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Lily "" (Detroit, Michigan, 1 de janeiro de 1995) é uma patinadora artística americana. Ela disputou os Jogos Olímpicos em 2014, sendo medalhista de bronze; é bicampeã do campeonato nacional americano de 2014 e 2015; e também conquistou a medalha de ouro no Campeonato Mundial de 2016.
Vida pessoal
nasceu em Detroit, no estado do Michigan. Sua mãe é americana e seu pai era inglês.
Carreira
começou a patinar aos quinze anos, quando se apaixonou pelo esporte enquanto patinava em uma sessão pública no Detroit Skating Club, mas só passou a competir a partir dos dezoito, em 2013.
Atualmente reside em Londres, Inglaterra, e treina com Olga Lindemann, Andrey Kurilenko e a coreógrafa Danielle Rose.
No Nebelhorn Trophy de 2013, que serviu como repescagem olímpica, terminou a competição na 5ª posição, conquistando uma vaga na patinação artística para os Estados Unidos. Representou a patinação do país nos Jogos Olímpicos de Sochi, na Rússia, levando medalha de bronze.
Em janeiro de 2014, conquistou sua primeira medalha de ouro no campeonato nacional americano. Em 2015, no mesmo campeonato nacional, levou o ouro novamente, assim como no Skate America. Em dezembro do mesmo ano, levou o bronze na Final do Grand Prix de Patinação Artística no Gelo.
Em março de 2016, ela conquistou a medalha de ouro no Campeonato Mundial. Em setembro de 2017, ficou em 3º lugar no Nebelhorn Trophy, que serviu de repescagem olímpica, e garantiu outra vez a vaga olímpica para os Estados Unidos nos Jogos Olímpicos, que ocorrerão em Pyeongchang, na Coreia do Sul.
Peculiaridades
é conhecida por competir apenas com músicas da banda Queen, nunca tendo utilizado qualquer outro artista na trilha sonora de suas competições desde sua estreia em 2013. Seus figurinos também são frequentemente inspirados nas roupas do frontman Freddie Mercury. Além disso, ela também é famosa por se entregar 100% a suas performances, que são sempre emocionais ou divertidas.
fechou sua própria página do Wikipédia e jogou sem cuidado o celular na cama, caindo para trás no colchão macio e fechando os olhos enquanto bufava. Desde que começara a competir, aos dezoito anos de idade, com exceção de seu ano de estreia, não se passava uma temporada sequer sem que ela fosse medalhista de ouro em pelo menos uma competição. Porém, seu sonho mesmo era conquistar o ouro para os Estados Unidos nas Olimpíadas de Inverno. Já havia tentado uma vez e mesmo levando o bronze – o que já era uma vitória e tanto para uma estreante nesses jogos e ainda mais em apenas seu segundo ano competindo – ficara frustrada. Havia chegado tão perto! A partir disso passou a treinar mais intenso. Não só levar o ouro importava, mas também sua vontade imensa de realizar um Axel triplo, o Moby Dick dos patinadores artísticos no gelo. E sem dúvida alguma realizar esse salto a ajudaria a conquistar o ouro para o país que tanto amava. Dois objetivos de uma só vez. Era o sonho perfeito. Tão perfeito que ela estava começando a duvidar de si mesma.
Como se não bastasse, seu estilista ainda não havia lhe entregado a prometida peça que estava customizando especialmente para ela, e sua próxima competição era dali a pouco mais de uma semana, no Canadá. Era cansativo viajar o tempo todo, mas ela jamais desprezaria esse privilégio e no final sempre valia a pena. Adorava conhecer lugares novos, se hospedar em hotéis, experimentar comidas diferentes, tirar fotos. Já havia visitado inúmeros estados americanos, além de países como França, Alemanha, Japão, China, Rússia, Espanha e Coreia do Sul. Um lugar que ainda faltava na sua lista de desejos, porém, era a Itália. O lado bom era que, com tudo dando certo, faltava pouco tempo para realizar esse feito, já que o Campeonato Mundial do ano seguinte seria recebido lá.
Aquela mudança súbita de pensamentos a deixou mais tranquila e animada com as perspectivas para o futuro. O importante era competir, certo? Tudo se tratava da jornada e não do destino e tudo mais, não era isso ou qualquer coisa parecida? Foi quando seu celular vibrou e tateou a cama em busca dele. Quando desbloqueou a tela, viu uma mensagem de sua melhor amiga, o que apenas contribuiu para o crescente bom humor.
[msg: jules] vc viu que o vai interpretar o roger taylor no filme do queen?? pensei em avisar pq é sua banda preferida e ele é o mais gato do elenco...
riu baixo, sacudindo a cabeça. Acreditava que todos já estavam por dentro daquela notícia, mas como sempre Juliette Loren era a última a saber. Ficou feliz pela animação da amiga mesmo assim, principalmente por ela ter ido contá-la sobre a "novidade". era realmente o mais bonito dos quatro principais, tinha que concordar, assim como, em sua opinião, era Roger na juventude. Quando viu a manchete em um site, quase dois meses atrás, aprovou na hora a escolha. Havia inclusive postado em sua conta no Twitter sobre isso, elogiando o elenco, em especial Rami Malek sendo Freddie Mercury.
[msg: you] sim! já tem 2 meses que isso saiu, mas obrigada por me lembrar dessa delícia de escolha!
Assim que terminou de digitar, mordeu o lábio inferior e abriu o aplicativo do Instagram, digitando o nome de usuário de na barra de busca apenas por curiosidade. Abriu o perfil do ator e começou a segui-lo por nenhuma razão específica, mas pronta para dar uma olhada básica nas fotos. Deus, ele era mesmo bonito, e os cliques com seu cachorro eram a coisa mais fofa. Evitou curtir qualquer publicação, por mais que tivesse sentido vontade; não queria parecer uma fã obcecada – até porque realmente não era – e muito menos uma celebridade com segundas intenções.
Tirando-a de seus devaneios, a voz de sua mãe ecoou do andar de baixo. Não moravam juntas há pelo menos um ano, mas a matriarca da família possuía a chave da casa da filha e era sempre bem-vinda. Normalmente, no entanto, costumava avisar antes de chegar.
— Oi, mãe — disse , uma mão deslizando sobre o corrimão enquanto descia as escadas. — Não esperava te ver hoje, aconteceu alguma coisa?
Jocelyn apenas sorriu para a filha, um sorriso energético que mostrava todos os dentes. Ela encolheu os ombros e sacudiu o corpo em uma dança engraçada, visivelmente escondendo algo atrás de si.
— O que é isso? — ofereceu um sorriso de canto, divertindo-se com a cena. — Uma pequena surpresa para minha filha preferida — disse Jocelyn.
— Ah, a única, você quer dizer?
— Minha filha preferida e a melhor patinadora artística do mundo — completou a mulher mais velha, estendendo uma mão na frente do corpo que segurava uma sacola de cor rosa brilhante.
ergueu as sobrancelhas enquanto ria, igualmente curiosa e animada. Pegou a sacola e correu para jogar-se no sofá e abrir o pacote. Quando a mãe contou que era um "presentinho atrasado do Brad", arregalou os olhos.
— Demorou mais porque eu meio que o fiz mudar a ideia inicial que ele tinha para seu figurino — explicou Jocelyn.
— Como assim, mãe?! — indagou , mas logo teve a resposta. Puxou com cuidado a peça da embalagem e seu queixo quase foi ao chão.
Um vestido em gola V de alças delicadas e com as costas cavadas, estilizado com uma representação autêntica das cores do arco-íris em gradiente: começando pelo rosa no topo, passando pelo laranja, amarelo e verde no meio, e tons claros e escuros de azul perto da bainha, além do violeta. Era quase inteiramente adornado de pequenos cristais e pérolas que faziam o tecido todo brilhar.
— Quero dizer... Você vai performar I Want to Break Free. E sei o quanto representar o que você apoia e expressar sua opinião é importante para você.
— Mãe... É perfeito! — Com isso, ofereceu um abraço apertado à mulher.
— Fico feliz que tenha gostado, meu bem. Tenho certeza que Jules vai aprovar também. E não se preocupe, Brad fará mais dois vestidos especiais para você ainda esse ano, para a competição no Japão e a final do Grand Prix, que você com certeza vai conseguir.
— Eu nem sei como agradecer.
— Ah, eu sei que vai descobrir. — Jocelyn roçou o dedo indicador no polegar, fazendo o famoso gesto que significava dinheiro. Com isso, mãe e filha caíram na gargalhada. — Bom... — continuou ela após um momento. — Vou deixar você se arrumar para o treino de logo mais. Nos vemos depois.
Depois que Jocelyn depositou um beijo casto na testa da filha e saiu porta afora, guardou cuidadosamente o novo figurino e começou a se preparar para o treino diário no Lee Valley Ice Centre. A rotina da atleta na cidade de Londres, cidade natal de seu pai, englobava três horas por dia de patinação; ioga e ginástica duas vezes por semana; e pilates uma. De fato, ela só dizia que as viagens eram exaustivas quando se esquecia momentaneamente daquelas atividades físicas.
Em outro ponto de Londres, mais precisamente no Prédio Gillette – um escritório de estilo Art Deco no qual muitos projetos estavam em desenvolvimento – uma cena de Bohemian Rhapsody era finalizada. Aquela em particular retratava o aniversário de Freddie Mercury, que era comemorado em sua casa da infância junto com seus pais e irmã, a namorada Mary e os outros membros da banda, Brian, John e Roger.
Quando o diretor Dexter Fletcher gritou o famoso "Corta!", o time de atores comemorou a conclusão excelente de mais uma cena, brindando, já fora dos personagens, os copos d'água que se encontravam na mesa do cenário.
Enquanto o elenco secundário se retirava do set, Fletcher aproveitou para chamar o principal para perto. Rami, Lucy, , Joe e Gwilym aproximaram-se.
— Novidades — anunciou. — No próximo fim de semana, gostaria que alguns de vocês fossem ao Canadá.
— Uau, qual a ocasião? — Lucy perguntou admirada.
— A queridinha da América, , irá competir no Skate Canada International e nada mais justo que o elenco do filme sobre a história do Queen prestigie a maior fã da banda.
— É verdade — concordou Rami. — Ela é bem famosa nos Estados Unidos.
— O que quer dizer com "maior fã"? — franziu as sobrancelhas.
— Você não a conhece? — Foi a vez de Joe falar. O loiro negou com a cabeça.
— Até eu a conheço, . — Gwilym riu e foi acompanhado por Lucy.
— Não importa quem a conhece ou não — Fletcher interrompeu. — Apenas preciso que alguns de vocês vão vê-la competir. Será bom para o marketing do filme.
— Eu iria com prazer, por marketing ou não, mas... — Rami trocou um olhar discreto com Lucy. — Já marquei uma viagem com meu irmão nesse próximo fim de semana de folga.
— Eu também não poderei — Lucy franziu os lábios, genuinamente chateada por não poder comparecer.
— Bom, eu estou muito interessado nessa super fã do Queen, então eu vou — se pronunciou. — Mesmo ainda não entendendo o motivo desse apelido...
Joe e Gwilym acenaram com a cabeça ao mesmo tempo, também se propondo a ir.
— Assista a pelo menos três apresentações dela e você logo entenderá. — Gwilym passou um braço pelos ombros do amigo.
— Perfeito! — Fletcher bateu palmas uma vez. — Vou providenciar as passagens e o hotel de vocês três. Mais informações em breve. Liberados!
A primeira coisa que fez então foi sacar o celular e jogar o nome da patinadora do Google. Naturalmente, começou checando as imagens espalhadas pela internet, ficando impressionado com a beleza de . Era alta, possuía olhos brilhantes e um corpo bem delineado, assim como longos cabelos que sempre estavam presos durante as competições. Fez uma expressão que denotava "nada mal" para si mesmo enquanto acomodava-se na cadeira do camarim compartilhado com os outros atores para sair por completo do personagem. Simultaneamente, seu celular apitou indicando a chegada de uma mensagem no Bumble.
Há pouco tempo começara a fazer uso de um aplicativo de namoros, desde o fim de seu relacionamento com Katriona Perrett. Seu único relacionamento na vida e que não havia sido nada curto, diga-se de passagem. Talvez por conta disso mesmo tivesse começado a sentir-se aprisionado ali. Agora, livre, poderia curtir o quanto quisesse. Não que não respeitasse Katriona durante o tempo que passaram juntos, de forma alguma; eram apaixonados desde a adolescência. Mas, no fim de tudo, as coisas haviam começado a esfriar e ele sentiu que não estava mais aproveitando aquela vida.
Fechando imediatamente o navegador de seu celular – porém não a aba na qual havia acabado de pesquisar sobre – o rapaz prontificou-se a iniciar uma conversa com a mais recente garota que o havia contatado. Já havia passado por milésimas, se bem que não do jeito que gostaria. Tendo tido apenas um relacionamento na vida inteira, sentia que havia perdido o jeito para flertar. Não conhecera outros encontros, outros beijos, outros toques, outras transas. Talvez estivesse um pouco nervoso. Se isso não fosse suficiente, ainda não havia encontrado uma garota que realmente o impressionasse e com quem sentisse um clique, digamos assim.
Bom, com pouco mais de uma semana de espera, ele logo viria a encontrar.
II. Someone New
amava o Dia das Bruxas. Quando pequena, seus pais sempre a deixavam escolher a fantasia que quisesse e então a levavam para pedir doces pelo subúrbio em que moravam. Quando chegavam em casa ao fim da tarde, geralmente assistiam um filme de terror leve, que não contivesse riscos de traumatizar a pequena , e ficavam até tarde brincando de várias coisas; mais para distrair a garota dos pensamentos que sempre assolavam as crianças em relação àquele dia do que qualquer outra coisa. Algumas imaginavam bruxas voando do lado de fora da janela de seus quartos, outras imaginavam o monstro debaixo da cama, havia também as que imaginavam fantasmas arrastando correntes pelos corredores, e as que imaginavam o bicho-papão no armário. era uma dessas.
Conforme fora crescendo, no entanto, percebeu que o bicho-papão só existia em sua cabeça, mas ainda assim não conseguia parar de vê-lo vez ou outra, cada hora tomando uma forma diferente. Ele passou de ter a forma de um fora do garoto de quem gostava para ter a forma do falecimento de seu pai, por exemplo. Na atual conjuntura ele estava mudado, fazendo-se presente apenas em cada competição da qual ela participava. E nem precisava ser Dia das Bruxas para isso.
Fez aquela comparação mentalmente em questão de segundos enquanto olhava distraidamente pela janela do táxi que dividia com sua mãe e Juliette – a melhor amiga havia viajado para Regina, na província de Saskatchewan no Canadá, apenas para vê-competir no programa livre – e que as levava para a arena Brandt Centre, onde encontrariam os treinadores Olga e Andrey. Durante o caminho, observava as decorações da data comemorativa que se aproximava. Eram impressionantes como todo ano, não importava em que cidade ela estivesse. Amava ver as casas enfeitadas com os mais diversos tipos de adereços: teias de aranha falsas, esqueletos de plástico, lápides artesanais nos quintais, sombras feitas de papel escuro nas janelas...
Subitamente, foi trazida de volta à realidade por um toque no ombro. Removeu um dos airpods e virou-se para encarar Juliette, uma expressão de dúvida no rosto. I Want to Break Free podia ser ouvida a pouca distância dos fones de ouvido – a música tocava no modo repetido, já que a patinadora havia decidido repassar a coreografia do dia na mente de novo e de novo.
— No que está pensando? — murmurou Juliette.
— Em nada — respondeu rápido demais. No banco da frente, sua mãe conversava sobre um assunto qualquer com o motorista. — Não estou pensando em nada. E estou pensando em tudo. Tentando não pensar demais.
Fez a outra garota rir com isso e jogar uma mecha de seu longo cabelo castanho para trás, por cima do ombro, antes de responder.
— Ora, vamos. Relaxe. Você já tem essa competição na palma da mão. Vai dar tudo certo. Hoje tem tudo para dar certo. — Finalizou com um sorriso arteiro, dando certa ênfase naquela frase.
ergueu uma sobrancelha desconfiada, removendo o outro airpod agora.
— O que há com você? Está assim desde o aeroporto. Achei que era só a saudade, mas eu te conheço... Tem algo mais aí.
— Lily — disse de forma solene. Havia soado tão falso que fez a dona do nome soltar uma risada nasalada. — Se me conhece tão bem saberia que eu sou assim mesmo, ainda mais quando minha amiga está prestes a fazer cair os queixos de todos nesse país. É sério, Trudeau vai ter que realizar um mutirão para recolher mandíbulas do chão.
sacudiu a cabeça com um largo sorriso sincero.
— Feliz Dia das Bruxas adiantado, eu acho... O que está planejando, Jules?
— Nada! Não estou planejando nada. Juro. — Era verdade. Mas isso não queria dizer que era toda a verdade.
Juliette sorriu triunfante consigo mesma depois de cada uma voltar sua atenção para o que faziam antes, ávida para o desenrolar do dia. Naquela rara ocasião, ela não era a última a saber de algo.
, Joe e Gwilym – respectivamente, Roger Taylor, John Deacon e Brian May no filme biográfico da banda Queen – desceram do carro que os levou até a arena onde ocorreria o Skate Canada International. Dispensaram o par de seguranças que os havia acompanhado para tentarem uma entrada discreta e logo se acomodaram em seus assentos, o mais próximo da pista de patinação que conseguiram, visto que o lugar já estava parcialmente lotado. Até então, nenhuma exclamação de surpresa fora dada, nem olhares curiosos foram lançados de soslaio na direção dos rapazes. Com uns quinze minutos de permanência, porém, algumas pessoas começaram a se aproximar para pedir fotos ou autógrafos, mas sempre calma e respeitosamente.
Já era expectado que os reconhecessem, especialmente devido a atual repercussão do filme que gravavam, mas era estranho como haviam notado algumas pessoas parecendo à procura dos três, como se já esperassem encontrá-los ali. Com uma rápida busca no Google, Joe constatou que, sim, aquilo era perfeitamente possível. De alguma forma, a notícia de que estariam presentes ali havia vazado. questionou-se se não teriam sido os próprios produtores executivos do filme que o fizeram. Afinal, seria bom para encher ainda mais o local e, como consequência, exaltar os atores por terem levado mais visibilidade ao evento, além da inicial estratégia de marketing. Bom, aquilo não daria certo se começassem a distrair o público com as próprias presenças ao invés das dos competidores, mas por fim a quadragésima quarta edição teve início e puderam sossegar uma vez que foram aparentemente esquecidos.
Em tempo, remexia-se inquieto na cadeira, já não aguentando mais esperar pela apresentação de , o único motivo pelo qual estava ali. Sendo sincero, nem mesmo havia ouvido falar da mesma antes de Fletcher comentar sobre, mas isso não tornava a razão de estar ali menos verdadeira. Era ela e ponto final. Acabara esquecendo-se de ler mais sobre ela, entretanto, ou assistir qualquer vídeo de alguma de suas competições, assim como seus amigos não fizeram questão de introduzi-lo àquele mundo.
Quase não percebeu quando a hora havia chegado então, apenas quando Gwilym e Joe levantaram-se com entusiasmo genuíno para aplaudir a próxima patinadora a entrar no rinque. retirou os protetores das lâminas dos patins e logo fez-se confortável sobre o gelo. Poucos minutos depois, a introdução de I Want to Break Free encheu os ouvidos de todos e flagrou-se exibindo um sorriso animado, endireitando-se para ter uma melhor visão do espetáculo.
— Uau, a roupa dela — comentou Gwilym. — Fantástica.
Joe e concordaram, o último ficando imediatamente impressionado com a originalidade da patinadora que se sobressaía em um mar de figurinos todos muito parecidos em cores. Ela, ao contrário, utilizava todas de uma só vez, em uma clara alusão e homenagem a Freddie Mercury, especialmente quando considerada a música escolhida.
não só entregava os movimentos requeridos pela competição, percebeu, ela dedicava-se completamente à música, dançando com destreza, cantando – de forma inaudível, é claro, mas era possível ver seus lábios se mexendo conforme a letra – e sorrindo, aparentando alegria apenas por estar ali. Ela deslizava de uma maneira que parecia voar, tinha uma agilidade incrível para saltos e giros, e brilhava. Acima de tudo, brilhava. Nas ocasiões em que Freddie falava o famoso trecho "God knows" da música, ela o interpretava da mesma forma cômica que Roger vestido de mulher fazia no clipe, e achou aquilo sensacional.
Ele nem conseguiu lançar aos amigos um olhar que denotasse o quanto estava admirado, tal era seu medo de perder qualquer detalhe daquilo tudo. Ao mesmo tempo em que se arrependia de não ter sabido sobre ela mais cedo, por outro lado agradecia pelo fato, pois caso contrário talvez não sentisse a emoção que sentia naquele instante.
Ao final, assoviou e aplaudiu com avidez, assim como a plateia inteira. curvou-se em agradecimento, ainda sorrindo, e deixou a pista.
— Uau! — Joe exclamou.
— Precisamos encontrá-la depois daqui — disse sem pensar. Após receber um olhar indecifrável dos dois, tentou explicar: — Ou vocês acham que Fletcher vai nos deixar voltar para Londres sem uma foto com ela?
— Eu vou pedir um autógrafo, isso sim. — Gwilym riu.
Dito e feito, quando tudo estava finalizado e já havia recebido sua medalha de bronze – uma injustiça de acordo com , Joe, Gwilym, Juliette e Jocelyn – e tirado dezenas de fotos, os atores foram em busca da americana, que ainda mantinha-se completamente alheia ao fato de que eles estavam lá.
— Garota... — Juliette chamou sua atenção em certo ponto, uma expressão arteira no rosto. — Agora que o nervosismo já passou, eu posso falar... está aqui.
— O quê?! — apertou a garrafa de plástico que segurava e quase cuspiu a água que antes bebia em grandes goles.
— Bom, não só ele... Todos os principais de Bohemian Rhapsody, menos o Freddie.
— Rami — corrigiu antes de sacudir a cabeça. — Meu Deus! Eles vieram me ver? Como você sabe disso?
— Eu li em algum site de fofoca hoje de manhã. — Juliette deu de ombros.
— Ah, então não deve ser verdade. — suspirou, alisando o figurino assinado por Brad Griffies.
— Então... Quem são aqueles ali?
Juliette apontou e virou o rosto para trás no mesmo segundo, bem a tempo de ver, de fato, , Joe Mazzello e Gwilym Lee vindo em sua direção. Assim que ficaram perto o suficiente, o mais alto foi o primeiro a cumprimentá-la, um sorriso enorme no rosto.
— , Gwilym Lee — apresentou-se. — É um prazer conhecer a maior fã do Queen! — Ofereceu um abraço com os braços estendidos, que foi prontamente aceito. — , Joe Mazzello. — Apontou para os outros dois depois.
Joe também a cumprimentou com um abraço, já optou por um singelo beijo na bochecha.
— Uau, que honra tê-los aqui — disse , os olhos semi arregalados em surpresa e maravilha. — Esta é Juliette Loren, minha amiga.
— Melhor amiga. É um prazer. — Juliette estendeu a mão para cada um dos três; e Joe apenas a sacudiram, mas Gwilym tomou-a na própria e depositou um beijo sobre seus dedos.
Depois de todas as introduções terem sido feitas, pigarreou.
— Grandes fãs, , parabéns pela medalha, apesar de acharmos que você merecia o ouro. Foi incrível.
— Muito obrigada! — Ela sorriu. Seu olhar demorou-se um pouco no dele, que não foi desviado. Um sorriso tímido tomava conta dos lábios do loiro.
Para , pessoalmente era ainda mais bela do que nas imagens que vira no Google. Ele a analisou enquanto ela já engatava com Joe um assunto qualquer sobre Jurassic Park; o pescoço exposto devido a cabelo preso em um rabo de cavalo, a compleição que brilhava não só pelo suor, mas também pela maquiagem com glitter, as pernas torneadas cobertas por meia-calça. Ele estava simplesmente sem palavras. Quando notou, os outros quatro já haviam mudado o assunto pelo menos duas vezes e agora discutiam detalhes sobre Bohemian Rhapsody. Durante todo o papo, alguns fotógrafos já aproveitavam a oportunidade para roubar alguns cliques nada escondidos.
— Não é, ? — A voz de Gwilym readquiriu foco apenas no final da frase que proferira.
piscou algumas vezes.
— O quê?
— Rami e Lucy.
— Ah, sim, eles são grandes fãs. Uma pena que não puderam vir.
Aquilo era incrível e inusitado para , que ofereceu um leve sorriso e assentiu em compreensão.
— Bom, posso garantir que terão outras oportunidades.
— — chamou Jocelyn, interrompendo momentaneamente a conversa. Após ser apresentada a todos, comentou com a filha: — Não podemos demorar ou vamos perder o voo de volta para Londres.
— Certo, eu já vou.
— Você mora em Londres? — questionou Joe com interesse. — Eu esperava que residisse nos Estados Unidos ou algo assim. Escute, nós estamos sempre por lá agora, por causa do filme. Podíamos sair para beber qualquer dia desses, concordam? — Seu olhar flutuou entre cada um.
— Absolutamente, meu caro — disse Gwilym.
— Eu acho uma ideia ótima! — assentiu, sendo seguida por e Juliette, que também aprovaram a sugestão. Não era sempre que a melhor amiga estava por perto, mas quando estivesse, certamente sairia junto com o grupo.
— Perfeito, então combinamos. Juliette, por favor, poderia tirar uma foto de nós quatro?
A morena prontamente consentiu e Gwilym, Joe, e juntaram-se para caber na moldura, exatamente nessa ordem. pegou de leve na cintura de para posar, enquanto Joe apenas pôs a mão ao redor de seus ombros, assim como Gwilym havia feito com os dele. Isso não passou despercebido para ela, que sentiu um ardor percorrer sua pele com o toque de .
As despedidas vieram e logo estava de volta em uma cabine de avião ao lado de Jocelyn e Juliette, dessa vez com I'm in Love with My Car tocando nos airpods, absorta em pensamentos que iam longe, até um certo loiro de grandes olhos verdes.
III. In a Week
Em uma semana, havia virado um expert na vida profissional de . Agora sim, pesquisara a maior quantidade de vídeos de suas performances que conseguira e lera sua página do Wikipédia inteira, que continha poucos detalhes sobre a vida pessoal – algo pelo qual ele agradecia, pois achava justo conhecê-la mais intimamente do jeito antigo, ou seja, conversando e tornando-se amigos.
Havia até selecionado algumas apresentações que acabaram tomando um lugar especial em seu coração, sendo suas preferidas. A número um não poderia ser outra; aquela na qual ele a conhecera, com I Want to Break Free e o vestido de arco-íris. Logo depois vinha a das Olímpiadas de Inverno de 2014, na qual , no auge de seus dezenove anos, competira ao som de Somebody to Love enquanto usava um vestido cuja estampa era uma réplica exata da camiseta florida de Freddie no clipe, levando o bronze para os Estados Unidos. No Campeonato Mundial de 2015, apresentara Crazy Little Thing Called Love e, por mais que só houvesse conseguido o quinto lugar, a colocara em sua lista mental de apresentações preferidas devido à vivacidade com que aquela coreografia fora exibida ao mundo.
Outra que o havia marcado e, além de tudo, intrigado, fora a do Mundial de 2016, na qual recebera a medalha de ouro. A música escolhida para essa performance em particular havia sido Who Wants to Live Forever, e esta pareceu ter sido sua mais emocional até então; havia ido às lágrimas enquanto se apresentava, e parecia evidente que era por causa da música. Apesar disso, ainda patinava de maneira excelente. Compreensiva e notavelmente, todos haviam se emocionado junto com ela, tanto o público quanto os jurados. O ouro fora mais do que merecido.
Ao ler os comentários do vídeo desse dia no Youtube, observou algumas pessoas falando sobre o pai dela, teorizando que provavelmente tinha algo a ver com ele e/ou seu falecimento. Guardou então aquilo nos pensamentos para perguntá-la quando fosse propício, quando já fossem próximos o suficiente, coisa que mal podia esperar para acontecer...
Assim como .
O sol estava escondido naquela manhã, anunciando um dia chuvoso por vir, mas nem isso a impediu de enfrentar os deveres do dia a dia. O que compensava a este curto prazo eram as mensagens que vinha trocando com... . No dia seguinte da sua apresentação no Canadá, recebera uma notificação um tanto especial em seu Instagram.
@1 começou a seguir você.
Além dele, Joe e Gwilym fizeram o mesmo, assim como Lucy e Rami uns dias depois. Joe então criara um grupo no aplicativo com os seis juntos, para que pudessem manter contato; afinal, haviam mesmo concordado em marcar alguma saída por Londres. logo fora recebida como parte da família. Eventualmente, trocaram telefones e permutaram o local das conversas. Todos os dias falavam sobre os mais variados assuntos, com e mencionando-se em alguns momentos, mas nada muito pessoal.
Certo dia, porém, recebeu nada menos que um áudio de em privado, uma voz rouca de quem havia acabado de acordar enchendo seus ouvidos quando apertou o play.
[aud: ] , ei. Eu estava pensando... Os rapazes vão ficar fora por uns dias daqui a uma semana, eles vão ao Japão, mas eu não vou poder ir. Você não gostaria de fazer algo por Londres mesmo?
Como se não fosse suficiente ela ter recebido uma mensagem dele, ainda por cima era um áudio, e seu conteúdo era ainda melhor. Ele queria sair com ela. Só com ela. Tinha que significar algo, certo? Ou... Talvez ele só não quisesse ficar entediado, excluído em Londres sem os amigos. É, isso é mais provável, lembrava-se de ter pensado.
No entanto, por mais que quisesse muito aquilo, tivera que recusar. O NHK Trophy estava quase batendo à porta, dando-lhe um prazo curto entre este e o Skate Canada International passado, motivo pelo qual ela ainda não se propusera a marcar uma saída com os atores – estava treinando duro. Respondeu então na mesma moeda, encantada com a coincidência da situação.
[aud: you] Oi, . Veja, isso é muito engraçado, eu também vou estar no Japão na semana que vem. Tenho uma competição em Osaka... Mas assim que todos voltarmos, podemos definitivamente começar a curtir as noites de Londres juntos.
Não demorara muito até a resposta chegar, dessa vez em formato de texto.
[msg: ] Se encontrar aqueles safados por lá, não bebam muito saquê sem mim :)
[msg: you] eu vou beber por mim e por vc!
A partir daí, não pararam mais de conversar em privado, aumentando gradativamente a frequência de mensagens à medida que os dias passavam. O chat com Joe, Gwilym, Rami e Lucy ainda era movimentado, apesar disso.
A coletiva de imprensa de Bohemian Rhapsody no Japão chegou e passou, assim como o NHK Trophy, que conferira a mais uma medalha de ouro, dessa vez tornando-a a primeira mulher americana a levá-la nessa competição. Isso só a fez perceber que já estava mais do que na hora de dar uma pausa e sair para beber em comemoração.
[msg: you] hey
[msg: you] agora que todos nós estamos de volta...
[msg: joe mazzello] O nunca saiu.
[msg: you] acho que finalmente é nossa hora de tomar uns bons drinks
[msg: ] @Joe se manca
[msg: gwilym lee] Crianças...
[msg: lucy boynton] Apoiada!
[msg: rami malek] ↑ o que ela disse
[msg: you] dessa vez vcs vão poder levar o de verdade! @joe @gwilym @rami
Riu sozinha ao digitar aquela parte, referindo-se ao pôster de papelão de que os rapazes haviam carregado para lá e para cá pelo Japão.
Depois de muita discussão sobre a qual bar iriam no próximo sábado, todos acabaram concordando quanto ao The Dolphin, um estabelecimento com pista de dança, mesa de sinuca, máquina de karaokê e um jardim nos fundos para quem quisesse fumar ou relaxar depois. Além disso, de acordo com , "os donos deixam você dançar em qualquer superfície que aguente seu peso". Como exatamente ele sabia disso, resolveu não perguntar, mas sentiu que era algo que agradaria a Juliette. Era uma pena que ela já não estivesse mais na cidade desde a semana seguinte ao Canadá; havia retornado junto com para Londres para passarem alguns dias a mais juntas, mas logo tivera que voltar a Detroit. Tinha uma vida, afinal, que não dependia de . Ainda assim, falavam-se quase todos os dias, como sempre, e certamente Jules estava por dentro de tudo que acontecia na vida da amiga patinadora.
The Dolphin era simples por fora, uma construção antiga que lembrava muito um brownstone de Nova Iorque. encontrou o elenco de BoRhap na esquina, um pouco longe da confusão que formava-se na porta. Foi maravilhoso ver Joe, Gwilym e novamente, especialmente esse último. Encontrar Rami Malek e Lucy Boynton frente a frente pela primeira vez havia sido mais ainda. É claro que já haviam se tornado íntimos, de certa forma, devido a tantas conversas que vinham mantendo há três semanas, mas pessoalmente foi ainda mais especial.
Ao finalmente entrarem, notou que o lugar era o oposto do exterior. Seria completamente escuro não fossem as diversas luzes coloridas, única iluminação do lugar, e adorou aquilo. Além de todo o neon, havia mesas espalhadas por cada canto, além de inúmeros bancos altos de estofado vermelho ao longo do balcão de madeira polida do bar, onde alguns bartenders já atendiam aos pedidos dos clientes mais pontuais. Uma mesa de sinuca chamava a atenção no meio do salão, assim como uma máquina de karaokê encostada a uma parede mais distante. Ao lado desta, uma porta discreta levava aos fundos, ao prometido jardim, e outras duas aos banheiros. Em outro ponto encontrava-se uma pista de dança bem modesta, mas que servia a seu propósito. Aquele lugar fazia completamente o gosto de , e a julgar pelas expressões encantadas dos outros, fazia o deles também. A sugestão de havia sido fantástica.
— Vamos subir — disse ele, pondo-se em movimento até uma escada que até então não havia notado. — Eu reservei o segundo andar para nós.
Com exclamações alegres de comemoração, os outros cinco o acompanharam até em cima, aparentemente não tendo sido reconhecidos pelos demais ali presentes, possivelmente pela baixíssima iluminação. Após subirem os numerosos degraus, um segurança parado na escada prontamente liberou a passagem para eles e os deixou a sós.
O andar de cima era consideravelmente menor, mas ainda perfeito para a festa particular que fariam. Além do tamanho, aquele andar diferia do de baixo também pela falta de um bar e uma pista de dança, mas só a mesa de sinuca e o karaokê já seriam mais do que suficiente para atender às demandas de , , Joe, Gwilym, Rami e Lucy. Também havia uma separação acústica entre os dois andares, de modo que as músicas de um e de outro não se misturassem.
Começaram bebericando cervejas que Gwilym havia buscado no andar inferior, apenas batendo papo, sentados em um banco estofado que circulava uma mesa redonda. Ali, a iluminação também era precária e as luzes de neon deixavam tudo mais emocionante, sem mencionar as músicas clássicas de rock que tocavam ao fundo. Com meia hora de estadia, Lucy e decidiram abrir a bebedeira oficialmente com tequila, ambas julgando cerveja algo fraco demais para a ocasião. Levaram shots para todos, que prontamente aceitaram e viraram juntos. As moças, porém, queriam mais, e foi exatamente o que foram buscar.
— Pronta, Lucy?
— Nasci pronta, e você, ?
— Pode apostar.
Com isso, as duas sorriram de forma levada e levaram os pequenos copos de tequila aos lábios, virando-os imediatamente para consumir o líquido de uma só vez, o que causou uma queimação agradável no interior de seus corpos. Os rapazes apenas observavam e riam, com um medo cômico do que poderia surgir daquela ação.
Conforme a noite corria, sentia-se mais e mais eufórica, extremamente feliz e ávida por estar ali, uma sensação prazerosa tomando conta de si cada vez mais. E não era difícil observar que os amigos estavam na mesma vibe, rindo e fazendo piada de tudo, falando alto, brincando, tirando várias fotos. Não conseguiam parar de sorrir e gargalhar juntos. Era simplesmente extasiante.
Próximo da meia-noite, colocou Fat Bottomed Girls no karaokê e ofereceu um dos microfones a Lucy, que prontamente aceitou para cantar junto com a mais nova amiga. Na mesa de sinuca, , Joe, Gwilym e Rami faziam apostas amigáveis, onde seriam depois acompanhados pelas duas garotas ao terminarem o pequeno show no karaokê. Paravam de beber e jogar apenas para ir ao banheiro ou descer ao bar em busca de mais drinks. Em certo momento, Joe subiu novamente com seis copos de uma bebida cor-de-rosa em uma bandeja.
— Obrigada, barman. — Lucy riu.
— O melhor que nós temos — completou , erguendo seu copo para um brinde. Todos seguiram seu gesto e estalaram vidro contra vidro para em seguida cada um dar uma golada generosa.
Era um líquido um pouco espesso e muito doce; nem é necessário dizer o quanto foram dominados por aquele sabor, logo pedindo por mais. E o melhor: foram atendidos.
Não tinha uma pessoa sóbria naquele grupo, e isso só deixou e mais amigáveis um com o outro. Não haviam mantido muito contato durante a noite; ao invés disso, dividiam a atenção entre todos igualmente, especialmente para não chamarem atenção para o segredo íntimo de cada um de que se gostavam bastante, mesmo que nem sequer suspeitassem que o outro sentisse o mesmo na mesma intensidade.
Em certo momento da madrugada, deslizou suavemente para o lado de sobre o banco enquanto ela ria observando Joe e Gwilym tendo uma discussão um tanto engraçada durante uma partida de sinuca. Lucy e Rami haviam descido para buscar mais bebidas, mas ainda nada dos dois voltarem. O loiro casualmente apoiou um braço no local onde recostava-se, pronto para puxar assunto. Ela lhe lançou um olhar indecifrável e tomou mais um gole de seu drink.
— Então, ... O que vai fazer depois?
— Dormir, espero, e não vomitar. — Ela riu, sentindo-se bem mais desinibida. Estava um pouco tonta, assim como imaginava que os outros também estivessem, mas não era uma sensação ruim. Ainda.
— Você deveria dizer "dever de casa".
— Como é?
sentiu-se idiota de súbito, mas também riu, sacudindo a cabeça.
— Vai entender quando assistir BoRhap.
soltou um prolongado "oh" e ergueu as sobrancelhas, uma expressão divertida no rosto.
— Alerta de spoiler!
Seus risos encheram o ar, ambos caindo em uma atmosfera muito agradável e familiar, de modo que logo flagraram-se com os rostos muito próximos. A Terra pareceu girar mais devagar. Era apenas natural; havia uma atração mútua ali e os dois estavam sozinhos pela primeira vez na noite, além de embriagados.
— ! — Uma voz exclamou de repente. Era Gwilym, que espalmou o tampo da mesa com um baque. Joe não era mais visto por perto.
— Jesus. — levou uma mão ao peito. — Você me assustou. — Ao seu lado, sentira sobressaltar-se também.
Mas Gwilym nem deu importância e continuou.
— Sua amiga, Jules... Ela é tão bonita. Ela é linda — contemplou com a fala arrastada, o sotaque britânico soando mais forte.
— É mesmo? — Ela ergueu uma sobrancelha, tentando conter um sorrisinho.
— Sim... Eu não consigo tirá-la da minha cabeça. Você pode me passar o telefone dela?
riu alto, levando uma cotovelada nas costelas.
— É claro que posso — respondeu a garota, apenas concordando porque tinha certeza de que Juliette iria amar aquilo. — Você tem...? — Antes que pudesse terminar, Gwilym puxou uma caneta do bolso da jaqueta. rapidamente anotou em um guardanapo o número da garota, que naturalmente sabia de cor, e entregou-o para o amigo. — Divirta-se.
Então ele praticamente saltitou até o banheiro masculino. riu mais um pouco antes de retomar a fala.
— Onde estávamos?
deu um sorriso largo, as maçãs do rosto corando e ficando mais em evidência pelo repuxar dos lábios.
— !
— Santo Deus. — bufou.
Era Lucy, que ignorara completamente o loiro e tinha sua atenção voltada para a amiga.
— Eu preciso da sua ajuda.
— Claro. — concordou. — O que é?
— Aqui não. — E puxou a outra pelo pulso, que logo começou a levantar do assento. — Vamos!
só teve tempo de olhar para trás e fazer uma careta frustrada para antes de murmurar um pedido de desculpas. Ele apenas assentiu, sem culpá-la, em seguida assistindo as duas entrarem no banheiro de qualquer jeito. Não muito tempo depois, Joe e Rami vinham subindo as escadas.
— — começou Lucy, sentando-se na pia de mármore. — Eu não sei o que fazer! Eu gosto de um cara, gosto muito, mas ele não quer nos assumir!
— Espera. — ergueu um dedo. — Vocês estão namorando?
— Bom... Não — admitiu. — Mas estamos saindo.
— Há quanto tempo?
— Pouco.
— Certo. Ele provavelmente não deve querer fazer alarde por não ser algo sério ainda, Luce. — Tentou ser o mais sutil que pôde, evitando opinar que talvez esse tal cara apenas não quisesse algo sério.
Lucy fez um biquinho.
— É, talvez. Ele... Esse cara é meio tímido. Bem na dele.
— Pode parar de chamá-lo assim, eu sei que é o Rami — disse brincando, gesticulando desdenhosamente. Não sabia, é claro, mas resolveu fazer aquela piadinha só para descontrair. Os dois combinavam muito, afinal.
Seu queixo caiu, porém, quando Lucy respondeu.
— Merda. Quando ele te contou?
A outra arregalou os olhos, levando uma mão à boca.
— Ele... não contou.
— Você jogou verde?! — A atriz parecia desesperada, mas logo começou a rir. Se era de nervoso ou alívio, não soube dizer.
— Me desculpa! Eu não achei que você fosse admitir! Na verdade, eu nem suspeitava de nada!
— Tudo bem, calma. O importante é você não contar para ninguém.
— Prometo! Nem o Rami precisa saber que eu sei. Isso fica só entre nós até decidirem o contrário.
— Certo... — Lucy suspirou. — Estou um pouco aliviada. É bom contar para alguém.
— Eu sou mesmo a primeira a saber?
— Sim! Agora... Quando todos irão saber sobre você e , hein? Eu acho que estraguei algo lá fora, me desculpe...
— O quê?! — A voz de falhou. — Não sei do que está falando. e eu somos só amigos.
— Mas não por escolha dele. — Então Lucy fez uma cara de "falei demais".
— O que quer dizer? — aproximou-se, pegando a mão dela.
— Bom... Ele sempre fala de você. E sempre assiste vídeos seus durante os intervalos das gravações. Competições, entrevistas... Qualquer coisa. Eu acho que ele tem uma quedinha por você.
arfou.
— Isso é loucura.
Antes que pudessem continuar a fofoca, no entanto, ouviram batidas frenéticas na porta. Quando abriram, Joe estava parado ali saboreando uma fatia de pizza.
— É melhor virem logo ou não vai sobrar nada.
e Lucy trocaram um olhar cúmplice e sorriram, caminhando de volta ao point.
O resto da madrugada passou sem mais ocorrências apreciáveis. O grupo apenas continuou bebendo um pouco mais, no final também enchendo os estômagos com comida, tirando fotos e jogando. O básico. Em uma das fotografias, foi segurada na horizontal pelos quatro rapazes, todos evidentemente muito bêbados. Lucy tirou uma foto igual depois, que saíra igualmente engraçada. Postaram algumas nas stories do Instagram, onde era certo que renderia diversas capturas de tela.
tinha o coração mais leve depois da notícia de Lucy, sentindo-se ainda mais feliz e tendo a certeza de que não queria que aquela noite acabasse, especialmente se aquilo significasse não lembrar de metade dos acontecimentos no dia seguinte.
IV. To Be Alone
No dia seguinte ao The Dolphin, acordou com uma ressaca nada generosa. A cabeça latejava e girava, o estômago parecia vibrar de fome e enjoo, o corpo todo doía – sabia-se lá por que. Primeiramente, a patinadora reuniu todas as forças que tinha para levantar e ir até o banheiro. Depois, arrastou-se até o andar de baixo em busca de um copo d'água bem gelado para saciar a sede absurda com que acordara. Por fim, voltou à sua cama quente e confortável, jogando-se debaixo das cobertas e deleitando-se naquele bem-estar. O relógio marcava mais de meio-dia.
Por um momento, pensou em como seria bom ter ali com ela. E foi como se aquele pensamento o tivesse atraído. Ouviu o celular vibrar na mesa de cabeceira e esticou um braço para pegá-lo. Na tela desbloqueada, liam-se literalmente centenas de notificações de mensagens no grupo com o elenco de Bohemian Rhapsody. Aparentemente, enquanto dormia, alguns deles passaram o resto da madrugada passada em claro e parte daquela manhã conversando, enviando as fotos tiradas e comentando sobre a noitada que tiveram, em particular os melhores momentos.
Mas não foram aquelas mensagens que fizeram seu celular vibrar naquele instante, e sim uma de , perguntando se ela havia tido uma boa noite de sono. Sorriu sozinha enquanto mordia o lábio inferior, fechando os olhos e balançando a cabeça, sonhadora. Respondeu positivamente e a partir dali iniciou-se uma conversa que duraria pelo resto do dia. Acabaram combinando, então, de se encontrarem no dia seguinte no prédio da Prefeitura de Hornsey, onde e os outros estariam trabalhando em uma cena sobre a gravação da música que dava nome ao filme.
Como prometido, lá estava , após deixar seu treino diário de patinação, aguardando do lado de fora.
— Ei! — acenou, correndo até ela. Cumprimentaram-se com um abraço apertado.
— Uau, você está... — ela começou, recuando alguns passos para dar uma melhor olhada no figurino do ator. — Ótimo. Realmente ótimo. Sinto como se estivesse nos anos 70 com o próprio Roger Taylor na minha frente.
sorriu agradecido. Ele vestia uma camiseta justa listrada nas cores vermelho e branco e uma calça preta, igualmente justa. Já usava sua habitual roupa de treino: leggings pretas e um body colorido por cima.
— E eu me sinto nos anos 90 na presença da própria Tonya Harding.
— Você é muito gentil. — Ela retribuiu o sorriso. — Os rapazes não vêm? E Lucy?
— Uh... Não. Eles estão muito ocupados agora — mentiu, evitando admitir que não havia contado aos outros sobre sua visita. Afinal, não queria que eles atrapalhassem um momento a sós dos dois. A próxima parte, porém, era verdade. — Lucy não está nessa cena. Nos veremos apenas mais tarde. Ah, e sobre a banda... Eles tiveram que resolver outra coisa, então também não estão aqui. Não pense que eu perderia a oportunidade de te apresentar a eles.
Um rubor tomou conta das bochechas de e ela sentiu-se acalentada por aquelas doces palavras finais.
— Eu entendo! Bom, o que estamos esperando? Vamos dar uma volta.
Puseram-se a caminhar lado a lado ao redor do prédio da prefeitura. O ambiente estava completamente vazio, com seus arredores tendo sido reservados para a gravação do dia. olhou para o céu nublado por um tempo, procurando qualquer assunto que considerasse bom para puxar, mas falhando. Suspirou derrotada. Não desejava passar o breve tempo que tinha com naquela tarde agradável sem conversar sobre qualquer coisa relevante. Felizmente, ele falou primeiro.
— Você se importa se eu fumar?
— De jeito nenhum.
puxou um isqueiro e um maço de cigarros do bolso da calça, acendendo um e expelindo fumaça pelo nariz de um jeito bem atraente, diga-se de passagem. Eles então pararam para sentar em um banco.
— Obrigado. Eles não me deixam fumar lá. — O silêncio instalou-se por mais alguns segundos antes de ser quebrado novamente. — Então, ... Conte-me algumas coisas que você está cansada de ouvir, sendo patinadora artística.
— Uau, isso é excelente. Vamos lá, são tantas. — Ela riu. — Certo... Quando me perguntam se eu não fico com frio usando aqueles "vestidos minúsculos". — Fez aspas com os dedos. — Sabe, tente patinar por quatro minutos direto, saltando e girando sem parar, depois venha falar comigo. É impossível não suar.
gargalhou genuinamente divertido com aqueles comentários.
— O que mais?
— Quando dizem que patinação artística não é um esporte. Nossa, esse é o pior de todos. A vontade é de partir para cima da pessoa! — Ela fechou os punhos, rosnando de brincadeira. — Ah, e quando me perguntam se dói quando eu caio! — Aqui os dois riram alto. — Agora é sua vez! Conte-me algo que te irrita no ramo da atuação.
— Não tem muita coisa, mas eu simplesmente detesto quando me contratam só para ser um rostinho bonito e exibir meu corpo. Eu já fiquei sem camisa diversas vezes, especialmente em EastEnders. Foi uma novela que eu fiz — ele explicou dando de ombros. — Em X-Men eu também tive que ficar, mas não foi tanto assim e fazia sentido, então tudo bem.
— Eu adorei esse filme — comentou.
— Foi muito bom gravá-lo. Foi legal ter superpoderes e me tornar amigo do James McAvoy. — Ele exibiu um sorriso de canto.
— Você tem que me apresentar a ele um dia!
— Só se você me apresentar a... — fez uma pausa para pensar. — Caramba, eu não conheço ninguém além de você na patinação, tirando a Tonya Harding. Vocês são amigas?
sacudiu a cabeça, soltando uma gargalhada gostosa de ouvir.
— Não, mas vamos chegar lá. Quero conhecer a Margot Robbie também, aí eu te apresento a ela. Mas primeiro tenho que conhecer o McAvoy. E Brian e Roger, é claro! E John!
— Fechado. — Ele sorriu. — Enfim, agora eu evito qualquer tipo de trabalho que queiram me despir sem motivo algum.
— Está certo — concordou a garota. — Você é talentoso demais para isso.
O silêncio recaiu sobre eles mais uma vez, mas dessa vez era tranquilo e confortável. terminou seu cigarro e jogou-o em uma lixeira. O clima que havia rolado dois dias antes, no bar, não fora trazido à tona em nenhum momento, para alívio geral. Na verdade, ambos pensavam que havia sido apenas coisa da cabeça deles.
— Você sempre soube tocar bateria? — perguntou de repente, analisando o perfil de enquanto ele abria um sorriso cativante.
— Eu aprendi a tocar há uns três meses. Quando eu consegui o papel, não fazia nem ideia de como segurar as baquetas.
arregalou os olhos, surpresa em ouvir aquilo, mas soltou uma risada honesta.
— Você é louco!
— Eu sei! Eu menti no currículo, não recomendo. Quando soube que tinha sido escolhido, corri para encontrar um bom professor. Parece que deu certo.
— Eu mal posso esperar para assistir esse filme! Será que dá para vocês irem mais rápido com isso?
— Vou fazer o possível, senhora. — Em seguida, muito a contragosto, checou o relógio e fez uma careta de frustração. — Falando nisso, eu tenho que ir.
— Tudo bem. — levantou-se. — Vamos.
Fizeram todo o caminho de volta até o ponto de encontro, regozijando-se com o passeio e o ar límpido e frio do fim da tarde.
— Obrigada por ter vindo, .
— Foi um prazer, . Agora eu espero você qualquer dia depois do meu treino, está bem? Eu te mando o endereço.
O rosto do rapaz iluminou-se por completo com aquilo.
— Pode apostar. Talvez eu chegue até de surpresa, você nunca vai saber.
— Misterioso. Gosto disso.
Eles compartilharam uma última risada antes de darem mais um abraço e cada um seguir seu caminho.
Depois daquele primeiro encontro não oficial, e começaram a sair cada vez mais, sempre que possível, fazendo o mês de novembro voar. Saíam durante os intervalos de gravação de quando ele estava na cidade, antes e depois dos treinos de , almoçando, jantando, apenas passeando juntos, conversando sobre tudo.
Conversavam sobre as respectivas infâncias, sobre como ela havia se apaixonado por patinação, sobre a experiência dele com atuação antes e depois de Hollywood, sobre a família de , sobre o falecido pai de ... Sim, por iniciativa da própria, havia conseguido a brecha para perguntar sobre a famosa performance de Who Wants to Live Forever, aprendendo que aquela costumava ser a música preferida de Bruce e que havia tocado em seu velório.
No geral, falavam bastante sobre os gostos em comum, o que era a melhor parte, pois eram muitos. Além do que já sabiam, como cervejas, drinks coloridos, sinuca e bares, podiam contar também viagens de carro, rock clássico, cachorros e baladas, mas também principalmente o sossego do próprio lar, entre outros.
Os meios de comunicação já começavam a ferver com notícias sobre os dois. Desde a noite no The Dolphin, com o elenco completo do filme, começaram a pintar como a sexta integrante do grupo; uma espécie de membro honorário de Bohemian Rhapsody, ainda mais considerando sua relação com o Queen. Era de se esperar que depois, com as recentes e frequentes saídas apenas entre ela e , os boatos sobre um possível relacionamento começassem. Bom, por mais que realmente não se opusessem a isso, não comentavam nada a respeito um com o outro, mantendo a amizade pelo menos por ora. Mas é claro que Joe, Gwilym, Rami e Lucy não perdiam uma oportunidade de fazer piadas sobre isso.
[msg: joe mazzello] Como se não bastasse me trair com o Gwilym, agora tem que me trair com a também
[msg: joe mazzello] O de papelão nunca me trataria assim
[msg: lucy boynton] HAHAHAAH eu não acredito
[msg: rami malek] Vocês deveriam manter isso em segredo, o Joe não merece ser mais humilhado...
[msg: you] gente hahahaha parem, isso não existe! @joe pode parar de se preocupar
[msg: gwilym lee] Me encontre mais tarde @Joe vamos resolver isso ( ͡° ͜ʖ ͡°)
[msg: ] Joe, eu defenderei a sua honra
[msg: ] Deixa pra lá. Vai com o Gwilym!
Não estava claro se acreditavam nos rumores, suspeitavam de algo ou apoiavam o casal – com exceção de Lucy, que era bem honesta com quanto a isso. A atriz não via a hora dos dois pararem de enrolar e assumirem logo um romance. Mas nem tudo seria tão fácil assim... Ou seria?
Por um momento, pensou em como seria bom ter ali com ela. E foi como se aquele pensamento o tivesse atraído. Ouviu o celular vibrar na mesa de cabeceira e esticou um braço para pegá-lo. Na tela desbloqueada, liam-se literalmente centenas de notificações de mensagens no grupo com o elenco de Bohemian Rhapsody. Aparentemente, enquanto dormia, alguns deles passaram o resto da madrugada passada em claro e parte daquela manhã conversando, enviando as fotos tiradas e comentando sobre a noitada que tiveram, em particular os melhores momentos.
Mas não foram aquelas mensagens que fizeram seu celular vibrar naquele instante, e sim uma de , perguntando se ela havia tido uma boa noite de sono. Sorriu sozinha enquanto mordia o lábio inferior, fechando os olhos e balançando a cabeça, sonhadora. Respondeu positivamente e a partir dali iniciou-se uma conversa que duraria pelo resto do dia. Acabaram combinando, então, de se encontrarem no dia seguinte no prédio da Prefeitura de Hornsey, onde e os outros estariam trabalhando em uma cena sobre a gravação da música que dava nome ao filme.
Como prometido, lá estava , após deixar seu treino diário de patinação, aguardando do lado de fora.
— Ei! — acenou, correndo até ela. Cumprimentaram-se com um abraço apertado.
— Uau, você está... — ela começou, recuando alguns passos para dar uma melhor olhada no figurino do ator. — Ótimo. Realmente ótimo. Sinto como se estivesse nos anos 70 com o próprio Roger Taylor na minha frente.
sorriu agradecido. Ele vestia uma camiseta justa listrada nas cores vermelho e branco e uma calça preta, igualmente justa. Já usava sua habitual roupa de treino: leggings pretas e um body colorido por cima.
— E eu me sinto nos anos 90 na presença da própria Tonya Harding.
— Você é muito gentil. — Ela retribuiu o sorriso. — Os rapazes não vêm? E Lucy?
— Uh... Não. Eles estão muito ocupados agora — mentiu, evitando admitir que não havia contado aos outros sobre sua visita. Afinal, não queria que eles atrapalhassem um momento a sós dos dois. A próxima parte, porém, era verdade. — Lucy não está nessa cena. Nos veremos apenas mais tarde. Ah, e sobre a banda... Eles tiveram que resolver outra coisa, então também não estão aqui. Não pense que eu perderia a oportunidade de te apresentar a eles.
Um rubor tomou conta das bochechas de e ela sentiu-se acalentada por aquelas doces palavras finais.
— Eu entendo! Bom, o que estamos esperando? Vamos dar uma volta.
Puseram-se a caminhar lado a lado ao redor do prédio da prefeitura. O ambiente estava completamente vazio, com seus arredores tendo sido reservados para a gravação do dia. olhou para o céu nublado por um tempo, procurando qualquer assunto que considerasse bom para puxar, mas falhando. Suspirou derrotada. Não desejava passar o breve tempo que tinha com naquela tarde agradável sem conversar sobre qualquer coisa relevante. Felizmente, ele falou primeiro.
— Você se importa se eu fumar?
— De jeito nenhum.
puxou um isqueiro e um maço de cigarros do bolso da calça, acendendo um e expelindo fumaça pelo nariz de um jeito bem atraente, diga-se de passagem. Eles então pararam para sentar em um banco.
— Obrigado. Eles não me deixam fumar lá. — O silêncio instalou-se por mais alguns segundos antes de ser quebrado novamente. — Então, ... Conte-me algumas coisas que você está cansada de ouvir, sendo patinadora artística.
— Uau, isso é excelente. Vamos lá, são tantas. — Ela riu. — Certo... Quando me perguntam se eu não fico com frio usando aqueles "vestidos minúsculos". — Fez aspas com os dedos. — Sabe, tente patinar por quatro minutos direto, saltando e girando sem parar, depois venha falar comigo. É impossível não suar.
gargalhou genuinamente divertido com aqueles comentários.
— O que mais?
— Quando dizem que patinação artística não é um esporte. Nossa, esse é o pior de todos. A vontade é de partir para cima da pessoa! — Ela fechou os punhos, rosnando de brincadeira. — Ah, e quando me perguntam se dói quando eu caio! — Aqui os dois riram alto. — Agora é sua vez! Conte-me algo que te irrita no ramo da atuação.
— Não tem muita coisa, mas eu simplesmente detesto quando me contratam só para ser um rostinho bonito e exibir meu corpo. Eu já fiquei sem camisa diversas vezes, especialmente em EastEnders. Foi uma novela que eu fiz — ele explicou dando de ombros. — Em X-Men eu também tive que ficar, mas não foi tanto assim e fazia sentido, então tudo bem.
— Eu adorei esse filme — comentou.
— Foi muito bom gravá-lo. Foi legal ter superpoderes e me tornar amigo do James McAvoy. — Ele exibiu um sorriso de canto.
— Você tem que me apresentar a ele um dia!
— Só se você me apresentar a... — fez uma pausa para pensar. — Caramba, eu não conheço ninguém além de você na patinação, tirando a Tonya Harding. Vocês são amigas?
sacudiu a cabeça, soltando uma gargalhada gostosa de ouvir.
— Não, mas vamos chegar lá. Quero conhecer a Margot Robbie também, aí eu te apresento a ela. Mas primeiro tenho que conhecer o McAvoy. E Brian e Roger, é claro! E John!
— Fechado. — Ele sorriu. — Enfim, agora eu evito qualquer tipo de trabalho que queiram me despir sem motivo algum.
— Está certo — concordou a garota. — Você é talentoso demais para isso.
O silêncio recaiu sobre eles mais uma vez, mas dessa vez era tranquilo e confortável. terminou seu cigarro e jogou-o em uma lixeira. O clima que havia rolado dois dias antes, no bar, não fora trazido à tona em nenhum momento, para alívio geral. Na verdade, ambos pensavam que havia sido apenas coisa da cabeça deles.
— Você sempre soube tocar bateria? — perguntou de repente, analisando o perfil de enquanto ele abria um sorriso cativante.
— Eu aprendi a tocar há uns três meses. Quando eu consegui o papel, não fazia nem ideia de como segurar as baquetas.
arregalou os olhos, surpresa em ouvir aquilo, mas soltou uma risada honesta.
— Você é louco!
— Eu sei! Eu menti no currículo, não recomendo. Quando soube que tinha sido escolhido, corri para encontrar um bom professor. Parece que deu certo.
— Eu mal posso esperar para assistir esse filme! Será que dá para vocês irem mais rápido com isso?
— Vou fazer o possível, senhora. — Em seguida, muito a contragosto, checou o relógio e fez uma careta de frustração. — Falando nisso, eu tenho que ir.
— Tudo bem. — levantou-se. — Vamos.
Fizeram todo o caminho de volta até o ponto de encontro, regozijando-se com o passeio e o ar límpido e frio do fim da tarde.
— Obrigada por ter vindo, .
— Foi um prazer, . Agora eu espero você qualquer dia depois do meu treino, está bem? Eu te mando o endereço.
O rosto do rapaz iluminou-se por completo com aquilo.
— Pode apostar. Talvez eu chegue até de surpresa, você nunca vai saber.
— Misterioso. Gosto disso.
Eles compartilharam uma última risada antes de darem mais um abraço e cada um seguir seu caminho.
Depois daquele primeiro encontro não oficial, e começaram a sair cada vez mais, sempre que possível, fazendo o mês de novembro voar. Saíam durante os intervalos de gravação de quando ele estava na cidade, antes e depois dos treinos de , almoçando, jantando, apenas passeando juntos, conversando sobre tudo.
Conversavam sobre as respectivas infâncias, sobre como ela havia se apaixonado por patinação, sobre a experiência dele com atuação antes e depois de Hollywood, sobre a família de , sobre o falecido pai de ... Sim, por iniciativa da própria, havia conseguido a brecha para perguntar sobre a famosa performance de Who Wants to Live Forever, aprendendo que aquela costumava ser a música preferida de Bruce e que havia tocado em seu velório.
No geral, falavam bastante sobre os gostos em comum, o que era a melhor parte, pois eram muitos. Além do que já sabiam, como cervejas, drinks coloridos, sinuca e bares, podiam contar também viagens de carro, rock clássico, cachorros e baladas, mas também principalmente o sossego do próprio lar, entre outros.
Os meios de comunicação já começavam a ferver com notícias sobre os dois. Desde a noite no The Dolphin, com o elenco completo do filme, começaram a pintar como a sexta integrante do grupo; uma espécie de membro honorário de Bohemian Rhapsody, ainda mais considerando sua relação com o Queen. Era de se esperar que depois, com as recentes e frequentes saídas apenas entre ela e , os boatos sobre um possível relacionamento começassem. Bom, por mais que realmente não se opusessem a isso, não comentavam nada a respeito um com o outro, mantendo a amizade pelo menos por ora. Mas é claro que Joe, Gwilym, Rami e Lucy não perdiam uma oportunidade de fazer piadas sobre isso.
[msg: joe mazzello] Como se não bastasse me trair com o Gwilym, agora tem que me trair com a também
[msg: joe mazzello] O de papelão nunca me trataria assim
[msg: lucy boynton] HAHAHAAH eu não acredito
[msg: rami malek] Vocês deveriam manter isso em segredo, o Joe não merece ser mais humilhado...
[msg: you] gente hahahaha parem, isso não existe! @joe pode parar de se preocupar
[msg: gwilym lee] Me encontre mais tarde @Joe vamos resolver isso ( ͡° ͜ʖ ͡°)
[msg: ] Joe, eu defenderei a sua honra
[msg: ] Deixa pra lá. Vai com o Gwilym!
Não estava claro se acreditavam nos rumores, suspeitavam de algo ou apoiavam o casal – com exceção de Lucy, que era bem honesta com quanto a isso. A atriz não via a hora dos dois pararem de enrolar e assumirem logo um romance. Mas nem tudo seria tão fácil assim... Ou seria?
V. Like Real People Do
Assim como novembro, o mês de dezembro voou.
e encontravam-se cada vez mais, apesar de agora revezarem melhor com as saídas em grupo. Mesmo com Joe, Gwilym, Rami e Lucy por perto, porém, os dois ainda pareciam ter olhos apenas um para o outro.
observava falar sobre os próprios interesses com atenção indivisa, sempre parecendo encantado pelo mero fato de ela estar empolgada enquanto tagarelava sobre algo de que gostava. E vice-versa – definitivamente não escapava dos olhares cativados de . Eram pequenos detalhes que, finalmente, todos os membros do grupo começaram a reparar e prestar atenção, apesar de não falarem nada com os pombinhos.
Certa tarde, durante um almoço pós-treino de que já durava horas, resolveu convidá-la para uma festa de réveillon que um de seus melhores amigos dava todo ano. Ele a havia buscado no centro de patinação e agora sentava em frente a ela à mesa de um restaurante.
— , você tem planos para o ano novo?
— Bom, eu geralmente passo com a minha mãe lá em casa mesmo. Jules às vezes vai com a mãe dela e ficamos as quatro bebendo vinho e fofocando.
— Uau, isso parece promissor. — riu sinceramente, apoiando o queixo na mão.
— É, e comemos bolo também, porque é meu aniversário no dia primeiro!
— É sério? — O loiro ergueu as sobrancelhas. — O meu é no dia dois!
arregalou os olhos e sorriu animada com aquilo. não pôde deixar de acompanhá-la, não só por surpresa pela coincidência, mas também pela imagem adorável que era o sorriso e a alegria da patinadora naquele momento.
— Isso é demais! Mas por que a pergunta? O que tinha em mente?
— Ah, um amigão meu sempre dá uma festa na casa dele, com muita bebida, música, jogos... — Ele relaxou contra o encosto da cadeira.
— Eu topo — ela o interrompeu.
— Eu não quero atrapalhar a sua noite com as garotas.
— Não vai atrapalhar! É bom mudar, tenho certeza que elas irão entender.
sabia que elas não somente entenderiam como seriam as primeiras a dar-lhe bronca se ela ao menos pensasse em recusar aquele convite.
— Então... Posso te buscar no domingo às seis?
— Perfeito.
E lá estava , no dia marcado, se analisando pela vigésima vez na frente do espelho. Seus olhos passaram pela justa calça jeans até os saltos pretos antes de subir à blusa branca simples e a jaqueta de couro que finalizava o look.
— Você está linda, filha — assegurou Jocelyn, que segurava um celular com a câmera apontada para a jovem. Em outro continente, Juliette dava sua opinião via FaceTime.
— Eu acho que falta um decote.
— Está uns sete graus lá fora! — riu da melhor amiga. — Mas... Já que hoje será especial...
— Amém — Jules proferiu através do alto-falante.
logo trocou o visual mais comportado de antes por um vestido preto e justo aberto atrás, ornamentado com paetês que brilhavam maravilhosamente. Jules não havia especificado onde deveria ser o decote e, honestamente, um nas costas conseguia chamar tanta atenção quanto um na frente. A confirmação disso veio quando chegou e não conseguiu esconder a admiração em seu rosto ao ver dar uma voltinha tímida para exibir a escolha de figurino. Em seu braço, ela carregava um casaco de pele – falsa, é claro – de leopardo. Através da alta janela do quarto, Jocelyn e Juliette espiavam os dois entrando no carro e sumindo de vista.
também estava fantástico: camiseta e calças pretas, uma jaqueta de couro e botas no mesmo tom monocromático. Em retrospecto, porém, o ator achava que deveria ter se arrumado mais. Naturalmente, para , ele parecia simplesmente perfeito, em doses exatas de sexy e descontraído. Após trocarem alguns elogios discretos na presença do motorista particular, finalmente chegaram ao local da festa.
foi rapidamente apresentada aos amigos de , sendo recebida de forma calorosa por todos e reconhecida por alguns convidados que, para seu alívio, não eram fãs fissurados que invadiriam sua privacidade. Afinal, não estavam nos Estados Unidos e eles já estavam acostumados à presença de uma celebridade entre eles.
A noite passou da melhor forma possível. Música boa sem restrição de volume, bebidas excelentes, luzes neon, danças animadas, jogos de bebida, karaokê e cabine de fotos eram algumas das atrações naquela casa enorme. Além de muitos, muitos sotaques britânicos.
Já mais animada que o normal, puxou pela mão para a cabine, para que pudessem tirar fotografias que ela, sem dúvidas, guardaria com muito carinho. Os dois usavam bonés que não faziam ideia de onde haviam surgido e aproveitou para vestir o casaco de leopardo para montar uma foto ainda mais divertida. Entre risadas altas e mãos dadas para não perderem o equilíbrio, fizeram caretas e gestos engraçados, os rostos mais próximos do que certamente estariam se estivessem sóbrios. Após a revelação instantânea das fotos, riram mais ainda e cada um ficou com uma cópia do papel glossy.
Os amigos do ator, os sóbrios o suficiente para perceber o que estava acontecendo, cochichavam alegres entre si sobre a química que rolava entre ele e a patinadora americana.
— Vocês já o viram assim? — indagou um.
— Há muito tempo — respondeu outro.
— Definitivamente não nos últimos meses com a Kat — comentou Andy Read, o dono da casa.
— Acho que ele parece até mais feliz do que no início do namoro com ela.
Os comentários eram desconhecidos para os dois, que apenas preocupavam-se em ter uma noite incrível juntos. Inclusive, fizeram questão de mostrar o quanto estavam bêbados e alegres em fotos enviadas para o grupo de Bohemian Rhapsody. Longe dali, Lucy e Rami sorriam um para o outro ao ver como os amigos pareciam estar se apaixonando aos poucos, como eles mesmos. Joe e Gwilym estavam curtindo o réveillon com Allen Leech, intérprete de Paul Prenter no filme, também trocando olhares suspeitos e divertidos. Nem Jules escapou de receber aqueles anexos.
Já pouco antes da meia-noite, e encontravam-se na sacada do casarão, apenas conversando e bebericando seus drinks. Em certo ponto, o silêncio recaiu sobre o casal e apenas manteve os olhos colados em enquanto a mesma encarava o céu, admirando a beleza das estrelas. Quando percebeu que estava sendo observada, ela abriu um sorriso tímido.
— O que foi?
— Eu estava pensando...
— Em quê?
— Acho que já é hora de... Bom...
ofereceu um olhar que o encorajava a continuar, então ele admitiu de uma vez.
— Aqui, longe de câmeras, paparazzi, fãs... Acho que poderíamos nos beijar como pessoas de verdade fazem.
Pessoas de verdade. Ele tinha razão; eles não eram comuns. E por isso mesmo preferia, na maioria das vezes, o conforto de seu lar, onde poderia ser ele mesmo sem ter pessoas anotando cada coisa que ele fazia como se fosse algo extraordinário. então percebeu que, de fato, aquele era o primeiro momento em que estavam realmente a sós, em um ambiente seguro para serem eles mesmos. Afinal, nunca haviam se encontrado nas respectivas casas. E por mais que parecessem estar em privacidade nos breves encontros após os treinos da patinadora e durante os intervalos de filmagem de , não era bem assim. Mas ali... Ali, sim, poderiam se beijar como pessoas de verdade.
não conseguiu conter o sorriso que explodiu um seu rosto, tanto pelo pedido quanto pela surpresa.
— Eu acho que você está certo — disse a aproximou o rosto do dele. Fazia apenas dois meses que se conheciam, mas parecia muito mais.
pegou a jovem pela nuca, o dedão roçando seu pescoço e a mandíbula. Umedeceu os lábios enquanto ela engolia em seco em antecipação. E então aconteceu.
Fecharam os olhos e o beijo veio; lentamente primeiro, então ganhando velocidade e intensidade. As línguas se tocavam de forma graciosa, e os lábios que beijavam e chupavam pareciam ter sido feitos para aquele momento. Colocaram os copos na estrutura da sacada para que as mãos ficassem livres para pegar e apertar. Ambos os corpos estavam unidos em perfeita sintonia, com tocando as costas nuas de e ela os braços fortes dele, nenhum dos dois querendo que aquilo acabasse. Mas, é claro, eventualmente tiveram que parar e recuperar o fôlego.
— Finalmente — sussurrou. riu contra sua boca, os narizes gelados roçando um no outro. Ele ainda mantinha uma mão no rosto da jovem, acariciando-o enquanto recostava a testa na dela.
— Finalmente — ele ecoou.
— Ei, pombinhos. — Uma voz chamou e eles imediatamente viraram e para olhar, nervosos. Percebendo que era apenas Andy, o anfitrião da festa, suspiraram em alívio. — O ano já vai virar. Venham se juntar ao resto dos solteiros chatos e solitários.
e riram suavemente e seguiram o rapaz. Em pouco tempo, faltavam apenas dez segundos para 2017 se tornar 2018. Quando finalmente o relógio bateu meia-noite e todos gritaram em uníssono, abraçando-se e comemorando, não resistiu e puxou para outro beijo, ali mesmo, na frente dos solteiros chatos e solitários.
— Feliz aniversário, — sussurrou antes de selar seus lábios.
Simultaneamente, ambos desejaram poder morar naquele beijo, naquela vibe para sempre. Talvez fosse melhor mesmo – não sair daquele momento nunca. Eles não faziam ideia do que o novo ano traria.
VI. No Plan
De vez em quando, ainda tinha flashbacks da primeira madrugada do ano.
Nas suas primeiras horas com vinte e três anos de idade, ela e haviam achado um quarto destrancado e se apressado até a cama, entre passos trôpegos e mãos bobas aqui e ali. Não era difícil notar o quanto se desejavam, o quanto queriam possuir um ao outro o quanto antes. Porém, nada além de agarração e fricção havia acontecido.
— ... — dissera ofegante em certo ponto. A jaqueta de couro já tinha sido jogada longe e a camiseta retirada, expondo os músculos bem definidos dos braços, tórax e abdome do rapaz. — Podemos esperar?
Debaixo dele, ela ergueu os olhos e o encarou entre longos cílios. Estava um pouco confusa, mas foi compreensiva e logo acatou o pedido. Ofegava também quando sentou na cama ao lado dele, com batom borrado nos lábios e o rosto brilhando levemente de suor. No fim, entendeu que com tendo estado em um relacionamento por nove anos sem, obviamente, ter relações com qualquer outra pessoa além da ex-namorada, ele sentia que havia perdido o jeito. Nas próprias palavras dele, sentia-se virgem novamente. Era incrível o quanto ele já confiava em para admitir algo do tipo.
A melhor parte era que aquilo não mudava nada entre os dois, e os beijos e chamegos continuaram ao longo do mês. Logo, e , mesmo sem vir a público com o relacionamento, eram o novo casal mais quente de Hollywood. Afinal, agora era realmente verdade e a mídia havia captado algo de diferente além dos típicos passeios de antes – ele saindo da casa dela e vice-versa, por exemplo.
Ainda no início de janeiro, mais precisamente no dia do aniversário de vinte e sete anos de , ele resolvera comemorar em conjunto com , unindo os amigos de ambos em nada menos que um clube de patinação recreativa chamado Queens. Como se tudo já não fosse perfeito o suficiente, o evento naquela noite era retro, contando com os melhores hits dos anos 60 até 80 – o que com certeza incluía a banda preferida de – e uma gigante bola espelhada no teto. Tudo planejado por em uma surpresa para a garota, que quase havia ido às lágrimas devido a tanta consideração.
O estabelecimento, que também contava com um bar ao lado da pista de gelo, além de boliche e fliperama para outros eventos, estava parcialmente cheio, porém apenas com pessoas próximas e confiáveis dos dois lados. Andy estava lá, assim como Jules, que mais uma vez viera do outro lado do oceano para celebrar a melhor amiga, e, é claro, Joe, Gwilym, Rami, Lucy e Allen.
— Ora, o que temos aqui? — provocou amigavelmente ao ver Rami e Lucy chegando de mãos dadas. O casal apenas riu timidamente, logo parabenizando os amigos e recebendo os devidos parabéns em retorno pelo início oficial do namoro.
— Acham que são os únicos que podem? — Allen saiu em defesa de Rami e Lucy, mas com um sorriso enorme no rosto que evidenciava a brincadeira. Ele e a patinadora, finalmente tendo a chance de se conhecerem, tornaram-se bons amigos também.
Juliette e Gwilym encontraram-se novamente após muita conversa à distância, e pareceram muito confortáveis um com o outro. No geral, o grupo agora de oito mantinha-se ocupado entre giros desleixados sobre a pista e álcool – muito provavelmente o maior culpado pelos tombos e quase tombos.
Ao fim da festa, percebeu que a surpresa de não acabava com a escolha do local para a comemoração. Já com a lista de convidados presentes reduzida, ninguém menos que Roger Taylor, Brian May e John Deacon chegaram. Uma então suficientemente embriagada foi às lágrimas e teve possivelmente o melhor momento de sua vida até então enquanto conversava animadamente sobre tudo com os membros restantes do Queen. Os outros apenas observavam de longe com sorrisos igualmente bobos pela felicidade de , e nunca pareceu tão apaixonado.
Nos dias seguintes, as fotos de tal evento, naturalmente, causaram o maior fervor ao serem divulgadas nas redes sociais pessoais de alguns presentes. Era algo marcante: a patinadora artística que só performava ao som da banda Queen finalmente conhecia suas maiores inspirações. Faltava um, é claro, mas ela pôde sentir que Freddie estava lá de certa forma.
Naquela noite, permitiu-se esquecer completamente do campeonato americano que viria a disputar em apenas cinco dias. Bom, era merecido; ninguém dava mais duro do que , e ela estava em sua melhor forma. Um descanso era merecido, e aquele em particular lhe daria mais energia e determinação do que qualquer outro.
Conforme o mês progredia, mesmo ficando cada vez mais próximos, e não discutiam sobre o que exatamente estava acontecendo entre os dois. Era emocionante. Era intenso. Era... rápido. E isso era tudo o que sabiam. Era sério? Parecia. não ficava com outras pessoas, e o mesmo fazia-se valer para . Mas eles conversavam sobre isso? Não.
— Isso tornaria tudo real demais — explicou a Jules e Lucy quando perguntada sobre o assunto, duas semanas após a icônica festa de aniversário. — Faz sentido?
— Não. — Essa foi a resposta em uníssono.
Ela suspirou.
— Vejam bem, eu tenho um objetivo fixo e claro, que não pode ser desviado por outros fatores. Conversar sobre um possível relacionamento tornaria isso um fator quase palpável!
— Uma distração — Juliette murmurou e assentiu.
Lucy aproveitou a deixa. Sua voz era doce como sempre, e os olhos, gentis.
— , eu não acho que você tenha que escolher entre um e outro. — Para embasar seu ponto de vista, ela apontou para a mais recente medalha de ouro da patinadora pendurada na parede do quarto, de apenas dias atrás, e sorriu. — Você me parece bem focada. entende sua vida de atleta, e ele também tem a carreira em foco. Com certeza podem conciliar isso.
— Certo, mas... Os fãs já ficam enlouquecidos com cada novidade e foto nossa, alguns até nos cercam quando saímos juntos! É sufocante. Conseguem imaginar isso em dobro quando contarmos a verdade?
— Quanto a isso... — Lucy deu de ombros. — Namorando ou não, nenhum dos dois se verá livre do assédio dos fãs tão cedo.
— Mas, , também está tudo bem se vocês quiserem continuar só transando sem compromisso — assegurou Jules.
— Nós... — Ela pigarreou. — Não estamos transando.
— Por que não?!
Do outro lado de Londres, Gwilym questionava a mesma coisa a .
— Porque eu não me sinto pronto — respondeu o loiro.
— Nove anos com a mesma mulher podem fazer isso. — Joe foi compreensível. — Não há pressa, .
— Então vocês só estão se pegando exclusivamente, saindo e dormindo juntos, sem sexo? — perguntou Allen.
assentiu.
— Parece um relacionamento para mim. — Aquilo gerou algumas risadas. — Não pela falta de sexo, seus idiotas. Isso não é vital. Mas esses dois estão fazendo tudo o que um casal de namorados faz e se recusam a admitir. E aquela surpresa de aniversário? , você está apaixonado.
— Mas com medo de seguir em frente — Rami acrescentou.
— Como eu disse, nove anos... — Joe repetiu.
— Vocês têm razão. — interrompeu. — Isso me dá calafrios. Não de um jeito ruim, mas... Tentei por meses e agora a possibilidade de tornar isso oficial, real com uma simples conversa me assusta. É ridículo, não é?
Gwilym ofereceu um sorriso suave.
— Se fosse simples você não estaria tendo esse dilema agora.
e ainda pensavam naquilo quando, mais tarde, encontravam-se sozinhos no quarto dele, deitados nos braços um do outro. apoiava o queixo na cabeça da jovem, inebriado pelo aroma do xampu de coco que exalava daqueles cabelos longos, enquanto ela fazia-se perfeitamente confortável sobre o peitoral firme do rapaz, a respiração tranquila. Um beijo de na testa de então levou todas as dúvidas para longe, pelo menos por um momento.
Bom, estava ali a única coisa que nenhum dos dois sabia ou ao menos suspeitava: estavam enganando apenas a si mesmos. Estavam tão hesitantes e com tanto medo que não percebiam o quão envolvidos e apaixonados realmente estavam; como se uma conversa – ou falta de uma – mudaria alguma coisa além de um estúpido status de relacionamento.
VII. It Will Come Back
Alguma música da banda Arctic Monkeys ecoava pelo lar de . remexeu-se na cama, resmungando algo indecifrável ao ser acordada pelo som. Frankie respirava suavemente a seu lado enquanto dormia, os pelos marrons e brancos macios como sempre ao toque quando a jovem esticou a mão para fazer-lhe carinho. Com um bocejo, espreguiçou-se na cama quente e confortável e tateou o colchão forrado de algodão em busca do namorado. Sentiu aquele lado da cama frio, mas não precisou esperar muito para vê-lo novamente.
surgiu no batente da porta do quarto vestindo apenas um par de calças de moletom, o cabelo loiro ligeiramente bagunçado. virou o rosto para encará-lo e sorriu com a visão daquele corpo perfeito e definido, principalmente as entradas do abdome, bem visíveis devido à cintura baixa da peça de roupa. A melhor parte? Era tudo para ela. sorriu de volta, vaidoso, sabendo bem o impacto que causava. Ele gostava do jeito que o olhava e, da mesma forma, gostava de observá-la também, cada detalhe do corpo da patinadora, desde os seios e mamilos marcados na camisola até as coxas grossas que apareciam por baixo do tecido de cetim.
virou-se de costas quando ajoelhou sobre a cama, o que ele imediatamente entendeu como a deixa para deitar atrás dela, passando seus braços fortes ao redor da cintura da jovem e puxando-a com ridícula facilidade para mais perto, fazendo com que aqueles glúteos praticamente colassem contra sua pélvis.
— Bom dia — ele disse, beijando o pescoço exposto de . podia ser convencido, mas era também romântico – mais do que seu exterior presunçoso deixaria mostrar. Por sorte, a mulher em seus braços tinha o privilégio de conhecer aquele lado carinhoso.
— Bom dia — respondeu ela. — Onde estava? Que música é essa?
— Achei que seria legal acordar minha namorada com um café da manhã reforçado e um pouco de cultura inglesa.
riu com a parte final do comentário e, de fato, assim que mencionou a refeição, o aroma de bacon, ovos e salsichas encheu suas narinas, quase como se houvesse sido programado.
— Uau, eu não sabia que você cozinhava. Isso é sexy — ela confessou e eles riram.
— Então vamos, dorminhoca.
deu um tapa nas nádegas da namorada e levantou-se, cuidadosamente ajeitando a calça. não demorou a perceber o motivo – na verdade, já havia o sentido antes de ver – e soltou uma risada alta, quase que igualmente convencida. Em seguida, não conseguiu evitar morder o lábio inferior para reprimir um gemido de desejo.
Céus, mal podia esperar para que ele finalmente se sentisse confortável o suficiente para entregar-se por completo a ela. A visão de sua ereção marcada contra o moletom cinza poderia ser um indicativo, mas ela esperaria até ele tomar a iniciativa; afinal, aquela era uma resposta apenas natural à posição em que estiveram momentos antes.
Durante o café da manhã, Frankie reunira-se ao casal após ter sido despertada pela movimentação anterior na cama. e então alternavam entre comer e mimar a adorável beagle com afagos e pequenos pedaços de carne. Enquanto isso, o álbum “AM” tocava ao fundo dando à atmosfera um toque ainda mais gostoso do que a própria situação por si só já causava naturalmente.
Fazia quase um mês desde o primeiro beijo do casal e desde então eles já haviam feito muita coisa juntos. Uma das melhores memórias era o dia inteiro que haviam passado no Hyde Park, onde andaram de bicicleta, fizeram um piquenique, alugaram um pedalinho para explorar a beleza do lago bem de perto e no final visitaram o cemitério de bichinhos de estimação do lugar.
— Você conhece o Recanto do Orador? — perguntara no dia. apenas franziu a testa e sacudiu a cabeça em resposta. — É aqui no parque. As pessoas vão lá para fazer discursos criticando qualquer coisa ou pessoa, com exceção, é claro, da Família Real e do governo inglês. — Ele riu com a expressão que fez. — Mas é preciso estar sobre um caixote ou cadeira, algo assim. Segundo nossa tradição, caso o orador não esteja sobre solo inglês estará isento das leis.
Após isso, eles definitivamente tiveram que ir até o tal local, onde ouviram coisas sérias e que valiam a pena ser ditas, mas também algumas bem tolas, o que os quase fizera morrer de rir. e topavam e adoravam qualquer coisa na presença um do outro, e estavam sempre fazendo planos para os intervalos de gravações e treinos.
Após a breve hesitação inicial, resolvera entregar-se completamente àquela relação. Sabia que não seria fácil; antes mesmo de terem se beijado, a mídia já inventava mil coisas! Mas gostava tanto de – bom, gostar talvez fosse um eufemismo – que estava disposta a se esforçar para fazer aquilo dar certo, juntamente com ele, que também parecia estar entregue em cem por cento.
— O que me diz de sairmos para beber esta noite? — perguntou enquanto levantava-se para levar os utensílios usados no café da manhã para a pia.
— Algum motivo específico?
— Nenhum. — Ele deu de ombros. — Apenas estou com vontade de tomar umas cervejas.
— Por mim tudo bem — ela respondeu e começou a cuidar dos pratos sujos.
— Te busco depois do treino e... Ei, deixe que eu faço isso.
— Não mesmo. Você já cozinhou, então a louça fica por minha conta.
agradeceu, sorrindo, e envolveu a cintura de com os braços, que por sua vez sentiu um arrepio percorrer a espinha quando ele pôs seu cabelo para o lado e começou a beijar seus ombros e nuca. Não demorou muito até ele começar a acariciar seus quadris e laterais das coxas, brincando com sua calcinha enquanto enrolava um dedo no fio do cós. O incidente que ocorreu pela manhã estava lá novamente e mais uma vez ela podia senti-lo. sorriu para si mesma.
— O que está fazendo?
— Acho que estou pronto.
Ela subitamente ficou de frente para ele, envolvendo seu pescoço com os braços e unindo seus lábios em um beijo caloroso. a ergueu facilmente e a colocou sentada na bancada. Entretanto, quando finalmente afastaram-se em busca de fôlego, teve que acabar com a diversão.
— Acontece que tenho exatamente dez minutos para me vestir e sair para o treino — falou enquanto sentia explorar seu pescoço com a língua. — Ainda tenho que ajeitar uns passos da coreografia com Danielle e treinar o Axel triplo com Olga e Andrey. E quero ter bem mais que dez minutos quando realmente fizermos isso.
— É justo. Eu também. — Ele assentiu. — Isso é só uma amostra do que está reservado para mais tarde.
— Só se você for um bom garoto — ela provocou, distribuindo beijos pelo rosto e pescoço do ator.
— Eu sempre sou.
Os dois compartilharam um olhar cúmplice e ela desceu de onde estava com um pulo, correndo para o quarto para se arrumar.
Horas mais tarde, quando a noite já havia caído, após um bom banho e uma troca necessária de roupas, esperava sair do banheiro, sentindo o aroma delicioso de seu perfume antes mesmo que ele abrisse a porta. Logo encontravam-se em um bar qualquer de Londres com muita música alta e pouca luz. Mesmo assim, algumas pessoas conseguiram reconhecer o casal no caminho para lá e pediram fotos para eternizar o encontro ao acaso.
— Você quer ir para outro lugar? — perguntou , já notando o desconforto imediato de ; não pelos fãs, é claro, mas pela invasão de privacidade que temia.
— Não, tudo bem. Vamos só ficar na nossa, bebendo e curtindo a música.
Ele assentiu e os dois conseguiram uma mesa encostada à parede, de onde tinham boa visão da pista de dança em frente ao bar. No entanto, não foi possível ficarem quietos no canto a noite toda. Eram e , afinal, e, em tempo, com uma quantidade generosa de álcool no sangue, migraram para o meio das pessoas que dançavam no ritmo das músicas sensuais de rock que tocavam.
Imagine a surpresa de quando, após precisar ir ao banheiro e deixar sozinha por alguns instantes, retornou à pista apenas para encontrá-la com um braço apoiado no bar enquanto conversava amigavelmente com um cara desconhecido. Moving in Stereo, da banda The Cars, tocava no exato momento. Aproveitou para observar de longe, admirando o quanto ela estava gostosa naquele tubinho preto. Em certo ponto, porém, ele foi flagrado.
Então, quando o desconhecido desviou os olhos por um minuto para pedir bebidas – mesmo tendo afirmado não estar interessada –, ela franziu as sobrancelhas em direção ao namorado e sacudiu a cabeça, confusa, estranhando ele não ter se aproximado ainda. Após alguns segundos, sentiu o celular vibrar.
[msg: <3] Estou gostando do joguinho. Provoque-me.
A americana deu um sorriso desacreditado ao ler aquilo e logo sentiu a excitação começar a dominar seu corpo, entrando na onda de . Era absurdo, mas nenhum dos dois sabia exatamente o porquê aquilo parecia ser uma boa ideia – talvez fosse a quantidade de álcool ingerida. assentiu discretamente com uma piscadela e aceitou o drink que o estranho lhe oferecia.
— Do que está rindo? — perguntou ele.
Ela levou um tempo para se recompor e pensar em uma boa resposta.
— Ah... Nada. Apenas estou gostando de nosso momento juntos. — Ela deslizou uma mão sobre o ombro dele, apertando-o levemente, provocante. As unhas pintadas de escarlate pareciam cintilar sob as luzes neon, deixando a visão ainda melhor. mordeu o lábio inferior.
— Oh. Achei que... Bom, deixa para lá. Que bom que a fiz mudar de ideia, gatinha, e eu nem precisei me esforçar. — Ele riu também e quase rolou os olhos com aquilo, mas manteve-se firme pelo bem do jogo.
Ela ofereceu um sorriso forçado e os dois brindaram. Enquanto bebericava, levou uma mão à nuca como se ajeitasse o cabelo e abriu o fecho de seu cordão, deixando-o cair no decote propositalmente.
— Sou muito desastrada — disse, mas aproveitou para exibir a pele macia da parte superior dos seios que aparecia por entre a roupa ao pescar a peça de prata. Lançou um olhar discreto a e quase saiu do personagem com a expressão que ele fazia. Sentiu que o homem com quem “flertava” também estava impactado pela cena, mas mal conseguia olhá-lo. — Pode colocar de volta para mim?
Virou-se de costas e jogou os longos cabelos para o lado de forma sensual, deixando o pescoço completamente à mostra enquanto acariciava a clavícula suavemente com a ponta dos dedos. O rapaz fechou o cordão atrás do pescoço de e aproveitou para roçar a ponta dos dedos na pele de seu braço, o que a levou a fazer uma careta. Bom, o intuito era provocar e deixá-lo com ciúmes, e estava funcionando.
— Você é um anjo! — sorriu em falso agradecimento ao ficaram frente a frente mais uma vez. Foi quando ele avançou para um beijo. Ela desviou e riu nervosamente. — Uau, vamos com calma. Por que não dançamos antes?
— Ah, qual é, gata, você está me provocando sem vergonha — rebateu ele. — Eu quero um beijo.
— Uh, não.
— Vamos logo!
não demorou a perceber que aquilo já havia ido longe demais, mesmo tendo acabado de começar, e era hora de agir.
— Ei, ela disse não.
— Quem é você? — perguntou o cara, parecendo bastante mal-encarado então.
— Sou o namorado dela — respondeu , erguendo o rosto sem desviar o olhar uma única vez. Ele estava sério e ameaçador. Os olhos verdes pareciam faiscar de raiva.
— E onde você estava enquanto sua namorada me dava mole? — Riu debochado.
— Observando de longe. Esperando ver até onde ela o faria perder tempo. Confesso que estava bem divertido. Você achou mesmo que tinha alguma chance.
abaixou o olhar e pôs-se atrás de com uma velocidade impressionante. Sabia que nada de bom poderia surgir daquele confronto e já antecipava uma briga. No entanto, não podia negar que o namorado estava muito atraente agindo e falando daquele jeito, ainda mais com aquele sotaque britânico perfeito.
— Foi isso mesmo? — O homem mudou sua atenção para ela. — Estava me fazendo de otário?
— Estava sendo simpática. — A voz da jovem quase não saiu.
— Sua vadia... — ele começou, mas nem teve tempo de terminar a frase. No instante seguinte, já havia desferido um soco contra o rosto do machão, mas não percebeu quando ele conseguiu recompor-se com rapidez para atacar de volta.
Uma confusão se seguiu, mas os dois foram separados antes que a coisa saísse dos eixos de verdade. Como muitas pessoas viram golpear primeiro, ele e foram expulsos do bar enquanto ao outro lhe foi permitido permanecer no recinto.
— Acha que nos reconheceram? — perguntou quando saíram de volta para o frio da madrugada. Por sorte, apenas o nariz sangrava levemente, assim como os nós dos dedos, enquanto o resto do rosto manteve-se intacto.
— Duvido muito — respondeu , oferecendo um lenço. — Mas seria culpa sua. Sua e de seu fetiche estranho.
Os dois gargalharam com aquilo e ele limpou o rosto antes de pressionar as narinas juntas para parar o sangramento.
— Não é meu fetiche. Eu estava experimentando, está bem? E odiei. Nunca mais.
— Tenho que concordar. Mas você ficou muito sexy assim, tenho que admitir. — Ao terminar a frase, o celular de tocou. Era sua treinadora. — Oi, Olga!
Preocupou-se por ser uma ligação a um horário tão tarde, mas no fim das contas era apenas um pedido para que ela chegasse mais cedo no treino do dia seguinte. Ou melhor, que ocorreria algumas horas mais tarde, uma vez que já havia passado da meia-noite. Desligou com um bico, parecendo uma criança mimada.
— Tenho que ir para casa — resmungou. — Tenho que chegar muito cedo amanhã, preciso descansar. Descansar de verdade.
pareceu um pouco desapontado, mas entendia o ritmo da vida da namorada.
— Pode ficar comigo mesmo assim.
— Preciso pegar algumas coisas em casa, não daria tempo de ir antes pela manhã. Mas nos vemos à tarde. E à noite, e no dia seguinte, e na semana depois... — Teve a fala interrompida por um beijo profundo com gosto de metal.
— Sim. — sorriu de forma apaixonante enquanto roçava seu nariz, já melhor, no dela. — Você pede um táxi lá de casa?
assentiu e fez, junto com ele, o caminho de volta até o lar do ator. Quando chegaram, fortemente abraçados e ainda meio trôpegos, tiveram um encontro muito... inesperado, para dizer o mínimo. Uma loira aguardava do lado de fora após parecer ter acabado de tocar a campainha. não gostou nada daquilo. franziu a testa.
— Katriona?
A garganta de fechou. A mulher girou nos calcanhares e abriu um sorriso nervoso.
— , oi! Eu... Preciso muito falar com você. — Olhou para a outra. — A sós. Se puder.
pôde jurar que suas narinas inflaram devido à audácia, ainda mais quando concordou, pedindo que ela esperasse por um momento enquanto os dois conversavam. Ela apenas o encarou, sem fala, e não teve outra escolha a não ser aquiescer. Minutos depois, e Katriona trocaram um abraço e ela foi embora, murmurando um “boa noite” fraco para ao passar por ela sem nem mesmo olhá-la.
Não é da minha conta, não é da minha conta, ela flagrou-se pensando. E, mesmo assim, não conseguiu evitar a pergunta que saiu de sua boca, apesar de já saber a resposta.
— Quem é ela?
suspirou.
— Minha ex-namorada. Mas não se preocupe. Ela só queria me contar do pai dela, que está doente.
— E o que você tem a ver com isso? — soou mais ríspida e insensível do que pretendera, mas ainda era uma questão válida.
— Ei, relaxe. — Ele pôs uma mão em cada ombro dela em uma tentativa de tranquilizá-la. Não funcionou. — É que nos conhecemos há dez anos, eu sempre me dei bem com o velho dela e isso é preocupante, ele parece mal de verdade. Ela só achou que eu deveria saber.
— Certo. — assentiu. — Vou pegar minhas coisas e já vou.
Ela levou ainda menos tempo do que a conversa entre e a Katriona durara. Mal falou com ele e passou direto ao fazer sinal para um táxi na rua. Despediu-se melhor de Frankie, a beagle, do que do próprio dono da cachorrinha.
— Nos vemos amanhã? — ele perguntou ao fechar a porta do carro para ela.
— E depois de amanhã, e na semana seguinte, e depois, e depois.... — Ela o encarou pela janela. — Certo?
Ele pareceu forçar um sorriso.
— Certo.
O veículo arrancou e ficou parado na rua fria e escura. Parecia desacompanhado, mas de fato estava rodeado de pensamentos que não o deixariam sozinho nem que quisesse.
VIII. Cherry Wine
sabia que aquele encontro inesperado havia definitivamente alterado o equilíbrio natural do universo. Pela manhã, antes de sair para o treino, ela acordara com uma mensagem de convidando-a para jantar e ficou por aquilo mesmo; não mencionaram mais Katriona. Aparentemente, o rapaz tivera aquela ideia na madrugada anterior por impulso. Era estranho o fato de que ele ainda estivera acordado às quatro, quase cinco da manhã, enquanto ela dormia feito um bebê. Não tinha com o que se preocupar, afinal, certo? Confiava na palavra dele. Já ... Algo o havia impedido de dormir e feito com que tivesse arranjado aquele encontro de última hora.
Ela tentou não deixar que as dúvidas a atrapalhassem durante o treino diário no Lee Valley Ice Centre, especialmente enquanto tentava trabalhar, junto com Danielle, a evolução de sua coreografia para os Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang, mas foi difícil. Tanto que, durante um de seus giros, aterrissou errado e raspou uma das lâminas dos patins na pele da canela, abrindo um corte. Pelo menos conseguira evitar uma queda. gemeu com a súbita ardência despontando no local e se encaminhou para fora do rinque, deixando um leve rastro de gotas de sangue no gelo pelo caminho.
— Você está distraída, — Andrey comentou em tom de repreensão, ajudando-a a se sentar.
— Sinto muito. Estou preocupada com algumas coisas.
— Sua única preocupação deve ser vencer, pequena. Isso nunca te aconteceu antes — ele disse e ficou em silêncio. — Vamos cuidar disso.
Quatorze pontos depois e tendo perdido a aula de ioga do dia devido ao incidente, finalmente estava em casa, ao telefone com sua mãe, tentando explicar há meia hora que estava bem e que não havia necessidade de preocupação. Aquele pequeno corte não a impediria de continuar treinando ou mesmo de competir. Muito menos atrapalharia o encontro daquela noite com , com quem não havia conversado muito durante a tarde, apesar de ainda ter lhe informado sobre o acontecido.
O dia estava um pouco confuso e turbulento; além de inseguranças rondando sua mente, ainda havia tido aquela ida ao hospital, faltado uma aula, levado bronca do treinador e perdido a paciência com a mãe por fazer tempestade em copo d’água. Poderia ser pior, porém. Jocelyn poderia ser daquelas mães dominadoras e perfeccionistas, muito comum na vida de atletas. No entanto, a preocupação da mulher era com a saúde da filha em primeiro lugar, competições vinham depois. suspirou e começou a se preparar para sair, esperando que a noite compensasse por todo aquele estresse.
Para a ocasião, ela escolhera uma de suas peças preferidas: um vestido branco de alcinhas e adornado com várias pequenas borboletas douradas na estampa. Era simples e bonito, combinava perfeitamente com o local para onde iriam. definitivamente havia mexido alguns pauzinhos para conseguir uma reserva de última hora. Ah, os privilégios da vida de um ator de Hollywood.
De acordo com ele, o pequeno restaurante italiano localizado no distrito de Soho havia ganhado alguns prêmios, entre eles melhor restaurante de Londres e melhor lista de vinhos. Nada muito sofisticado, mas ainda assim chique e conhecido entre os ingleses mais abastados. É claro, para , até um passeio ao mais ordinário restaurante de fast food seria o encontro mais perfeito do mundo, contanto que estivessem juntos e felizes. O que ela esperava que ainda fosse o caso.
O tempo passou rápido e logo e já haviam confirmado suas reservas e sido conduzidos a uma mesa coberta por uma branquíssima e impecável toalha de linho. Sentados em um canto mais privado, um de frente para o outro, folheava o cardápio enquanto sentia o calor agradável da grande lareira da área de jantar. Isso, somado ao toque de piano e a voz doce da cantora do restaurante ao fundo, a deixava profundamente em paz.
— O que foi? — perguntou quando ergueu os olhos por um momento e notou os de sobre si. Ele parecia perdido em pensamentos e sorria levemente. Aquilo também contribuiu para sua paz de espírito. Riu, questionando: — Tem algo no meu dente? Nós ainda nem começamos a comer!
— Não! — Ele sacudiu a cabeça, também rindo. — Estou apenas te admirando.
— Parece até que é a última vez que vai me ver. — Ela sorriu serenamente. — Já decidiu o que vai querer?
— Já.
As refeições foram servidas junto com uma garrafa de vinho. Não demorou muito para o vinho deixar de acompanhar a comida e começar a ser o prato principal, porém, o que deixou o casal mais à vontade. Em certo ponto, após algumas taças, subitamente lembrou-se do incidente ocorrido mais cedo com .
— Ei, como está essa perna? Deixe-me ver — ele pediu, meneando para que ela erguesse a perna direita e a colocasse por cima de sua coxa para inspeção. Achando a situação divertida devido ao local em que estavam, ela hesitou um pouco antes de aquiescer e puxar sua cadeira para mais perto da dele.
Ao fundo, o pianista e a cantora ofereciam uma interpretação belíssima da música Dream a Little Dream of Me, incrementando a atmosfera apaixonante e levemente sensual. sentiu todos os seus pelos se arrepiarem sob o toque gentil e suave do namorado, que traçava com cuidado e delicadeza a sutura perfeita na pele macia. Ele continuou subindo até encontrar o joelho, onde apertou levemente e, a partir dali, esticou os dedos o máximo que pôde para acariciar a parte interna da coxa da patinadora.
Após um longo momento de olhares fascinados e conversas em silêncio, recolheu a perna e a cruzou por cima da outra. Aproximou-se mais e beijou de forma intensa – ou tão intensamente quanto era possível ali. Embora até então nunca tivessem exposto a frase “eu te amo” um para o outro, o sentimento era quase palpável.
— Vamos dançar — ele disse.
— O quê? — Ela riu, mas a única resposta que teve foi levantando e dando-lhe a mão para conduzi-la até o meio do restaurante. — , não há mais ninguém dançando!
— Ainda não. — Piscou.
Dito e feito, assim que os dois começaram a dançar adoravelmente, sem muito alarde, no ritmo da canção, alguns casais – todos mais velhos e que pareciam não reconhecê-los – aqui e ali começaram a se levantar e imitar o gesto. Os funcionários sorriam, assim como os outros clientes e a dupla responsável pelas músicas da noite. Pela primeira vez no dia, sentia-se relaxada e feliz, de bochechas coradas que combinavam com as de devido ao álcool. Enquanto balançavam suavemente, abraçados e rindo baixo, ela traçou a cicatriz que ele possuía no lado direito do rosto, um pequeno risco na altura da mandíbula. Beijou-o ali e depois nos lábios mais uma vez.
Tudo estava ótimo; a música, a conversa, a comida, a bebida... Era um encontro maravilhoso, ambos tinham que concordar. Porém, mesmo assim, sentiu lentamente se distanciar ao fim da noite. Parecia que o efeito do álcool já estava se dissipando e ele começou a aparentar nervosismo. De volta à mesa, chegou a esbarrar com o braço em uma das taças, que virou e entornou seu conteúdo no vestido branco de .
— Está tudo bem — ela garantiu enquanto usava um guardanapo para tentar controlar o dano e ele se desculpava profusamente. De fato, se ela parecia abalada era pela súbita mudança no ar e não pelo acidente. — , está tudo bem.
Mas foi principalmente quando estavam fazendo o caminho de volta a sua casa que ela teve a certeza de que algo não estava certo. Ele não segurou sua mão como sempre fazia, ficou calado a maior parte do tempo durante a breve viagem de metrô e ainda mais quando já estavam em sua rua. Nesse ponto, caminhava a seu lado mantendo certa distância.
Quando finalmente atingiram a entrada da casa de , esta continuou, subindo os poucos degraus que levavam até a porta, mas virou-se quando percebeu que havia parado logo atrás.
— Não vai entrar?
Ele limpou a garganta antes de responder, escondendo as mãos nos bolsos.
— Não posso. Tenho que acordar cedo amanhã.
sabia que às vezes o feitiço voltava contra o feiticeiro, mas não imaginava que fosse tão rápido assim. Se era mentira ou não, ela não soube dizer, mas de qualquer forma aquilo não deveria ser um problema.
— Não precisamos fazer nada. — Riu nervosamente, alisando o vestido manchado de vinho. — Pode ficar... Amanhã eu faço um café da manhã antes da gravação e...
— ... — a interrompeu, seus grandes olhos verdes voltando-se para cima procurando os dela. — Eu...
Eu te amo, ela pensou. Ele vai dizer isso. Está nervoso por isso. Vai dizer que me ama e eu vou poder dizer de volta, pois é exatamente como me sinto.
— Isso tem que acabar.
O espírito da patinadora murchou. Ela já entendia do que se tratava aquilo, mas resolveu perguntar mesmo assim.
— O quê precisa?
— Nós. — A garganta da garota se fechou quando ele proferiu aquela simples palavra. — Eu... Kat precisa de mim. — Então, com ele usando um apelido para tratar da ex-namorada, tudo havia piorado. — Eu te contei, o pai dela está de cama, muito doente. Eu preciso estar lá para apoiá-la. Pelos dois.
— Por quê? — indagou com o cenho franzido, a voz quase um sussurro, compreendendo enfim que ele havia organizado aquela noite apenas para terem uma última memória boa juntos.
— Porque eu adoro o pai dela... E nós ficamos juntos por nove anos. Acabou há pouco tempo e, além de tudo, nós sempre fomos grandes amigos. Eu posso ajudar, pagar pelos remédios...
— Certo... E se vocês são apenas amigos agora, porque não podemos ficar juntos? Passar por isso juntos?
— Porque nós dois sabemos que vai ser uma merda, ! Tê-la por perto... Esse tipo de coisa nunca funciona. Você merece mais. Além disso, não quero que se envolva nessa bagunça. Deveria aproveitar que não temos nada demais para pular fora enquanto pode. — Suas palavras saíram mais duras do que o esperado e ele percebeu um segundo tarde demais.
— Uau. — O semblante de endureceu. — Que bom que não temos nada demais, você poderia ter dito isso logo.
— ... Não...
— Você achou que eu não fosse notar? Você me chamou de sua namorada ontem. Você se chamou de meu namorado.
— Cedo demais. — Ele suspirou.
— Vá se foder!
— Nós nunca conversamos sobre isso!
— Não precisamos!
Mas ela concordava de certa forma. Lembrava-se perfeitamente daquelas denominações saindo da boca de , apesar de ter tentado ignorá-las como se já tivessem sido ditas milhares de vezes, como se não fosse um grande passo – especialmente sem terem tornado aquilo oficial com palavras. Mas havia parecido tão mais fácil. Um alívio. E ela aceitou, mesmo que em vão, como agora notava.
— ... — ele tentou novamente.
— Boa sorte, .
Deu as costas e estava pronta para bater a porta na cara do ator, mas embolou-se com as chaves e foi surpreendida por um leve puxão em seu braço, fazendo com que se virasse. Não foi brusco, apenas forte o suficiente para que chamasse sua atenção.
subitamente a envolveu em braços fortes e, mesmo chateada, permitiu-se fazer daquele colo sua casa por mais alguns breves segundos, antes do fim. Fechou os olhos tentando conter as lágrimas, mas foi em vão. Quando se separaram, a segurou pelos ombros e deu mais uma olhada naquele rosto que lhe era tão querido. percebeu que ele também tinha os olhos úmidos e cheios de tristeza.
— Eu nunca vou te esquecer — disse o rapaz.
Ela selou seus lábios uma última vez antes de responder.
— É melhor que esqueça.
IX. Sedated
não ouvia uma palavra do que falavam ao seu redor, o que era um grande problema uma vez que estavam terminando de gravar uma das últimas cenas de Bohemian Rhapsody. Ele estava sério, a boca seca, os ouvidos zunindo. Fisicamente, estava em um set de filmagens com Rami, Gwilym e Joe. Mentalmente, estava bem longe dali.
— . ! — A voz do diretor foi aos poucos ficando mais clara, até que os olhos verdes do ator finalmente pareceram acender e focaram em Fletcher. — , você está conosco?
— Sim. — Pigarreou. — Me desculpe. Podemos tentar de novo, por favor?
Seus companheiros de cena pareciam tão confusos quanto o resto da equipe, inclusive Lucy, que assistia tudo a certa distância por não fazer parte da atual cena que desenvolviam. Ela também esperava por Rami, pois iriam almoçar juntos após tudo ter sido finalizado.
Lucy.
notou quando ela recebeu uma ligação ao celular. Havia sido uma breve distração de sua parte, um olhar desviado para além de quem estava contracenando em sua frente, mas logo ele perdeu o foco outra vez e não viu mais nada além da loira que imediatamente girara nos calcanhares para encará-lo com olhos faiscantes. Ela parecia furiosa. Essa foi a gota d’água.
— Certo, pessoal, vamos fazer uma pausa. — Fletcher bufou impiedosamente, certamente contrariado, o que era um mau sinal. Ele não era uma pessoa difícil de trabalhar, mas estava tornando aquilo tudo muito mais complicado do que deveria.
Aquela manhã estava azulada e fria, mas nada comparado ao olhar que Lucy Boynton lhe lançara enquanto caminhava na direção dos rapazes.
— , o que tem de errado com você? — Esse foi o questionamento de Joe, que ela chegou a tempo de ouvir.
— Eu digo o que tem de errado com ele — Lucy falou e tentou interrompê-la, mas ela ergueu uma mão para silenciá-lo, o que ele prontamente acatou. — Eu acabei de receber uma ligação de ninguém menos que Juliette Loren, também conhecida como a melhor amiga de .
As sobrancelhas de Gwilym se ergueram.
— Está tudo bem com ela?
— Não muito, já que ela não pode estar aqui para consolar a amiga que acabou de levar um fora. Ah, mas com certeza está pior. Afinal, foi trocada por uma ex! — Sarcasmo pingava de cada palavra, e ela suspirou antes de continuar: — Eu vou visitá-la, então não contem comigo hoje. Terei que adiar nosso almoço, amor — dirigiu-se a Rami.
Houve um período de silêncio que se estendeu por quase um minuto enquanto o resto do grupo tentava assimilar a nova informação. Joe e Gwilym se entreolhavam e encarava os próprios pés. Lucy ainda estava visivelmente indignada. Por fim, Rami resolveu tentar quebrar o gelo.
— Quer que eu vá com você? — perguntou a Lucy. Ela apenas sacudiu a cabeça em resposta. Em seguida, depositou um beijo suave na bochecha do namorado, deixando um envergonhado e cabisbaixo para trás, sendo encarado por três pares de olhos indecifráveis.
A primeira semana seria a pior e Lucy sabia; só conseguia pensar nisso durante a viagem de carro até Londres, felizmente não muito longe de sua localização anterior. Assim que chegou à casa de , foi recebida pela sempre tão doce mãe da jovem.
— Jocelyn, posso mesmo subir?
— Ela está um caco. Não quer ver ninguém, não quer fazer absolutamente nada. Sim, por favor, será bom para ela. Jules tem feito o que pode à distância, mas ela precisa de uma amiga presente.
Lucy já conseguia ouvir a música How Can You Mend a Broken Heart vinda do cômodo. Foi rápida em subir as escadas e adentrar o quarto com cautela, abrindo a porta devagar apenas para levar um susto com a figura toda coberta parada em frente à janela alta. No mesmo instante, a figura virou-se e revelou ser a patinadora, envolta em um grosso cobertor felpudo e segurando uma taça de vinho cheia.
Os olhos da atriz imediatamente correram para a mesa de cabeceira, onde uma garrafa quase vazia de Pinot Noir podia ser vista. Aquele definitivamente não era o primeiro copo de . Além disso, não fosse a luz que invadia pela janela, o quarto estaria um breu completo. Jogado em uma cadeira, um vestido branco manchado de vermelho chamava a atenção, e Lucy rezou para que não fosse sangue.
— Ah, ! — Correu até ela e a puxou para um forte abraço, que foi aceito com imensa vontade. Lágrimas escorriam incessantemente pelos ombros de Lucy onde apoiava a bochecha. Era incrível e, naturalmente, um infortúnio o quanto apenas três semanas e quatro dias de um suposto relacionamento havia conseguido impactá-la.
As duas sentaram-se na beirada da cama e Lucy pôs-se a retirar a taça de vinho da mão da amiga.
— Como você descobriu? — A voz de estava baixa e embargada, e a pergunta saiu entre soluços. — Ele... Ele já contou para todo mundo?
— Jules me ligou. Ninguém sabia até eu expor tudo na frente de todos. Ele estava um lixo no set, se quer saber. E pode apostar que você tem o apoio de todos nós. Isso foi uma estupidez sem tamanho!
— Eu queria que Jules estivesse aqui também. Nós três. Vocês são minhas melhores amigas. Mas não... Não a deixe ouvir isso, porque ela me conhece há mais tempo e vai ficar com ciúmes.
Lucy ofereceu um sorriso gentil pelo gracejo inesperado, envelopando com carinho as mãos de nas suas.
— Ela também gostaria muito de estar aqui por você, mas disse que essa semana não tem como...
— Eu sei, eu sei. Ela tem uma vida. É maquiadora, sabe? E muito boa. Eu pago as passagens dela em ocasiões especiais. Algumas competições, meu aniversário... Bom, esse ano quem fez isso foi... ... Com aquela festa surpresa... — E o choro veio ainda mais descontrolado do que antes.
— Ei, ei. Não pense nisso! — Lucy pediu. — Vamos, continue me falando sobre Jules. Ela é maquiadora, e o que mais?
— Ela... Ela acha que está ficando obsoleta. — Fungou, pegando um punhado generoso de lenços. Sempre achava graça quando a amiga falava aquilo, mas no momento não conseguira nem esboçar a sombra de um sorriso. — Porque muitas pessoas estão aprendendo a se maquiar sozinhas, cada vez mais.
Lucy apenas assentiu, concordando e encorajando-a a continuar.
— Mas esse mês a agenda dela encheu tanto, ela ficou tão feliz. E precisa do dinheiro. Não tiraria isso dela nunca.
— Ela virá assim que puder — comentou Lucy. Houve uma pequena pausa e ela franziu as sobrancelhas por causa de um pequeno detalhe que acabara de perceber. — É impressão minha ou essa música está em modo repetição? Bee Gees?
— Queen me faz lembrar dele — explicou , pegando o celular para fazer o aplicativo parar de tocar. — O que é ridículo e a pior coisa do mundo. Minha banda preferida não poder me confortar nesse maldito momento!
— Isso vai passar.
As duas passaram o restante do dia juntas, apenas assistindo filmes, comendo besteiras, bebendo moderadamente, buscando músicas boas de karaokê no Youtube e contando com a companhia de Jocelyn em alguns momentos. teve diversas variações de humor, mas no geral ficava aos prantos ou apenas soluçando. Era de cortar o coração. Ao cair da noite, ela agradeceu pela visita e prometeu que iria melhorar e voltar a ser quem era antes.
Entretanto, dias depois Lucy teve que retornar devido a outro grito por ajuda, dessa vez vindo de Jocelyn. havia perdido diversas sessões de patinação, ioga, pilates e ginástica por simplesmente não conseguir levantar da cama. Os treinadores e a coreógrafa já começavam a ficar realmente preocupados pela iminência dos Jogos Olímpicos de Inverno.
Por fora, os olhos inchados e o nariz vermelho não a deixavam mentir. Por dentro, sentia-se sedada. Todas as emoções que a haviam inundado em primeiro momento estavam erradicadas, e agora tudo o que sentia era o vazio.
Não chorava mais tanto, mas olhava-se no espelho e sentia os efeitos do sedentarismo se instalando, temendo as consequências de sua própria irresponsabilidade e ao mesmo não conseguindo fazer nada para mudar aquilo.
— Lembra quando eu disse que havia cometido uma estupidez? Bom, essa é maior ainda!
Como resposta, Lucy recebeu um travesseiro voando em sua direção. mexeu-se na cama apenas para trocar de posição e esconder-se debaixo das cobertas. A amiga começou por ali: puxou a peça felpuda para longe e sentou ao lado do ser deitado que agora grunhia.
— , por favor, olhe para mim. — A contragosto, ela o fez, deparando-se com o rosto saudoso de Juliette na tela do celular de Lucy.
— Jules! — Quase pulou para agarrar o aparelho. — Como eu queria te abraçar agora!
— Em breve. Nós nos veremos nas Olimpíadas, ou você se esqueceu? Que, aliás, falta pouco menos de quatro semanas para acontecer — disse em tom de reprimenda e estremeceu. Pensar na competição parecia doer mais. — Você é uma patinadora artística. Há coisas piores que poderiam te acontecer. Ele não é um joelho quebrado ou algo do tipo.
— Jesus, Jules!
— Viu? É muito pior. Eu sei que dói, meu bem, mas você não precisa dele para ser você. Vai superar.
Lucy sorriu com a bronca de Juliette. Era necessária e parecia que iria funcionar mais do que se ela estivesse ali sozinha. suspirou.
— É humilhante.
— Não, não é — assegurou Juliette. — Ele só está envergonhando a si mesmo. Todo mundo sabe que voltar para o ex é ridículo.
— Você não voltou para a Dana, tipo, um milhão de vezes? — ela zombou.
— Ela é especial.
— É, mas você está com o Gwil agora.
— Não estamos namorando.
— Não importa! Voltar para o ex é uma péssima ideia — argumentou, mas Juliette mudou de assunto.
— Nós decidimos. Você só tem mais uma semana para ficar de luto.
— Duas — tentou .
— Uma e meia. — Lucy bateu o pé.
— Considerando meia semana como três dias ou quatro?
— Três — disseram as outras duas em uníssono, causando uma onda leve de risos entre todas.
— Certo.
— E após isso, , espero que volte a focar nas Olimpíadas, porque nenhum homem nesse mundo deve tirar esse sonho de você. E espero que já tenha voltado a ouvir Queen, porque você é a maior fã dessa banda e isso é outra coisa que nenhum homem vai tirar de você. Traga-nos o ouro, garota!
— Querem saber? — pareceu determinada ao erguer-se do colchão e dar alguns saltos pelo cômodo, como se aquecesse o corpo. — Só preciso de mais um dia.
Após os gritos animados de comemoração das amigas, a patinadora parou em frente ao pôster que tinha pendurado em uma das paredes do quarto e o admirou: Surya Bonaly eternizada no meio de seu icônico backflip durante as Olimpíadas de Inverno de 1998 em Nagano, no Japão. Sua maior inspiração não era Tonya Harding, ao contrário do que muitos poderiam pensar. Surya havia feito história tanto quanto ela, se não mais. E seria a próxima.
X. Almost
Quase um mês havia se passado desde que tivera o coração partido. Após aquela conversa fatídica, vital e definitiva com Lucy e Juliette, ela mudara por completo sua atitude. Ainda sentia-se miserável na maioria dos dias, ainda chorava de vez em quando – escondida, sem dúvidas – e ainda se flagrava vendo fotos antigas que tirara com .
Entretanto, vivia apesar e através da dor, seguia em frente, empurrava-se dia após dia no gelo e nos exercícios físicos à parte. Para recuperar o tempo perdido, havia inclusive dobrado as horas de sessões e aulas em momentos nos quais se sentia mais determinada. Sorria e mantinha a postura para ninguém suspeitar de suas inseguranças. Estava realmente focada, mas a pressão era enorme; afinal, estivera sob uma pesada carga de estresse nas últimas semanas.
Naquele dia, enquanto terminava de fazer as malas e arrumava-se para encontrar os amigos antes da viagem, estava estirado no sofá da casa de Katriona assistindo a um episódio de um seriado qualquer que ele nem recordava o nome. Não conseguia parar de pensar em quão pouco faltava para os Jogos Olímpicos e se perguntar como estaria em sua preparação. Não era raro pensar nela.
Era diferente estar com Kat agora. A relação entre os dois não fazia mais sentido e ele sentia tanta falta da risada gostosa de e todas as suas outras características – boas ou ruins, apesar de não conseguir realmente pensar em qualquer traço negativo. Ao mesmo tempo, pesava-lhe o coração ver como a situação de saúde do pai de Katriona deteriorava rapidamente e o quanto ele precisava de remédios, que prontamente dava dinheiro livremente e sem pedir nada em troca para ajudar. Ele mal ficava na presença do homem, não mantinham muito contato, mas às vezes conseguia ouvir suas crises enquanto a filha tratava dele.
Nada era o mesmo, de fato, mas nos momentos em que Katriona estava mais chateada e para baixo devido àquilo tudo, os dois se aproximavam muito e era inevitável rolar um clima e acontecer alguma coisa. Só que não era o mesmo do que era com . Nem chegava perto.
Em outro lugar de Londres, Joe, Gwilym e Rami matavam as saudades da jovem. Era ótimo estar reunida novamente com eles. Com Lucy também, é claro, mas dentre os quatro a atriz era a que mais estivera presente na vida de desde o término com . Desde pouco antes disso, a patinadora não tinha mais se encontrado com os atores. Na maior parte, acreditava ser por causa das extensas e incontáveis premières, coletivas de imprensa, entrevistas, sessões de fotos e outros compromissos dos mesmos relacionados à divulgação de Bohemian Rhapsody, uma vez que as gravações já estavam terminadas. Já no caso de , eram os incansáveis treinos. No entanto, havia ainda um pequeno fator adicional chamado “estamos divididos entre dois grandes amigos que acabaram de terminar um relacionamento”. E eles conheciam há mais tempo.
Naquela quarta-feira fria ao entardecer, porém, faltando algumas horas para sua partida para Gangneung, um dia antes de seu programa curto nas Olimpíadas de Inverno e três antes de sua apresentação final, tal fator não estava mais em jogo. usava uma colher para misturar seu chocolate quente enquanto sentava-se à janela de uma delicada cafeteria ao lado dos amigos.
— E então, Gwilym, como vão as coisas com Jules? — ela perguntou em certo ponto. — Ela não me conta mais nada, aquela ingrata. — Riu brincalhona.
Ele trocou um olhar indecifrável e cômico com Joe antes de responder.
— Bom... — pigarreou. — Ela meio que terminou comigo.
— O quê?! Deus, para que tantos términos? Por favor — disse, virando-se para Rami e Lucy com olhos arregalados e suplicantes —, digam que ainda estão juntos.
Todos à mesa riram e o casal presente assentiu, dando as mãos e trocando um olhar de derreter corações. Só então ela voltou sua atenção para Gwilym, mais calma.
— Agora, sério, o que aconteceu?
— Não precisa se preocupar, eu estou bem, de verdade — ele assegurou. — Mas... Foi algo sobre uma garota chamada Dana.
A expressão de então se transformou por completo, passando de tranquilidade para uma incredulidade assustadora em segundos.
— Essa é a ex-namorada dela! — constatou mais para si mesma do que para os outros.
— Eu sei. — Gwilym tomou um gole de café sem se importar e pegou na mão de com suavidade. — Fique calma, nós...
— Ela fez com você o mesmo que fez comigo! — bradou nervosa.
— , escute o que estou tentando dizer. Não foi nem de perto o que fez — ele disse e ela franziu as sobrancelhas. — O que Jules e eu tínhamos era super casual, sem sentimentos envolvidos de ambas as partes, eu garanto. Ela é uma garota fantástica, nós conversamos muito e eu estou feliz de verdade por ela ter acertado as coisas com essa Dana.
percebeu que todos a encaravam de uma maneira apreensiva, esperando sua reação. Ela, por sua vez, ainda mantinha a testa franzida, mas agora era mais por estar processando as informações recebidas. O sotaque britânico de Gwilym também ajudava a acalmar as coisas.
— Provavelmente foi por isso que ela não quis me contar — falou por fim. — Por medo de que eu a julgaria.
— É, como acabou de fazer. — Joe mordeu um pedaço de pão com queijo enquanto levava um leve tapa de Lucy após o comentário.
— Não, ele tem razão. — riu. — Só estou preocupada com ela agora.
— Você não gosta de Dana? — questionou Lucy.
— Nada contra, mas elas terminaram por um motivo. Não acho inteligente voltar para a ex. — Deu de ombros e a indireta – bem direta – ficou no ar.
O grupo todo se entreolhou e eles acabaram concordando com a patinadora, compartilhando uma risada divertida e relaxada em seguida, assim como foi o resto da tarde antes do voo de para a Coreia do Sul. Voo esse que foi precedido por um encontro ainda mais especial naquele dia. Roger, Brian e John foram visitá-la no aeroporto, onde estava prestes a embarcar com sua mãe e os treinadores, Olga e Andrey.
— Ai, meu Deus! — ela exclamou, correndo em direção ao trio remanescente do Queen. Todos os três a envolveram em um abraço apertado ao mesmo tempo e ela teve que segurar o choro. — O que estão fazendo aqui?
— Achou mesmo que iríamos deixar nossa fã número um ir embora para a competição mais importante de sua vida sem nos despedirmos? — disse Roger erguendo os óculos escuros, estiloso como sempre.
— Não poderemos ir com você, mas trouxemos uma coisinha — continuou John em sua maneira quieta habitual. Era muito bom vê-lo junto com os outros, mesmo que agora já estivesse acostumada a sua reaproximação com os amigos Roger e Brian. Desde a morte de Freddie ele não havia sido o mesmo e por isso aposentara-se da música. Tê-lo ali por causa dela, sabendo que ele evitava contato social tanto quanto podia, era uma honra sem tamanho.
— Para dar sorte. — Brian sorriu de forma doce e retirou do bolso um broche de lapela. — Conseguimos com Jim Hutton antes de sua morte. Era de Freddie. Ele o usou poucas vezes, mas ainda é uma parte dele que gostaríamos que você tivesse.
Sem palavras, ela apenas os abraçou novamente com lágrimas nos olhos, emocionada além do que poderia expressar com a voz. Eles não se demoraram muito mais após isso, visto que a última chamada para o voo estava sendo feita através dos alto-falantes. Eles apenas desejaram boa sorte, tiraram uma foto e a lembraram de sua força. embarcou revigorada e tendo a certeza de que, não importando pelo que tivesse passado e o que viria a acontecer em seguida, ela era a mulher mais sortuda do mundo.
Dois dias depois, aproveitava o último treino antes da grande apresentação para aperfeiçoar seu programa longo mais uma vez. Sua contagem de pontos atual – responsável por apenas mais ou menos um terço da nota final – já era perfeita graças ao programa curto, onde batera um recorde de pontuação, significando estar bem encaminhada para o pódio. Mesmo assim, sentia que precisava treinar um pouco mais enquanto podia. Ao fim de outra sessão em um rinque de patinação local longe dos holofotes, uma suada e cansada deslizou até os treinadores.
— Só vim beber água — avisou. — Vou de novo.
— , já é o suficiente — advertiu Olga. — Você está absolutamente perfeita. O Axel triplo, acima de tudo... Estou tão orgulhosa.
— Preciso tentar de novo, Olga.
— Escute-a, — pediu Andrey. — Descanse um pouco. Amanhã será um longo dia. Seu programa está impecável!
— Mas eu treinei tão pouco sem o arnês! — argumentou teimosa, recordando-se dos momentos em que treinara o infame salto triplo, tão almejado por todos, presa a uma espécie de cinto de segurança conectado a algo que parecia uma vara de pescar para os leigos. O arnês havia se tornado uma necessidade no mundo altamente competitivo da patinação artística, muito útil para reduzir o tempo de aprendizado de saltos pela metade. Algo que definitivamente aumentava a confiança de patinadores, evitando que cometessem erros ao acostumarem-se com as curvas, à postura no ar e ao pousar.
— O que é incrível. Usou-o por tão pouco tempo e conseguiu realizar o Axel sem mais precisar dele. Tudo o que precisa agora é concentração amanhã e será perfeita. De novo.
— Você bateu um recorde dois dias atrás, lembra-se disso? — disse Olga. — Primeiro a russa com 81.61 pontos e dez minutos depois você com 82.92! Tinha que ver a cara dela... Tem ideia do tamanho disso? Tem? E olha que também somos russos.
, que antes suspirava pesadamente, agora sorria orgulhosa com a memória, mostrando todos os dentes e sentindo-se mais calma. Os outros dois espelharam aquele sorriso.
— Venha, querida. Vamos descansar.
Mais tarde, após encontrar Juliette na arquibancada, trocou de roupa no vestiário do clube e as duas passaram o resto da noite bebendo um pouco no bar do hotel onde a mãe e a maquiadora estavam hospedadas. Para a patinadora, no entanto, seria apenas água. Muita água. Não havia política específica que proibisse os atletas de consumirem álcool com responsabilidade no tempo livre, porém, com uma competição de alto nível no dia seguinte, era necessário calcular cada caloria. Após isso, retornaram ao quarto de Juliette. passaria mais um tempo com a amiga até que precisasse voltar à Vila Olímpica, o que seria em breve.. Depois, retornaram ao quarto que dividiam.
Quando saiu do banho, viu que Juliette já vestia pijamas e um penhoar cor-de-rosa por cima enquanto mexia no celular deitada de bruços na cama – provavelmente trocando mensagens com Dana. sorriu com a imagem e lançou um olhar divertido para seu próprio penhoar pendurado no cabideiro. As únicas diferenças entre os dois eram as cores e os dizeres atrás; o de era azul e continha a palavra , ao passo que o de Juliette carregava seu próprio sobrenome, Loren.
No alto-falante tocava alguma música via Bluetooth vinda do Spotify da amiga que não reconheceu. Entretanto, no segundo seguinte a música teve fim e outra bastante conhecida encheu os ouvidos das duas jovens. Juliette, antes distraída, imediatamente parou o que estava fazendo e virou-se para encarar , que continuava parada na porta do banheiro. Ela sentia aquelas simples linhas de baixo de Under Pressure vibrarem em sua alma.
Além da frequência de encontros com Joe, Gwilym e Rami, algumas outras coisas haviam mudado desde que ela levara um pé na bunda. Uma delas era que não ouvira mais nenhuma música do Queen além da que iria performar no dia seguinte – era o mínimo que conseguia fazer, uma vez que precisava ensaiar. Na realidade, evitava ouvir qualquer música que a fizesse pensar em , mas Queen era crucial.
— Você está bem? — Juliette perguntou, sentando-se na beirada da cama. Poderia parecer algo bobo para qualquer um observando de fora, qualquer um que não soubesse o que aquela garota havia passado, mas a morena tinha certeza que aquele era um grande passo para a melhor amiga.
respirava devagar. Engoliu em seco e apenas assentiu em resposta, ouvindo as palavras de Mercury e Bowie com mais atenção do que jamais antes, analisando mais profundamente aquela letra que tanto lembrava sua situação atual – a pressão sobre ela, amores que pediam mais uma chance... Além de, é claro, ser a primeira do Queen que ouvia em muito tempo. Por fim, a metade da música foi alcançada e as duas continuavam na mesma posição. A patinadora levou uma mão à boca. Desejou ter ali.
— Eu acho que vou vomitar.
Saiu correndo até a sacada do aposento, abrindo as portas de vidro sem cuidado e debruçando-se sobre o parapeito. O que se seguiu foi quase poético: ao invés de vômito, foi um grito que escapou de sua garganta. Um grito em conjunto com o de Freddie na música, um grito desesperado que encheu a noite, um grito que liberava todas as angústias que ela havia guardado por quase um mês inteiro. Parecia pouco, mas um mês conseguia fazer muito estrago.
Quando a recaída passou e ela girou nos calcanhares para encarar uma Juliette assustada e de olhos arregalados, começou a rir. A amiga então retribuiu o riso, ainda um pouco nervosa no início, mas depois de forma genuína. pegou seu penhoar e o vestiu, ainda gargalhando, e compartilhou um abraço forte e aconchegante com Juliette.
— Você consegue fazer isso — ouviu-a dizer. Fechou os olhos úmidos com força e suspirou.
No dia seguinte, olhou-se no espelho pela última vez. Observou o belo rosto maquiado no reflexo, alisou o tecido amarelo-canário brilhoso de seu figurino e por fim tocou o broche de Freddie que havia pendurado próximo à gola, camuflando-o ali entre os cristais. Ajeitou a meia-calça transparente e reparou a cicatriz em sua canela direita, imediatamente lembrando-se de seu último encontro com , quando este acariciara-lhe a perna sensualmente no meio do restaurante. Balançou a cabeça com uma risada nasalada e, antes que se desse conta, já estava em posição para entrar no rinque.
— Próxima patinadora... — o narrador anunciou. — Atleta olímpica dos Estados Unidos, .
XI. Movement
Assim que entrou no rinque, achou que fosse desmaiar. Podia sentir claramente os batimentos de seu coração ecoando nos ouvidos, pulsando alto e abafando todos os outros sons ao redor.
Não sabia ao certo porque sentia aquilo; já havia competido diversas vezes antes, as multidões nas arquibancadas não lhe eram estranhas. Além disso, já havia participado de outra Olimpíada antes... Há quatro anos. Bem, talvez fosse tempo demais e ela tivesse se desacostumado daquele público em especial, possivelmente o mais grandioso de todos.
Um frio tomou conta de sua barriga – nada relacionado ao gelo – e teve que respirar fundo várias vezes enquanto circulava sobre a pista, aquecendo levemente como de praxe, enquanto a música não começava. Quando parou na posição ensaiada, tomaram sua deixa e iniciaram a música escolhida pela patinadora: The Show Must Go On.
Em outro continente, ligou a televisão ao sentar no sofá e agradeceu mentalmente por estar sozinho na casa de Katriona. O narrador anunciava: , patinadora americana, entrando no rinque na busca pelo ouro para os Estados Unidos. E então toda a plateia ficou em silêncio enquanto ela dava algumas voltas pelo gelo... Até que, naturalmente, uma música do Queen começou a tocar e sua performance teve início.
Como sempre, ela voava. Parecia mais leve do que nunca dessa vez, com saltos e aterrissagens mais certeiras, rotações mais firmes. Ela estava mais fantástica do que nunca, se é que isso era possível.
Mantendo-se séria na primeira metade da música, porém, os narradores comentavam a falta de interação com a letra e os instrumentos comumente esperada dela, a falta de expressão facial, os sorrisos. Eles também ponderavam sobre a realização do salto Axel triplo. Ela o faria ou não?
— Agora a questão é se ela se tornará a primeira mulher americana a tentar e completar um salto Axel triplo em uma competição olímpica — falou um deles. — Vamos descobrir aqui!
— Ela não pode pensar duas vezes, ela deve ir de uma vez e fazê-lo — acrescentou uma mulher.
A resposta veio com o segundo refrão da música.
A plateia simplesmente explodiu em gritos e aplausos, assim como os narradores, mesmo que em menor intensidade; tinham que manter a compostura, afinal. Mas nem todo o profissionalismo do mundo os impediria de comemorar aquele magnífico Axel triplo que acabara de dar.
— A primeira mulher americana a realizar um Axel triplo nas Olimpíadas! Isso será marcado no livro dos recordes!
— Ela acabou de fazer história e ainda tem dois minutos sobrando. , pessoal.
O próprio soltou um grito rouco de exclamação quando viu acontecer, fechando os punhos e levantando do sofá em um breve momento de euforia. Naquele momento, ele não teve dúvidas de que o ouro era dela.
E aquele sorriso... Sim, finalmente um sorriso! Um sorriso enorme, exibindo quase todos os dentes, o rosto ruborizado, os olhos brilhando. parecia rir sozinha, mas mesmo assim manteve a concentração no próximo movimento imediato, uma rotação prolongada e precisa. Fechou os olhos e a câmera focou por um breve momento em suas feições; algumas lágrimas rolavam pelo rosto belo da patinadora enquanto ela mantinha um sorriso mais tímido então.
— Ela parece entusiasmada agora — disse a narradora. — Vejo uma melhora surpreendente em sua patinação, um crescimento excelente.
sentiu um orgulho de despontar em seu íntimo naquele momento. Ainda estava apaixonado por ela. Era óbvio. Céus, como queria estar ali. Como queria poder abraçá-la depois da apresentação, até beijá-la na frente de todos, danando-se todas as câmeras.
Ainda estava perdido naqueles pensamentos quando ouviu uma chave girar na fechadura da porta. Imediatamente, mesmo que partisse seu coração fazer aquilo, desligou a televisão com pressa. Sabia que não daria certo ser pego assistindo aquilo, e queria evitar problemas. Sabia também que deveria deixar aquele lugar o mais rápido possível, assim que o pai de Kat se recuperasse – o que rezava todas as noites para que acontecesse logo. Talvez fosse por um motivo egoísta, mas a intenção era boa de qualquer forma.
De volta a Pyeongchang, na visão de , foi só quando as lâminas de seus patins tocaram o gelo novamente após o famoso salto que ela percebeu o quão tensa estava devido ao foco e nervosismo. Não que não se mantivesse focada em outras ocasiões, mas aquela tinha algo de diferente que parecia multiplicar sua ansiedade por mil. Também percebeu que havia prendido a respiração assim que saltou para iniciar os três giros no ar, e só conseguiu expirar com alívio após o pouso perfeito. Os braços anteriormente cruzados com firmeza na frente do tórax agora se esticavam em vitória. fechou os punhos e comemorou sacudindo-os antes de retornar o foco para o resto da coreografia.
Ao fim, tudo parecia estar em câmera lenta. terminara sua performance com o coração leve e a alma lavada. Curvou-se em agradecimento e riu feliz com toda aquela ovação, em seguida correndo os olhos úmidos por cada canto daquele lugar, tentando captar cada pessoa que gritava seu nome e jogava rosas. Seu rosto parecia iluminado por algo além da luz dos holofotes – era divino e celestial.
Finalmente, enquanto as assistentes retiravam as flores da pista, ela deslizou até a entrada. Foi recebida com carinho por Olga e Andrey, que a abraçaram firmemente, um de cada lado.
— Como se sente, minha princesa do gelo? — perguntou a treinadora, acariciando o rosto da pupila e secando suas lágrimas.
— Campeã — admitiu. — Mesmo que eu não venha a ser oficialmente, é assim que me sinto.
Andrey riu alto.
— Essa é nossa menina!
Depois de colocar os protetores nas lâminas dos patins, andou até sua mãe e Juliette, que a aguardavam mais ao longe, sendo recebida igualmente calorosamente pelas duas.
— Estamos tão orgulhosas de você! — disse Jocelyn, que também parecia ter chorado, assim como Jules.
— Selfie da vitória! — gritou a melhor amiga, fazendo rir mais ainda. Era muita felicidade; ainda bem que seu coração era grande.
Tiraram uma foto rapidamente antes de ter que dirigir-se à área chamada Kiss and Cry, onde esperaria por sua pontuação e atual colocação ao lado dos treinadores. A ansiedade era quase paralisante durante os minutos que se seguiram, mas valeu a pena. Pelo visto, ela conseguira encantar não só a torcida, mas também os jurados com sua rotina. Até então, a pontuação mais alta havia sido de 222.38.
— conseguiu no programa livre 156.65 pontos, totalizando um escore de 239.57 pontos e está atualmente em primeiro lugar.
Sua pontuação havia sido a maior, ultrapassando até mesmo as rivais russas Alina Zagitova e Evgenia Medvedeva. Com isso, não conseguiu conter mais lágrimas que vieram, levando as mãos à boca como que para suprimir um grito de excitação. Mais uma vez, recebeu o carinho do público e de seus treinadores, que lhe ofereceram mais um abraço apertado.
O que restava então era aguardar até o fim geral das apresentações, quando teriam a resposta definitiva.
só viria a ver depois, uma vez que não tinha o celular por perto na hora, mas recebia diversas notificações nas redes sociais; as mais especiais sendo as de Joe, Gwilym, Rami e Lucy. Os quatro inundavam o grupo com mensagens de apoio e felicitações, tecendo elogios à amiga patinadora. , por outro lado, apenas enviara uma sequência de emojis de festa. Em privado, porém, escreveu algumas palavras a mais.
[msg: ] , você foi incrível. Parabéns xx
Finalmente, quando todas as outras atletas já haviam feito sua parte, chegou a hora do pódio. tirou a jaqueta que representava seu país e ouviu o anúncio com atenção.
— Em terceiro lugar, atleta olímpica da Rússia, Evgenia Medvedeva. — Salva de palmas. — Em segundo lugar, outra atleta olímpica da Rússia, Alina Zagitova. — Mais uma rodada de aplausos. — Em primeiro lugar, atleta olímpica dos Estados Unidos, .
reentrou no rinque sob uma chuva de assovios e aplausos estrondosos e fez seu charme como as outras duas patinadoras, acrescentando ao final a pose clássica de Freddie Mercury com o braço direito erguido, o que levou a multidão ainda mais a loucura. Não era à toa que seu vestido era de um tom amarelo forte; combinava perfeitamente por ser uma homenagem direta à cor que ele tanto amava e usava.
Antes de subir na parte mais alta do pódio, fez questão de abraçar Alina e Evgenia. Após cada uma receber a mascote das Olímpiadas em formato de pelúcia, depois, é claro, as tão sonhadas medalhas, e por fim tirarem um número considerável e cansativo de fotos, e as outras finalistas puderam sair. Ela estava exausta e, por mais feliz que estivesse, só pensava em ir logo para o aeroporto, pegar o avião de volta a Londres e dormir por longas, longas horas.
XII. Angel of Small Death
era modesta e simples; a fama jamais lhe subiria à cabeça. De fato, apesar de sempre ter sonhado com aquilo desde os primórdios de sua patinação, no fundo não esperava realmente tornar-se campeã olímpica, principalmente por ter iniciado naquela área relativamente tarde em comparação com a maioria dos atletas.
O que ela não sabia, no entanto, era que o ocorrido nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang seria repetido pelo resto do ano em suas competições. Além do campeonato nacional americano, agora havia conseguido o ouro também nas Olimpíadas, mas ainda viria mais. No mês de março, o Campeonato Mundial; agosto viria acompanhado do Skate America; dezembro traria a final do Grand Prix. E em cada um desses, ela seria venerada pelos fãs, jurados e narradores. seria ovacionada até mesmo no Internationaux de France de setembro, no qual viria a sofrer uma leve queda durante a apresentação e, infelizmente, por esse motivo não levando o ouro. Ainda assim, ficaria em uma colocação que não era tão ruim considerando o tombo – 4º lugar. Essa sendo sua única exceção no ano, 2018 seria banhado a ouro. Ela não perdia por esperar. Todo aquele trabalho duro havia recompensado mas, acima de tudo, o apoio de sua mãe, seus fãs, melhores amigos, treinadores e coreógrafa valia mais do que qualquer medalha.
Certas fontes começaram a retratá-la como heroína nacional, algumas comparavam o hype que causava com o de Tonya Harding em sua época, já outras diziam que ela era maior e melhor. De qualquer forma, era bem difícil ver algo de ruim sendo dito sobre ela. Até fora parar numa compilação de patinadores cujas expressões faciais estranhas durante performances no gelo ficaram para sempre gravadas em fotografias engraçadas.
acompanhava de longe todo esse sucesso da amada, mandando mensagens de texto para a mesma de vez em quando, parabenizando-a por tudo o que havia alcançado. Não era nem metade do que gostaria de falar, mas era o que achava necessário. não lhe dava muito bola, mas ele sabia que não era à toa e aceitava a apatia que recebia pois acreditava merecê-la.
Sua vida havia virado de ponta cabeça há pouco tempo, tendo descoberto a farsa que era a história de Katriona sobre seu pai. Ele não estava nem um pouco doente, apenas compactuava com a filha para manter por perto e arrancar dinheiro dele quando podia.
Foi em um sábado chuvoso ao fim daquele mês que ele descobriu. Havia descido para fumar um cigarro no jardim coberto do prédio, uma vez que evitava saciar aquele vício dentro do apartamento por consideração ao sogro doente. Porém, ao tatear o bolso do casaco em busca de um isqueiro, percebeu que o havia deixado lá em cima. Saiu do elevador e, antes mesmo de se aproximar da porta, já conseguia ouvir o tom alto da voz do pai de Katriona. Ele falava rápido e de forma irritada com a filha, que em resposta pedia silêncio. ficou parado do lado de fora, escutando.
— Não dá, Katriona! Kat, filhinha, eu te amo, mas não posso mais fazer isso. Temos que achar um jeito diferente de enganar o garoto — ele argumentava. — Ficar o dia todo enfurnado nesse quarto... Não tem mais como.
Ela bufou.
— O que sugere?
— Mande-me para um hospital. Ou pelo menos é o que dirá a ele. Então continuaremos com esse joguinho, mas de longe, onde posso ser livre e andar por aí, beber e fazer o que gosto. Com o dinheiro dele, é claro. — Os dois riram.
Aquilo foi a gota d’água. sentiu os olhos arderem, mas não vieram lágrimas. De qualquer forma, caso elas surgissem, seriam o produto de uma profunda ira que se erguia de seu íntimo. Adentrou o local com pressa, deixando a porta bater propositalmente com violência na parede.
— Não se preocupe, Sr. Perrett. Pode fazer as coisas que gosta à vontade agora.
Os minutos passaram como um borrão após isso e ele mal se lembrava de como conseguira reunir todas as suas coisas de forma tão rápida. Mal tivera tempo de processar a cara de bosta de pai e filha no momento em que ele mostrara ter descoberto tudo. Quando percebeu, já estava na rua de malas feitas, indo embora sem olhar para trás, sentindo-se um completo imbecil e ainda pior do que antes.
Logo depois, tudo o que queria era correr de volta para os braços de , contá-la tudo e ter as coisas como eram antes. Mas não achava justo. Ela estava na melhor fase de sua vida e ele não queria estragar tudo voltando de repente durante isso só porque havia se dado mal. Realmente, era injusto e egoísta. E por isso limitava-se a apenas trocar poucas mensagens a cada mês, mesmo sem ter o retorno que sonhava tanto. Resolvera então tomar esse tempo para si mesmo, para colocar a cabeça no lugar e focar nas entrevistas, coletivas e divulgações de Bohemian Rhapsody. Aceitou que havia perdido a melhor pessoa que conhecera e simplesmente pôs-se a esperar até que a paixão cedesse.
Para adicionar mais miséria a sua situação, como sempre fazia quando se sentia para baixo, buscava comentários ruins sobre si mesmo na internet para se sentir pior. Era lamentável o quanto se torturava.
, por outro lado, prosperava, sendo convidada para estrelar comerciais e fotos promocionais de diversas marcas e campanhas. Porém, da mesma forma, ainda sentia falta do rapaz. Ela não demonstrava, mas adorava e guardava com carinho as poucas mensagens que trocavam em raros e efêmeros momentos de reconexão, sem nem saber que ele e Katriona haviam terminado. De novo. Não achava estranha a falta de notícias sobre o suposto casal, pois sabia que ambos sempre haviam sido discretos com o relacionamento, além de que a mídia não parecia apreciar muito os dois juntos. Tão ao contrário de quando estava com ; quando os paparazzi pareciam segui-los aonde quer que fossem, os fãs especulavam teorias e tudo estava em perfeita ordem. Em retrospecto, ter reclamado daquilo alguma vez soava ridículo.
Será que algum dia a dor de passaria do limite e ele procuraria a patinadora cara a cara? E, caso isso acontecesse, poderia deixar o orgulho e lado perdoar o ator pelo que a fizera passar?
Tempos depois, faltando pouco mais de um mês para a última apresentação de do ano, ela, Juliette e Dana Woods quebravam o jejum com um café da manhã animado no Starbucks mais próximo da casa da patinadora. As garotas conversavam muito, tiravam várias fotos e gravavam alguns vídeos – sem motivo específico, apenas para comemorar a chegada do casal a Londres, onde passariam o Dia das Bruxas. Bom, isso já era motivo especial o suficiente.
Para Juliette, era reconfortante ver a melhor amiga tão leve e feliz novamente. Seu sorriso era natural e ela se divertia e brilhava como nunca antes, quase literalmente – a pele estava limpa, o cabelo macio e os olhos reluzentes. nem se importava de ficar segurando vela para Jules e a namorada em certos momentos, e o fato de ela e Dana terem finalmente resolvido as diferenças a deixava aliviada. Além das vitórias recentes, lidar com alguns fãs que encontrava pelos passeios que fazia na cidade e pelas viagens a trabalho também parecia contribuir com o bom humor de . Nem mesmo a queda em sua última competição a havia deixado chateada por muito tempo.
Mais tarde, à noite, pouco antes de saírem para uma festa de Dia das Bruxas naquele sábado fresco, as três garotas arrumavam os últimos detalhes de suas fantasias, aglomeradas no quarto de . Quando Juliette se afastou com Dana para fazer a maquiagem da mesma, ela aproveitou o momento sozinha na frente do espelho para tirar algumas selfies do próprio reflexo. O longo cabelo estava preso em duas tranças de boxeadora – cortesia de Dana – e ela vestia uma versão menos larga do icônico calção com as cores da bandeira americana de Rocky Balboa, um de seus personagens preferidos. Apesar de serem atletas de esportes diferentes, ela se identificava com o lutador de certa forma, especialmente pelo jeito como ele havia conquistado as adversidades e mostrado ser o melhor no que fazia apesar de tudo.
Em cada mão, havia amarrado uma bandagem com esparadrapos para representar o que os lutadores usavam por baixo das luvas de boxe. A parte de cima da fantasia era apenas um top de ginástica branco que deixava exibir seu abdome levemente definido devido a tantos treinos intensos. Nos pés, tênis brancos comuns e meias da mesma cor que iam até a metade da canela. A maquiagem era simples; apenas um delineado fino e um pouco de purpurina dourada em cada lado do rosto, apesar de Juliette ter insistido em fazer algo mais elaborado. Por sorte, porém, sua namorada havia concordado em ser cobaia de algo mais profissional.
— Uau, Dana, você está incrível — comentou após alguns minutos, ao se virar para vê-la.
— O que posso fazer? Tenho uma maquiadora incrível. — Ela riu, toda boba, enquanto Jules rolava os olhos com um sorriso convencido antes de dar um beijo na namorada o mais suavemente que pôde para não borrarem os batons.
A maquiagem de Dana, em tons verdes brilhantes, contemplava de forma belíssima seu rosto sardento e os fios naturalmente ruivos. Dessa forma, ela era a Hera Venenosa perfeita para a Arlequina de Jules, que por sua vez resolvera tingir metade do cabelo de vermelho em contraste com seu castanho escuro natural para que combinasse com a paleta de cores vermelha e preta da personagem mais querida dos quadrinhos. Sua própria maquiagem também estava impecável, sem defeito algum, mas isso não era novidade. Enquanto Dana vestia uma meia-calça transparente emprestada de e por cima um body verde com várias folhas presas a ele com cola quente, Juliette completava o look do casal com meia-arrastão, um top e shorts justos, esses dois últimos com tecido vermelho de um lado e preto do outro. Para finalizar, saltos altos e jaquetas combinando com cada figurino devido ao frio iminente.
— Prontas? — perguntou, vestindo seu robe de tecido fino com as mesmas cores do calção.
— Já te avisei, isso não vai ser suficiente para aquecê-la do frio — Jules comentou.
— Quero ficar tão bêbada que nem vou sentir qualquer temperatura. — deu de ombros indiferente, fazendo as amigas rirem. — Rami e Lucy já devem estar chegando para nos buscar, vamos descer.
A festa em questão era dada anualmente pelo apresentador de televisão Jonathan Ross e sua esposa, a produtora Jane Goldman, e era simplesmente o maior antro de celebridades britânicas naquela época do ano. Era um elemento básico da temporada de susto, com os famosos se acumulando na casa de Hampstead do casal para uma noite de fantasias divertidas e incríveis.
Rami e Lucy já haviam comparecido no Dia das Bruxas anterior, mas aquele havia sido o primeiro convite de , mesmo sendo americana. Ela acreditava que ter feito de Londres sua casa, ter um pai inglês e basicamente ter entrado para a família Bohemian Rhapsody eram motivos suficientes para o pedido de sua presença. E, como constava no convite, ela podia levar dois acompanhantes.
Ao ver as garotas descendo as escadas para o primeiro andar, Jocelyn não pôde deixar de tirar várias fotos do trio antes que fossem embora. Em seguida, deu um beijo de despedida na mãe e saiu para encontrar Rami e Lucy, fantasiados respectivamente de Edward Mãos de Tesoura e Rosemary Woodhouse. e Jules mataram as saudades dos dois, já Dana quase surtou de emoção ao conhecê-los.
Quando chegaram, diversas celebridades já se encontravam a caminho do casarão – gerando mais alguns mini-surtos vindo de Dana –, assim como muitos, muitos paparazzi sedentos por alguns cliques dos convidados. Finalmente, já na segurança e privacidade da festa, os cinco puderam relaxar sob as luzes ultravioletas com bons drinks, música e petiscos.
— Então, , como está sua situação com ? — Rami perguntou em certo ponto, algumas horas depois, quando todos já estavam suficientemente altinhos.
— Não tem situação — ela respondeu dando de ombros. — Ele manda algumas mensagens às vezes, dando parabéns pelas medalhas e coisas do tipo, curte minhas publicações nas redes sociais... Eu também curto o que ele posta, digo, quando posta, porque aquele garoto some do nada das mídias e sem previsão de retorno. — Riu, sendo acompanhada pelos casais. Aliás, foi só naquele momento em particular que percebeu que segurava não só uma, mas duas velas. Quis rolar os olhos. — Acho que posso dizer que estamos sendo civilizados um com o outro.
— Que bom.
— Por que a pergunta, Malek? — ergueu uma sobrancelha.
— Nenhuma razão.
então pôs um ponto final naquele assunto ao erguer a chique taça que segurava e bebericar mais um pouco de sua milésima sangria. Logo depois, sentiu a bexiga apertar e avisou a todos que iria ao banheiro – ou à toalete, como fez questão de zoar o modo como os ingleses chamavam a casa de banho. Ao acabar, olhou-se no espelho por alguns segundos a mais do que o necessário, envolta naquela névoa alcóolica surreal que todos os bêbados têm quando fecham a porta do banheiro atrás de si e a música se torna abafada.
— Pare de sentir falta dele — ordenou a si mesma, apontando um dedo para o reflexo. — Pare agora mesmo.
Antes de sair, porém, sentiu o celular vibrar e resolveu checar o que era. Várias notificações de fãs invadiam suas menções no Twitter, e a partir delas descobriu que logo quem ela menos – e também mais – queria ver aparentemente havia acabado de chegar na casa de Jonathan Ross. Arregalou os olhos e sentiu o coração acelerar com todas as teorias da conspiração que já começavam a ser compartilhadas. Respirou fundo antes de voltar para a música alta, as luzes fortes e o calor humano da festa, correndo para perguntar aos amigos o que aquilo significava.
— Me explique isso! — Ela praticamente enfiara o aparelho no rosto de Rami. — Você sabia?
— Eu... Bom... Não tinha certeza se ele viria.
— Eu não acredito nisso! — Lucy arfou. — Você deu nosso convite extra para !
— Espera, o quê? — Juliette quase gritou.
— Qual é, eles não se odeiam — argumentou o ator. — Conseguem ficar em uma festa juntos, não?
O olhar perdido de era de dar dó, mas ela logo se recompôs, deslizando o robe pelos braços para tirá-lo e tentar melhorar o súbito calor que começara a sentir. Estava suando.
— Conseguimos. — Sorriu. — Estava mesmo na hora de tirar esse elefante da sala. Uma hora teríamos que nos ver, certo?
Sob os olhares preocupados de todos, virou os últimos goles de seu drink de uma vez, logo pegando outro da bandeja de um dos garçons que acabara de passar.
— Vamos dançar, Jules. — E puxou a melhor amiga pela mão.
Rami sentiu os olhos de Lucy e Dana queimarem-no por um segundo e logo indagou mentalmente se aquela havia sido a melhor ideia. Sabia muito bem que não estava lá apenas para passar mais uma noite comum ao lado de amigos, mas sim conversar com sobre tudo o que havia acontecido e tentar uma reconciliação amorosa. No entanto, era injusto ser tratado daquela forma; as garotas não sabiam, mas Rami só havia cedido após muitas insistências de . Ele também se preocupava com a patinadora e temia o que aquele súbito encontro poderia causar a seu emocional recentemente recuperado, mas também sabia que tinha bons motivos para aquilo tudo.
Enquanto dançava com Jules, Dana e Lucy, que não demoraram a se juntar a elas na pista, observava chegar no local e ir direto falar com Rami. Eles se cumprimentaram com um abraço, pegou uma bebida e os dois ficaram papeando por alguns minutos. sentia um turbilhão de sentimentos invadi-la: nervosismo, raiva e, por incrível que parecesse, excitação. Tudo representado por bochechas coradas e um coração palpitante.
— Você está bem, amiga? — questionou Lucy. — Quer ir falar com ele? Nós vamos junto.
— Na minha opinião, ela nem deveria dignar-se à palavra. — Juliette fez um gesto engraçado com a mão.
— Amor, ela não pode demonstrar que ainda é afetada por ele — disse Dana.
— Até porque não sou! Já fazem nove meses. Mas Dana tem razão, não há porque agir estranho. Como eu disse, somos civilizados e ponto. Evitá-lo só vai passar a ideia errada, Jules.
— Ugh, então vamos.
foi na frente, seguida de perto pelas amigas leais, e cumprimentou com um abraço casual que saiu um pouco mais apertado e demorado do que esperava. Deus, como ele estava cheiroso e lindo naquelas vestes saídas diretamente de um filme de Harry Potter.
— Ei! Como você está, campeã? — ele perguntou todo sorridente quando se afastaram. — Está arrasando nas competições, isso é incrível.
— Me sinto ótima! — ela respondeu na mesma intensidade. Juliette quis enfiar a cabeça no chão; era como assistir dois cachorrinhos se farejando. — E você? Como estão Andy e Jack? — indagou, referindo-se aos amigos pessoais dele que havia conhecido muitos meses antes.
— Bem, bem. Ei, Luce. — Ele deu um beijo casto na bochecha da atriz para cumprimentá-la. — Olá, Jules. E você eu não conheço.
— Esta é Dana — disse Juliette. — Minha namorada. Adorei a fantasia, devo dizer que esse uniforme da Sonserina combina muito com você.
Aquilo fez Lucy e Rami suprimirem uma risada. abriu um sorriso amarelo e mordeu o lábio inferior.
— Você deve ser da Grifinória — ele brincou de volta, apesar de Juliette não ter dito aquilo exatamente em forma de piada.
— Vem, amor, vamos comer alguma coisa — pediu Dana, puxando a namorada pela mão antes que ela pudesse soltar mais alguma coisa.
— Desculpe por ela. — riu baixo.
— Não se preocupe, eu entendo. Ela é uma amiga leal.
— Sem dúvidas.
— Também estou com fome — Rami comentou. — Me acompanha, amor? — pediu a Lucy, que olhou para antes de responder. Somente após o mais sutil aceno de cabeça da amiga ela concordou e a deixou a sós com .
Vê-la ali em sua frente era como ele imaginava que seria usar codeína; aliviava a dor – nesse caso, a de tê-la longe – e ele sabia que nunca seria o suficiente. Logo precisaria de outra dose. Ela parecia um anjo.
— Ei, quer ir até lá fora? — perguntou . — Eu preciso...
— Fumar? — completou, e mesmo que não fosse aquilo que ele tinha em mente, o rapaz concordou. — Certo, vamos.
Do lado de fora da casa do apresentador, no jardim, e sentaram-se em um banco. Não havia ninguém além deles ali e a música estava consideravelmente mais baixa, o que os permitia conversar mais livremente. O ator puxou um maço de cigarros e acendeu um, imediatamente sentindo-se mais calmo.
— E aí, ansioso para a estreia do filme? — começou. — Faltam apenas mais alguns dias!
— Você não faz ideia do quanto — ele respondeu com um sorriso. — Você também, eu imagino?
— Muito! — Sorriu de volta.
Após isso, um silêncio desconfortável recaiu sobre a dupla. Ficaram naquilo por alguns minutos até que , percebendo que estava tremendo de frio, ofereceu seu cachecol e a túnica com o brasão da casa de Hogwarts. Mesmo já tendo recolocado o robe de Balboa, ela agradeceu e pôs as vestes por cima. agora usava uma calça de alfaiataria escura e um suéter quente da mesma cor por cima de uma camisa branca de botão e gravata com as cores da Sonserina, parecendo incrivelmente adorável. A visão fez rir baixo. Ao mesmo tempo, a música Shrike, de Hozier, começou a tocar na festa, soando abafada para os dois lá fora, mas ainda era audível.
— , sabe que dia é hoje? — ele questionou subitamente após checar o celular e ela franziu as sobrancelhas.
— Dia 27, sábado.
— Não. Já passa da meia-noite. É dia 28. Mais precisamente, um ano desde que nos conhecemos.
A patinadora abriu a boca para falar, mas pela falta de palavras fechou-a de novo. Resolveu apenas concordar com a cabeça, rindo surpresa com a ironia daquilo tudo e por não ter percebido antes. Um ano atrás, no Canadá, tinha ido assistir uma competição sua junto com Joe e Gwilym.
— Uau. Tem razão — disse por fim.
— Eu sinto sua falta — admitiu, gentilmente tomando a mão dela na sua após jogar a bituca do cigarro fora.
— , você tem namorada — jogou verde, mas manteve a mão parada.
— Não mais.
— Sabe, você tem que decidir o que quer. — Ela finalmente se afastou, levantando-se. — Eu não sou um brinquedo que você pode usar e depois colocar no canto para pegar de novo quando se entediar do outro. O que, aliás, não é o que Katriona é também.
— Ela mentiu para mim — ele explicou.
— E só por isso você voltou.
— Não! Eu sei que vai soar falso, mas eu já estava planejando deixá-la quando descobri as mentiras. O pai dela... Era tudo uma farsa. Dois vigaristas roubando meu dinheiro.
Apesar de absolutamente chocada e com vontade de demonstrar sua surpresa através da expressão, manteve o rosto impassível.
— Que conveniente. Ela mente e você volta rastejando, o quê, um dia depois?
suspirou demoradamente antes de encará-la com aqueles brilhantes olhos verdes.
— , eu terminei com ela sete meses atrás.
— Como é? — Antes imperturbável, agora franzia a testa em pura confusão.
— Não se tratava de orgulho, se é o que está pensando. Eu não quis dizer nada porque não era justo. Você estava prosperando e eu sozinho. Mas eu realmente senti sua falta. Apenas decidi dar um tempo para ver se meu amor por você iria embora.
— E...?
— Eu voltei porque não foi.
quis chorar ali mesmo, só não sabia bem se era de alegria, nervoso ou raiva. Quis gargalhar alto também e sair saltitando, escalar as paredes se pudesse, todas aquelas emoções inundando-a em questão de segundos. Lentamente, voltou para o lado de , já mais controlada e calma, e entrelaçou seus dedos nos dele.
— Não tem ideia de como isso é difícil para mim.
— Eu sei que é complicado. E é tudo culpa minha.
— , eu te adoro. — Aquela frase pareceu perfurar um buraco no coração do ator. Ela era um anjo, sim, o anjo da pequena morte. — Sinto muito pelo que aconteceu com você. E... com a gente. Suas intenções eram boas, apesar de, bem, você ter sido um pouco covarde também. — Ela estava certa, ele havia voltado para Katriona acima de tudo porque era mais seguro e familiar, então nem ousou se defender. — Não posso garantir que tudo será como antes, mas podemos tentar ser amigos de novo. Sei que não é o quer, mas é o que posso oferecer por enquanto.
De fato, apesar de ainda não ser o que ele queria por completo, não conseguiu deixar de sorrir. Só de tê-la por perto novamente, compartilhando histórias e saindo com ele, mesmo que acompanhados pelo resto do grupo, já seria perfeito.
— Na verdade, isso parece ótimo para mim — ele concordou e retribuiu o sorriso. — Vamos voltar para a festa?
O resto da noite seguiu sem mais eventos significativos; o grupo agora de seis continuou a beber e a dançar e tirou diversas fotos. Por certos motivos, não quis aparecer em todas e se contentou em ser o fotógrafo dos amigos – o que deixou Jules muito satisfeita.
Já em casa, após cada uma ter tomado um bom banho, contava para ela e Dana tudo o que havia acontecido enquanto estivera ausente, com Lucy ouvindo atentamente através do FaceTime.
— ! — exclamou Juliette. — Você se superou esse ano na base do ódio, o que vai fazer agora na base do amor?
gargalhou alto, genuinamente divertida com a constatação da amiga.
— Jules! Que horror. Primeiro: eu não venci na base do ódio, até porque não odiava ! Claro, fiquei muito abalada no início, mas isso não vem mais ao caso. Segundo: foi na base do amor que eu me superei. O seu amor. O de minha mãe. O de Olga e Andrey, o de Lucy e os meninos. Amor. — Tocou o nariz da amiga com o indicador.
Juliette fez uma careta e encolheu os ombros, bufando.
— É, não tem como discutir com uma lógica dessa. Sabe, bem feito para ele. Mas... — Estreitou os olhos. — E aquela história de que não é boa ideia voltar com o ex? Hein?
— Nós apenas vamos tentar ser amigos novamente.
— Sei...
não fazia ideia do que aquela reunião significava, se ela ao menos daria certo ou o que esperava pelos dois no futuro. Sabia apenas que estava feliz e mais realizada do que antes, tendo tirado um peso enorme dos ombros, pois mesmo que prosperasse nas competições, entrevistas e patrocínios, aquele detalhe sobre sua relação com , aquele pequeno rancor, ainda estivera lá à espreita. Mas não mais.
XIII. My Love Will Never Die
Ao entardecer daquela quinta-feira fresca, encaminhava-se para a Arena Wembley, onde aconteceria a première mundial de Bohemian Rhapsody. Originalmente previsto para o dia 23 de outubro, o evento havia sido adiado em pouco mais de uma semana por motivos de força maior. os desconhecia, mas sentia-se infinitamente grata por aquilo; afinal, caso a estreia ocorresse de fato antes da infame festa de Dia das Bruxas, ela e não teriam tido a oportunidade de esclarecer as coisas. Portanto, quando se encontraram no tapete vermelho – ou melhor, roxo – naquela noite, suas reações foram muito mais tranquilas.
Ainda assim, apesar de terem se tratado com mais naturalidade, ambos quase perderam o fôlego quando viram um ao outro. fez os olhos do ator brilharem ao sair do carro em um longo e sensual vestido preto de veludo com uma fenda que deixava sua perna direita à mostra. estava igualmente fantástico, mas isso não era novidade para a patinadora. Ele usava um costume da mesma cor, inteiramente preto, ornando paletó, camisa e calça social de forma perfeita. Mesmo sem terem combinado nada antes, lá estavam eles: combinando. Trocaram um abraço apertado e quiseram morar naquela mistura de perfumes que tanto amavam. Ao invés disso, logo se separaram e posaram para algumas fotos antes de ele guiá-la até a banda e o resto do elenco.
Na realidade, todos estavam absolutamente incríveis naquela noite. Gwilym em um conjunto todo azul que lhe caíra muito bem; Rami com sua calça social branca e camisa preta por baixo de um paletó também branco; Joe parecendo mais tradicional em seu terno e gravata vinho; e Lucy, que era uma verdadeira princesa em seu longo vestido rosa sem alças e cheio de babados na cintura e no decote, onde também havia um pequeno lacinho delicado.
— ! É ótimo tê-la aqui conosco, querida — Roger disse, puxando-a para um abraço quando esta se afastou depois de cumprimentar os amigos.
Era engraçado vê-lo sorrindo e sendo tão simpático com ela quando, apenas minutos antes, ele estivera posando completamente sério de óculos escuros. Era um tanto divertido também ver como ele e poderiam ser pai e filho, especialmente devido às cores idênticas de seus figurinos, embora com cortes bem diferentes. Em seguida, ela cumprimentou Brian e John – que parecia muito feliz e à vontade – e foi apresentada às respectivas esposas dos três, Sarina, Anita e Veronica.
Diversas outras celebridades também foram prestigiar a estreia do filme, mas tinha sua atenção somente nas que estavam ali com ela, com quem se sentia mais segura e confortável. Além disso, era difícil se concentrar em muito mais do que os repetidos flashes ofuscantes das câmeras – o que provavelmente explicava o motivo de Roger usar aqueles óculos escuros mesmo à noite –, sem mencionar o fato de que não parava de pensar em quão próxima estava do Estádio Wembley, onde o icônico Live Aid ocorrera em 1985. Como boa fã do Queen, já havia visitado o local onde a banda fizera história, mas isso não queria dizer que a sensação de excitação alguma vez sumiria.
— Nervosa? — Os dedos de , cujas pontas estavam geladas, lançaram um arrepio pela coluna de quando ele tocou a base de suas costas desnudas pelo vestido aberto atrás. O frio não era o culpado.
— Um pouco — admitiu ela, jogando o longo cabelo solto por sobre um dos ombros para disfarçar. — Não estive em muitos tapetes vermelhos na vida.
— Mas esteve em duas Olímpiadas — ele relembrou com uma piscadela. — O que deve dar muito mais frio na barriga. Além de ser mais maneiro.
— Tem razão. — Ela sorriu.
— Posso? — apontou para o colar brilhante que usava, pedindo para ajeitá-lo. Quando ela concordou, ele a tocou suavemente na curvatura do pescoço e depois na nuca, girando o fecho da joia para trás como devia ser.
Eles nem imaginavam o quanto aquela breve mas querida interação repercutiria no dia seguinte quando as fotos fossem divulgadas, mesmo que tenham tentado passar a noite um pouco afastados justamente para não alimentar boatos. Trocaram um sorriso e logo foram chamados para mais algumas fotos juntos do elenco, da banda e da produção antes de irem assistir a primeira exibição oficial de BoRhap.
Em uma das cenas mais cômicas do filme, durante o aniversário de Freddie Mercury, o personagem de , o jovem Roger Taylor, dava em cima da irmã de Freddie, perguntando-a o que ela faria depois dali. Foi somente quando ela respondeu "dever de casa" que finalmente entendeu o que quisera dizer cerca de um ano atrás, durante aquela icônica noite no The Dolphin. Eles se olharam discretamente a alguns assentos de distância e riram baixo de uma piada que apenas os dois entendiam. As coisas estavam voltando a ser como antes rapidamente. Ou pelo menos era o que pensavam.
Por volta de duas semanas depois, , , Joe, Lucy e Rami estavam reunidos na casa de Gwilym para uma noite de diversão, bebidas e jogos, uma vez que os atores finalmente haviam conseguido uma brecha das responsabilidades de Hollywood – principalmente , que estivera engatado nas gravações de outro filme, chamado 6 Underground, desde o meio do ano – e a patinadora havia dado uma pausa nos treinos.
O lar do ator havia sido preparado cuidadosamente para a ocasião: geladeira cheia de latas de cerveja, garrafas de vodca, tequila e derivados; o Xbox One ligado para que pudessem aproveitar os melhores jogos de festa; os móveis da sala afastados para dar mais espaço a todos e até alguns travesseiros e cobertores foram separados para acomodar os amigos caso eles decidissem ficar para dormir. Realmente, Gwilym estava mais do que feliz em recebê-los.
Horas mais tarde, enquanto os outros falavam alto e riam com Trivia Murder Party, e Rami, que já haviam sido eliminados do jogo, estavam na cozinha preparando drinks de vodca com água gaseificada e muito gelo para o grupo que queria variar depois de tantas latas de cerveja.
Quando retornaram para a sala e todos já estavam com seus respectivos copos de bebida, brindaram alegremente. Foi então que Rami zombou de uma resposta errada que Gwilym havia dado no jogo de perguntas, sendo assim também eliminado.
— Desculpe, você não foi o primeiro a sair do jogo? — Gwilym ironizou, fazendo o amigo erguer as mãos em rendição.
— Ei, pegue leve com o Rami — pediu , mas logo emendou uma provocação, iniciando subitamente uma batalha cultural entre norte-americanos e ingleses no recinto: — Ele é do tipo que chama futebol de soccer.
Rami riu.
— Eu nunca mais assisto à Copa do Mundo com você.
— Em defesa de Rami e nosso tipo — interveio —, só existe um futebol e ele é jogado com as mãos.
— Você não sabe o que quer dizer o "foot" em football, ? — Gwilym ergueu uma de suas longas pernas e apontou para o próprio pé, provocando a amiga, que acabou rindo.
— É, handebol é jogado com as mãos — disse . — Eu não sei o que é aquilo que vocês jogam no Super Bowl, mas definitivamente não é futebol e... Que porra é soccer? — Ele fez uma careta engraçada.
Aquilo gerou uma gargalhada geral, até mesmo dos americanos presentes. Com a chegada de ao grupo, a divisão ficava exata: ela, Rami e Joe representando os Estados Unidos, enquanto , Gwilym e Lucy representavam a Inglaterra. Apesar de essa última ter nascido em Nova Iorque, havia sido criada a vida inteira em Londres, portanto sua bagagem cultural era majoritariamente britânica.
— Perfeito, então temos dois times para competir hoje! — sugeriu Joe. — Vamos ver quem ganha ao final da noite?
— Seria ótimo vencê-los, mas em uma batalha justa — respondeu Gwilym. — Allen está vindo para cá e vocês ficariam em menor número.
— Ele é irlandês, não conta — relembrou Lucy.
Não demorou muito para Allen Leech chegar, um pouco atrasado por questões pessoais e com ainda mais álcool para compartilhar. Apesar de estar com as roupas e o cabelo levemente molhados e parecer um pouco desarrumado pelo vento, tinha um enorme sorriso no rosto.
— O que aconteceu com você? — questionou .
— Está começando a chover — ele explicou. — Não viram as notícias? Vai cair uma tempestade absurda em pouco tempo. Ainda bem que cheguei logo.
Allen foi rápido em servir-se de uma bebida e tirar o casaco que por pouco não ficara encharcado, já que a chuva começava a se intensificar do lado de fora. Ficou decidido que ele seria o juiz das competições contanto que não roubasse para os companheiros britânicos e, enquanto ele sacudia o cabelo para secá-lo mais rápido, notou pela primeira vez como ele era bonito.
Após alguns copos de vodca, latas de cerveja e doses de tequila, o inesperado aconteceu. Os trovões ribombando no céu noturno e iluminando tudo a cada alguns minutos já deveriam ser um indicativo de que aquilo poderia ocorrer, mas ninguém de fato imaginava que a energia fosse acabar em toda a rua. Estavam tão animados e despreocupados que nem mesmo ligaram para o fato da luz ter piscado várias vezes.
Gritos bêbados e divertidos encheram a casa de Gwilym quando tudo ficou escuro de repente e ele precisou de um momento para se recuperar de tanto rir antes de sair para buscar velas e lanternas. e Lucy estavam bem próximas, de mãos dadas e cochichando alguma coisa, rindo baixo logo em seguida. Rami e apenas se entreolharam sem entender, mas acharam a cena fofa e engraçada.
Quando Gwilym retornou, a atmosfera na sala parecia a de um acampamento de férias onde um grupo de adolescentes se reunia ao redor da fogueira para contar histórias de fantasmas. Ele não foi o único a notar isso e, por esse mesmo motivo, Lucy sugeriu que jogassem Eu Nunca; afinal, de acordo com a companhia elétrica, não havia previsão de retorno da energia.
A primeira pergunta foi de Joe.
— Eu nunca tive a casa assaltada!
Gwilym foi o único a tomar um gole e , aparentemente a única que não conhecia a história, ficou boquiaberta enquanto todos riam.
— Essa casa?
— Sim, mas isso já tem quatro anos e nunca mais aconteceu, pode ficar tranquila — disse ele.
— Claro, não é nada demais descobrir isso enquanto estamos literalmente isolados de qualquer comunicação com o mundo exterior, sentados na escuridão dessa casa enorme — ela comentou, rindo de nervoso.
O nível das próximas perguntas foi aumentando aos poucos e elas foram ficando cada vez mais picantes e polêmicas. Porém, foi só pouco antes da meia-noite que as coisas realmente esquentaram, e se isso era bom ou ruim dependia somente da perspectiva de cada um.
Àquele ponto, eles já haviam migrado de Eu Nunca para Verdade ou Desafio. Foi quando uma ideia maligna surgiu na mente de uma Lucy Boynton bastante embriagada. A garrafa havia parado entre ela e , de modo que ela deveria escolher o desafio a ser feito pela amiga. Um silêncio embaraçoso recaiu sobre o grupo quando ela falou.
— , eu te desafio a beijar o Allen. Quer dizer, se ele concordar, é claro.
Allen arregalou os olhos e ergueu as sobrancelhas ao encarar de uma garota a outra, tão surpreso quanto o resto dos rapazes. Ele olhou de soslaio para , que desviou o olhar e fingiu um interesse repentino pela barra da própria calça. Seria difícil descrever a reação exata de Gwilym, Joe e Rami, pois era um misto cômico de "caramba, ela fez isso mesmo" e "Jesus, eu quero ir embora". Enquanto isso, Lucy exibia um sorriso leviano de canto, e estava lá apenas existindo, aguardando a resposta de Allen. Decidiu mentalmente que aceitaria qualquer resultado.
Ela e eram amigos novamente, sem dúvidas, mas por enquanto eram somente isso, nada mais. Eles não namoravam. estava solteira e poderia beijar quem quisesse, assim como ele se assim desejasse. É claro que a situação teria sido bem diferente se estivessem sóbrios. Para começar, Lucy não teria proposto aquele desafio. não teria notado como Allen era tão atraente. E ele não teria percebido o quanto seu corpo inteiro precisava ceder à ordem de Lucy e beijar naquele momento.
Havia um pouco de ordem no caos do desafio de Lucy, embora os outros não tivessem notado. Ela nunca teria desafiado a beijar qualquer um dos outros disponíveis ali. Rami era seu, e Joe e Gwilym eram extremamente grudados a , praticamente melhores amigos. Allen era perfeito. Um parceiro de cena que não era tão próximo assim e não saía sempre com o grupo, então ela imaginou que não faria muita diferença ou traria muitos ressentimentos.
— Ok. Vamos — disse Allen, puxando para um beijo que começou suave e se tornou intenso em pouco tempo.
Ele era provavelmente o cara mais velho que ela já havia beijado – quatorze anos de diferença, nada menos que isso. Com eram apenas quatro. No entanto, isso não queria dizer nada: Lucy era mais nova que Rami por treze anos.
Iluminados pelas chamas das velas, a cena até que era sensual e durou cerca de um minuto. No instante seguinte, porém, parecia que nunca havia ocorrido e todos continuaram o jogo tentando agir o mais indiferente possível. Allen e remexiam-se desconfortáveis em seus lugares e estava vermelha como um pimentão. Juliette teria amado ver aquilo.
A tempestade seguia castigando os telhados das residências. Seus trovões ensurdecedores e relâmpagos que transformavam a noite em dia por alguns segundos, somados à quantidade de álcool que os sete haviam ingerido tornavam tudo um tanto surreal. Sentiam que estavam em um universo paralelo, embora no dia seguinte viessem a descobrir que não. Pelo menos poderiam colocar a culpa na bebida, certo?
De repente, um barulho de explosão veio da entrada da casa e Gwilym levantou correndo para verificar, sendo seguido de perto por Joe caso precisasse de ajuda. Ao mesmo tempo, o celular de Lucy tocou e ela se afastou para atender, levando Rami consigo. Como resultado da pior ironia do mundo, se viu sozinha com e Allen. Entretanto, não demorou muito para levantar-se também, e de forma brusca, saindo de cena enquanto resmungava que não queria atrapalhar nada. então pediu licença a Allen e seguiu o outro rapaz até a cozinha.
— Ei, o que foi aquilo? — perguntou ao alcançá-lo. apenas rolou os olhos enquanto abria mais uma lata de cerveja.
— Nada. Apenas não quis ficar sobrando e vim beber mais um pouco.
— Sério? Sobrando? Não tem nada rolando entre Allen e eu.
— Não foi o que pareceu — debochou.
— Foi só um beijo estúpido — explicou, embora não lhe devesse aquilo. — Eu não planejei isso, foi ideia de Lucy. Estávamos todos jogando, não? Você poderia ter recebido um desafio similar.
— Sério, ? — O jeito como ele pronunciava seu nome ali não lhe agradava. — E quem eu beijaria? Joe? Gwilym?
Ela deu de ombros.
— Se quisessem.
— Não seja ridícula.
— Como é?
— Eu só acho que... Você poderia ter dito não.
— Por quê?
— Porque sabe como me sinto em relação a você.
— O engraçado é que você também sabia como eu me sentia sobre você. — ergueu uma sobrancelha. — E tenho certeza que o que fez com Katriona foi muito pior do que um beijo.
riu sem humor.
— Então foi vingança. Incrível. Sente-se melhor?
— Não foi vingança. — Suspirou. — E não, não me sinto nem um pouco melhor.
Os dois continuaram trocando farpas e discutindo em voz alta, pouco se importando se o resto do grupo os ouviria ou não. Mesmo com a tempestade lá fora, suas vozes eram bem audíveis – ambos pareciam gritar e sem dúvida alguma estavam irados. Até que foram interrompidos. Não por um dos amigos, mas por uma enorme árvore que atravessou a janela e espalhou cacos de vidro por toda a cozinha, assim como levou a ventania e a chuva para dentro, molhando-os.
Apesar de irritado, a primeira coisa que fez depois do susto foi checar se estava bem. Eles apenas se encararam sem dizer uma palavra, um de cada lado do gigantesco tronco, mas estavam aliviados por não terem tido um arranhão. Lucy, Rami e Allen correram até lá para ver o que tinha acontecido.
— Eu deveria ir — decidiu e esbarrou nos três recém-chegados ao passar em direção à saída.
Sentindo-se tonta, pegou sua bolsa e encontrou os outros dois do lado de fora, sob um guarda-chuva na calçada e verificando o interfone de Gwilym que havia explodido devido à falha de energia.
— Está tudo bem, ? — perguntou Joe. — Aonde vai?
— Isso foi um erro. — Sacudiu a cabeça. Atrás dela, vinha apressado.
— , pare.
— Não, . Não deveríamos ser amigos de novo. Claramente não está funcionando.
— A culpa foi minha, ok? — disse, segurando-a pelos ombros.
Joe e Gwilym voltaram para dentro em silêncio enquanto a dupla que discutia ficava cada vez mais ensopada da cabeça aos pés sob a tempestade. O cabelo molhado de grudava em seu rosto e começava a tremer de frio por conta das roupas geladas que colavam no corpo.
— Eu não sou mais quem era — continuou. — Costumava te trazer alegria e hoje só te deixo para baixo. Isso acaba comigo. Mas se você estivesse no meu lugar naquela época... Era uma escolha quase impossível e eu acreditei ter tomado a certa. Achei que perderia no final de qualquer forma. Agora sei que havia uma escolha que eu poderia ter feito onde teria ganhado.
— Você é a única vítima do que fez.
— Sim. E mereci o que aconteceu hoje.
— Bom, não foi minha intenção — repetiu, dando de ombros. — Mas se serviu para alguma coisa... Ótimo. — Cruzou os braços.
— Não acha que já recebi o suficiente? Não acha que já fui punido o suficiente?
Foi a vez dela rir sem qualquer humor.
— Acha que estou te punindo? Se estou punindo alguém, é a mim mesma. E nem sei o porquê. Eu não fiz nada, mereço ficar com alguém que amo. Então porque estou impedindo a mim mesma disso?
— O que quer dizer? — franziu a testa, tentando falar mais alto que o vento bruto e a água que caía furiosamente.
— Sabe o que quero dizer.
— Não, não sei.
— Acha que era Allen quem eu queria ter beijado lá dentro?
se sentiu péssima por ter proferido aquelas palavras. Ainda bem que ninguém além deles estava ali para ouvir, pois Allen era um homem incrível, bonito e talentoso que não havia feito nada de errado e não merecia ser subestimado. O beijo também não fora nada ruim, muito pelo contrário. Mas ele não era . E ela soube que tinha acabado de se entregar.
Sem resposta, desviou do toque de , deu as costas e continuou sua caminhada para a rua, onde pretendia sinalizar para um táxi.
— Me mostre — ouviu-o dizer atrás de si.
— O quê?
— Vamos, me mostre.
— Não vamos fazer seu jogo — ela respondeu, olhando-o por cima do ombro.
— Medrosa.
voltou-se para ele, debochando.
— Ah, isso é lindo vindo de você.
— Vamos, do que está com medo?
sorria, umedecendo os lábios com a língua e encarando provocantemente na intenção de levá-la ao limite. No entanto, não o fazia para ser um babaca e sim porque estava feliz em saber que ela sentia o mesmo. Apesar de tudo, ela ainda o queria – só estava com medo.
Ele quis puxá-la para um beijo na chuva, mas não sem sua permissão. Ao mesmo tempo, não queria pedir pois sabia que ela negaria por pura teimosia, então resolveu apelar para os instintos de . Dessa forma, ela mesma poderia tomar a iniciativa e beijá-lo pela primeira vez em quase um ano. Se realmente quisesse. só não imaginava que funcionaria.
— Eu prometo, não há porque ter... — continuou, mas não conseguiu terminar.
cruzou a distância que os separava em dois longos passos.
— Cale a boca.
Seus lábios se chocaram com força, mas foi prazeroso. tomou com cuidado o rosto de nas mãos para guiar o beijo, e ela não hesitou em seguir. Toda aquela atmosfera de tensão logo se dissipou sob as pesadas gotas de chuva que caíam sobre eles e escorriam pelos corpos unidos em um quase abraço. Estavam tão juntos que pareciam que iam se fundir ali mesmo.
também mantinha as mãos no rosto de ; era como se estivessem com medo de soltar e perceber que não poderiam ter aquilo de novo. Ambos estavam de olhos fechados com força, focando somente no toque de seus lábios e línguas em perfeita sintonia. Quando perceberam que precisavam recuperar o fôlego, simplesmente ignoraram e, ao invés disso, aprofundaram o beijo. Era quase desesperador o quanto necessitavam daquilo, toda aquela vontade beirava a loucura.
— ... — sussurrou ofegante quando se afastaram por um instante. — Não posso.
— Shhh — ele pediu, ainda segurando seu rosto e encostando a testa na dela. — Pare de se sabotar. Vamos voltar lá para dentro, eles devem estar preocupados.
— A janela! — sobressaltou-se, lembrando do estrago que a árvore causara.
— É, isso também. — riu. — Vamos ajudar o Gwil.
Porém, quando entraram, não havia muito o que qualquer um dos sete pudesse fazer. Gwilym já havia ligado para as autoridades responsáveis e o que lhes restava era esperar. Portanto, e trataram apenas de trocar suas peças de roupa por algumas emprestadas do anfitrião, uma vez que seus amigos ficaram preocupados de pegarem uma gripe.
A noite terminou por ali. A energia voltou e todos auxiliaram Gwilym na arrumação depois que a árvore foi removida, inclusive pregando tábuas de madeira no espaço aberto da parede da cozinha enquanto ele não conseguisse reformar a janela. Passar a madrugada tendo todo aquele trabalho foi um ótimo exercício de sobriedade. Horas depois, prestes a amanhecer, todos estavam aconchegados na sala, divididos entre colchonetes e o sofá-cama.
— Então... — Joe falou baixinho. — Qual time ganhou?
Vaias e reclamações ecoaram pelo lugar, mas todos também riram antes de ficarem finalmente quietos e caírem em um sono profundo.
XIV. Shrike
Lily "" (Detroit, Michigan, 1 de janeiro de 1995) é uma patinadora artística americana.
Ela disputou por duas vezes os Jogos Olímpicos, sendo medalhista de bronze em 2014 e ouro em 2018; é tricampeã do campeonato nacional americano de 2014, 2015 e 2018 e também conquistou a medalha de ouro no Campeonato Mundial de 2016 e de 2018. Em 2018, foi campeã na Final do Grand Prix de Patinação Artística no Gelo. foi a primeira mulher americana a realizar o salto Axel triplo em uma competição olímpica. é também a primeira e única mulher americana a vencer um título do NHK Trophy.
Pelos recordes quebrados e vitórias mundiais no ano de 2018, levou o prêmio Esportista do Ano pela Women's Sports Foundation e o Prêmio Laureus do Esporte Mundial de melhor atleta feminina do ano. Além disso, também foi escolhida como atleta feminina do ano nos Prêmios Teen Choice.
Vida pessoal
nasceu em Detroit, no estado de Michigan. Sua mãe é americana e seu pai era inglês.
Em novembro de 2017, rumores sobre um possível relacionamento entre e o ator inglês surgiram. Nada foi confirmado e no fim de janeiro de 2018 reapareceu com a ex-namorada Katriona Perrett. Em outubro do mesmo ano, e alegadamente se reaproximaram sem oficializar nada.
Em seu quarto de hotel, a campeã olímpica, bicampeã mundial, tricampeã nacional e campeã da Final do Grand Prix não pôde deixar de sorrir com a atualização em sua página do Wikipédia, mesmo tendo a menção de seu "suposto" namoro, término e retorno com . Pelo visto, sua imagem nunca deixaria de ser associada à dele e isso a irritava um pouco. Quando ainda estavam trabalhando para fazer a amizade dar certo não era tão ruim, mas desde a fatídica noite da tempestade os dois haviam começado um tipo diferente de relação e ela acreditava que não era uma que valesse a pena ser gravada em uma biografia.
não tinha certeza se poderia chamar o que tinham de amizade colorida, uma vez que sexo ainda não fazia parte da equação. Eram basicamente bons amigos que se beijavam sempre que se encontravam. Se beijavam tanto que às vezes as bocas ficavam doloridas. O pensamento a fez rir ao mesmo tempo em que ouviu o chuveiro no banheiro ser desligado. Aleluia, Jules já estava demorando demais.
Em outras notícias, Allen passou um tempo sem sair com o grupo, mesmo após ter resolvido as coisas com sem qualquer ressentimento envolvido. Ele optou até mesmo por ficar de fora do amigo secreto de Natal que planejaram, mas isso tinha mais a ver com um affair que ele havia engatado com uma atriz ainda desconhecida do que qualquer outra coisa.
E por falar em Natal, estava passando por uns bons perrengues para conseguir o presente perfeito para seu amigo secreto, que – por ironia do destino – era . Como bem sabia, assim como qualquer pessoa que passasse pelo menos alguns minutos conversando sobre futebol com o rapaz, ele era muito fã de um ex-jogador chamado Thierry Henry.
Henry havia jogado no time do coração do ator – o Arsenal, da Inglaterra – por muitos anos e se tornado um ídolo por lá. No clube, atingiu seu auge e passou a ser o maior goleador da equipe por diversas temporadas. Por conta disso, pretendia presentear com uma camisa da temporada de 2001 a 2002, autografada pelo seu herói da infância.
Julgava que, por ambos serem atletas famosos, o contato seria conseguido mais facilmente e, bem, não estava errada. A parte mais difícil fora arranjar a camisa, mas tinha que admitir que errar o local onde Henry seria encontrado também foi bem complicado. Por sorte, ela já havia passado por todas as competições do ano vigente, então lhe sobrara tempo para realizar aquela façanha. Após conseguir sua última medalha de ouro de 2018, voou de Vancouver diretamente para Mônaco na companhia de Juliette.
— , você não sabe que muitos clubes não treinam no próprio estádio? — Jules perguntara no momento em que deixavam o Louis II, frustradas.
— Não! Eu sou uma patinadora artística, futebol não é bem minha área. — Bufou. — Se você sabia, porque não disse nada antes?
— Você me intimou a vir e estava tão certa de que o encontraria aqui, eu apenas te segui. Mas pense pelo lado positivo, pelo menos já temos a camisa em mãos!
— Não graças a você — implicou.
— Ei, eu jurava que aquele cara era confiável. Bom, o que importa agora é que você percebeu o golpe e conseguiu a original. Acho que o assustou tanto que ele nunca mais vai tentar passar a perna em ninguém — Jules disse e começou a rir, recordando-se do momento.
Alguns dias antes, havia ficado simplesmente irada ao abrir o pacote na frente do vendedor que Jules encontrara na internet e constatar o pior: aquela não era a mesma camisa vista em fotos antes compartilhadas. No entanto, ele realmente possuía a original, uma vez que a estava vestindo nas selfies postadas na página de venda. Assim, em troca de não ser exposto pela patinadora por conta daquela tentativa podre de golpe, levou as duas até a original, vendendo-a por um valor ainda maior do que merecia receber.
— Acho que foi a primeira vez que eu abusei da minha influência como celebridade. — riu em resposta.
— Eu sei! — Jules arregalou os olhos comicamente. — Estou até hoje esperando por uma volta de jatinho.
— É, isso nunca vai acontecer.
Por fim chegaram à França – o local correto – dias depois. Era início de tarde quando e Jules desceram do táxi na Avenida du Cap-d'Ail em frente ao centro de treinamento do Mônaco, atual clube onde Henry atuava como técnico. Após se identificar e explicar tudo, o homem foi nada menos do que gentil e simpático com ambas, que aproveitaram para tietá-lo. Além do autógrafo, ele também se propôs a gravar um vídeo enviando uma mensagem legal para .
— Deus, ele vai surtar com isso, eu tenho certeza! — comentou no caminho de volta ao hotel, dando alguns pulinhos de alegria. — Ainda bem que não tinha nenhum paparazzo por perto, odiaria estragar a surpresa.
Jules apenas ofereceu um sorriso de canto e sacudiu a cabeça em resposta, enfiando as mãos já enluvadas no bolso da jaqueta na tentativa de se proteger ainda mais do frio europeu. Ainda não aceitava por inteiro o novo relacionamento casual que engatara com no último mês e considerava aquilo tudo um esforço demais por um cara que quebrara seu coração de forma brutal nem um ano atrás. A única certeza que tinha era que ele não estava com apenas por interesse sexual, o que já era um ponto positivo. De qualquer maneira, por mais que tivesse suas reservas, Jules sempre apoiaria a melhor amiga em sua busca pela felicidade e estaria pronta para segurá-la quando necessário.
Novamente, o lar de Gwilym fora o lugar escolhido para a reunião dos seis amigos inseparáveis. Dessa vez, para a celebração de Natal e realização do tão esperado amigo secreto, ele havia decorado a casa da maneira mais bela possível, com adornos nos tons de vermelho, branco e verde. Havia inclusive alguns viscos espalhados pelo lugar; pelo visto, Gwilym quisera criar uma atmosfera aconchegante e cheia de amor. Não à toa, quando chegou arregalou os olhos em admiração e sorriu, ainda levemente boquiaberta, com a grandiosidade de tudo.
— Gwil, isso está incrível! — ela comentou entusiasmada enquanto tocava com cuidado as folhas da enorme árvore montada na sala. Logo em seguida, trocou um abraço forte e caloroso com o anfitrião, então com Joe, Lucy e Rami. O único que ainda não havia chegado era .
Os presentes já se faziam notar debaixo da grandiosa árvore de Natal, decorada com os pingentes mais delicados e com direito a uma elegante estrela brilhante no topo.
— Alguém tem notícias de ? — perguntou em certo ponto, já preocupada com o atraso do... amigo.
Gwilym e Joe se entreolharam, travessos, mas quem respondeu foi Rami.
— Ele acabou de me mandar uma mensagem dizendo que já está chegando.
Aquilo deixou a patinadora um pouco mais tranquila, o que proporcionou o estado de espírito relaxado e despreocupado ideal para surpreendê-la com uma música do Queen, que começou a soar em algum canto da sala. Pelo que parecia, Gwil ativara alguns alto-falantes Bluetooth por ali. O motivo ela só foi entender quando Frankie, a adorável beagle de , surgiu correndo em sua direção. Depois foi quem surgiu de repente, cantando, junto com Freddie Mercury, a música It's A Hard Life. era fascinada por todas as músicas da banda, mas aquela era uma de suas preferidas.
Ela falava sobre relações que chegavam ao fim, corações partidos e situações complicadas cuja culpa era somente de quem cantava – naquele caso, –, além de mencionar como a vida era difícil para amantes verdadeiros; pessoas que realmente se amavam e precisavam confiar umas nas outras apesar de tudo. A letra se aplicava tão diretamente ao relacionamento de e que, junto àquela performance amadora do rapaz, a levou às lágrimas misturadas com um riso entretido.
Enquanto ele cantava, fazia carinho em Frankie e não pôde deixar de notar o quão adorável e sincero ele soava. Lucy gravava o momento para a posterioridade filmando-o em seu celular e sorrindo abertamente, assim como os outros rapazes, que também assistiam a tudo encantados apesar de claramente já terem conhecimento prévio do que aconteceria. Quando o pequeno show particular chegou ao fim, se ajoelhou.
— Quando penso em minha vida no futuro, só consigo imaginá-la com você — disse ele naquele sotaque inglês perfeito. — Se me der essa chance, prometo nunca mais desapontá-la. Nunca. Se o sol algum dia se recusar a brilhar, ainda te amarei. E espero que tenha gostado da apresentação, porque minha vontade agora é cantar meu amor por você o tempo todo. — Ele sorriu. — Você me inspira e me faz querer ser alguém melhor todos os dias, me faz querer dar cem por cento de mim. Lily ... Aceita ser minha namorada pela segunda vez? Oficialmente dessa vez — consertou rapidamente enquanto os outros soltavam uma leve risada.
mastigou o lábio inferior por um breve minuto, sorrindo feito uma tola e sacudindo a cabeça admirada. Não conseguia acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo. Desviou o olhar para Frankie e fingiu ter uma conversa profunda com a beagle antes de voltar os olhos, que brilhavam, para cima novamente. Recitou o nome todo – sem ser o artístico – de e finalmente o respondeu.
— É claro que aceito. Por acaso você mencionou a letra de Thank You do Led Zeppelin no meio dessa declaração?
Ele abriu um largo sorriso.
— Eu sabia que você era a mulher da minha vida.
O beijo que se seguiu poderia facilmente pertencer a um filme. Os outros quatro aplaudiram e Frankie pulou alegremente nas pernas do casal recém-reatado. Até mesmo Juliette teria se derretido com a cena e deixado de desconfiar das intenções de .
— Certo, certo — disse Joe após o beijo. — Será que podemos entregar os presentes agora?
A primeira foi .
— Meu amigo secreto é alguém muito especial para mim — começou. — Alguém que eu adoro ter por perto e... Alguém que me surpreendeu muito nesses últimos meses. Especialmente hoje. — Riu.
Quando recebeu a camisa autografada por Thierry Henry, ele realmente surtou, como ela havia previsto.
— ... — ele inspirou fundo. — Você realmente foi até o meu herói da infância e pediu que ele autografasse uma camisa do Arsenal da temporada de 2001 a 2002 para mim. Especialmente para mim. O maior artilheiro do Arsenal e da seleção francesa. Puta merda, eu te amo — declarou por fim e a abraçou fortemente, muito feliz. Quando viu a mensagem gravada por Henry no celular da namorada, foi à lua mais uma vez.
Os outros presentes foram os seguintes: doou milhas para Joe em sua companhia aérea para que ele escolhesse o próximo destino de sua viagem; Joe deu a Lucy uma bolsa Prada exclusiva; Lucy deu a sua alma gêmea, Rami, um suéter da Tommy Hilfiger; Rami presenteou Gwilym com um quadro conceitual para sua casa; e Gwil deu a um LP do Night at the Opera autografado por Roger, Brian e John.
O grupo então ceou ao som da música Thank God It's Christmas, do Queen, que tocava baixinho, no volume perfeito para embalar a sintonia na qual os seis se encontravam. Entre risadas, bebidas, piadas idiotas e conversas profundas, eles encerravam a noite em frente à lareira. Dessa vez, tinham a certeza de que o ano seguinte seria perfeito.
XV. Talk
Ah, a temporada de premiações! Apostas, festas e entusiasmo cercavam Hollywood e seus adoradores. Antes disso, porém, com tendo finalizado as gravações de 6 Underground e prosseguido com seu pequeno recesso de fim de ano, os dois passaram o réveillon juntos mais uma vez. Era curioso como, por mais que 2018 tivesse sido um ano conturbado para os dois, em todos os sentidos da palavra, ao final do último mês, na virada para 2019, eles estavam juntos novamente. ainda se lembrava, divertida, de como Juliette a ficara chamando de “Senhora Voltar-Para-O-Ex-É-Uma-Péssima-Ideia” apenas para provocar, por vários dias.
As semanas que se seguiram ao pedido oficial de namoro praticamente tiveram como trilha sonora a música do Queen chamada I Was Born to Love You. a mostrara para certo dia e ele acabara se viciando, ouvindo sempre que podia. Se fizessem um compilado dos momentos que haviam passado desde o Natal até o início de janeiro, aquela seria a música de fundo mais apropriada – especialmente pela letra e o sentimento que transmitia.
Naquela manhã fria de janeiro, após aterrissar no aeroporto Bob Hope, mais comumente conhecido como Hollywood Burbank, pegou carona com um motorista de aplicativo até Beverly Hills e seguiu direto para o hotel onde encontraria e ficaria hospedada com . Ele já havia feito o mesmo caminho no dia anterior, para que não atraíssem ainda mais atenção da mídia viajando juntos. É claro que isso também significava, infelizmente, que ela não compareceria ao Globo de Ouro naquela noite.
vestia o moletom com capuz que ganhara de em seu aniversário de 24 anos, alguns dias antes, e trazia estampado na frente um desenho fofo de Simba e Nala. O Rei Leão era um dos filmes que o ator mais gostava e, quando assistiram juntos, chegaram à conclusão que eram como aquele casal de felinos selvagens – que inclusive eram os animais favoritos de , como provava a tatuagem do rosto de um leão que ele possuía no interior do braço.
Os dois passaram pouco tempo juntos naquela tarde, apenas comendo besteiras e conversando até o relógio marcar a hora de se arrumar.
— Tem certeza que não quer ir? — ele perguntou em certo ponto.
— assentiu com uma risada nasalada. — E mesmo que não tivesse, agora já não há mais tempo para me preparar.
— Tenho certeza que conseguiríamos dar um jeito. A Lucy... — ele tentou.
— Ei, está tudo bem — ela o interrompeu, a expressão serena. — De verdade. Sei que fui à première e tudo o mais, mas... Eu prefiro assim. Pelo menos por enquanto.
Eles deram as mãos por um breve instante, sorrindo um para o outro, até que precisou lidar com as responsabilidades e se levantou. Após estar totalmente pronto, chamou a atenção de ao retornar para o quarto com o cabelo loiro penteado jogado para trás e vestindo terno e gravata pretos; um conjunto bem tradicional que lhe caía muito bem.
Ela ficou maravilhada com a beleza do namorado, como sempre, sem nem imaginar que ele também a admirava de onde estava. Mesmo que agora ela estivesse sem qualquer maquiagem, usando roupas largas típicas de ficar em casa e o cabelo repuxado em um coque bagunçado no topo da cabeça, para aquele era o epítome da beleza – por mais clichê que pudesse soar.
— Você está perfeito! — levantou-se da cama em um pulo, correndo até ele para deixar um beijo cauteloso em seus lábios.
— Posso dizer o mesmo de você — ele disse em resposta. — Ei, que cuidado é esse? — Ergueu uma sobrancelha ao notar que ela evitava beijá-lo com vontade.
— Não quero estragar seu visual, bagunçar ou algo do tipo.
— Por favor — bufou em zombaria. — Por favor, estrague.
Dito isso, a pegou no colo de súbito, o que fez soltar um gritinho, andou até a cama segurando-a por cima de um dos ombros e a jogou de volta no colchão macio, enchendo-a de beijos no rosto e pescoço. Aquilo fez os dois rirem e logo em seguida ele a olhou com zelo e desejo enquanto ainda a mantinha deitada sob seu corpo.
— Vai me esperar acordada? — perguntou.
— Isso depende... — respondeu com um olhar ladino e mordeu o lábio inferior. — Qual seria o motivo?
— Quero fazer algo especial quando chegar.
Ela sorriu mais tímida então, sem mostrar os dentes, e assentiu.
— Eu espero.
Foi aí que ele a encheu de beijos mais uma vez e conseguiu fugir, de brincadeira, quase sem fôlego de seu abraço.
— Ok, você tem que ir agora! — arfou, rindo.
— Selfie antes de eu sair? — se olhou no espelho e consertou a posição da gravata, então se aproximou e tomou seus pulsos para ajeitar as abotoaduras. Logo depois pegou o celular enquanto soltava os longos cabelos e os jogava para um lado. e colaram os rostos e ainda estavam sorrindo apaixonados como na foto mesmo após o flash disparar. — Nos vemos mais tarde — ele prometeu, beijando-a uma última vez.
É claro que, por mais que não marcasse presença física na premiação, não deixaria de assistir pela TV. Porém, enquanto o programa não começava, ela separou um tempinho para realizar alguns rituais pessoais de beleza, como tomar um banho extra caprichado, depilar o que julgava necessário, hidratar a pele e passar uma boa quantidade de perfume.
Durante o evento, Bohemian Rhapsody levou o prêmio de melhor filme e Rami o de melhor ator, e ela vibrou tanto junto com os outros, mesmo que de longe, trocando algumas mensagens de texto com e os amigos. Já ao final do programa e após algumas taças de vinho, começou a enviar fotos provocantes para – sensuais no ponto exato para atiçá-lo e ao mesmo tempo não arruinar a surpresa.
Já era certo que ele não se demoraria na after party, mas após aqueles anexos sua passagem pela festa, que já seria reduzida, se tornara ainda mais efêmera. Bebeu mais um pouco de champanhe e se despediu risonho de Rami, Lucy, Joe e Gwil, que lhe lançavam olhares e sorrisos astutos, conscientes do motivo de tamanha pressa para ir embora.
No caminho de volta para o hotel, já sentia a excitação tomar conta de seu corpo, ajeitando freneticamente a calça social que começava a ficar apertada demais nos lugares certos. Analisou o próprio reflexo no espelho do elevador chique, arrumou o cabelo e conferiu o hálito antes de caminhar pelo corredor até o quarto onde o esperava.
Assim que entrou, notou algo diferente no ambiente. As luzes estavam mais baixas, havia algumas velas aromáticas acesas e uma música que ele não reconheceu tocava baixinho ao fundo. Quando fechou a porta atrás de si, teve a visão perfeita de sentada sobre a cama de uma maneira muito sensual e vestindo um robe de cetim branco. Ela o olhou com um sorriso travesso, um pouco tímido e divertido pela expressão que o namorado fez, mas também cheio de desejo.
— Oi — disse em voz baixa.
— Oi — ele respondeu, completamente atônito e respirando fundo, sentindo a pulsação bastante familiar dentro da calça se intensificando.
Com isso se levantou, desfez o nó que prendia o robe e deslizou o cetim por seus braços, deixando-o cair no chão sem som algum. Por baixo, vestia um lingerie da cor do vinho tinto, com direito a cinta-liga e meias 7/8. soltou um “wow” quase inaudível, o que a fez dar uma leve risada. Ele se aproximou com cautela, mas mal teve tempo de absorver toda a beleza da namorada antes de ser puxado pelas lapelas e se perder em lábios saborosos que apenas o atiçavam mais.
foi tomada por braços fortes que a seguravam com intensidade pela cintura, empurrando-a contra a parede mais próxima, os lábios chocando-se de forma prazerosa e as línguas explorando até onde conseguiam. A gravata de e o terno já haviam ido de encontro ao chão, assim como os sapatos e cinto jogados longe, e a camisa branca estava toda desabotoada de modo a exibir o abdome perfeitamente esculpido do rapaz.
— Espere — ele sussurrou entre um beijo e outro e por um momento pensou que ele iria desistir novamente. Ficou surpresa ao notar o pacote de preservativos que ele puxou da mala. — Quero que esteja segura.
ergueu as sobrancelhas e sorriu suavemente.
— Eu tenho um DIU. Quando foi a última vez que fez um exame?
Ele desviou o olhar, mas não sem que ela conseguisse capturar o mais leve rubor subindo sorrateiramente por suas bochechas.
— Algumas semanas atrás. Eu...
— O quê?
— Eu tinha esperanças para essa noite, ok?
— Claramente — ela provocou, rindo abertamente de sua reação, mas percebeu o blefe. Ela estivera tão ansiosa por aquilo quanto ele.
— Estava errado em ter? — questionou ele, trancando seus olhos nos dela e expondo todo o desejo por trás daquelas duas esmeraldas, implacável.
Enquanto ele se reaproximava devagar, intimidador, engoliu em seco e deu um passo para trás, tropeçando contra a madeira da cama e caindo sobre o colchão, tendo que se apoiar nos cotovelos. Um sorriso vitorioso se formou nos lábios de . Ela amava e odiava o quão facilmente ele conseguia lhe causar um frio na barriga.
— Foi o que pensei — ele disse e se moveu para prendê-la sobre a cama entre braços musculosos da mesma forma que mais cedo, só que agora a tensão sexual era muito mais tangível. Ele suspirou, encarando-a de cima a baixo. — Não posso negar que passei um bom tempo pensando em todas as coisas que farei com você. Não faz ideia de quanto tempo passei imaginando você assim.
sentiu todos os pelos de seu corpo se arrepiarem.
— Não quero que fale — apontou. — Não quero que me conte. Quero que me mostre.
E, obediente, o fez. não contaria os detalhes mais sórdidos nem para Lucy e Jules; diria apenas que recebeu muito mais do que suas expectativas contavam, que era extremamente generoso e que toda a espera havia valido a pena. Demais.
Horas depois, encontravam-se ainda nus, enrolados nos lençóis macios do hotel desfrutando de mais algumas taças de vinho e alguma pizza que sobrara do lanche da tarde. Ambos gostariam de poder morar naquele instante para sempre. As luzes ainda estavam baixas e tudo parecia um sonho enquanto acariciava as costas de , que se eriçavam com o toque suave do amado. A lista de músicas montada por já havia terminado e agora Thank You, do Led Zeppelin, a mesma que usara de referência em seu pedido de namoro, tocava aleatoriamente ao fundo.
— Isso é bom — ela murmurou.
— O quê?
— Tudo. — Deu de ombros e sorriu.
— Eu só não acredito que você montou uma playlist de sexo — respondeu, rindo. ficou boquiaberta, mas achou graça do comentário.
— Ah, para! — pediu ela, as bochechas corando. — Isso é completamente normal.
— Claro, claro... — ele provocou e em resposta recebeu um tapa brincalhão no ombro.
— Ah, qual é, eu precisava de um empurrãozinho, estava um pouco nervosa.
— Estava? — ergueu uma sobrancelha. riu. — Não parecia.
— Estou dizendo, foi a playlist. — Ela brincou. — E o vinho, é claro. Libertou a vadia que há em mim.
— Uau. — A careta feita por gerou mais uma risada nela, dessa vez mais forte, que imediatamente o contagiou e eles caíram para trás na cama, gargalhando. inspirou fundo, tentando recuperar o fôlego.
— Eu também já tinha uma ideia do que me aguardava, então fiquei mais nervosa ainda — ela continuou, ainda em forma de gracejo.
— Como assim tinha uma ideia? — estava genuinamente confuso.
— Ah, você sabe. Digamos que eu assisti O Beijo de Judas mais vezes do que deveria.
arregalou os olhos e retomou as risadas altas de antes, tampando o rosto com as mãos. Falar da peça que fizera muitos anos antes, onde ficava completamente nu, era um golpe baixo. soltou um grito divertido e rolou para o lado, ficando por cima dele e distribuindo vários beijos por sua pele. Eles colocaram um filme qualquer na televisão e adormeceram abraçados logo depois.
XVI. To Noise Making
Tendo estado de volta a Londres por um breve período para celebrar o aniversário de Lucy cerca de uma semana antes, e aproveitavam o último dia na capital que chamavam de lar antes de precisarem pegar mais um avião até os Estados Unidos. Afinal, no dia seguinte apresentaria seu programa curto na mais nova edição do campeonato americano de patinação no gelo, a ser realizada em Detroit, sua cidade natal. Após esse, no domingo e mesmo dia de seu programa longo, ocorreria o Screen Actors Guild Awards, em Los Angeles.
Como forma de se despedirem, havia decidido levá-la em um encontro no Museu Vitória e Alberto, talvez o maior museu de artes decorativas e design do mundo. Era difícil não poderem dar as mãos ou trocar beijos – por mais discretos que fossem – e abraços mais carinhosos em público, mas um encontro disfarçado de passeio entre amigos ainda era melhor do que nada.
Naquela sexta-feira, em roupas simples e comuns, e almoçaram em um restaurante japonês e depois conseguiram se camuflar entre a multidão de adoradores da arte pela maioria do tempo. Foi preciso se dividirem para tirar fotos com fãs e distribuir autógrafos em certos momentos, porém, no geral, fora uma saída tranquila em comparação com diversas outras.
— Você sabia — começou enquanto eles observavam a imponente figura de Davi, cujos olhos procuravam por Roma do topo de sua grandiosidade de mais de cinco metros de altura — que essa estátua possui uma folha de figueira removível?
— Sabia, na verdade — respondeu, pondo as mãos na cintura. Estava orgulhosa por finalmente, após quase seis anos da mudança para a Inglaterra, poder falar sobre uma curiosidade do lugar em que morava. — Você sabe o porquê disso?
— Ilumine-me. — Ele sorriu, virando-se para ela.
— Diz a lenda que ela foi criada por causa da rainha Vitória. Ela ficou tão chocada com a nudez de Davi que, desde então, sempre antes de visitas da família real, eles penduram a folha para tampar as partes íntimas de nosso amigo aqui.
— Muito bem — disse , aproximando seu rosto do dela. — Você já é quase inglesa.
Eles roçaram os narizes de maneira adorável, sorrindo de olhos fechados, por um milissegundo antes de perceberem o que faziam e se afastarem com rapidez. Olharam em volta e, ao constatar que ninguém parecia tê-los notado, suspiraram em alívio.
— Essa foi por pouco.
— Foi. Escute, tenho que ir ao banheiro — sussurrou . — Pode segurar minhas coisas um instante?
soltou uma risada pelo nariz.
— Eu avisei para trazer uma bolsa — comentou em igual tom baixo, todavia estendeu a mão para pegar o aparelho celular, a carteira e as chaves de casa. rolou os olhos, sorrindo de canto.
— Consigo carregar tudo o que preciso nos bolsos dos jeans.
Ela sempre optava por adquirir calças femininas que possuíssem bolsos, por mais que estas fossem uma raridade nos dias atuais.
— Exceto quando tem que ir ao banheiro.
olhou ao redor mais uma vez, então mostrou a língua de forma cômica antes de dar as costas e sair apressada em direção às toaletes. riu com a cena, guardando a carteira e as chaves no bolso da própria calça. O celular, no entanto, foi desbloqueado e o aplicativo Instagram aberto.
Segundos depois, ficou de costas para a escultura e fez uma selfie com Davi, postando-a logo em seguida nos stories. A legenda? “@benhardy1 aqui. Acabei de roubar o celular de .” A reação da mesma quando voltou foi dar uma gargalhada alta com as respostas e reações a foto, que não tardaram a pipocar em suas notificações.
— Você gosta mesmo de provocar os fãs, não é? — ela questionou quando já deixavam a ala leste do museu e caminhavam em direção a outra. Ele apenas deu de ombros, uma expressão charmosa e divertida no rosto. — O que aconteceu com a discrição?
— Qual é, isso não é nada que eles já não saibam. Somos amigos e saímos juntos, não? — estreitou os olhos, suprimindo um sorriso, e adicionou: — Vem, quero ver uma pose com Endimião.
Ela ajeitou a echarpe azul-escuro e desviou o olhar para a estátua de um homem abandonado, dormindo com o braço direito erguido para sustentar a cabeça, como ela mesma costumava fazer de vez em quando. Postou-se por trás do ombro esquerdo da figura que era algumas vezes maior que um ser humano normal, apoiando as mãos na pedra de gesso sobre a qual ele repousava eternamente.
O mito de Endimião era um dos mais interessantes para . Havia algo de atraente, quase sedutor, em ser para sempre jovem e imortal, especialmente para uma atleta. A única desvantagem era ter que permanecer em um sono eterno para conservar tal juventude.
— Pronto — anunciou e ela foi ao seu encontro. — Já sei que legenda colocar.
Enquanto ele fazia mais um story no perfil da namorada, ela olhava distraída para o cachorro de Endimião, que o velava e esperava ansiosamente por seu despertar.
— Ei, nós já estamos indo embora, certo?
— Acho que sim. Por quê?
— Porque acabei de marcar o local onde estamos. — arregalou os olhos e ambos riram, apressando-se para a saída do museu.
Mais tarde, quando ela pegou o celular de volta, viu que havia escrito “duas obras de arte” em sua foto com Endimião.
Era tão melhor e mais fácil quando e podiam se hospedar no mesmo hotel antes das premiações. Por mais que ela ainda não aparecesse nesses eventos, era possível ao menos passar algum tempo com o ator antes que ele precisasse sair. Aquele fim de semana do Globo de Ouro, por exemplo, havia sido inesquecível. Não só por ter sido a primeira vez do casal, mas também porque juntos puderam aproveitar o serviço de quarto e a piscina do hotel. Mesmo no meio do inverno, havia sido uma viagem quente.
No entanto, estar de volta em Detroit, lugar onde nascera, se formara e passara a maior parte da vida, era igualmente memorável. Antes de sair para a arena Little Caesars, enquanto se preparava para o programa livre, era acompanhada da mãe e da melhor amiga.
— Eu não acredito que Lucy e Rami foram à Semana de Moda de Paris! Isso é um luxo — Juliette tagarelava ao finalizar a maquiagem de . — Ei, nossa antiga turma gostaria de sair para aproveitar que você está na cidade. Topa?
A atleta somente assentia quando podia e vocalizava respostas simples e rápidas que não fizessem seu rosto se mover demais, mas a esse ponto ela precisou responder com todas as letras.
— Contanto que Drake não esteja lá.
Juliette fez uma careta.
— Ele provavelmente não estará. Mas não posso garantir nada.
— Achei que já tinha superado esse rapaz — Jocelyn comentou.
— É claro que já. Estou muito feliz com o , obrigada — assegurou. — Mas isso não quer dizer que eu o queira em minha vida, de qualquer forma. Ele foi um babaca e aposto que não mudou até hoje.
— Na verdade, quanto a isso, ninguém sabe dizer — contou Juliette. — Ele não costuma sair com o pessoal e não usa redes sociais.
deu de ombros.
— Bom, eu não esperaria muito de alguém que fingiu gostar de mim só para dormir comigo, tirou minha virgindade, espalhou para a escola inteira no dia seguinte e nunca mais olhou na minha cara.
Juliette pôs as duas mãos nos ombros da amiga, massageando a área.
— Respire. Sei que está ficando irritada — ela disse e bufou de nervosismo, depois respirou fundo e encarou a morena acima de si, assentindo a cada palavra que ela proferia. — Ele é apenas uma bosta no seu sapato. Sempre foi, mas agora isso é ainda mais evidente. Você é uma patinadora artística famosíssima, campeã olímpica, super próxima da banda preferida e do elenco do filme sobre tal banda preferida. Tem também um namorado gostosíssimo, com todo o respeito, e uma melhor amiga mais gostosa ainda que te amam de verdade. — riu alto e Juliette prosseguiu: — E ele? Ele não é nada. Ninguém liga mais. Mas caso ele apareça, não deixe te afetar. Finja que ele não existe.
— Vou tentar. — Suspirou.
— Posso terminar essa maquiagem agora?
— Por favor.
Horas mais tarde, no lar dos Red Wings, exibia um largo sorriso ao receber mais uma medalha de ouro após competir ao som de Now I’m Here, uma das faixas do terceiro álbum de estúdio do Queen. O somatório de suas pontuações fora, mais uma vez, o maior. Quase simultaneamente, em Los Angeles, Rami Malek também contava com mais um prêmio na conta por sua atuação como Freddie Mercury.
Após muitas mensagens de parabéns no chat em grupo dos amigos, tanto para quanto para Rami, finalmente conseguira tirar um tempinho para ligar para a amada. Conversaram bastante e, pouco antes de desligarem, ele a convidou para encontrá-lo em Los Angeles naquela noite mesmo.
— Não posso — respondeu ela, mordendo o lábio inferior. — Não faz ideia do quanto eu gostaria disso, mas Jules arrumou essa reunião do ensino médio. Alguns ex-colegas de turma querem me ver, já que nunca venho aqui.
— É seguro? — ele perguntou, preocupado com a privacidade de .
— Pode ficar tranquilo. Eu confio neles, são boas pessoas. Não é como se fossem anunciar minha presença e vender ingressos ou qualquer coisa do tipo.
Com exceção de um cara e possivelmente os que ainda andam com ele, ela acrescentou mentalmente, porém não expôs o pensamento em voz alta. — Certo. — Veio a resposta de do outro lado da linha. estava prestes a se despedir e encerrar a ligação quando ele continuou: — Algum ex-namorado de quem eu deva saber? — A pergunta foi inesperada e a risadinha que ela soltou o fez erguer uma sobrancelha. — Hm?
— Ninguém que mereça ser lembrado, eu prometo. E estou cruzando os dedos para que ele não apareça.
— Precisa me contar essa história depois — ele pediu.
— Tudo bem. Depois — ela enfatizou. — Nos vemos amanhã. Eu te amo.
— Eu te amo.
O Donovan’s Pub na Estrada Vernor trazia muitas lembranças boas. Antes mesmo de completarem 21 anos – o que, na realidade, só foi acontecer para quando ela já estava em Londres – ela e Juliette passaram muitas noites bebendo no pequeno pub irlandês graças a suas identidades falsas feitas por Connor Rayburn.
O centro comunitário ainda se erguia firme e forte à esquerda do bar e o estacionamento ainda era igualzinho ao que era sete anos antes, entretanto, a estrutura abandonada à direita não era mais coberta por pichações. Ao invés disso, dera lugar a uma escola de tecnologia digital. Já o galpão do outro lado da rua, antes igualmente esquecido e cheio de rabiscos, estava recém-pintado e era acompanhado por uma unidade móvel de ensino de uma faculdade comunitária.
Os arredores do Donovan’s Pub nunca haviam sido considerados particularmente seguros ou bem-frequentados; ainda assim, entre tantas mudanças para o bem, era estranhamente reconfortante notar que os terrenos baldios atrás e na frente do bar, logo ao lado do galpão, ainda eram os mesmos. Muitas tardes após as aulas foram passadas ali na companhia de alguns baseados.
Ao saltar do carro para o ar frio daquela noite de janeiro, mesmo ladeada por Jules e Dana, se arrepiou. Ela passou os olhos pelo número 3003 pintado na parede e pelo toldo verde onde estava escrito o nome do pub, pausando por uns segundos. Por algum motivo, estar ali a deixava mais emotiva do que ter passado por sua própria casa da infância durante o caminho. Jules percebeu o imediato desconforto da amiga.
— Está com frio ou apenas nervosa?
— Um pouco dos dois. Acho que poderia começar a chorar agora mesmo — ela comentou, mas não parecia triste ao fazê-lo, então Jules soltou uma risada leve.
— Você é a pior capricorniana que eu conheço! — ela brincou. — Lembra-se da última vez que esteve aqui?
— Foi quando nos formamos, não foi? Junho de 2013. E meu pai morreu um mês depois. Nem acredito que já faz tanto tempo.
— O tempo voa, garota.
— Ele estaria muito orgulhoso de você — Dana garantiu e Juliette concordou.
respirou fundo.
— Bem, o que estamos esperando?
O casal entrelaçou os braços nos da patinadora e as três caminharam juntas até a pesada porta marrom. Quando entraram, viram um grupo de pessoas conversando em um canto mais afastado e, logo acima delas, uma faixa com os dizeres “turma de 2013”. Assim que a viram, começaram a berrar entusiasmados. sorriu abertamente com a cena, ainda que meio tímida.
— Eu pedi para serem discretos. — Juliette rolou os olhos.
O que se seguiu foi uma série de cumprimentos, abraços, apertos de mãos, muitas congratulações, comentários e perguntas incansáveis. Por sorte, os outros clientes do local acreditavam ser um simples encontro de amigos comuns da escola.
— Nunca mais a vimos desde que se mudou para a Inglaterra! — disse Christine Henderson, ex-líder de torcida.
— É verdade, você sumiu depois da formatura — concordou Connor Rayburn, maconheiro profissional.
— Qual foi o motivo daquilo, aliás?
— Falem por vocês, eu fui vê-la na arena Joe Louis! — anunciou Vicky Simons, a louca do anuário.
— Aqui em Detroit? — questionou Jimmy Richards, rato de laboratório. — Quando?
— Em 2013.
— Então ela ainda não tinha se mudado.
— Tinha, mas voltou alguns meses depois para competir. Não foi, ?
Por fim, uma chance de falar. Ainda um tanto estupefata em meio àquele interrogatório, ela levou um instante para se ajustar a ser o centro das atenções. Talvez nunca se acostumasse com aquilo.
— É isso mesmo. Meus pais quiserem uma mudança de ares que acabou sendo mais uma mudança de continente. — Não era toda a verdade, porém também não era uma mentira. — Mas eu precisei voltar em outubro para competir no Skate America.
— E... — começou uma garota de quem não se lembrava muito bem. — É verdade que você está namorando um ator de Hollywood?
— Não podem acreditar em tudo o que leem. — Era uma resposta ambígua, mas que funcionaria por enquanto.
— Certo, deixem-na respirar, por Deus — interviu Jules e afastou a amiga um pouco da multidão. — Ainda se lembra do nosso pedido de sempre?
— Água sem gelo no inverno, com gelo no verão.
— E depois...
— Jameson e High Life. — sorriu.
Juliette retribuiu o sorriso e pediu três copos d’água, três doses de uísque e três garrafas de Miller, já que Dana acompanharia as melhores amigas em seu pequeno ritual. Após se hidratarem e virarem os respectivos shots, o trio pôs-se a saborear a cerveja.
A noite seguiu calma e sem dramas ou confusões, recheada de recordações, histórias e fotos antigas e novas. Por outro lado, aquela era uma noite para relembrar o ensino médio, não era? Então é claro que sempre haveria um babaca para estragar tudo e oferecer a experiência completa.
— — chamou uma voz atrás de si, mais familiar do que ela gostaria.
Quando girou nos calcanhares, foi forçada a encarar o cara que fizera boa parte de sua experiência escolar um inferno. Dizer isso seria blasfêmia? Era uma escola católica, afinal.
Os sussurros não demoraram a se espalhar.
— Uau, é a primeira vez que ele aparece.
— O que ele faz aqui?
— Ele parece diferente.
— Drake — disse .
— É sério, quem o convidou? — Jules perguntou, irada. Ninguém se pronunciou.
— Relaxe, Juliette. — Drake bufou. — Eu não vou demorar. Só vim oferecer minhas felicitações.
— Felicitações recebidas. Tchauzinho.
— ? — Ele tentou novamente, já que a mesma ainda não havia dito qualquer outra palavra além do nome dele. — Podemos conversar?
Ela sabia que devia recusar. Sentiu os olhos de todos queimando sobre sua pele, em especial os da melhor amiga, que sempre fora rancorosa e contra segundas chances. Bom, ao menos quando o assunto era , uma vez que a própria Jules não havia pensado duas vezes antes de reatar com Dana. Parecia hipocrisia, mas entendia que Juliette era mais protetora com ela do que em relação a si mesma.
Entretanto, naquele momento, embora mais cedo no mesmo dia tivesse destilado seu ódio eterno por Drake Patterson e prometido ignorá-lo caso ele aparecesse, quis ser a pessoa superior. Além disso, ainda tinha esperanças de receber um pedido de desculpas. Para a frustração de alguns, ela cedeu. Meneou em direção ao balcão e foi seguida por Drake.
— Posso te pagar uma bebida?
— Pode ir direto ao ponto.
— Você mudou.
— Espero que sim. E você?
— É justo. — Drake suspirou e pediu ao bartender um uísque para si mesmo. — , eu... Eu já penso em falar isso há alguns anos, mas nunca soube como. Tenho tentado me livrar de sentimentos ruins e fazer as pazes por erros do passado. Sua vinda aqui foi a oportunidade perfeita.
permaneceu em silêncio, sobrancelhas ligeiramente franzidas por não entender onde ele gostaria de chegar. Apoiou o rosto em uma das mãos e esperou que Drake continuasse.
— O que eu fiz com você foi horrível. Eu entendo isso. Mas queria que soubesse que me arrependo muito. Adoraria poder culpar a adolescência, mas, sejamos honestos, eu já sabia muito bem o que fazia. O ponto é que, sim, eu mudei. E espero que possa me perdoar.
— Simplesmente assim? É para eu ficar de boa?
— Bom... É?
— Não sei que joguinho é esse, mas não vai funcionar comigo. Não mais.
— Honestamente, ? — disse ele após tomar um gole de sua bebida. — Eu sei que fui um imbecil no ensino médio, tive meu auge lá, mas juro que você não me conhece mais. Ninguém conhece, pois prefiro que não vejam esse lado que estou mostrando agora. Adoraria poder reviver aqueles anos, com a popularidade que eu tinha e tudo mais. Exceto que faria tudo diferente. Então aqui estou.
— Um idiota com coração de ouro. — Ela debochou e Drake suspirou.
— Entendo se não puder me perdoar... — ele começou, mas foi interrompido pelo toque estridente do celular. Fez um sinal para aguardar e o atendeu. — Oi, amor. Não, dei uma passadinha em uma reunião de minha antiga turma, mas não irei demorar. Como? Sim, eu adoraria falar com ela. Por vídeo?
fez uma careta, confusa. Foi quando desviou o olhar para a mão esquerda de Drake, onde era possível ver uma aliança dourada no dedo anelar. Ele ergueu o aparelho e sorriu feito um bobo para a menininha adorável que estava no colo de uma mulher linda do outro lado da tela. Ambas tinham o mesmo cabelo escuro, curto e cacheado.
— Papai te ama, princesa. Logo estarei em casa para brincarmos juntos.
Certo. sentiu-se tonta de repente. Apesar de muito difícil de acreditar, era meio óbvio o que estava rolando ali. Drake Patterson era casado. Aos vinte e cinco anos. E tinha uma filha. E ele parecia ser um pai e marido... decente. Atencioso e gentil. O quê?!
Quando ele encerrou a chamada, virou-se para para retomar de onde havia parado como se nada houvesse acontecido.
— Então... — Então? — Ela fez uma expressão engraçada, gesticulando para o celular dele e exigindo uma explicação.
— Aquela era minha esposa, Alicia Patterson. E nossa filha, Louise. — Drake pausou e encarou o copo de Jameson.
— Esse é o lado que não quer que as pessoas conheçam? Porque se for... Drake, isso não é algo para se esconder. Prometo que não vai mais parecer que você teve seu auge no ensino médio. Aliás, se é isso mesmo que acha, me preocupo com elas.
— Não ouse. — Ele sacudiu a cabeça. — Aquelas duas são minha vida.
— Então deixe as pessoas saberem. Porque tenho certeza que elas sabem. Mas faça barulho com isso. Talvez então eu possa perdoá-lo.
— Você tem feito barulho?
— Como?
— Sobre quem ama. Ou tem se escondido pelos cantos?
levou um momento para processar a pergunta e, quando entendeu, preferiu acreditar que ele estava blefando. Era um blefe muito bom, no entanto, que quase a fez pensar que ele sabia sobre seu relacionamento secreto com . Será que poderia haver um pouco de verdade naquelas palavras? Sua resposta inicial foi rir de leve pelo nariz, balançando a cabeça.
— Não confunda as coisas. Continuamos não sendo amigos.
— Eu não pensaria que somos.
— Ótimo. Acho que acabamos por aqui. — respirou fundo e desceu do banco redondo estofado.
— Ei, — Drake chamou antes que ela pudesse se afastar. — Estive aqui desde antes de você chegar, em outra mesa. Sabe, tomando coragem para me aproximar. E... Bem, não pude deixar de perceber que ninguém sabe o motivo de sua mudança para Londres. Só contou a mim?
— Stalker do caralho — ela murmurou, fazendo-o rir. — Contei a Jules também, é claro. Não se sinta especial. Você foi o motivo de eu não contar a mais ninguém. — Espremeu os lábios em uma linha fina.
— Ai.
— Pois é. Mas sabe o que é engraçado? Isso você nunca espalhou por aí.
— Seu pai estava doente. Sabe-se lá o que passou pela minha cabeça. Qual era o meu código moral maluco.
Após a descoberta de um câncer, Bruce , nascido e criado em Londres, teve o último desejo de retornar à terra natal para ficar mais próximo do lar em seus momentos finais. Com a filha única tendo acabado de se formar, aquela era a ocasião ideal para a mudança. Não foi tão difícil, por mais que e Jocelyn estivessem em um continente inteiramente novo, com uma cultura bem diferente e não conhecessem ninguém por lá. Difícil mesmo fora perdê-lo.
Bruce era o maior apoiador do sonho da filha em patinar profissionalmente e quem havia apresentado Olga, Andrey e Danielle. Com exceção da primeiríssima competição de todas, não existiu uma em que não tivesse contado com a preparação desses três. Pouco após isso, veio sua morte.
— Até a próxima, . — Drake assentiu, quieto. — E, antes que eu me esqueça, parabéns. Por tudo. Você tem uma vida linda.
— Você também. Se cuida, Drake.
Uma semana depois, Juliette ainda não parecia acreditar na fofoca quentíssima que havia contado após a conversa com Drake no Donovan’s. Ainda tagarelava ao telefone sobre o assunto, atualizando a amiga de tudo o que acontecera em Detroit desde então. Aparentemente, o Facebook antes inabitado de Patterson agora contava com um status de relacionamento atualizado e diversas fotos de família, assim como no Instagram. Ele também convidara bastante gente para um churrasco em sua casa. ficava feliz em saber. E também, que, após ficar por dentro de toda a história, passara a torcer pela evolução e bem-estar do rapaz.
Mais tarde, em mais um de seus passeios “entre amigos”, e notaram como a data do Dia dos Namorados estava perto. Lojas, anúncios, comerciais: tudo fazia questão de lembrá-los de que, por mais que se amassem, o mundo não sabia disso. Era fato que vários casais famosos passavam pelo mesmo, por diversos motivos. Qual era o deles? Como Lucy havia dito uma vez, o assédio dos fãs ou dos paparazzi não mudaria. Também não existia mais a preocupação se o relacionamento duraria ou não. Portanto, a questão persistia. Por que não irem a público?
valorizava muito sua privacidade, outro fato, mas sabia muito bem se esconder dos holofotes quando queria, o que provavelmente voltaria a fazer uma vez que a hype de Bohemian Rhapsody passasse. poderia se esconder com ele na medida do possível. Com certeza se houvessem se conhecido sob circunstâncias diferentes – ou seja, fora da época de filmagens, estreias e premiações – quase ninguém suspeitaria de uma relação. Seria apenas normal para ele não deixar isso acontecer, dada sua natureza privada.
tomava um suco e fumava um cigarro enquanto o casal apreciava a paisagem no Hyde Park, um de seus locais favoritos. Apesar das baixas temperaturas, assim como em um dia de janeiro do ano anterior no qual puderam aproveitar os pedalinhos, o lago não estava congelado. Naquele dia, porém, os dois estavam somente de passagem. De súbito, as palavras de Drake ecoaram na mente de . Ela também queria fazer barulho.
Em outra vida, uma na qual ela não ofereceu segunda chance ao pseudo-ex-namorado, jamais levaria em consideração qualquer coisa que ele falasse. Mas naquela...
— ?
— Sim, amor?
— Posso te beijar?
— Agora? — Ele virou de frente para ela no banco do parque, confuso. Ainda assim, fez questão de apagar o cigarro. — Acho que vi alguns paparazzi por ali...
— Eu não me importo — ela admitiu. — A esse ponto, simplesmente não ligo. Quero que as pessoas saibam que estamos juntos. E deixem que pensem o que quiserem. Eu te amo. Somos privilegiados por não precisarmos de fato nos esconder. Vamos aproveitar isso. Tudo bem por você?
sorriu – ah, aquele sorriso maravilhoso, mesmo que de canto – e concordou com a cabeça, os olhos verdes não o traindo; embora surpreso, sua alegria era visível.
— Como quiser. — E a puxou para um beijo no meio de todas as pessoas, bem à vista de qualquer paparazzo que quisesse fotografar aquele evento histórico.
Pôs uma de suas mãos no pescoço de , utilizando o dedão para acariciar a bochecha enquanto aprofundava o beijo, o suficiente para fornecer dúzias de fotos a serem publicadas o mais rápido possível. Ela, por outro lado, afagava o cabelo de com delicadeza durante o momento.
Não demorara muito, já que nenhum dos dois era grande fã de demonstração pública de afeto, mas enviaria uma mensagem clara. De qualquer maneira, caso não fosse clara o suficiente, preferiu acabar com os rumores ao divulgar no Instagram a selfie que haviam tirado juntos antes do Globo de Ouro. A legenda, é claro, não poderia deixar de fazer referência a uma famosa música do Queen.
@onice95: @1 Amor da minha vida e coisa e tal.
XVII. Run
Exatamente uma semana havia se passado desde o fatídico beijo no Hyde Park e a postagem de confirmando o namoro com . Desde então, os fãs passaram a demonstrar um apoio ainda maior do que já vinham mostrando há meses. Mesmo , sempre tão reservado quanto sua vida pessoal, estava gostando das notícias e comentários em apoio aos dois. Ao lado de , os holofotes não eram tão ofuscantes.
– que contava com outra medalha de ouro devido a seu total de 221.99 pontos no Campeonato dos Quatro Continentes um dia antes –, em especial, adorava a notável diferença entre o carinho que este casal recebia dos fãs e da mídia quando comparado ao tratamento que era ofertado a Katriona antes. Era um pouco infantil pensar dessa forma, e um tanto anti-feminista, mas se reservava esse direito, contanto que não externasse os pensamentos mesquinhos.
Bem, como nem tudo pode ser perfeito o tempo todo, apesar de a maioria das pessoas sempre terem “shippado” e e torcido pelo bem dos dois, muitos ainda tinham opiniões e teorias maldosas que diziam principalmente a respeito de estratégias de marketing. evitava ligar para esse tipo de coisa, uma vez que entendia ser parte da vida de uma celebridade – ela e não eram os primeiros a passar por isso e nem seriam os últimos. Entretanto, um comentário em particular lhe chamou a atenção. Algo sobre a ida de , Joe e Gwilym ao Skate Canada International em outubro de 2017.
O casal já estava pronto para o BAFTA, primeira premiação que compareciam juntos. Na maioria das vezes, quando não tinha a opção de contratar Juliette, dispensava a equipe de beleza e optava por fazer a própria maquiagem e cabelo. também preferia cuidar dessa parte sozinho, pois lhe dava mais tempo a sós com a namorada quando suas agendas sincronizavam. Porém, naquela ocasião em particular, ele resolvera apresentar à maquiadora Nathalie Eleni, sua amiga de longa data.
Conhecer Nathalie foi um prazer para , ainda mais por se tratar de alguém tão especial para e que era a única pessoa em quem ele confiava sua pele. Eventos no Reino Unido como aquele eram ideais para contratá-la, embora seus mais de quinze anos de experiência tivessem sido adquiridos internacionalmente também. Formada em moda, ela logo desenvolveu uma paixão por maquiagem e terapia da beleza, trabalhando na área desde então.
Como sua reputação prometia, Nathalie fez um trabalho perfeito ao destacar a beleza natural de e tratar sua tez ao ponto de deixá-la radiante. Não era a toa que a chamavam de “fada da pele”. Nathalie agora focava no rosto de – por ser um processo mais rápido, havia deixado o amigo por último. Enquanto isso, navegava pelas redes sociais, e foi quando leu uma frase que a deixou com a pulga atrás da orelha. Foi só após combinarem um encontro mais informal com Nathalie e então se despedirem da mesma que falou.
estava calmo ao ser questionado sobre o dia em que se conheceram, e continuou assim; sem vacilar, sem parecer nada nervoso. Ele sabia que não tinha motivos para tal, não tinha nada a esconder, e isso passou mais segurança para .
— Ah. — Com um encolher de ombros, ele admitiu: — Sim, Fletcher nos pediu para ver você competir. Se me lembro bem, ele usou mesmo a palavra marketing. Acredito que ele disse que seria uma boa publicidade para o filme, sim.
— Oh. Tudo bem — respondeu suavemente.
— Mas nada do que aconteceu depois disso — adicionou — foi planejado. Na verdade, antes mesmo de voarmos para o Canadá, os caras não conseguiam calar a boca sobre você por mais de uma semana, dizendo que você era a maior fã do Queen e tudo o mais. Eu não te conhecia, para ser honesto, e se não tivesse realmente ficado impressionado com você, sua performance, sua mera presença, provavelmente teria continuado assim. Mas só faltou eu cair de joelhos ali mesmo. — Com isso, reprimiu um sorrisinho orgulhoso. — E em uma semana eu assisti a todas as suas competições, li tudo no Wikipédia, stalkeei seu Instagram...
— E o resto é história — ela finalizou com um olhar doce.
— E o resto é história. — assentiu, sério. — Eu só preciso que você entenda que, por mais que nosso primeiro encontro tenha sido por causa de uma jogada de marketing, todos os outros não foram. Os caras e Lucy se tornarem seus amigos, eu me apaixonar por você... Isso nunca foi exigido. Nunca foi uma pauta. Aconteceu somente porque queríamos nos aproximar de você por conta própria.
percebeu que ele realmente queria passar confiança acerca daquele assunto. Era visível o quanto se preocupava com o fato de que essa revelação poderia vir a magoá-la e o quanto ele precisava que ela entendesse. E ela entendia.
— Então foi bom Fletcher ter pedido isso em primeiro lugar — pontuou. — Como as pessoas ficam sabendo dessas coisas, afinal?!
— Eu não faço ideia. E sim, foi ótimo Fletcher ter pedido isso. — sorriu por fim. Puxou-a para perto, colando seus corpos e segurando as laterais do pescoço da jovem com delicadeza nas mãos. Com os polegares, afagou-a próximo ao lóbulo da orelha, por trás dos longos brincos brilhantes, onde não borraria a maquiagem. — E ele conseguiu muito mais do que esperava, e fez muitas pessoas muito felizes.
— Destino?
— Destino — ele ecoou. Um selinho bem de leve para não tirar o batom, e então: — Deus, eu amo o efeito borboleta. E você.
Ela riu.
— Eu também amo você. Agora vamos, antes que a gente se atrase.
O Salão Real Alberto pareceu diminuto para a grandiosidade de document.write(Ben) , juntos em sua primeira aparição pública oficial como um casal. E isso se repetiria pelas próximas duas semanas conforme os dois fossem comparecendo a mais eventos do tipo durante a contagem regressiva para a 91ª edição do Oscar. Era uma rotina a qual não demorou a se adaptar, por mais que tivesse que fazer malabarismos para equilibrá-la com seu planejamento de treinos intensos para competições futuras.
Diretamente de Londres, uma semana após o BAFTA, o casal aterrissou no aeroporto John F. Kennedy, em Nova Iorque, para comemorarem o aniversário da mais nova diretora executiva do New York Times, que ocorreria no dia seguinte em uma das casas noturnas mais badaladas da cidade: Marquee. Depois, aproveitaram para continuar desse lado da poça por mais um tempinho.
Sem mencionar a óbvia cereja do bolo, os eventos mais proeminentes foram a Celebração da Semana do Oscar no Chateau Marmont – onde ficou emocionada ao descobrir que estava pisando em uma das residências de Sharon Tate nos anos sessenta – em Los Angeles, e a elegantíssima festa realizada pela editora-chefe da Vanity Fair e o líder global da Genesis em homenagem a Bohemian Rhapsody, por suas cinco indicações ao prêmio da Academia.
Para esta última ocasião, escolhera uma versão escura do vestido que havia usado no último encontro com antes do infame término, o que se manchara de vinho – era preto, porém igualmente adornado com pequenas borboletas douradas. Havia sido uma noite fantástica ao lado de , Joe, Gwilym, Lucy, Rami e, é claro, do Queen. Ela ficou muito feliz por finalmente conhecer Adam Lambert, o vocalista do supergrupo Queen + Adam Lambert.
No dia anterior ao Oscar, quase não se aguentava dentro de si devido a tanta emoção por estar prestes a presenciar, ao vivo e a cores, a maior cerimônia de premiação para os profissionais da indústria cinematográfica. achava adorável o fato de a namorada agir como uma completa fangirl quando ela era tão famosa e reconhecida mundialmente quanto ele e seus companheiros de elenco, assim como a maioria dos outros convidados do evento.
Ora, se ela ao menos soubesse o que a aguardava ao fim daquela noite tão especial, teria escolhido ficar em casa sem pensar duas vezes.
LOS ANGELES, 24 DE FEVEREIRO DE 2019
Antes de deixarem o hotel em que estavam hospedados, se aproximou de com uma surpresa. Ele segurava algo atrás das costas e tinha uma expressão no rosto que servia apenas para aumentar a curiosidade de com cada segundo que passava. Quando finalmente revelou o presente, os olhos da amada se arregalaram em deleite: era uma sandália preta, de salto alto finíssimo, cujas tiras eram cobras douradas feitas para se enroscarem nos tornozelos de quem a vestia.
— Achei que combinaria com seu vestido — ele comentou.
— Meu bem, eu amei! — pulou para abraçá-lo. — É perfeito. Obrigada.
Ainda estava claro quando eles pisaram no tapete vermelho do Teatro Dolby na Hollywood Boulevard. De maneira extraordinária, por mais que seu entusiasmo estivesse a mil, conseguiu manter a calma e parecer uma pessoa contida enquanto posava ao lado do parceiro para as incontáveis câmeras presentes. , no entanto, já sabia que o olhar brilhante dela indicava o oposto. Os dois sorriam largamente com este pequeno fato que apenas os dois conheciam, para a alegria dos fotógrafos que conseguiam capturar a beleza espontânea do casal.
— ! ! — um deles chamou. — Que tal um beijo para nós?
Lado a lado, eles se entreolharam e, dessa vez, os sorrisos se tornaram um tanto mais tímidos. Em vez de se inclinar para um selinho, voltou o rosto novamente para frente e deixou que depositasse um beijo amoroso de quase cinco segundos em sua têmpora direita ao puxá-la ainda mais para perto pela cintura.
— Eles não especificaram o tipo de beijo, certo? — sussurrou para ele, que riu.
— Quem sabe depois de alguns drinks na after party nós não oferecemos um pouco mais de demonstração pública de afeto?
Após isso, se juntou a Gwilym, Joe e Allen para algumas fotos com o trio, além de uma breve entrevista. Enquanto isso, Rami e Lucy posavam em outro ponto do tapete. Nesse meio tempo, acabou encontrando um entrevistador baixinho e bigodudo vestindo um terno dourado brilhante com uma gravata borboleta preta. Ela quase passou direto por ele, perdida em um mar de estrelas, quando ele a chamou de longe.
— ! !
Ela se virou curiosa e abriu um enorme sorriso surpreso que mostrava todos os dentes.
— Olá! — Acenou com animação ao se aproximar do homem e seu operador de câmera.
nunca o havia visto antes, mas logo aprendeu que Guillermo Rodriguez era uma personalidade de talk show que ganhou fama ao trabalhar como segurança de estacionamento nos estúdios do programa de Jimmy Kimmel. Ele era mais conhecido por entrevistar e oferecer tequila às celebridades no Oscar, e isso ficou claro quando ela percebeu, depois, que todas as estrelas por ali já sabiam quem ele era e o que esperar dele.
— , eu me chamo Guillermo, acho que não nos conhecemos antes — disse ele com um sotaque mexicano carregado, segurando o microfone entre os dois. — Na verdade, eu a conheço, você é muito famosa. — Com isso, ela riu. — Recentemente você ganhou as Olimpíadas, não foi?
— Já faz um ano, mas sim! — ela respondeu alegremente, ajeitando o longo cabelo solto em ondas.
— Meus parabéns! — Quando ela agradeceu, ele adicionou: — O que vem a seguir?
— Bem, eu estou treinando duro para o Campeonato Mundial do mês que vem.
— Excelente! E esta é sua primeira vez aqui, não é?
— Sim. — assentiu.
— Eu tenho uma pergunta.
— Diga.
— Como você consegue dar tantos giros sem ficar tonta?
Em outro momento, aquela seria uma pergunta que a deixaria enfadada; com certeza fazia parte da lista de coisas que ela estava cansada de ouvir sendo patinadora artística. Mas Guillermo era um fofo, além de que era nítido o tom cômico – sem ser ofensivo – de suas entrevistas. Então, ao invés de demonstrar desconforto como normalmente iria, soltou uma risada genuína.
— Na verdade, eu fico — ela respondeu. — Mas sou tão boa no que faço que você nem percebe.
Guillermo riu com ela e continuou seu trabalho.
— Muito bem. Está com sede?
— Um pouco — admitiu.
— Certo.
Ele se virou para trás por um segundo e puxou um segundo microfone, oferecendo-o a ela. não entendeu de primeira, mas tomou o microfone nas mãos mesmo assim, e foi quando Guillermo desenroscou a parte de cima do aparelho para revelar uma boquilha. A patinadora ficou chocada ao entender que o “microfone” era, na verdade, um cantil de tequila disfarçado.
— Isso é o que eu estou pensando? — ela perguntou, cheirando o conteúdo.
— Seja bem-vinda ao Oscar — disse Guillermo. — Isso é o que eu faço, todo mundo aqui já me conhece.
— Guillermo, eu quero ser entrevistada por você sempre. — Eles riram juntos. — Posso tomar mesmo?
— Por favor!
Com isso, virou uma dose da tequila, fazendo uma careta ao sentir o líquido queimar seu peito por dentro e oferecer uma sensação prazerosa ao mesmo tempo.
— Argh! — Ela pôs a língua para fora. — Isso é exatamente o que eu precisava — comentou, devolvendo a garrafa para Guillermo.
— , antes que você vá, eu preciso de sua ajuda — ele falou. — É para uma boa causa, se chama Guillermo Dinero. Estou tentando ganhar um aumento do Jimmy Kimmel. — Ele olhou para a câmera e retirou um broche de fita verde do bolso do terno. — Estou passando isso para todos que queiram apoiar minha causa.
Sob uma inspeção mais cuidadosa, notou que no centro da fita tinha uma pequena imagem do rosto de Guillermo, seu bigode icônico bem em destaque na imagem.
— Guillermo, essa entrevista por si só já é motivo para ganhar um aumento — respondeu entre risos, rápida em prender o broche no vestido preto. Ele sorria junto com ela. — Você tem meu apoio. — Ela olhou para a câmera e apontou um dedo, brincalhona. — Jimmy, dê um aumento para este homem agora mesmo!
— Muito obrigado, . — Guillermo ofereceu um abraço e ela prontamente aceitou. — Eu amei conhecê-la, tenha uma ótima noite.
— Eu digo o mesmo! — E com um aceno, ela se distanciou, feliz por não ter precisado responder nenhuma pergunta sobre o namoro ou algo do tipo.
Finalmente, depois de e terem terminado as obrigações publicitárias, eles se reuniram – com contando tudo o que havia acabado de acontecer com ela – e tiraram uma selfie antes entrarem para o início da cerimônia.
Para a abertura, a performance de Queen + Adam Lambert agitou o grandioso teatro, colocando todos de pé e fazendo-os vibrar ao som de We Will Rock You, seguido de We Are The Champions. Algo memorável para todos, de fato, porém fora provavelmente a única a deixar algumas lágrimas escaparem.
Enquanto todos balançavam as mãos no ar no ritmo da música, olhou para a jovem a seu lado, que cantava a plenos pulmões, e sorriu completamente rendido. Ela não percebeu, hipnotizada pela apresentação a sua frente. A explosão de palmas que finalizou tudo ficou ainda mais forte quando exibiram uma foto de Freddie Mercury no telão atrás do grupo, e só então se virou para , ao ser puxada para um abraço de lado que a consolava.
Essa não foi a última emoção da noite, nem de longe. De todas as cinco indicações de Bohemian Rhapsody, a produção levou quatro: melhor edição, melhor edição de som, melhor mixagem de som e, deixando o melhor para o final, melhor ator. A tristeza de terem perdido a categoria de melhor filme para Green Book: O Guia se tornava quase inexistente quando lembravam que Rami Malek era agora um ator vencedor do Oscar de melhor ator.
Quando Gary Oldman e Allison Janney chamaram o nome dele, , , Gwilym, Joe e Allen se ergueram na mesma hora, aplaudindo e gritando. Mesmo sentados a algumas fileiras de distância, conseguiu ver Rami e Lucy trocando um beijo antes de o ator puxar a amada pela mão para que se abraçassem de maneira adorável. Antes de subir ao palco, ele olhou até onde a banda e o resto do elenco estavam e acenou para eles.
A engenheira Yasmine e o professor Sami, irmãos de Rami, assim como a matriarca dos Malek, também estavam presentes, embora sentados mais longe. Era, sem dúvidas, uma noite em família.
— Sabe, meu pai não pôde me ver fazer nada disso — disse Rami em certo ponto do discurso, segurando a cobiçada estatueta dourada —, mas acho que ele está me olhando lá de cima agora mesmo.
Essa frase em particular tocou o coração de e a emocionou mais ainda, que entendia perfeitamente o sentimento que o amigo estava expondo naquele instante. Seu próprio pai não chegara a vê-la vencer campeonatos nacionais, mundiais e muito menos os Jogos Olímpicos – merda, ele não a tinha visto nem mesmo se classificar para isso –, mas ela também tinha a certeza de que Bruce Por fim, após agradecer à família, ao Queen, à equipe e ao elenco, entre outras coisas, Rami fez uma declaração sincera de amor para Lucy.
— Lucy Boynton — ele começou. — Você é o coração desse filme. Você é algo além de imensamente talentosa. Você capturou o meu coração. Muitíssimo obrigado.
Nesse ponto, e também trocaram olhares apaixonados, sorrindo de leve um para o outro.
BEVERLY HILLS
Mais tarde, durante a tão aguardada after party sediada pela Vanity Fair, o grupo de amigos se reuniu novamente e puderam celebrar como aquela noite pedia. A 91ª edição do Oscar poderia ser o ponto alto da temporada de premiações, mas os nomes mais famosos de Hollywood não terminariam suas noites lá. Em um espaço construído sob medida no Centro Wallis Annenberg acontecia a festa em que as estrelas poderiam relaxar, comer e beber muito. ansiava, em especial, pelos famosos hambúrgueres In-N-Out oferecidos na recepção.
O lugar estava abarrotado de gente bonita e famosa, com quem a patinadora foi rápida em fazer amizade uma vez que o álcool começou a fazer efeito. Lady Gaga, Chadwick Boseman, Lupita Nyong'o e os Jonas Brothers foram apenas alguns dos nomes com quem ela tirou foto. Para sua surpresa, algumas daquelas celebridades também se aproximavam dela para conhecê-la, conversar e pedir selfies, e não o contrário.
— Eu não sei como te contar isso, — brincou Joe quando ela comentou sobre isso com os amigos —, mas você é famosa.
O resto da noite passou como um borrão para os que haviam perdido a mão na hora de dosar as bebidas. fora uma dessas pessoas, mas ela achava isso mais do que merecido. Afinal, sem mencionar os prêmios magníficos recebidos por Bohemian Rhapsody, o que por si só já era motivo suficiente para comemorar, ela vinha treinando mais duro do que nunca para manter o desempenho mostrado nas Olimpíadas do ano anterior – tão duro que ainda podia sentir o gosto de sangue na garganta pós-treino. Extrapolar em um fim de semana não seria problema, certo?
— , não corra — pediu , mas ele ria alto enquanto seguia a namorada até o lado de fora da festa, acompanhado de Rami, Lucy, Gwilym e Joe.
— O último a chegar ao carro tem que... Tem que... — atropelava as próprias palavras, a fala arrastada. — Foda-se, a gente decide depois!
Álcool leva à falta de coordenação dos movimentos, que em retorno leva à perda de equilíbrio. Agora some isso a uma sandália com saltos altíssimos que são mais finos ainda. E multiplique por uma escadaria que “surgiu de repente no meio do caminho” na hora de ir embora.
O que antes eram risos abafados se transformou em uma arfada assustada quando pisou em falso em um dos degraus, um frio na barriga atingindo-a de súbito, seu pé virou e ela rolou até embaixo. Por sorte, não demorou a atingir o concreto ao fim da escadaria, apoiando-se nos cotovelos para tentar levantar. e o resto dos amigos chegaram mesmo a pensar que aquilo seria o pior a acontecer; só precisavam reerguê-la e ir embora, então ririam muito daquilo depois.
continuava perturbada pelo susto e pelo impacto, mas conseguiu soltar uma risada nervosa enquanto passava um braço por sua cintura para ajudá-la. Somente quando ela apoiou um braço ao redor dos ombros do ator e tentou colocar o pé direito no chão que a dor excruciante a atingiu. Ela tomou uma lufada de ar que impediu um grito de se formar em sua garganta, mas não foi suficiente para parar as lágrimas que começavam a rolar por seu rosto.
— Meu pé. — Ela apontou com a voz baixa e trêmula. A realização a atingiu como uma tonelada de tijolos.
O inchaço e os hematomas já se formavam no membro dobrado em um ângulo sinistro, a serpente dourada da sandália começando a esganar seu tornozelo. não saberia dizer se fora a pisada em falso no topo das escadas ou o momento em que atingiu o chão o causador daquela cena hedionda.
— , você está bem — sussurrou , piscando diversas vezes para tentar forçar seu organismo a voltar ao estado sóbrio. Nem ele acreditava naquilo, então corrigiu: — Você vai ficar bem.
Mas não registrava nenhuma palavra.
— Não, não, não... — ela repetia baixinho. — Isso não está acontecendo. Isso não está acontecendo.
Formando um círculo ao redor do casal, os outros quatro tinham expressões chocadas no rosto. Lucy foi a primeira a acenar para o motorista de um dos carros que os levaria para os respectivos hotéis, falando algo que , aos prantos, não conseguiu escutar devido ao tinido ininterrupto nos ouvidos. Tudo parecia se mover em câmera lenta.
— Meu tornozelo — ela murmurou, vidrada na fratura em sua frente. Estava em algum tipo de choque. — Meu tornozelo.
arfou uma última vez, o rosto retorcido por causa do choro intenso, tanto pela dor insuportável quanto pelo futuro incerto, e a última coisa que viu antes de apagar foi o terno branco de quando ele se inclinou em sua direção para pegá-la no colo.
XVIII. As It Was
sonhou com uma estrada de terra. Havia acabado de chover, então tinha lama para todo o lado. Ainda assim, a vista a sua frente era perfeita; a estrada infinita seguindo em direção ao horizonte, ladeada por dedaleiras do mais belo tom de púrpura, as nuvens que começavam a abrir espaço para o sol quente e aconchegante que formava o mais colorido e devaneador dos arco-íris.
Olhando para baixo, notou que estava descalça; os pés tomados de lama enquanto se afundavam na terra pastosa. Apesar disso, ela sorria ao sentir o calor do sol no rosto. Era como um beijo. Parecia que ela nunca havia sentido tanta vida dentro de si como naquele momento e seu coração gritava de felicidade. respirou fundo e fechou os olhos, querendo estender aquele momento etéreo pelo máximo que pudesse.
Quando abriu os olhos e sua visão se ajustou à luz que ficava cada vez mais forte, viu vindo em sua direção. Ele sorria quase tão brilhante quanto o sol. Eram só eles dois ali. esticou um braço e tentou tomar a mão de na sua. Então ele olhou assustado para algo atrás dela. A atmosfera acabara de mudar – o mais simples acionar de um interruptor. As nuvens cinzas cobriram tudo novamente e o sol desapareceu, transformando o dia em noite. A temperatura caiu.
teve medo de checar o que vinha, mas os olhos naquele rosto pálido de se voltaram para ela mais uma vez, encorajando-a a seguir em frente sem precisar usar palavras. Seu amor era imutável e incondicional apesar da ameaça desconhecida atrás de . Ela não podia olhar. A noite era escura e o frio afiado. E ela não podia olhar. Mas ela o fez mesmo assim, tendo a visão mais horrível de todas. No entanto, antes que pudesse registrar o que estava vendo, ela acordou.
Quando abriu os olhos, levou alguns segundos para entender onde estava, e quando o fez, as memórias da noite anterior caíram sobre ela como uma avalanche.
— Merda — murmurou, desviando o olhar do gesso enorme ao redor da perna direita e temendo olhar uma segunda vez. Era o pé que ela usava para aterrissar no gelo após os saltos. — Merda, merda.
— Ei, — uma voz suave chamou ao seu lado, e só então ela percebeu que não estava sozinha.
— Dana? — Virou-se para a ruiva com as sobrancelhas franzidas. Esperava , mesmo que não estivesse pronta para vê-lo ainda, ou até mesmo Juliette.
— Oi — ela respondeu antes de se levantar e ir até a porta do quarto. — Ela acordou! — anunciou a alguém que não conseguia ver, e em seguida voltou a se sentar na poltrona ao lado do leito. — Alguém já vem te ver. Você se lembra do que aconteceu?
bufou, desviando o olhar para a parede. Parecia exausta ao se esforçar para se sentar na cama.
— Gostaria de não lembrar.
Dana a olhou com pena; ainda bem que a patinadora ainda não a encarava de volta, ou ficaria pior ainda.
— Como se sente?
— Como um milhão de dólares — respondeu sarcástica.
Antes que a outra tivesse tempo de elaborar uma resposta, uma médica alta entrou no quarto. Enquanto isso, Dana teclava qualquer coisa em seu celular.
— Boa noite, — disse a mulher. Noite?, pensou. Por quanto tempo ela ficou fora de si? Era perto do amanhecer quando tudo aconteceu. — Eu sou a Dra. Lillard, mas pode me chamar de Anna.
— Anna, quando posso voltar a patinar? — ela perguntou sem mais delongas.
A doutora suspirou.
— Bom, teremos que fazer um acompanhamento constante com raios-X, depois tiraremos os pinos, e ainda tem a fisioterapia...
— Quanto tempo?
— , você sofreu uma fratura unimaleolar, ou seja, quebrou somente o maléolo lateral, que é parte da fíbula. Por sorte, não houve qualquer lesão ligamentar, mas a cirurgia foi necessária. Tivemos que colocar quatro pinos para a recuperação óssea. Você compreende?
— Compreendo. — assentiu friamente, impassível, e repetiu: — Quanto tempo?
— Tudo depende de como será sua recuperação — Anna respondeu com toda a paciência do mundo. — Nós damos de seis meses a um ano para fraturas como essa, mas pode variar de pessoa para pessoa.
— Um ano?! — Seu tom de voz aumentou ligeiramente. — Eu quero a melhor das hipóteses.
— . — A médica se aproximou. — Na melhor das hipóteses, eu estimo dez semanas para você se livrar do gesso e dos pinos. Mas então vem a bota e começa a fisioterapia. Digamos, mais seis semanas de bota e mais um mês ou dois de exercícios para reabilitação. Nesse cenário, em meados de agosto você já estará apta a treinar. Com muito cuidado, é claro.
seguiu assentindo repetidas vezes, de forma quase frenética, mais para si mesma do que para Anna. Por instinto, tentou serpear levemente os dedos dos pés que tinham a sorte de respirar fora do gesso.
— Veremos se não faço isso em menos tempo ainda.
— Tudo é possível — Anna assegurou com um encolher de ombros. — Estarei torcendo por isso, . De verdade.
Ela não respondeu, mas ofereceu a expressão mais agradecida que conseguiu. Tinha uma missão agora, e era a de seguir todo o tratamento à risca a fim de voltar para os rinques antes dos seis meses esperados. Uma lágrima escorreu por seu rosto pálido enquanto a doutora se retirava. Logo depois, uma enfermeira simpática chegou e perguntou se estava com dor. Frente à resposta positiva, administrou o remédio prescrito para tal e a deixou a sós com Dana.
— Eu tenho certeza que você vai voltar a patinar em breve, — a ruiva falou na tentativa de animá-la. Ao não receber resposta, acrescentou: — Uh, seus amigos tiveram que ir embora porque só é permitido um acompanhante, então o ficou. Mas eu o forcei a ir para o hotel tomar um banho e trocar de roupa. Ele não queria te deixar de jeito nenhum, estava todo preocupado. Ele é um amor.
— É — respondeu sem entusiasmo, preferindo encarar o acesso venoso em um dos braços. — Desculpa, mas... Cadê a Jules? Por que você está aqui e ela não?
— Ah, isso — Dana começou. — Ela estava com a agenda cheia para hoje e me mandou vir na frente. Se odiou por isso, mas realmente estamos precisando de toda grana extra que conseguirmos. — Pigarreou. — Que tal ligarmos para ela? Pode te animar.
esfregou o rosto, cansada.
— Talvez mais tarde.
— Bem, ela virá de qualquer forma. E não se preocupe, eu já avisei ao que você acordou e ele deve estar chegando logo.
— Não. — Ela sacudiu a cabeça. — Eu não quero vê-lo.
— , por quê? — A testa franzida de Dana evidenciava sua confusão. — O que ele fez?
— Dana, só... — Suspirou. — Eu me sinto uma merda, ok?
A amiga hesitou.
— Você poderia falar com uma psicóloga sobre isso — sugeriu. — Tenho certeza que...
— Eu não quero a porra de uma psicóloga! — explodiu, mesmo contra sua vontade. Não conseguia se controlar; estava irada, frustrada e devastada. — Eu quero a porra da minha carreira de volta.
Dana se calou na hora, permanecendo em um silêncio quase embaraçoso enquanto continuava a falar.
— Eu estraguei tudo. Arruinei a noite especial do Rami. Puta merda. Ele nunca vai me perdoar.
— Por ter quebrado o tornozelo?! — Dana questionou de forma retórica com um olhar sarcástico, se arrependendo de ter aberto a boca na mesma hora. A patinadora suspirou alto.
— Por favor, fale sobre algo, qualquer outra coisa para tirar minha mente disso.
— Eu... — Dana tentou, pensando rápido. — Eu estou grávida.
Por essa não esperava, e ela soltou uma risada automática, sacudindo a cabeça. Até que percebeu que Dana não ria.
— Mentirosa.
— Estou falando sério.
arregalou os olhos, subitamente ganhando mais energia para conversar.
— Bem, isso funcionou — disse, recostando-se sobre os travesseiros. Em seguida, perguntou sem pensar: — É... É da Juliette?
Dana abriu um sorriso engraçado e soltou uma risada.
— Você me entendeu! — reclamou.
— É claro que é da Juliette! Literalmente.
— Como assim?
— Certo. — Dana suspirou. — Fizemos fertilização in vitro recíproca. Por favor, não fique brava por não termos te contado, porque não contamos a ninguém. Queríamos que fosse uma surpresa geral, e acredite, eu basicamente tive que apontar uma arma para a cabeça da Jules para convencê-la a não te contar.
riu de leve, ainda boquiaberta.
— É, eu acredito. Agora a grana extra faz todo o sentido. Mas, espera, você disse que é literalmente da Jules.
— Essa é a parte recíproca da fertilização. Jules forneceu os óvulos e eu carrego o bebê. Ou bebês. — Dana deu de ombros. — Foi assim que escolhemos fazer.
— Que fantástico! — abriu um sorriso imenso, genuinamente impressionada. — Então... Quando vocês descobriram?
— Na verdade, ela ainda não sabe. Fiz o teste anteontem e chequei tudo em uma consulta com nossa médica ontem. Fui sozinha para poder surpreendê-la. — Ela sorriu de volta. — Estou pensando em maneiras de contar desde então.
— Dana, isso é incrível! — exclamou. — Estou tão feliz por vocês duas. Ai, meu Deus. E eu aqui sendo uma total ignorante com você. Me perdoa!
— Relaxa. Eu entendo.
— Vocês vão ser mamães! Eu vou ser tia! — finalizou, lacrimejando.
— Você vai ser tia — Dana repetiu com um sorriso, aceitando de bom grado o abraço que a outra ofereceu ao abrir os braços em sua direção. — E você não sabe a melhor parte — disse ela quando se afastaram. — Quero juntar essa revelação a um pedido de casamento.
— Dana, prossiga com muito cuidado, porque eu não tenho certeza se o coração da Jules vai aguentar tudo isso. — riu. — Pode falar comigo se precisar de qualquer coisa, ok? Qualquer coisa mesmo.
— Pode deixar. Obrigada, . — Dana sorriu, se distraindo ao sentir o celular vibrar no bolso da calça jeans. — É o . Ele está subindo.
Os olhos de denotavam algum tipo de pânico agora, completamente diferentes do momento anterior. Dana se levantou assustada quando a outra gritou pela enfermeira, que entrou correndo.
— A senhorita precisa de alguma coisa? — perguntou a mulher atenciosa.
— A dor não passa — reclamou com a voz chorosa. — Pode fazer algo? Por favor. Por favor — ela implorava. — Só quero que a dor passe.
Enquanto isso acontecia, Dana alternava sua atenção entre o rosto desesperado de e o preocupado da enfermeira. Por fim, a profissional assentiu e aumentou a dose do sedativo, saindo em seguida.
— ...? — A ruiva encarou-a de sobrancelhas franzidas e sacudiu a cabeça, recebendo nada além um olhar suplicante em retorno.
Então adentrou o quarto, mas seu alívio e alegria ao ver a namorada acordada logo se dissiparam no momento em que ela o olhou com as pálpebras pesadas, por meros segundos, antes de apagar novamente.
teve um sono sem sonhos dessa vez. Quando acordou, muitas horas mais tarde, teve a sensação de ter sido atingida por um caminhão, desejando que o ambiente possuísse ao menos uma janela para que ela tivesse noção do tempo. No lugar de Dana, seus olhos recaíram sobre um adormecido na poltrona ao lado da cama, coberto por um fino lençol branco. Com certeza o rapaz acordaria com dor no pescoço.
Um leve sorriso começou a se formar nos lábios de então; ela agradecia mentalmente pelo namorado maravilhoso que tinha. No entanto, o peso da realidade em que se encontrava no momento a atingiu com tudo mais uma vez, fazendo sua expressão endurecer, fazendo-a esquecer de que o amava.
Notando seu celular pela primeira vez na mesinha próxima à cabeceira, esticou-se para pegá-lo. O movimento emitiu um som baixo de atrito contra a roupa de cama e seus olhos se arregalaram de imediato, disparando na direção de com certo receio de que o tivesse acordado, mas o rapaz continuava adormecido, pacífico.
Inúmeras mensagens de sua mãe e seus amigos enchiam as notificações do celular, e logo se prontificou a acalmar seus corações. Ou, pelo menos, foi o que tentou fazer, esperando que tivesse sucedido. Ainda estava algo atordoada devido à sedação, então fez o que pôde com os dígitos lentos e um discurso meio confuso.
Nesse meio tempo, se remexeu durante o sono e despertou. Com um pulo, ele correu até e envelopou o rosto da mesma com as mãos, beijando-a longamente na testa.
— Finalmente — ele sussurrou contra os cabelos da namorada.
— Estou bem — mentiu , tentando se desvencilhar do toque de .
— Poderemos ir embora em breve — ele contou, sorrindo sem graça ao notar um desconforto embaraçoso pairando no ar.
Ela apenas vocalizou um “hm” desgostoso, as pálpebras pesando ao tentar olhar para cima procurando os olhos verdes de .
— Isso é culpa sua — murmurou. Estava claramente grogue.
— O quê?
— Aquelas... — umedeceu os lábios antes de continuar. — Aquelas sandálias estúpidas.
— Amor, eu...
— Eu queria que você nunca as tivesse me dado. Eu odeio aquelas sandálias. Eu queria... Eu queria...
Aquilo a matava por dentro. Ela estava chorando de novo, mas não só por causa da dor que voltava a assolá-la, ou pela falta de perspectiva ao lembrar das oportunidades que viria a perder em sua profissão pelos próximos sabem-se lá quantos meses. Era porque ela o estava machucando. De propósito. E não conseguia parar. Seu cérebro sabia que não era o certo, que não era verdade, que ninguém tinha culpa daquilo, mas seu coração irado lhe dizia que era a única coisa a fazer, e as palavras simplesmente lhe escapavam do controle.
— O quê? — questionou . Sabia que o que viria a seguir não lhe faria bem, mas pressionou de forma masoquista mesmo assim: — O que você queria, ?
— Eu queria... — fungou, os olhos embaçados. Lágrimas quentes rolavam por seu rosto sem parar. — Eu queria nunca ter te conhecido.
E pôs-se a chorar mais ainda.
Sem reação ao ouvir aquilo, simplesmente ficou parado no lugar, os braços colados ao lado do corpo, o olhar estático e vazio. A sensação de humilhação só piorou quando, ao se virar para deixar o quarto, se deparou com uma Juliette igualmente embasbacada parada na porta.
— ... — ela tentou.
— Está tudo bem — disse o ator, ríspido, ao passar por ela em direção ao corredor.
Juliette soltou um suspiro frustrado e fechou a porta atrás de si antes de se sentar na beirada do leito de . As duas se abraçaram antes mesmo de trocar qualquer palavra; um entrelaçamento apertado e seguro, confortável.
— Meu bem, eu nem consigo imaginar pelo que você está passando. — Juliette tomou a mão da melhor amiga após se separarem um tempo depois, apertando-a com gentileza. — Mas vai passar. Eu prometo. É só mais um desafio a ser superado, e nisso você é a melhor. Sabe disso, não sabe?
fungou, secando as lágrimas do melhor jeito que podia.
— Qualquer chance de eu ser a melhor foi embora com meu tornozelo, Jules. Nada será como antes.
Era curioso como, sob efeito da sedação, ainda que agora estivesse passando, suas barreiras caíam como peças de dominó. Nem parecia a mesma pessoa que no dia anterior – talvez, ainda não tinha ideia do tempo – havia desafiado a médica dizendo que iria contra todas as possibilidades para se recuperar o mais rápido possível e voltar a ser quem era antes.
— Não é verdade — Juliette pressionou. — Seu tornozelo não se foi, ele só precisa de descanso e recuperação. Dê tempo ao tempo. É só disso que você precisa.
— Que seja. — desviou os olhos para a parede.
— Ei. Eu sei que... Provavelmente não é a melhor hora, mas... Pega leve com o . Não é culpa dele.
A patinadora emitiu um som de escárnio pela boca, virando o rosto para encarar a amiga novamente com uma expressão incrédula.
— É sério?
Juliette encolheu os ombros.
— Sabe como eu sempre digo que você é uma péssima capricorniana? — perguntou. — Eu retiro isso. O jeito que você tratou ele... Frio para caralho. Ele não merece isso e você sabe.
— Cuida da sua vida, Juliette — soltou rudemente, sem pensar. A morena ergueu as sobrancelhas, pasma e pronta para rebater. — De repente você é a maior fã dele?
— Eu não vou cuidar da minha vida, porque você é minha melhor amiga e eu estou aqui para te falar as coisas como elas são! E nem vem, você sabe que já estou de boa com ele.
— Certo. Se não se importa, eu gostaria de ficar sozinha agora.
— Olha, me desculpa, ok? — Juliette cedeu. — Eu estou aqui por você.
— Pode ir, Jules.
— Como quiser — ela respondeu com um suspiro.
Obviamente não a queria por perto a não ser que fosse para validar toda e qualquer ação sua, mas Juliette também sabia que aquele era um momento de delicadeza extrema, portanto se segurou para não liberar sua frustração com as atitudes da amiga. Por ora, o melhor a se fazer era respeitar seus sentimentos e lhe dar o espaço que pedia – mesmo que, conhecendo a mesma, fosse provável que aquele não era seu desejo real.
— Estarei lá fora. Me chame se precisar de algo.
somente assentiu. No momento seguinte, estava sozinha como desejava, e aproveitou para iniciar uma chamada de vídeo com a mãe. Enquanto isso, Juliette encontrou , inquieto, andando para lá e para cá pelos corredores gélidos do hospital.
— Ei, . — Pôs uma mão reconfortante no ombro do rapaz, fazendo com que ele parasse de se mover. — Não escute o que ela diz agora. Você sabe que ela não quer dizer nada daquilo — assegurou. — É o jeito que ela encontrou de lidar com isso no momento.
— Eu sei. — Ele esfregou o rosto, perturbado. — Sei que o lado emocional dela diz que se não tivesse me conhecido, não teria ido para o Oscar, não teria usado aqueles sapatos de merda que comprei, e não estaria aqui. Eu sei disso tudo.
— Obrigada por ainda estar aqui.
— Eu a amo, Jules.
— Eu sei. — Ela sorriu levemente de canto.
Ao final do dia, finalmente recebeu alta e contou com a presença de Jules, Dana, Lucy, Rami, Gwilym, Joe e, é claro, . Ela estava em uma cadeira de rodas sendo levada para fora do quarto por um enfermeiro, porém, assim que avistou os amigos, pediu para parar. Olhou agradecida para cada um deles, mas, em especial, precisou falar diretamente com Rami.
— Rami, eu gostaria de te pedir desculpas — começou.
Ele a olhou com uma expressão intrigada, agachando-se para ficarem da mesma altura.
— Por ter estragado sua noite tão especial — ela explicou. — Eu sinto muito.
— , meu bem, você não estragou nada! — Rami envolveu o rosto da amiga com as mãos. — Eu que sinto muito por isso ter te acontecido, mas você não estragou nada para mim, nem para ninguém. É com você que eu me preocupo.
fungou – estava fazendo muito isso recentemente –, ainda chateada.
— Eu mesmo caí do palco após meu discurso, não se lembra? — Ele riu sozinho com a memória do acontecido e também das fotos que foram tiradas no momento. — Da próxima vez que quiser me imitar, só tente não exagerar, tudo bem?
Com isso, Rami conseguiu arrancar uma risada genuína de , que assentiu.
— Obrigada por terem vindo — ela se dirigiu a todos dessa vez, sendo respondida por uma série de abraços apertados e reconfortantes.
Alguns dias depois, em casa, tirou uma foto das unhas dos pés que haviam sido feitas por Juliette antes da mesma retornar para Detroit com Dana. Pintadas de preto, elas se sobressaíam em contraste com o gesso branco e frio. Irritada com a foto, ela bloqueou o celular e o largou de qualquer jeito sobre o sofá – sua nova cama até que fosse seguro subir as escadas –, que quicou nas almofadas e caiu no chão com um baque alto. Ótimo. Se por um milagre o aparelho não havia quebrado durante o incidente na pós-festa do Oscar, era provável que isso tinha acontecido agora.
Seus olhos, antes já ardendo e lacrimejantes, começaram a piscar violentamente na tentativa de impedir que lágrimas maduras escapassem de fato, mas sem sucesso. O que começou como um choro leve e comedido se transformou em um surto por completo, e se tornou uma poça de desespero soluçante e descontrolada. Ah, como ela queria se afogar em remédios. Jocelyn e ouviram tudo da cozinha e foram rápidos em correr até a sala para acalmá-la. Funcionou.
O amor, a luz e a chama precisavam ser seus aliados agora, para protegê-la das drogas, do escuro e da vergonha.
Horas depois, de madrugada, mais calma e sem conseguir dormir, escreveu um texto para esclarecer tudo em seu perfil do Instagram. Nem teve pudor na hora de mencionar o quanto essa situação havia afetado seu estado psicológico tanto quanto o físico – talvez até mais. A saúde mental de esportistas sempre fora um tabu – em especial os da patinação artística por inúmeros motivos, como depressão e transtornos alimentares – mas se recusava a esconder esse assunto, por mais delicado que fosse.
Ela digitou:
“Tive um surto logo após tirar essa foto. Acho que nem é necessário dizer, mas estou além de arrasada. Acontece que a pós-festa do Oscar foi um pouco mais selvagem do que o esperado. Bebi demais, rolei um lance de escadas, quebrei o tornozelo. Por sorte, posso contar com as pessoas mais incríveis para cuidarem de mim; minha mãe, minha melhor amiga, meu namorado. Jules até fez minhas unhas para tentar me deixar melhor. E agora sei que posso contar com meus fãs também, que já têm me mostrado um enorme apoio desde que mencionei minha lesão nos stories no início dessa semana.
A partir de agora, estou oficialmente e indefinidamente me retirando de toda e qualquer competição, e tomarei esse tempo para focar na minha recuperação. Essa situação toda me afetou profundamente, não só fisicamente, mas também mentalmente. Esse é o pé que uso para aterrissar. Tentarei compartilhar essa jornada com vocês o máximo que conseguir, e mal posso esperar para voltar ao gelo. Porque eu VOU voltar. Eu VOU voltar a patinar. Por agora, fico apenas feliz de estar em segurança e em casa. Obrigada por tudo.
Com amor, .”
Continua...
Nota da autora: Sem nota.
Caixinha de comentários:O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
Nota da Scripter: Finalmente um capítulo novooo, ansiosa pelo próximo <3.
Essa fanfic é de total responsabilidade da autora. Eu não a escrevo e não a corrijo, apenas faço o script.
Qualquer erro no layoult ou no script dessa fanfic, somente no e-mail.
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Nota da Scripter: Finalmente um capítulo novooo, ansiosa pelo próximo <3.
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