isso, coelhinha? — Ele riu do tapa que eu dei em sua mão, assim que a estendeu novamente, tentando me tocar.
, meu nome é — o respondi calmamente, enquanto o olhava diretamente, sem desviar meus olhos. — Não me chame de coelhinha, eu não sou sua presa.
— Eu não quero, a chamarei como eu quiser. — Ele se sentou ao meu lado. — Você ainda não respondeu a minha pergunta.
— Eu terei que ler cada maldito livro para encontrar uma solução, porque perguntar à minha mãe está fora de questão, — o respondi firmemente.
— Sua determinação é louvável, embora não seja uma estratégia inteligente — ele me respondeu, enquanto seus olhos possuíam um brilho de diversão ao me ouvir chamá-lo de . — Então você será como os tolos que me chamam assim.
— É um nome que combina com você — o respondi, sem pensar muito sobre o assunto.
— Ou você está se apegando ao desejo que eu desapareça da sua vida, sem deixar marcas? — ele me questionou, em um tom sério e grave.
— Você é perspicaz — o respondi calmamente, enquanto descruzava minhas pernas e então as cruzava outra vez. — Meus olhos estão aqui em cima, Hades.
— Eu sei — ele me respondeu, enquanto demorava mais um minuto olhando minhas pernas, antes de voltar seu olhar para os meus olhos.
— Você é descarado. — O olhei indignada.
— Prefiro o termo sincero, ou até mesmo honesto — me respondeu seriamente, seus olhos refletiam sua seriedade.
— Você é honesto? — A risada saiu dos meus lábios, enquanto o olhava desacreditada.
— Eu não finjo ser algo que eu não sou, ao contrário de muitos deuses — ele me respondeu, enquanto mantinha seu olhar no meu, a honestidade em suas palavras me surpreendeu.
— Você vai me deixar ir para conseguir quebrar esse laço entre nós? — o questionei, mudando de assunto.
— Sim, mas com uma condição. — Ele levantou seu indicador para enfatizar. — Você não poderá fechar seu lado do laço. Como um cupido, você pode controlar isso. Mas, para que eu possa confiar em você, terá que manter seu lado aberto. — Hades parecia sério demais, ele não estava tratando isso com leviandade.
— E se eu fechar, o que acontece? — o questionei, não porque eu faria isso, mas precisava conhecer as consequências antes de fazer um acordo com o rei do submundo.
— Digamos que você terá que pagar o preço por quebrar minha confiança — ele me respondeu, enquanto se recostava contra o encosto do sofá.
— Qual o preço? — o questionei, tentando descobrir quais seriam as consequências.
— Você não parece nada confiável, coelhinha, tentando desvendar as consequências que te aguardam se quebrar sua palavra e a minha confiança. — Embora sua voz tenha saído em um tom sério, ele suavizou ao me chamar de coelhinha.
— Eu não posso fazer um acordo se não sei a extensão das consequências — o respondi seriamente. Meu corpo estava virado para ele para que eu pudesse o encarar.
— Sua prudência e curiosidade apenas te levaram à minha desconfiança. Encontre uma solução para o nosso problema atual e não feche o laço. Eu não te cobrarei nada além de relatórios esporádicos. — Ele apoiou seus braços em suas coxas, não era um homem esguio como eu pensava. Hades era puro músculo em seus quase 1,90 de altura. Quando ele contraiu seus bíceps, acabei deixando meu olhar percorrer seu corpo. — É melhor encontrar uma solução logo, coelhinha, porque esse laço está começando a bagunçar nossos pensamentos, e, quanto a isso, eu não sou paciente. Sou um caçador, meticuloso, e eu farei o que for preciso para ter o que eu desejo. Encontre a solução para a nossa situação, ou eu temo que você se tornará minha presa.
— Eu farei isso — o respondi, e, com essas três palavras, acabei no sofá da minha casa. Não sabia como ou de que forma ele havia me teletransportado para a minha casa, especialmente porque poucos conheciam a localização dela. Ele não estava mentindo quando disse que era um caçador. Corri para o meu quarto e troquei de roupas antes de retornar ao Olimpo. Eu passaria horas nas bibliotecas de Athena, investigaria cada uma delas atrás da solução e apenas em última instância eu recorreria a Afrodite… Pedidos a ela custavam caro, um preço que envolvia partes de mim que eu jamais recuperaria.


Ato IV:

Desespero e desejo, o quão semelhantes eles podem ser?

Desespero, a mais pura angústia enquanto encarava o beco sem saída. Havia lido cada livro que pudesse citar sobre cupidos, amor, poções do amor, qualquer coisa que envolvesse minha família! Athena havia me questionado algumas semanas atrás, após notar minha presença frequente em todas as suas bibliotecas, e não foram apenas às dela que eu recorri. Eu investiguei cada maldita opção e não havia encontrado nada semelhante ao que havia ocorrido. Eu não queria ir até a Afrodite e contar a ela que seu plano havia dado errado. Afrodite havia se desentendido com Deméter, e Ares queria o elmo de Hades para alguma coisa. Ambos haviam planejado que Perséfone e Hades se apaixonariam, assim Hades levaria Perséfone para o mundo inferior, e Deméter sofreria, e, enquanto ele estivesse distraído com Perséfone, Ares roubaria o elmo de Hades por um tempo antes de o devolver.
Bem, quanto à parte de Afrodite, ela havia conseguido que metade de seu plano desse certo, Perséfone estava apaixonada por Hades, mas o rei do submundo a estava evitando. Para ser justa, Hades a estava ignorando completamente! Todos os dias eu recebia um aviso de que ele estava ficando impaciente, não que houvesse estabelecido um prazo, mas enquanto ele sentia meu desespero crescer, eu sentia sua impaciência aumentar, assim como a sua irritação. Eros me encontrou em um estado de exasperação em meu apartamento no mundo humano, eu o estava evitando desde o dia em que a tragédia se abateu sobre mim, quando um laço foi traçado entre Hades e eu. Como eu contaria ao meu irmão que havia estragado todo o plano de nossa mãe? Apenas de pensar nela, eu ficava apavorada a tal ponto que eu mal conseguia processar as palavras de Eros.

! ! — Eros gritava, enquanto chacoalhava meus ombros. Eu estava hiperventilando, minha visão estava turva, eu temia as consequências do meu erro.
— Eros, meu querido irmão, perdoe sua irmã estúpida. — Sentia lágrimas caírem dos meus olhos, enquanto meu coração doía em meu peito. Eu estava em um estado profundo de arrependimento e angústia. Não sabia dizer exatamente onde eu estava, se em meu sofá ou em minha cama, mas eu abraçava meus joelhos com força enquanto chorava.
! — O desespero e preocupação eram evidentes na voz de Eros.
— Ela ficará bem. — A voz de Hades preencheu o ambiente. Embora eu mal pudesse o ver, eu senti sua presença.
— Por que você está aqui? — Eros estava na defensiva, se colocando entre Hades e eu.
— Mova-se, criança. Eu sou o único que pode trazer conforto à sua irmã agora. — Havia um tom de alerta na voz de Hades que me deixou ainda mais preocupada.
— Não o machuque — eu pedi, sem fôlego, devido ao meu estado caótico.
! — Eros me respondeu, enquanto Hades ria.
— Ela estava falando comigo, criança. — Eu ouvi Hades passar e então o senti me pegar em seu colo antes de se sentar onde originalmente eu estava, meu corpo estava sobre o dele enquanto ele me abraçava. — Inspire e expire, . Você precisa respirar para poder viver. — Eu o senti tirando os cabelos da minha face, enquanto sua voz possuía um tom suave, cuidadoso.
— O que está acontecendo? — eu ouvi Eros gritar.
— Eu estou ajudando a sua irmã a se acalmar. Agora cale-se, criança! — O tom de voz de Hades era grave e perigoso.
— Não… o machuque. — Eu sentia que, de alguma forma, estava perdendo a consciência, minha voz mal tinha passado de um sussurro.
— Eu não irei. Agora respire fundo e durma, coelhinha. — Eu senti os dedos dele sobre as minhas pálpebras antes delas se fecharem e eu ser tragada para o abraço da inconsciência.

Meus músculos doíam, fora a primeira coisa que notei enquanto despertava. Minhas pálpebras estavam pesadas, eu mal conseguia me mexer. Pelos aromas do ambiente, eu sabia que estava em casa, mas, pela presença esmagadora ao meu lado, eu sabia que não estava sozinha. Muito lentamente, consegui abrir completamente meus olhos. Hades estava ali, me vigiando. Eu estava em seus braços, enquanto seus olhos estavam sobre mim. Ainda estava um pouco confusa, então olhei ao meu redor, apenas para garantir que estava realmente em minha cama.

— Por que você está aqui? — o questionei, testando minha voz. Como eu imaginava, ela saiu baixa e rouca.
— Porque eu senti o seu desespero, era intenso demais. Pensei que você estava em perigo — ele me respondeu, enquanto seus dedos roçavam suavemente o contorno do meu rosto.
, se eu morresse, você se livraria do laço que existe entre nós — o respondi calmamente, enquanto me sentia atraída por seu olhar enigmático.
— Coelhinha, minha cara , eu não sou tão desalmado quanto imagina. — Ele riu, enquanto se sentava em minha cama, seus olhos não haviam deixado os meus.
— Onde está Eros? — o questionei, enquanto desviava meu olhar do dele. O peso do seu olhar era intenso demais, era como se ele tivesse compartilhado um segredo comigo.
— Seu irmão voltou para o Olimpo. Ele enxergou o laço, o que não é nenhuma surpresa. — Ele riu de algo que preferiu ocultar. Eu gostaria de ver além da máscara, ver o que ele tanto escondia.
— Afrodite logo saberá — resmunguei, enquanto fechava meus olhos. Levei minhas mãos à cabeça, tentando não pensar muito.
— Você não a chama de mãe. — Ele apontou a grande questão.
— Você sabe como poucos são verdadeiros pais e mães, então não vejo razões para a chamar assim quando ela nem mesmo reconhece a minha existência. — As palavras saíram dos meus lábios com naturalidade, o que me surpreendeu. Minha relação com a minha mãe não era das melhores, e eu não compartilhava como eu me sentia em relação a isso com ninguém, nem mesmo Eros, meu irmão gêmeo.
— Eros não é o seu irmão gêmeo? — Hades me questionou com surpresa, após a minha revelação.
— Sim, mas somos filhos de pais diferentes. Somos gêmeos bivitelinos. Enquanto ele carrega as informações genéticas de Ares e Afrodite, eu carrego as de Hefesto e Afrodite. — Me sentei com dificuldade, sentindo meus músculos tensos.
— O velho favoritismo dos deuses — ele murmurou, enquanto seus olhos vagaram por mim. Seu olhar era enigmático.
— Por que você me observa tanto? — o questionei, enquanto sentia exatamente o que ele sentia, e, de repente, odiei aquele laço entre nós, a ponte de emoções, como eu poderia sentir exatamente o que ele sentia.
— Você sabe a razão, . — A voz dele se tornou mais grave, enquanto seu corpo se aproximou do meu. — Esse laço está começando a afetar meus pensamentos, coelhinha. — Ele ergueu meu queixo com o seu indicador, de forma suave, mas firme. — Eu não farei nada que não queira, então não tenha medo, eu sempre procurarei ter a sua permissão. — Ele passou seu polegar pelos meus lábios, enquanto seus olhos acompanhavam o movimento. — Não abaixe sua guarda facilmente perto de mim, você não tem ideia dos pensamentos que estou tendo, minha coelhinha. — Deslizou sua mão pelo meu torso, a estacionando entre minhas omoplatas. — Você teve emoções demais por um dia. Eu voltarei. Por essa noite, descanse. — Ele se moveu para fora da minha cama, desaparecendo como uma fumaça.

Meus olhos piscaram enquanto saía do transe com a saída súbita de Hades. Me peguei desejando o toque dele, a maneira como ele me tocou como algo precioso afetou meu cérebro. O desejo claro em suas orbes escuras roubou meu fôlego e eu não tinha mais barreiras que o mantivessem distante. Hades não era o único sendo afetado pelo laço… Eu estava começando a me render à situação em que estava.


Ato V:

A favorita?

A presença de Afrodite em meu apartamento não só me surpreendeu quanto me aterrorizou. Eu não a via fora de sua mansão no Olimpo, ela dificilmente se preocuparia comigo, se um dia houve tal situação! Deixei as sacolas com comida sobre a mesa e o molho de chaves no aparador do lado da porta.

— Olá, mãe — a saudei, embora a palavra mãe deixasse um gosto amargo em minha boca.
— Você sabe por que eu estou aqui — Afrodite me respondeu, enquanto se levantava. Ela se aproximou de mim rapidamente, e eu tentei não me encolher por reflexo. Seu desprezo por mim ainda era uma das cicatrizes emocionais que eu não havia curado.
— Sim, mãe — a respondi, olhando para o chão, me sentindo minúscula perto dela embora tivéssemos a mesma altura.
— Como você errou a flecha? — ela me questionou, enquanto tentava manter seus nervos sob controle.
— Eu não errei — a respondi, enquanto erguia meu olhar para direcioná-lo para ela. — A flecha o acertou, o problema foi que ela carregou uma gota do meu sangue e foi por isso que ele não se apaixonou por Perséfone.
— Como foi que isso aconteceu? — ela exclamou irritada.
— Eu me feri com a flecha antes de acertar Hades — a respondi, desviando meu olhar do dela.
— Você sabe o que você fez? — ela gritou comigo, eu senti seus dedos em meus braços antes dela me empurrar para o sofá, enquanto permanecia de pé. — Por que você tinha que estragar tudo? Eu te dei uma única tarefa, ! Uma!
— Me desculpe. — Cruzei meus braços, enquanto sentia o medo crescente. Eu sabia que ela não poderia me fazer mal, mas eu ainda me sentia como uma criança, nada que eu fizesse era bom o suficiente para ela.
— Deméter está pressionando Zeus para que ele puna os responsáveis por deixar sua filha, Perséfone, louca. — Algo no tom de Afrodite me fez erguer meu olhar outra vez.
— O que Hades fez? — a questionei, genuinamente curiosa.
— Ele a rejeitou uma vez após a outra, ao ponto de Perséfone enlouquecer. Ela está doente por ter sido rejeitada. Era para ambos estarem juntos, , mas você apenas me trouxe problema! — Afrodite me olhava diretamente, sua raiva era exibida em suas íris claras.
— Eu sinto muito — murmurei, abaixando minha cabeça outra vez.
— Quebre o laço e o acerte outra vez. Farei com que ele encontre Perséfone — Afrodite falou, como se eu tivesse a solução.
— Eu não sei como desfazer. Eu tentei, investiguei, mas não encontrei nenhuma resposta. Estou presa a ele mãe — a respondi, sem olhar para ela.
— Está me dizendo que não há como desfazer isso? — O tom de voz dela me causou arrepios.
— Se há uma maneira, eu ainda não encontrei. — Tentei me justificar.
— Sua criança insolente! — Eu senti sua mão acertar minha face, a região onde ela me acertou ardeu, mas não machucou tanto quanto as velhas feridas sangrando outra vez. As marcas invisíveis de seu abuso estavam todas abertas naquele momento. — Encontre uma maneira, a qualquer custo! — ela falou, de forma firme, segurando meu queixo com sua mão como uma garra.
— Sim, mãe — a respondi, enquanto escondia o quanto ela me aterrorizava.

Ela me soltou como estivesse soltando um objeto que não a agradava. Seus olhos sempre foram frios quando estavam sobre mim. Afrodite deixou minha casa com um último olhar de aviso, e, assim que ela saiu, as lágrimas irromperam através dos canais lacrimais. Me sentia traída por Eros ter contado à nossa mãe o que havia acontecido de fato. Eu esperava uma traição como aquela de qualquer um, menos de meu irmão gêmeo. Os soluços escapavam dos meus lábios enquanto eu me abraçava, minhas entranhas pareciam torcer ao redor de si mesmas, meu peito doía.
Eu poderia lidar com a inexistência de afeto por parte de Afrodite, havia aceitado isso há muito tempo! Mas o que Eros havia feito havia realmente me machucado. Eu não entendia o porquê de ele contar a Afrodite. Logo ela! Ele sabia o quanto fui negligenciada por nossa mãe, ele sabia cada uma das cicatrizes que eu carregava por culpa dela, ele me conhecia melhor do que ninguém… Por que ele havia feito aquilo?
Me encolhi no sofá enquanto me permitia chorar. Depois de todos esses anos, havia pensado que ela não poderia me machucar mais, que ela não possuía esse poder, mas eu estava errada! Nada seria forte o suficiente para barrar as vontades de Afrodite, nada a impediria de me ferir, nem mesmo aquele que eu um dia pensei ser meu único defensor. Odiava estar sozinha, a dor da traição era descomunal. Eu queria questionar Eros, mas, ao mesmo tempo, não queria o encontrar nunca mais!
Meus olhos ardiam devido às horas que eu estava ali, chorando. Não notei a mudança no céu, ou na temperatura. Eu estava na mesma posição, as lágrimas continuavam a sair, como um maldito rio, enquanto a dor dilacerante fazia parecer que meu peito estava aberto. Não me restava mais nada como família. Afrodite era negligente, Hefesto estava interessado apenas em conquistar o coração de Afrodite, ele não tinha interesse por seus filhos. Meus irmãos estavam interessados em competir entre si para ganhar a atenção e reconhecimento de Afrodite, e o único que pensei que se importava comigo havia me traído da pior forma.

— Seu maldito… Por que você fez isso?

Sussurrei, enquanto fechava meus olhos, abraçando a almofada enquanto enterrava minha cabeça nela. O nó em minha garganta era dolorosamente real. Desejava que aquilo fosse um pesadelo, mas tudo o que eu sentia tornava as coisas mais reais. Eventualmente, a inconsciência me alcançou, me acolhendo em seu abraço intangível, me proporcionando um sono sem sonhos.


Ato VI:

Missão impossível

Meus olhos encontraram a mais pura e completa escuridão mesmo que eu houvesse acabado de acordar. O braço ao redor da minha cintura me assustou. Como um gato desconfiado, me afastei, quase caindo da cama no processo se ele não me segurasse.


“Eu estava no quarto de Hades? Como?”


— Fique quieta, está cedo demais para você estar acordada. — A voz rouca e grave dele causou arrepios por todo o meu corpo, e não de uma forma ruim.
— Como eu vim parar aqui? — eu o questionei, olhando para a direção onde eu supunha que ele estava, já que o quarto estava na mais completa escuridão.
— Vamos lá, coelhinha, você é mais esperta que isso. — Ele me puxou, me obrigando a me deitar.
— Deixe-me reformular a minha pergunta então. Por que você me trouxe para a sua casa? — o questionei, enquanto tentava distinguir os olhos dele da escuridão daquele quarto.
— Eu senti o seu pavor, coelhinha. Eu senti sua dor. Eu senti tudo tão intensamente ao ponto de questionar se era você ou eu que estava sentindo tudo. Quem foi que te machucou? — Eu senti seu braço me aproximando dele e sua respiração em meu ouvido, estávamos próximos demais.
— O laço se tornou inquebrável, que ótimo! — choraminguei, enquanto fechava meus olhos com força. Eu estava completamente ferrada!
— Do que você está com medo? — Eu o senti se mover na cama. Era como se ele estivesse me observando silenciosamente, eu não duvidava que ele pudesse me ver no escuro daquele quarto.
— De Afrodite. Ela apareceu em minha casa, exigiu que eu consertasse o erro que eu cometi. — Ri sem qualquer traço de humor. — A flecha te faria um louco por Perséfone, distraído o suficiente para não notar a ausência de seu elmo que o torna invisível, apenas uma peça de xadrez no jogo superficial de minha mãe e Ares — o respondi entre o desgosto e a raiva.

Hades não disse uma única palavra, mas eu senti a raiva densa e quente dele. Eu podia sentir o desejo dele de punir minha mãe e Ares, mas especialmente minha mãe.

— A desesperança, por que você a sentiu? — ele me questionou, tentando se distrair, tentando conter sua raiva crescente.
— Eros — o respondi, com minha voz falhando ao dizer o nome dele. — Ele revelou a Afrodite o laço que nos une, mesmo sabendo as consequências que isso poderia me causar. — Assim que eu disse aquilo, as lágrimas banharam meus olhos. Respirei fundo, tentando contê-las.
— A traição sempre vem daqueles que menos esperamos. — A voz dele suavizou, enquanto seus braços me envolviam em um abraço.

Eu deixei que minhas lágrimas caíssem, enquanto minha cabeça estava contra seu peito. A pele desnuda dele não me assustou, seu calor me reconfortou, assim como suas mãos que acariciavam minhas costas. Eu chorei por longos minutos em seus braços, mesmo que pensasse que houvesse chorado o suficiente. A ferida que Eros havia deixado era mais profunda e dolorosa do que supus pela primeira vez.

— Eu estou ligada a você e eu não sei como quebrar esse laço. Minha mãe me ameaçou e meu irmão me traiu… O que eu faço? — desabafei, sendo honesta com ele.
— Apenas confie em mim. Ninguém tocará em você novamente, coelhinha. — Eu o senti segurar minha face, a mantendo erguida enquanto secava minhas lágrimas.
— Como eu posso confiar em você se eu mal te conheço, Hades? — Minha voz saiu baixa enquanto eu procurava o olhar dele.
— Apenas confie. — Os lábios dele roçaram os meus enquanto falava. — Eu posso beijá-la? — ele pediu, me fazendo recordar do nosso último encontro, no qual ele me garantiu que só me tocaria com a minha permissão. — Eu posso, coelhinha?
— Sim, você tem o meu consentimento — eu o respondi em um sussurro, sentindo meu coração acelerado.

Hades não me respondeu, mas eu pude adivinhar que ele estava sorrindo. Eu não sabia se ele estava usando ou não sua balaclava, mas eu senti seus lábios sobre mim, uma parte que ficava escondida debaixo da balaclava de caveira. Seu toque era paciente, exploratório. Suas mãos eram suaves, mas firmes ao descobrir cada parte do meu corpo, enquanto sua boca reivindicava a minha. Ele me dominava, fazendo exatamente o que desejava. Sua língua sabia exatamente o que fazer. Ele controlava o ritmo, a pressão. Eu nunca havia experimentado algo como aquilo. Suspirar se tornou natural enquanto ele me tocava como nenhum homem havia feito antes.

— Se você soubesse há quanto tempo desejo provar seus lábios, minha coelhinha. — Ele sorriu contra meus lábios antes de beijar a região abaixo da minha orelha. — Você é tão linda, minha coelhinha. Se você soubesse o que eu desejo fazer, fugiria. — Ele raspou suavemente seus dentes em meu pescoço, com a pressão suficiente para me afetar, mas não forte o suficiente para machucar.

Meus olhos estavam fechados, enquanto havia inclinado meu pescoço, dando espaço para ele. Minhas mãos alternavam entre tocar os ombros, os bíceps e os antebraços dele. Estava perdida no torpor das sensações que os lábios dele me provocavam.

— Minha coelhinha — ele sussurrou, enquanto seus lábios deslizavam por todo o meu pescoço, deixando uma trilha incandescente. Suas mãos adentraram a minha camiseta, tocando meu tronco, seus dedos estavam quentes em contato com a minha pele. — Me diga o que você deseja e será seu. Me diga como você deseja que eu a toque. Me conte o que gosta, ou apenas me conceda sua permissão e eu te levarei a sentir o que nunca imaginou sentir.
— Eu queria ver sua face, . Queria ver suas expressões e não estar no escuro — o respondi, contendo um gemido ao sentir ele morder perto dos meus ombros antes de pressionar um beijo no local.
— Esse desejo eu não posso conceder, coelhinha — ele me respondeu, antes de me beijar outra vez.
— Você tem a minha permissão, Hades, eu já havia lhe concedido — eu o respondi, subindo minhas mãos pelo pescoço dele, nuca, e então toquei seu cabelo, descobrindo que não estava usando máscara. — Por que o mistério? — eu o questionei.
— Segredos não são revelados facilmente, minha cara coelhinha. — Hades me calou, antes de me puxar para perto dele.
— Quebrar esse laço é uma missão impossível, então faça valer as consequências do meu erro, . — Trouxe a face dele para mais perto da minha antes de o beijar, o silenciando, embora eu o sentisse sorrir sobre os meus lábios. Eu já estava nos braços do rei do submundo, minha mãe já me odiava, eu não havia encontrado respostas para desfazer o laço. Me restava aceitar minha situação atual.


Ato VII:

O que é real

Hades e eu passamos muito tempo juntos, tempo o suficiente para que todos os deuses do Olimpo soubessem que estávamos dormindo juntos. Tempo o suficiente para que Perséfone me procurasse. Tempo o suficiente para que questões familiares ficassem ainda mais caóticas. Tempo o suficiente para nós dois investigarmos o laço que nos unia. Tempo o suficiente para que entrássemos em um beco sem saída. Tempo o suficiente para que eu me escondesse em seu reino. Eu não sabia como ele conseguia conciliar a administração do mundo inferior e nossa busca por respostas quanto à ligação que nós dois tínhamos, eu não sabia muitas coisas sobre Hades. Entre os mistérios que o cercavam, estava a balaclava que ele usava. Havia passado a chamá-lo de , como um apelido íntimo, algo como o coelhinha que ele usava para me nomear. Cerberus havia se acostumado com a minha presença, e eu havia perdido o medo dele. Com pequenos atos, fui me aproximando dele, um passo de cada vez, até que pudesse o abraçar e ele fosse apenas um cachorro grande demais, mas dócil, ao menos para mim.
Naquele momento, eu estava deitada em minha cama, estava sentado no parapeito da minha janela, fumando um charuto. Ele estava usando apenas uma calça preta após nossa atividade noturna na cama. Desde a notícia de que eu estava com Hades, não retornei mais ao monte Olimpo, lá nunca foi o meu lugar de qualquer maneira. Me sentia em casa tanto na mansão de , no mundo inferior, quanto em minha casa no mundo dos mortais. Havia deixado minha posição de cupido por algum tempo, desde que o drama havia se espalhado por todos os lados como fogo em pólvora. Resolvi tirar um tempo para mim mesma. Então não era surpreendente encontrar em minha casa, ou estar na sua. Não havíamos discutido nossa relação, não havíamos a nomeado ou falado sobre sentimentos, havia uma conformidade entre nós, um acordo silencioso. Os olhos de sempre foram um mistério para mim, como dois abismos, sem fim. Seus olhos eram indecifráveis; no entanto, naquele momento, enquanto seu olhar estava perdido no horizonte, ele parecia em paz.

— Veja, eu nunca irei descobrir se eu realmente te amo, ou se o que eu sinto é uma consequência do laço que se formou entre nós, através da flecha que você lançou. — Hades, ou , como eu gostava de o chamar, me olhou enquanto soltava a fumaça de seu charuto pelos lábios. Ele estava sentado no parapeito da minha janela, sua figura grande e larga era banhada pelo brilho prateado da lua cheia daquela noite.
— Eu sei — o respondi calmamente. Meus olhos ainda estavam perdidos nele, a melancolia escapou em meu tom de voz. Abracei meus joelhos, odiando como me sentia naquele momento.
— Então por que você ficou perto de mim todo esse tempo? — Ele me encarou, sua face estava escondida atrás daquela maldita balaclava. Apenas uma vez desejava ver seu rosto, mas ele nunca a erguia mais do que o necessário. Seus lábios e a ponta do nariz foram tudo o que eu vi de sua face além dos olhos, porque havia aberturas.
— Porque eu te amo, isso não é uma razão suficiente? — Um sorriso triste escapou dos meus lábios enquanto eu o olhava. Odiava como a minha confissão havia saído tão facilmente pelos meus lábios.
— Estamos os dois sobre o efeito do laço, coelhinha. Como você pode afirmar isso tão facilmente? — Era óbvio que ele não acreditaria em mim. A risada sem humor escapou dos meus lábios, enquanto o encarava desolada.
— Eu sou um cupido. Você acha mesmo que eu não saberia diferenciar o que é real do que não é? — o respondi, enquanto o encarava seriamente.
— Suas flechas são poderosas, minha cara — ele me respondeu, optando por ignorar o que eu havia dito.
— Eu sei, mas eu não fui acertada por uma, ou você se esqueceu? — o respondi com outra pergunta, o forçando a me olhar.
— Sim, mas se feriu com uma, a mesma que me acertou. — Ele me deu um olhar de obviedade, como se estivesse repreendendo uma criança.
— Por que você se recusa a acreditar em mim? — Me levantei enquanto me aproximava dele. Estava cansada de deixar que a situação me tragasse, era hora de eu tomar as rédeas da minha vida. — Eu conheço o amor melhor do que um dia você o conhecerá. Esse é o meu trabalho, Hades. Eu tenho visto e o conhecido desde o instante em que eu consegui segurar um arco. Eu sei diferenciar o que é amor, paixão e ilusão.
, você é jovem demais — ele me respondeu, enquanto apagava seu charuto e se colocava de pé, sua altura superava em muito a minha.
— O que você sabe sobre amor, ? O que se permitiu vivenciar? — o questionei, enquanto cruzava os braços à frente do meu tronco.
— Eu não sou tolo, . Você não vai me convencer com isso — ele me respondeu, enquanto se aproximava, tornando a distância entre nossos corpos mínima. Apenas uma camada de ar nos mantinha afastados.
— Você se agarrou tão firme em suas próprias convicções que se recusa a enxergar o que está diante dos seus olhos… Eu te amo, seu estúpido! Você quebrou minhas barreiras, uma a uma. A maneira como você cuidou de mim… Eu simplesmente não consegui lutar contra. Meu tolo e insensato coração está em suas mãos, Hades. Você acreditando ou não, essa é a realidade — disse cada palavra com sinceridade. Minhas mãos descansavam em seus ombros, eu queria tirar a maldita balaclava para ver o rosto dele de uma vez, mas quem deveria fazer isso era ele, não eu. Tinha que ser uma decisão dele.

Ele permaneceu em silêncio enquanto eu falava. Seus olhos não revelaram nenhum dos seus pensamentos, a dúvida era sua emoção mais forte, ele não sabia no que acreditar. O homem que havia visto todos os tipos de pessoas e seres, desprezíveis e virtuosos, honestos e trapaceiros, um dos três grandes entre os deuses, alguém que havia vivido tempo demais, alguém que não conseguia confiar em seus próprios instintos.

— Hades pronunciou meu nome como se fosse um segredo, seus olhos fixos nos meus.
— Sim, Hades? — O incentivei a continuar a falar.
— Você realmente sabe como capturar minha atenção. Você me estimula, coelhinha. — Ele colocou os fios de cabelo atrás da minha orelha antes de me erguer em seus braços.
— Você acredita em mim agora? — o respondi, enquanto encostava minha testa com a dele, o olhando diretamente, embora sua máscara encobrisse sua face. Naquele momento, a balaclava estava erguida até a metade inferior de seu rosto, deixando seus lábios descobertos.
— Você cumpriu com meu único pedido. Você manteve seu lado aberto da ponte que nos une. Você poderia ter escondido seus sentimentos de mim, poderia ter tentado me manipular, mas optou por se entregar a um homem como eu, porque você gosta de mim, coelhinha? — ele falou, enquanto andava comigo em seu colo. Eu adorava como ele poderia se locomover pelo seu reino e a minha casa, porque, naquele momento, estávamos em seu quarto. As luzes estavam acesas, deixando seus móveis suntuosos em evidência, como sua enorme cama com lençóis e cobertores pretos.
— Eu confiei em você, mesmo que cada célula do meu corpo me pedisse o contrário, e aqui nós estamos, meu amor. Você acredita em minhas palavras? — o questionei, enquanto o sentia me deitar em sua cama.

Ele não me respondeu inicialmente. Eu o acompanhei tirar a balaclava de sua face, meu coração se agitou em meu peito, enquanto eu acompanhava cada centímetro revelado. Um suspiro trêmulo escapou dos meus lábios quando eu vi sua face desnuda. Minhas mãos a tocaram imediatamente, e então o puxei para perto de mim, enquanto sorria verdadeiramente.

— Você não tem ideia do quanto eu esperei por esse momento — sussurrei, de encontro aos lábios dele, o beijando suavemente. — Obrigada por confiar em mim.
— Por mais quanto tempo eu poderia esconder de você minha face, minha coelhinha? — ele me respondeu, enquanto me abraçava, descansando sua cabeça em meu peito.
— Eu te amo. — Ergui a face dele antes de selar meus lábios nos seus.
— Eu também te amo, minha rainha. — Era a primeira confissão dele. Eu senti uma onda de amor e alegria me inundar, enquanto sorria contra os lábios dele. O abracei enquanto chorava e ria de alegria.

Aquela noite demorou a ter um fim. O sorriso não desgrudou dos meus lábios enquanto nos amávamos, pele contra pele, alma ligada à alma, emoções à flor da pele. Nada poderia apagar a minha alegria!


Ato VIII:

O que é preciso

Quando eu retornei à minha função como cupido, após semanas ao lado de Hades, me sentia mais confiante, mais feliz. Era como se nada pudesse apagar a alegria que eu sentia; deuses ou mortais, nada poderia roubar a minha alegria. Bem, era o que eu imaginava, até ver Eros. Bastou reconhecer a sua presença e a alegria foi substituída pela raiva, dor e tristeza. Ele estava do outro lado da clareira. Assim como eu, estava responsável pelas ninfas da natureza. As flechas dos cupidos possuíam nomes, nós não determinávamos nossos alvos, as flechas escolhiam seus destinatários. Assim como éramos dotados com o dom de enxergar as linhas prateadas dos amantes, os verdadeiros amores, nosso trabalho era levar o amor às pessoas, mortais, deuses e criaturas mágicas. Não gostaria que Hades se preocupasse sem motivos, então, com algumas golfadas de ar, consegui controlar minhas emoções antes de encarar meu irmão gêmeo. Atravessei a clareira que nos separava. A cada metro que eu me aproximava, notava coisas que eu não havia percebido nele antes, como suas olheiras, o olhar cansado, a postura para baixo. Eros não parecia nada bem. Vê-lo daquela maneira partiu meu coração. Eu queria correr até ele e o questionar como havia ficado daquela maneira, o que havia o levado a estar assim.

— Eros — o saudei de maneira educada, reconhecendo sua existência. Precisava encontrar as ninfas da água e, se eu permanecesse ali, apenas me atrasaria.
espere! — Eu o senti segurar meu pulso. — Fale comigo, grite, mas não me ignore, por favor.
— O que você esperava depois do que fez? — Me virei para o encarar. Eu não conseguia controlar a irritação, a dor. Tudo estava exposto para que ele visse o quanto havia me machucado.
— Eu sei, eu errei. Eu não estava pensando direito quando eu contei à nossa mãe. — Ele abaixou sua cabeça, enquanto desviava seu olhar do meu.
— Eros, por que você contou à única pessoa que não poderia saber? — o questionei, sentindo as lágrimas inundarem meus olhos outra vez.
— Eu pensei que ela te ajudaria dessa vez — ele admitiu, enquanto evitava meu olhar.
— Afrodite nunca se importou comigo, Eros. Você é o filho de ouro dela, o único a receber qualquer traço de afeto. Ela me ignorou por toda uma vida, eu só devo existir se for útil a ela… Você viu pelo que eu passei e, mesmo assim, preferiu recorrer à única pessoa que deveria evitar! — gritei com ele.
— Eu sinto muito, . — Eros soltou meu pulso, ele não conseguia manter contato visual.
— Eu pensei que você era o único que me protegeria, mas eu estava enganada. Eu não posso contar com ninguém além de mim mesma, Eros. Do que adianta ter vários irmãos se nenhum de vocês realmente se preocupa! — Despejei toda raiva e dor que eu sentia naquele momento. — Ignore que você tem uma irmã gêmea, ignore que eu existo. Se acaso nós nos encontrarmos, finja que não me conhece.
, não faça isso — ele me pediu, enquanto segurava meus ombros.
— Você era o único, Eros. O único que eu confiava, o único que eu me importava, mas o que você fez, irmão? Você me serviu em uma bandeja de prata a Afrodite — retruquei, enquanto o afastava.
— Irmã, por favor. — Eros parecia estar em seu limite, mas então uma figura que era a face dos meus piores pesadelos surgiu.
— O que ela está fazendo aqui? — Minha voz mal saiu dos meus lábios enquanto eu via Afrodite se aproximar. Eu sentia o terror em minhas veias. — Por que você a chamou? — Levei meus braços ao redor da minha cintura, tentando me acalmar.
— Eu não a chamei! Eu juro, ! — Eros tentou se aproximar, mas eu me encolhi quando tentou me tocar. Ele recolheu sua mão com um olhar ferido.
— Veja se não é a minha filha problemática. — A voz de Afrodite me causou arrepios. Eu nem mesmo conseguia me mexer diante seu olhar. — Eu lhe avisei, não foi? — As íris claras de Afrodite exibiram sua raiva.
— Eu tentei, mas não consegui. — Baixei meus olhos, tentando evitar o olhar dela. Eu me sentia como a menor das criaturas diante seu olhar de desprezo.
— Sua filha ingrata! — Afrodite se aproximou para me bater.
Fechei meus olhos por reflexo, mas eu não senti nada, ouvi apenas um ofegar de pânico. Abri meus olhos, ainda receosa, mas então notei chamas azuis ao meu redor. Elas não me queimavam, e, ao erguer minha cabeça, encontrei Hades ao meu lado. Ele encarava Afrodite de forma furiosa.
— Eu te disse para se manter longe dela. Eu lhe disse que você não voltaria a tocar em um fio de cabelo dela! — Hades mantinha Afrodite no ar, seu tom de voz denunciava o quão furioso ele estava.
— Seu verme, volte para seu reino. Da minha filha, cuido eu! — Afrodite gritou, enquanto se debatia, tentando se libertar do aperto invisível que a mantinha a metros acima do chão. Eros assistia a tudo em silêncio, sem saber como reagir.
— Você é uma criança tola. Meu irmão a deixou passar dos limites diversas vezes, mas eu não vou permitir que volte a machucar . — Os olhos de Hades eram como brasas, ardentes e ensandecidas.
— Me coloque no chão! — Afrodite gritou furiosa.

Hades sorriu perigosamente, então ele a soltou. Eros estava preso ao chão, e eu estava paralisada diante tudo o que eu via. Antes que ela caísse no chão, Hades a segurou outra vez com a sua força invisível. O impacto roubou o ar de Afrodite. Ele bloqueou sua queda bruscamente, de forma que ela se machucasse de alguma maneira.

— Fique longe de , ou eu não terei misericórdia. — E então ele a largou como se fosse nada, o desprezo estava claro em suas orbes flamejantes.
— Você ainda sofrerá as consequências disso! — Afrodite apontou para mim antes de desaparecer no ar.

Meus joelhos falharam, mas Hades me segurou antes que eu caísse no chão. Meus batimentos cardíacos estavam irregulares, rápidos demais, como tambores em meus ouvidos. Eu fechei os olhos enquanto respirava devagar, tentando me acalmar.

— Shhh, você está segura querida. — A voz dele era suave em meus ouvidos. Eu não me importava que ele estivesse usando sua balaclava, já havia revelado seu rosto para mim. Era nos braços dele que eu me sentia segura.
— Então vocês estão juntos… — A voz de Eros quebrou a névoa que nos envolvia, nos fazendo lembrar de que ele ainda estava ali.
— Você tinha apenas um papel como irmão dela e ainda assim falhou ao permitir que sua mãe prosseguisse com os abusos. — A ira de Hades ainda estava acesa, estava claro que ele não gostava nem um pouco de Eros.
— Eu não pude impedir. — Eros abaixou a cabeça, envergonhado.
— Quando sua irmã quiser o ver novamente, ela o procurará. Não venha atrás dela, ou eu prometo que não te deixarei impune, criança — Hades falou, em um tom baixo, perigoso.
— Vamos para casa, por favor — pedi a ele, enquanto levava minha mão à sua face encoberta.
— Como quiser, coelhinha. — O tom dele suavizou ao falar comigo, eu poderia ver em seus olhos a preocupação e o amor que sentia por mim.

Sem dizer mais nenhuma palavra, Hades abriu uma passagem para o seu reino e então caminhou comigo em seus braços para o mundo inferior.


Ato IX:

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Senti beijos sendo distribuídos por toda minha face antes de deslizarem para o meu pescoço. Eu abri meus olhos preguiçosamente, enquanto via Hades sorrindo ao me acordar com beijos.

— Bom dia — falei, enquanto segurava a face dele desnuda, o trazendo para mais perto antes de o beijar. — Essa é uma bela forma de se acordar. — Ri contra os lábios dele.
— É assim que será acordada pelo resto de sua vida, se decidir se mudar de vez, minha rainha — ele me respondeu, enquanto dedilhava minhas costelas. Estávamos ambos nus, enrolados um no outro. Havia passado as últimas semanas com ele após o último encontro com a minha mãe.
— Você faz propostas tentadoras, meu amor. — Suspirei ao senti-lo escorregar seus dedos, os descendo vagarosamente para as minhas coxas, as segurando com firmeza.
— Eu a quero ao meu lado, , todos os dias. Quero provar seus lábios e o sabor de sua pele, ouvi-la chamar meu nome enquanto se perde no prazer que apenas eu posso lhe dar… Eu quero que seja minha — ele soprou as palavras, enquanto beijava meu colo e suas mãos exploravam meu corpo.
— E se um dia você se cansar de mim? — Minha voz fraquejou, o fazendo me olhar seriamente.
— Não há como eu me cansar de você, coelhinha. Você realmente não sabe como eu me sinto sobre você? — Ele se sentou, enquanto me segurava contra ele. — O laço pode ter contribuído para que eu me apaixonasse por você, mas ele se tornou inquebrável porque eu passei a amá-la. — Ele tinha minha face em sua mão esquerda, seu polegar afagava suavemente minha bochecha. — Eu morreria por você, eu mataria por você. Eu colocaria o Olimpo abaixo apenas por você, . — A seriedade nos olhos dele roubou meu ar. Ele não estava brincando, cada palavra que falou era sincera.
— Oh, Hades… — Eu não tinha palavras que estivessem à altura do que ele havia dito.
— Apenas me ame, seja minha rainha — Hades me respondeu. Seus olhos emitiam chamas de desejo, seus lábios roçaram os meus, enquanto seu corpo parecia me incendiar.
— Eu o amo — o respondi, enquanto minhas unhas deslizavam pelas costas dele. — Eu já sou sua. — Mordi o lábio inferior dele, enquanto o olhava diretamente.
— Você é minha, coelhinha. — E então Hades afundou sua boca na minha, enquanto seus braços me envolveram antes de me deitar na cama outra vez. — Você é malditamente perfeita aos meus olhos — ele confessou, contra meus lábios.

O espaço vazio dentro de mim era preenchido por ele, pelo sabor dos lábios dele, pela forma como seus olhos me olhavam, a maneira como ele me tratava. me tratava como um tesouro, como a mais bela das mulheres, com desejo, mas respeito. Ele não tomava nada de mim, ele me amava. Nós nos afundamos na névoa do desejo, o som de pele contra pele, arfares, suspiros, sons provindos do fundo da garganta enquanto corpos se uniam, se tornando um. Eu não estava mais sozinha, eu havia encontrado meu lugar, um erro que se mostrou a melhor coisa que eu havia feito.


***


Eu encarei a fachada daquela mansão suntuosa. Dessa vez, eu não senti medo. O anel em meu dedo me trazia calma, a pedra do rubi brilhava mesmo na luz fraca contra o material preto do anel. Estava diante a mansão na qual nasci e fui negligenciada nos meus primeiros anos de vida. Era hora de encerrar conflitos, deixar o passado para trás para que eu pudesse construir um futuro com Hades, meu marido. Nós não havíamos feito uma cerimônia ainda, mas havíamos trocado os anéis em seu quarto, no dia em que ele havia me pedido em casamento. Eu não precisava de grandes gestos para saber que ele me amava. As ações dele eram mais que suficientes, o modo como ele cuidava de mim, seu olhar… tudo nele transbordava o quanto ele me amava.
Portanto, para que eu pudesse seguir em frente, deixar as velhas feridas para trás, precisava encarar meu pior pesadelo: Afrodite. A mulher que havia me gerado, mas que me odiava desde o momento em que eu nasci. Respirei fundo e então bati à porta, usando o batedor dourado. As portas duplas se abriram e a figura de Hefesto me recebeu. Seus olhos estavam em mim, mas ele parecia não me reconhecer.

— Eu te conheço? — As palavras dele me pegaram de surpresa, enquanto ele me olhava como se eu fosse uma desconhecida.
— Pai, sou eu — o respondi calmamente, tentando evitar demonstrar o quanto aquilo havia me machucado. Eu era tão irrelevante para ele que Hefesto havia se esquecido de mim?
— Deixe-a entrar. — A voz de Afrodite soou nas costas de Hefesto, enquanto ele me olhava com estranheza. Estava claro que ele não me reconhecia.
— O que está acontecendo? — questionei Afrodite, enquanto a olhava entre a dor e a raiva.
— Você realmente nunca se deu conta, não é mesmo? — Ela dispensou os seus servos, que a abanavam. Afrodite estava deitada em seu divã, Hefesto se sentou às costas dela, e ela mal pareceu reconhecer a presença dele, sua atenção estava sobre mim.
— O que foi que você fez? — gritei com ela pela primeira vez em toda a minha vida. O canto dos seus lábios ficou tenso, com claro desagrado.
— Contenha-se, criança! — ela me respondeu, enquanto me dava um olhar de alerta.
— Por quê? Por que você me odeia tanto? — Me aproximei dela, ignorando a figura silenciosa de Hefesto. — O que eu fiz para você me odiar desde o meu nascimento? — As lágrimas caíram dos meus olhos enquanto eu perdia o controle.
— Você roubou a minha beleza — ela me respondeu, por fim, após um longo momento de silêncio, enquanto seus olhos se tornaram turbulentos, como uma tempestade marítima.
— O quê? — a questionei, genuinamente confusa, a olhando sem entender como eu poderia ter roubado a beleza dela, quando ela passou minha vida inteira me chamando de vergonha, de inferior por ser a filha mais feia entre suas crianças.
— Você foi a criança mais bela do Olimpo, seu nascimento ofuscou as crianças de todos os deuses. Mesmo carregando os genes de Hefesto, você nasceu linda, então, enquanto crescia, todos pareciam interessados demais em você. Eu não tive alternativa a não ser te amaldiçoar. — Ela se levantou enquanto falava irritada, acreditava fielmente nos absurdos que falava.
— Você me tornou a mais feia entre todos os seres, me fez acreditar que eu não merecia o amor de ninguém, me humilhou apenas porque eu superei a sua beleza? Você me renegou apenas por isso, mãe? — Eu não conseguia acreditar nas razões superficiais que ela estava me apresentando.
— Eu não poderia permitir que roubasse o meu lugar — ela me respondeu, enquanto cruzava seus braços em frente ao corpo.
— Como você pôde amaldiçoar sua própria filha? Por que meu pai não me reconhece? — continuei a questionar, enquanto sentia meu coração estilhaçar. Eu estava desolada.
— Porque você conseguiu quebrar a maldição. Apenas eu e seu irmão sabíamos como você realmente se parecia, uma vez que havíamos a visto antes de eu lançar a maldição. Hefesto esteve fora enquanto eu criava vocês dois. — Ela ignorou a minha primeira pergunta, respondendo apenas o que queria.
— Você é horrível! — gritei, enquanto a olhava com raiva. — Como pode se considerar a deusa do amor sendo uma pessoa tão cruel, vazia, superficial?
? — Hefesto se levantou, me olhando como se fosse a primeira vez que me via em sua vida.
— Sim, pai, sou eu — o respondi, enquanto secava as lágrimas com raiva.
— Você lançou uma maldição em minha única filha? — Hefesto parecia furioso quando se dirigiu a Afrodite.
— Por que você se importa agora? Você não parecia muito interessado nela quando ela estava sob a maldição — Afrodite o respondeu, de maneira afiada. Embora eu odiasse minha mãe, ela não estava errada.
— Isso não importa — Hefesto gritou.
— Importa porque você só dá valor às coisas belas. Você é tão superficial quanto a sua mulher. Enquanto eu era repugnante aos seus olhos, você permitiu os abusos de Afrodite… Que hipócrita. — O olhei, o lembrando o que a mãe dele havia feito com ele. Hera havia se livrado de Hefesto porque ele era repugnante aos olhos dela. Hefesto permitiu que Afrodite me tratasse como quisesse enquanto eu era repugnante aos olhos dele.
— Como eu sou uma tola! Eu realmente pensei que conseguiria me reconciliar com o passado, passar por cima do que vocês dois me fizeram, mas eu só descubro mais atrocidades sobre vocês dois… Eu os odeio. Espero que tenham uma vida miserável! — Saí daquela mansão, sentindo nojo e aversão aos meus genitores.

O anel que Hades havia me dado também me proporcionava abrir portais para o mundo inferior, para a casa que eu já considerava meu lar. E assim que me afastei da mansão onde eu cresci, eu fiz isso. Fui direto para os braços do homem que eu amava.


Ato X:

I’m yours

Hades me recebeu com surpresa. Ele me manteve em seus braços enquanto eu chorava. Havia o encontrado no hall de entrada de sua mansão, nossa mansão. Ele havia terminado de colocar sua balaclava, quando eu atravessei a porta, seguindo para os seus braços.

— Por que está tão desolada, minha rainha? — ele me indagou, enquanto afagava meus cabelos.
— Afrodite me lançou uma maldição por causa de um capricho. Como uma mãe pode odiar tanto um filho? — Minha cabeça estava enterrada no peito dele enquanto eu chorava.
— Ela fez o quê? — A fúria adormecida de Hades estava sendo despertada enquanto ele me segurava em seus braços.
— Meu pai não me reconheceu… … Hades, como você me enxergou quando me olhou pela primeira vez? — Ergui minha cabeça, o olhando com receio, insegura.
— Como a mais bela e atrevida criatura. Você era um lindo problema que eu teria que resolver. — Ele foi honesto, suas emoções não mentiam. — Por que a pergunta? — ele me questionou, genuinamente curioso.
— Todos, deuses, mortais e criaturas, me viam como um ser repugnante. Apenas Afrodite e Eros conheciam minha verdadeira aparência… nem mesmo eu sabia como eu me parecia… Eu acreditei que ela me odiava porque eu era horrenda! Achei que não era digna de ser filha dela… , eu me odiava por causa de um capricho da minha mãe! — Minha raiva escapou dos meus lábios, enquanto as lágrimas continuavam a cair.
— Afrodite pagará por isso! Nem mesmo o Olimpo poderá me parar! — Eu via as chamas flamejantes da fúria de Hades dançarem em seus olhos.
— Hades. — Atraí a atenção dele, enquanto tentava controlar minha voz. — Por mais devastada que eu esteja, eu quero deixá-los de lado, quero esquecer os horrores que eu passei, quero deixar a dor para trás. Mas se Afrodite e Hefesto vierem atrás de mim, você poderá queimar o Olimpo e eu estarei ao seu lado. — Segurei a face dele, levantando sua balaclava, a tirando. — O futuro é o que importa para mim, o nosso futuro.
— Se é isso que você quer, minha coelhinha, é isso que eu lhe darei. — Ele me ergueu em seus braços, me carregando para o nosso quarto.
— Tudo o que eu quero é uma vida com você — o respondi, enquanto as lágrimas pararam de cair e um sorriso tomou o seu lugar.
— Você terá tudo o que quiser, minha rainha. — Ele me deitou suavemente sobre o colchão. — Eu sou seu e você é minha, coelhinha. — O tom de voz dele era baixo, intimista. Seus olhos não pareciam mais um abismo, eu o via todo e completamente, por inteiro!
— Eu sou sua, agora e para sempre — o respondi, enquanto envolvia meus braços ao redor do pescoço dele, sorrindo ao sentir suas mãos ao redor do meu corpo, me puxando contra seu abdômen forte e definido.
— Você se tornou minha quando eu coloquei meus olhos sobre você. Eu não me importava com a flecha que você me lançou. Eu adorei vê-la me enfrentar em sua primeira visita à minha casa… Ah, querida, se você soubesse o que eu pensava naquela vez, você teria mantido distância. Eu queria beijar seus lábios até que eles tivessem a marca dos meus, queria fazê-la gritar meu nome na mesa do meu escritório — ele rosnou baixo, enquanto mordia meu ombro, se lembrando do nosso primeiro encontro face a face.
— Teremos muito tempo para realizar suas fantasias, meu futuro marido — o respondi, enquanto abria a camisa dele. Ele vestia preto na maior parte do tempo e possuía um corpo que me tirava o fôlego apenas de observar. Ele era malditamente esculpido, embora possuísse séculos de existência!
— Pode apostar que sim, coelhinha. — Ele riu, enquanto seus lábios se demoraram sobre minha clavícula antes de suas mãos segurarem minhas coxas, com força. — Eu irei te devorar em cada canto dessa casa. Você é minha agora e para sempre — ele prosseguiu, me olhando com malícia e diversão.
— Eu não aceito dividir, — eu o avisei. Ele riu, voltando a se inclinar contra mim, deixando seu corpo pressionar o meu da forma certa.
— Eu sou seu, coelhinha, apenas seu — ele respondeu, antes de me beijar. Suas mãos estavam por todos os lados.

Deixaria o passado para trás, viveria o presente sem preocupações, me casaria com aquele homem e passaria meus dias o amando e sendo amada. Eu estava em casa, estava onde pertencia. O futuro era um delicioso lembrete de felicidade. Um erro gerou a melhor coisa em minha vida. Uma ligação que trouxe o mais ranzinza e rabugento dos deuses até mim o tornou meu futuro marido e meu amante para todo o sempre.


FIM



Nota da autora: A história não deveria existir, foi um surto assistindo aos edits de Ghost de Call Of Duty. Sim, ele foi como imaginei como Hades. 🤭🤭🤭 Obrigada a Steh pelo apoio e pela paciência, e a vocês, leitores, meus sinceros agradecimentos por lerem. Até o próximo especial. 😎😉✨



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