Me Beija com Raiva

Última atualização: Fanfic Finalizada

 

 

Capítulo Único

O casamento de meu melhor amigo seria a minha ruína, e eu posso provar:
e faziam o tipo perfeito, você simplesmente batia os olhos neles e sabia que seriam para sempre. Eram a prova de que o amor existia, e eu estava lá por eles. O tipo de casal que está junto desde o ensino médio e já é visto como uma pessoa só. Você pode facilmente ouvir uma conversa que conhece assim: “Sabe o ?”, “O da ?”, era nesse estilo de casal, e eu estava lá e poderia ser identificado como o “ que sempre está com o e a ”. Eu era o Ted do seu Lily e Marshall, e ficava feliz que fosse assim.
Porém, o dia em que decidiram morar juntos foi o dia que veio até mim, com toda a sensibilidade que existia em seu coração, e me disse:
– Cara, eu vou me mudar para a casa da . Ainda não acredito que não vou mais dividir o loft contigo – admitiu ele, ainda sem graça com a situação. Sendo que eu sabia que aquilo uma hora ou outra iria acontecer, eles iam se casar! Era óbvio que em algum momento eu iria perder o meu colega de quarto. – Mas tenho uma pessoa interessada no local, e acho que pode ser uma boa ideia. – Gosto dele por causa disso, veio com o problema e a solução juntos. Ele era esse tipo de cara.
– E quem seria essa pessoa misteriosa? – perguntei, tomando um gole da provável última cerveja que tomaríamos juntos compartilhando a mesma casa. Ele já estava com as caixas prontas, todos os seus pertences empacotados e devidamente etiquetados como o bom moço que era. era idiota ao ponto de achar que eu não havia notado que ele estava com todas as suas coisas prontas para vazar dali.
– ele disse, como se eu fosse dar um soco nele ou algo do tipo, espremendo os olhos e crispando os lábios.
– Porra, ! – exclamei, espalmando minhas mãos sobre o balcão.
– Eu sei, eu sei, sei que vocês têm um histórico. Mas foi ideia dela! – explicou ele, pondo as mãos para cima em redenção.
era a irmã mais nova de , tivemos um caso de verão quando tínhamos uns 16 ou 17 anos que acabou tão rápido quanto veio, mas ambos sabíamos que teria que acabar de qualquer jeito; pois eu tinha entrado para a faculdade e teria que mudar de cidade para que conseguisse concluir meu curso. Foi um término intenso, com mil coisas mal interpretadas e olhares mortais. Não posso me orgulhar de dizer que fui um homem maduro durante nossos poucos encontros depois do ocorrido, porém ela também não foi a mulher mais sensata do universo. Então hoje, com 30 anos, posso dizer que ambos tivemos nossos momentos de pouco senso, levando em consideração que éramos apenas adolescentes naquela época.
– Ideia dela? Mesmo? – perguntei desconfiado, e levantou os ombros, tão confuso quanto eu.
– Sim, ela alegou que precisa de um local próximo do trabalho dela, porque além de trabalhar no turno da noite, ela ainda tinha que pegar quatro linhas de metrô diferentes para chegar no trabalho, e está sendo muito exaustivo – explicou, e eu tomei mais um gole da minha cerveja, ainda pouco crente nessa história.
– E o que você acha? – perguntei, querendo a opinião sincera do meu melhor amigo.
– Acho que pode ser uma boa ideia, nós dois sabemos que você vai se apertar pra manter esse aluguel sozinho. E com ela trabalhando no turno da noite... Vocês mal vão se ver! – disse alegre, mas não tão alegre a ponto de mostrar o entusiasmo que eu sabia que ele tinha agora em seu peito. era um romântico assumido, e provavelmente seu cérebro já estava celebrando o meu reencontro com como algo muito maior do que deveria realmente ser.
– Não sei se é uma boa ideia – admiti finalmente.
– Dá uma chance ao tempo, , vocês dois têm muito o que resolver – disse. Pra ele era muito simples dizer isso, pois ele só via o meu melhor lado e o melhor lado da sua irmã. Mas quando se termina um namoro, um namoro que já se foi faz muito tempo, você consegue ver as falhas, os erros, e o pior daquela pessoa. É difícil não reviver esses momentos, depois de tantas brigas e farpas trocadas.
Continuava achando uma péssima ideia, mas se era mesmo uma sugestão vinda da própria , eu me conhecia o suficiente pra saber que eu não diria não.
– Por mim tudo bem, , mas se não der certo, você vai dizer pra ela que a culpa foi dela por ter tido uma ideia tão estúpida quanto essa.
No fundo eu sabia que estava nervoso por ter que ver novamente depois de tanto tempo. E mais no fundo ainda, eu tinha certeza de que seria uma péssima ideia.

***

Algumas semanas se passaram até que todas as caixas de fossem removidas e as de recebidas. A última caixa veio com segurando-a, com e atrás segurando seu cão como dois guarda-costas bem preparados.
– Oi, deixa que eu... – falei, pegando a caixa de seu colo para que não tivesse que estabelecer algum tipo de cumprimento esquisito com ela. Aquele negócio de ir abraçar e ela dar a mão, você ficando com cara de bunda e braços abertos em sua direção. Com sua caixa já em meu colo, falei: – Seja bem-vinda.
Porra, estava linda.
Os cabelos avermelhados na altura do ombro, os olhos castanhos precisos e ágeis como os de uma águia, uma blusa amarela com rostinhos felizes despretensiosos e uma calça jeans clara com a cintura alta. E a cada passo que ela dava, adentrando o loft seguida de meus amigos e seu cão, eu percebia com mais clareza a merda que havia feito.
Meu peito não estava preparado para aquele tipo de situação.
Coloquei sua caixa sobre a mesa de jantar que havia ali perto, enquanto ela trocava algumas palavras que não ouvi com . Assim que soltei a caixa, seu cão, que estava até então comportado ao lado de , seguiu até mim e pôs as duas patas em minha barriga.
Não, ao contrário do que você possa pensar, eu não conhecia aquela criatura adorável. Era um belo exemplar de Border Collie, com a clássica pelagem preto e branca com olhos castanhos adoráveis. Eu sorri, fazendo carinho em suas orelhas, e fazendo o cão se esfregar mais em mim e latir em minha direção.
– Pastel de Carne, pelo amor de Deus! – bradou para o cão, o que me fez soltar uma gargalhada alta. – Me desculpa, ele não costuma fazer isso.
– Pastel de carne é o nome dele? – eu perguntei, vendo e rirem comigo.
– Sim – ela disse séria, vindo até o cão, que ainda curtia o carinho que eu fazia em sua cabeça, e fazendo-o descer as patas dianteiras. – Quieto.
Quando ela disse a palavra, o cão se sentou no chão e ergueu as duas orelhas, atento. Eu havia, sim, concordado que ela trouxesse seu cachorro, pois sempre foi um sonho meu ter um bicho de estimação e sempre foi contra. Pelo menos uma notícia boa durante sua saída; eu finalmente teria um cão. Um cão que nem era meu, mas aparentemente já fui aprovado em sua primeira cafungada em mim.
– Ok. está entregue. Acho que não precisamos de muitas apresentações, não é? – Foi quem quebrou o silêncio que surgiu depois do ataque canino.
– Não – falei, sem assunto para puxar com eles, porém com medo que fossem embora e me deixassem ali sozinho com ela. – Já conhece o loft, ?
– Já sim, me trouxe aqui algumas vezes quando você não estava em casa – ela disse, ainda olhando feio para o seu cão, que agora bocejava.
– Ok, então, suas coisas estão no antigo quarto do seu irmão. Tem toalhas e roupas de cama limpas no closet. Você... Você precisa de alguma ajuda? – perguntei, não querendo ser mal-educado. – Está tudo bem, , eu ajudo ela – , o anjo que Deus enviou para mim, disse sorrindo em compaixão.
Quando elas se afastaram, sendo seguidas por Pastel de Carne, se aproximou, pondo a mão em meu ombro.
– Cara, relaxa... respira – disse de modo cômico. – Eu já conversei com ela, sugeri que hoje vocês conversem entre si e estabeleçam algumas regras de boa convivência. Vai dar tudo certo.
– Não sei, eu...
– Você se sente estranho com ela por aqui. – concluiu meu pensamento. – Eu sei, ela também, acredite. Mas pensa nisso como uma coisa boa para vocês dois.
– Eu sei que nós dois precisamos disso, que os dois saem ganhando e blá, blá, blá – falei unindo as sobrancelhas. – Mas não é tão fácil pessoalmente.
– Porra, , pelo menos tenta! – implorou-me, fazendo com que eu soltasse um suspiro alto.
– Ok. Eu vou tentar.

***

Após todas as suas coisas estarem no devido lugar, se despediu de e e ambos foram embora, me deixando sozinho com ela e Pastel de Carne.
fechou a porta da frente e suspirou alto, vindo na minha direção.
– Podemos conversar?
– Claro – respondi, me ajeitando no sofá. Ela sentou-se de frente para mim, já que o sofá era em formato de L.
, temos nossas diferenças, tivemos nossas desavenças, mas isso foi há tanto tempo que confesso que nem lembro mais direito das coisas. Tenho até medo que toda essa raiva e amargura que eu sinto seja apenas uma deformidade das minhas lembranças, já que elas passaram por um filtro de uma adolescente de 16 anos – ela disse, de maneira simples e objetiva. Estava sentada no sofá, com as pernas unidas e os cotovelos apoiados nas coxas, as costas ligeiramente curvadas mostrando uma exaustão nítida.
– Olha só – continuou –, eu estou disposta a levantar uma bandeira de trégua por esse ótimo loft, e espero que você também esteja.
– Estou sim, claro – respondi. Eu estava sentado com as costas no sofá, tentando parecer o mais confortável possível com aquela conversa. O controle da TV em minha mão era o canal de despejo da minha ansiedade.
– Ótimo, acho que podemos organizar algumas coisas agora, se você não se importa – disse ela, a sua áurea mandona ainda rondava seu semblante. – Sem problemas – apenas respondi.
– Ok, amm, Pastel de Carne é muito bem treinado e tem uma rotina bem calculada. Não precisa se preocupar com ele, ele não vai latir, ou comer nada que você não queira. Ele faz as necessidades no tapete higiênico e eu o troco todas as manhãs quando chego do trabalho. Ele tem bastante energia, e eu corro com ele todos os dias, então no seu momento de descanso ele estará bem.
– Beleza.
– Sobre o meu trabalho, eu sou enfermeira. Meu turno é de 12 horas, das sete da noite às sete da manhã. Então é bem comum que eu durma a manhã inteira. Normalmente minhas folgas são do tipo 6/2, ou seja, eu trabalho seis dias e folgo dois, sempre em dias corridos, então é bem difícil eu pegar essas folgas em um final de semana ou em feriados, mas acontece. – Ela dizia as coisas tão rápido que eu mal tinha tempo de assimilar tudo. – Então vou te pedir encarecidamente que faça o mínimo de barulho possível no período da manhã.
– Ok, consigo fazer isso – respondi, sabendo que nos dias de semana eu trabalhava no período da manhã, então não havia motivo para que eu negasse um pedido daqueles.
– Tá bom, obrigada. E eu gostaria muito que você não entrasse no meu quarto, não sei qual era a relação que você tinha com , mas eu e ele somos pessoas bem distintas e eu adoraria que minhas coisas ficassem do jeito que estão – disse ela, e eu segurei uma risada. Por que motivos eu iria me enfiar no quarto dela?
– Ok – apenas respondi, não querendo dar motivos para que ela ficasse brava comigo sem necessidade.
– E eu vou precisar de ajuda para aprender os costumes de compras, e o seu calendário de uso do banheiro e da lavanderia, por exemplo. – Ela olhou as unhas nesse momento, e eu uni as sobrancelhas, sem entender direito. Meu Deus, as coisas com eram tão mais simples... Será que todas as mulheres andam com um calendário no bolso, para saber o dia exato de pôr roupa para lavar? “Oh, hoje está um dia lindo, mas não posso lavar roupa pois não está marcado no calendário”. Ok, respira, , ela só está querendo ser prestativa e fácil de lidar.
– Normalmente eu faço as compras, vou trabalhar de carro e é mais prático. Faço uma vez por semana, e eu já conhecia o suficiente pra saber o que ele queria ou não. Caso você prefira, faça uma lista toda semana e deixe na geladeira, posso comprar para você – falei, soando mais maduro e menos debochado do que realmente esperava, e notei que surtiu efeito positivo nela.
– Ok, gosto da ideia – me encorajou a continuar falando.
– Sobre o banheiro, eu uso quando acordo, que é lá pelas seis e meia da manhã, às vezes sete, quando está meio frio. Depois só volto a usar de noite, quando chego do trabalho e vou tomar banho. Dificilmente almoço em casa. – E não é que eu sabia ser regrado também? Parabéns por fazer o mínimo, .
– Entendi. Então realmente vamos nos ver pouco durante os dias, achei que pudesse estar exagerando – ela disse, e eu concordei.
– É, eu também achei – admiti. – E sobre a lavanderia, eu lavo roupa quando vejo que o cesto de roupas que tem no banheiro está cheio. Você sabe, eu não tenho um calendário de uso, então não sei exatamente te dizer os dias em que as roupas são lavadas.
- Ok. – Ela deu uma risadinha. – Vou manter um cesto próprio, e aos poucos nós vamos vendo como funciona. Tranquilo? – perguntou, levantando-se.
– Tranquilo.
Ela levantou-se satisfeita.
– Vou tomar um banho agora, pois tenho que trabalhar.
Hoje era sábado. Acho que nunca me acostumaria com algo assim.
– Ah, sobre o Pastel de Carne, ele entende a maioria das palavras ditas como comando. Fica, senta, rola, não, quieto, pata, passear. – A última palavra ela sussurrou para que o cão não ouvisse. – Se eu estiver no recinto, ele vai atender a mim. Mas quando estiverem sozinhos, ele não vai ser indisciplinado com você.
– Legal. – Eu já amava Pastel de Carne, era definitivo.
Depois que saiu, Pastel de Carne sentou-se ao meu lado no sofá e assistiu eu jogar vídeo game até minha hora de dormir. Conversei bastante com ele, para que se acostumasse com minha voz. Pedi para ele fazer alguns comandos básicos e ele fez alegremente, retribuí com bastante carinho.

***

Após uma semana nesse novo formato da minha vida, notei que seria possivelmente mais fácil do que nós dois pensamos. Nos víamos de manhã, quando eu estava tomando café e ela chegando do trabalho, trocávamos um “bom dia” simples e, de noite, quando eu chegava do trabalho e ela estava se arrumando para sair, trocávamos um “boa noite”.
Pastel de Carne, como eu já havia desconfiado, acabou virando um grande amigo, companheiro e ouvinte, e eu me via ansioso no trabalho para chegar em casa e ser recebido com tanto calor de um serzinho como ele. Meu psicólogo particular.
A merda no ventilador aconteceu no primeiro fim de semana, quando resolvi iniciar uma partida online de Call Of Duty com meus amigos. O jogo era cooperativo, então era de se esperar que vez ou outra houvesse um xingamento, um resmungo ou um soco no sofá. Para início da desgraça, acabei esquecendo da regra de que o período da manhã era sagrado para , então a TV estava alta, com barulhos de tiros e bombas explodindo.
, será que você pode abaixar o volume? – veio até a sala de pijama, com os olhos extremamente cansados, me pedir com gentileza.
– Porra, . Me desculpa, eu esqueci completamente! – falei de imediato, colocando a TV no mudo. Ela não disse nada, apenas se virou e voltou ao quarto. Corri para pegar um fone de ouvido.
Eu podia jurar que estava no mais absoluto silêncio quando veio pela segunda vez.
, você está gritando. Tipo, muito – ela disse baixinho, quando afastei o fone de ouvido da orelha.
– Desculpa, , não vai se repetir – falei, sentindo-me mal por estar atrapalhando seu sono.
Continuei jogando, dessa vez tomando cuidado para não fazer um estardalhaço estúpido e momentâneo sem querer.
A manhã continuou sem mais nenhuma estupidez da minha parte. Fui almoçar fora, e de tarde vi se arrumando para sair com Pastel de Carne.
– Ei, quer que eu saia com ele para que você descanse mais um pouco? – perguntei, tentando ser amigável. Ela me fuzilou com os olhos.
– Não precisa – apenas disse, e, com um estalar de língua, Pastel de Carne estava ao seu lado, esperando que ela conectasse a coleira.

De noite saí para beber com meus amigos. estava junto.
– E como foi a primeira semana?
– Foi mais calma e normal do que eu esperava – respondi com um meio sorriso. – Cara, vai dar muito certo. Você vai ver!
– É, não sei, hoje já consegui foder um pouco com ela, mas foi sem querer – expliquei, bebendo minha long neck enquanto ele fazia o mesmo. Nossos outros amigos estavam em uma conversa afinca sobre futebol.
– O que você fez? – perguntou cômico.
– Nós estávamos jogando Call of Duty, e eu esqueci que era o horário que ela dorme – respondi dando de ombros, sabendo que me conhecia o suficiente para saber que eu era um idiota jogando qualquer jogo.
– Cara, isso foi maldade. – Ele riu.
– Eu pedi desculpas, espero que seja o suficiente – falei rindo, sem ter muito o que dizer.
apenas deu de ombros, rindo também, e terminamos o assunto, voltando a socializar com os outros caras que estavam ali.
Voltei para casa de madrugada, dividindo um Uber com uma garota que puxei assunto no bar. Estávamos alegres o suficiente para perdermos uns quinze minutos fazendo carinho no Pastel de Carne quando chegamos em minha casa, e mais quinze dando risada do seu nome. Depois disso, seguimos para o meu quarto, e, assim que começamos a nos beijar, Pastel de Carne começou a latir. Pedi licença e fui até a sala.
– Pastel, quieto! – exclamei, e ele sentou-se de orelhas em pé.
Voltei ao quarto e a encontrei deitada em minha cama, apenas de lingerie, porra, eu estava precisando de uma visão daquelas. Porém, quando coloquei meu joelho sobre a cama, Pastel voltou a latir.
– Desculpe, ele nunca fez isso antes – expliquei, saindo novamente do quarto. Além de me atrapalhar, ele ia me dar uma multa sonora do síndico.
– Pastel de Carne, vai para a cama! – Apontei para a sua caminha, que ficava na lavanderia. Ele baixou as orelhas e seguiu para a cama. Dei uma olhada em volta, para ver se havia algum gato na janela ou algo que pudesse estar chamando a atenção dele: Nada.
Espiei ele antes de voltar para o quarto; estava deitado na cama, enrolado com seu bichinho de pelúcia.
Entrei no quarto novamente, e a garota estava mexendo no celular dessa vez. Merda.
Subi na cama, passando a mão por seu corpo no processo, fazendo-a sorrir e largar o celular na cômoda ao lado. Colei nossos lábios, e nossas línguas embriagadas se misturaram. Deitei-me por cima dela, segurando meu peso. Suas mãos entraram por baixo de minha camisa, indicando que eu deveria tirá-la. Retirei sem muita dificuldade.
E então, lá estava o maldito Pastel de Carne novamente. Os latidos eram altos e ecoavam, parecia que ele estava na porta do meu quarto.
Abri a porta e dei de cara com ele. Bufei, e ouvi a garota em minha cama bufando também.
– Porra, Pastel, qual é o seu problema hoje? – perguntei, sem esperar resposta. – Vá para o quarto da sua mãe. – Apontei na direção do quarto de e fui até lá fechar a porta. Ela que se entendesse com ele depois.
Assim que voltei ao quarto, vi a garota vestida.
– Olha, desculpa, é que acabei de receber uma mensagem importante, e... É melhor eu ir embora – falou, juntando os sapatos que estavam no chão. Puta merda. – Talvez o seu cão esteja com alguma dor, não é bom levá-lo ao veterinário?
Não, ele não estava com dor. Eu já sabia o que havia acontecido ali. Eu não tinha deixado dormir, e não me deixaria dormir.
Era guerra que ela queria? Então era guerra que ela iria ter.
Coloquei Pastel para dormir em meu quarto, depois de algumas tentativas falhas de fazê-lo parar de latir fora dali, e duas ligações em nosso interfone com um aviso de que na terceira eu receberia a multa.
Dormi com fogo nos olhos, pensando no que poderia fazer para que entendesse que eu sabia que era ela.

***

Acordei seis e meia, em um domingo de manhã (!!!), fui até a cozinha, passei o café mais caprichado que fiz na vida e deixei a cafeteira no centro da ilha, de modo que assim que ela entrasse no apartamento o visse e ficasse tentada a bebê-lo.
Peguei o pote de açúcar e de sal e troquei uma embalagem pela outra, eu já havia visto ela tomando café com açúcar durante a semana.
Ri sozinho por tamanha infantilidade, mas voltei ao meu quarto tranquilo, fiz sinal positivo para Pastel, que entortou a cabeça para o lado e joguei-me na cama, voltando a dormir.
– PUTA QUE ME PARIU! – ouvi berrar da cozinha, e acordei assustado. Ouvi ela fazendo o som de quem estava prestes a vomitar, porém foi apenas uma vez. Ouvi sons de coisas sendo jogadas na pia e passos pesados próximos ao meu quarto. Depois silêncio. Fechei os olhos para fingir que estava dormindo caso ela abrisse minha porta de supetão, mas logo ouvi passos se afastando.
A guerra estava oficialmente iniciada.

Na segunda-feira, notei que todas as minhas meias estavam furadas no dedão. Fiz questão de usá-las quando estava por perto, apenas para ver seu sorrisinho sacana e silencioso em seus lábios carnudos.
Na quarta-feira, senti um desconforto significativo em minha lombar, e desconfiei de meu colchão. Em casa, virei meu quarto de cabeça para baixo, tentando encontrar o que estava me causando aquilo, o colchão não parecia comprometido. Na sexta-feira, com minhas costas me matando, notei que meu sapato estava com uma palmilha de cada cor. Ela havia trocado a palmilha de cada sapato social meu, deixando todas com o pé direito uns poucos milímetros mais alto.
Filha de uma puta.
Era um tipo sádico de pegadinhas, o tipo inteligente que eu sabia que era. Eu nunca notaria as palmilhas no primeiro dia, mas com o acúmulo de dias, minhas costas sentiram o baque.
Marquei uma massagem relaxante no sábado, e, enquanto a mulher passava óleo em minhas costas, me arrancando gemidos que até me deixaram constrangido, eu pensava em como iria atingir aquela miserável de modo que ela soubesse que eu descobri sua pegadinha infame. E claro, comprei meias novas.
A troca de sal por açúcar havia sido brincadeira de criança perto da maldade incrustada que ela havia feito comigo.
Quando cheguei em casa, ela ainda estava lá, jantando antes de ir ao trabalho.
– Sabe, , as meias furadas eu até achei bonitinho – falei, debruçando-me sobre o balcão de frente para ela. – Mas as palmilhas dos sapatos... Isso foi maléfico.
Ela terminou de mastigar suas torradas com guacamole e me respondeu:
– Café com sal é aceitável para você?
– Café com sal é engraçado. A lombar doendo a semana inteira não – admiti, e ela virou os olhos para cima.
– Foi você quem começou – gesticulou, dando mais uma mordida em sua torrada.
– Eu pedi desculpas, fiz sem querer! – expliquei, perdendo um pouco o controle de minha voz e sendo um pouco mais rude do que queria.
– É, mas naquela noite meu turno foi uma bosta. Você tem noção de quantos energéticos tive que tomar? – perguntou ela. – Você tem noção do que o energético faz com o corpo da gente?
– Olha, não vem dar uma de médica para cima de mim. Eu errei, e pedi desculpas. Se serve de consolo, eu perdi o que eu penso que seria uma ótima transa na semana passada, por causa do Pastel – articulei.
– Nossa, você me comoveu muito agora. Poxa vida, , quer que eu peça desculpas por você ter perdido uma transa? – Foi irônica, terminando de tomar seu café.
– Não seria uma má ideia, quase ganhei uma multa do condomínio também. – Eu nem sabia por que estava me dando ao trabalho de falar aquelas coisas para ela. Só não queria que ela ficasse o tempo inteiro achando que era só ela que estava sofrendo por ali.
– Nossa, nossa! Uma multa? Cuidado para não ir à falência assim. Já que é um idiota que não consegue nem pagar o aluguel sozinho. Não se preocupe, , eu pago as multas que forem por causa do latido do Pastel. Só não vou pagar as que forem por causa dos seus berros imbecis jogando video game, ou quando alguma vagabunda estiver gemendo por aí – ela disse, colocando sua louça na pia. E virou-se para mim novamente. – Isso é, se você conseguir fazer alguém gemer.
E saiu da cozinha com um sorrisinho cínico.
ia me deixar louco.
Antes que alguém pense que minha transa com foi um desastre: ela nunca aconteceu. Nosso namoro foi rodeado por um tabu muito grande na época que não tivemos a oportunidade de desvendar: sua virgindade. tinha 16 anos, era virgem, e eu sempre fui respeitoso em querer dar o tempo que ela precisasse.

Esperei aquele ser maléfico sair para o trabalho e fui correndo ao banheiro. Lá temos um espelho grande em uma das paredes, e uma bancada com duas pias. O armário abaixo da pia era espelhado e tinha uma porta e três gavetas para cada. O box era grande e haviam dois nichos, na parede de frente para o espelho tinham dois porta toalhas, onde minha toalha salmão e a sua toalha amarela estavam penduradas. As únicas coisas compartilhadas por nós dois era o vaso sanitário, o chuveiro e a toalha de rosto, que depois de uma conversa na primeira semana resolveu-se o fato de que já havíamos compartilhado germes o bastante para saber que ter duas toalhas era uma simples besteira.
Abri suas gavetas, até encontrar seu secador de cabelos, e levei-o até a cozinha. Enchi-o de trigo e recoloquei na gaveta com cuidado, para que nenhum pó saísse de dentro e ela pudesse ver.
Este seria um coringa que ficaria aguardando o seu momento, pois eu não sabia quantas vezes ela realmente usava o secador de cabelos por semana. Peguei o seu cesto de roupas que estava no canto do banheiro ao lado do meu, e escolhi todas as suas roupas brancas, e me surpreendi vendo que tinha realmente muita coisa: calcinhas, sutiãs, camisas e até shorts jeans. Tudo que era branco e creme entrou na máquina de lavar. Fui até o meu quarto e abri um pacote ainda não usado de meias vermelhas (eu nem uso meias vermelhas, mas quando vi o pacote na loja, essa ideia já tinha brotado em minha mente) e coloquei junto na máquina.

***

! Seu filho da puta! – Fechei os olhos, rindo, quando ouvi a voz de gritar meu nome da lavanderia. Pastel levantou os olhos para mim como se dissesse “Ela te descobriu, cara!”.
chegou na cozinha com uma enorme trouxa de roupas rosadas, todas parecendo um grande embolado de roupas de uma menina de cinco anos.
Tomei o último gole de meu café com a calma de um buda.
– Poxa, me desculpa! Só estava querendo ajudar... Ficaram bonitinhas, vai! – falei piscando para ela, e eu podia jurar que ela estava tentando explodir minha cabeça com a sua mente agora.
– Você é um idiota.
– Eu sei – apenas disse, dando de ombros, e colocando minha xícara na pia.
– Você... Argh! Você sabe que sou enfermeira, certo?! – ela disse irritada, referindo-se ao fato de ter tantas roupas brancas por um motivo, e saiu da cozinha. Ela sabia que não tinha como ficar brava, aquilo não tinha mais regras ou motivos, e era nítido que a cada vez que fazíamos aquilo, era sempre logo após alguma merda acontecer, então a raiva só nos deixava mais cegos e falsamente poderosos.
Eu teria que esperar a sua próxima pegadinha medonha para ficar com raiva, não adiantava discutir com ela naquele momento. E ela sabia disso.
Segui para o meu trabalho.
Eu era corretor de imóveis, então tinha o meu trabalho bem flexível, fui até a agência e chequei minhas visitas de hoje.
Foi um dia tranquilo, cheguei em casa e a encontrei terminando seu café.
– Só uma pergunta, vou precisar ir ao médico depois da sua pegadinha? Porque se sim, me diz qual é o hospital que você trabalha para que eu não corra o risco de ir lá e você troque algum dos meus medicamentos... – falei em um tom cômico, e ela respondeu com um sorriso forçado.
– Você me paga. Todas as minhas roupas brancas parecem pijamas tie-dye.
Dei uma risada gostosa que subiu pela minha garganta sem que eu esperasse, ela uniu as sobrancelhas, irritada. Confesso que estava gostando de como as coisas estavam entre nós, havia sim uma parte de mim que tinha certeza absoluta que uma dessas brincadeiras de podia me matar, mas eu estava me divertindo e aquilo ali era o tipo de conversa que eu nunca achei que teria intimidade o suficiente com ela, mesmo que ela me odiasse por isso.

Três dias depois, eu descobri qual era a sua pegadinha.
Saí do banho e quando fui escovar os dentes, notei que meus cabelos estavam pelo menos dois tons mais claros do que de costume. Abri a embalagem de shampoo e condicionador que ficavam em meu nicho no banheiro e ambos estavam com o mesmo cheiro. Mas eu notava que estava diferente olhando no espelho, os fios mais secos estando bem mais claros do que o meu castanho habitual.
– Meu cabelo, ? Sério?! – Saí do banheiro com rapidez, a toalha enrolada na cintura e os cabelos ainda pingando água.
Ouvi sua risada antes mesmo de vê-la.
– Do que é que vo... Ai meu Deus! – ela exclamou quando finalmente me olhou, e por fim deu uma risada. Uma risada genuína que fazia tempo que eu não ouvia. Daquelas em que a cabeça pende para trás e a gargalhada sai alta.
Não consegui me conter e ri junto.
– Você é uma idiota sem coração – eu disse depois que paramos de rir. – É sério, está me devendo um shampoo novo.
Ela mal continha as risadas direito, ambos os seus olhos tinham um rastro de lágrimas de divertimento puro as minhas custas. Foi até a geladeira e colocou “Shampoo – ” na lista de compras.
– Valeu cada centavo. – Quando ela me olhou de novo, ainda com um sorriso no rosto, eu podia jurar que estava fitando meu corpo desnudo por um momento. Mas devia ser coisa da minha cabeça, já que meio segundo depois completou: – Você está me devendo um conjunto de roupas brancas.
– Justo. – E um secador de cabelos, mas isso não veio à tona ainda.

***

Obviamente, precisei ir ao cabeleireiro. Pedi para passar a máquina e descolorir por completo.
– Menino, você ficou babado! – Antoni, meu cabeleireiro, disse abanando o rosto. Analisei meu rosto no espelho, o cabelo estava raspado no maior estilo militar, as sobrancelhas grossas e escuras, a barba por fazer, fizeram o meu cabelo parecer mais descolado do que realmente era.
– Você tem certeza? – perguntei, me achando, na verdade, ridículo.
– Ficou um tesão, . Juro que pegava fácil. – Ele riu e piscou para o meu reflexo no espelho.
– Assim eu vou acreditar – brinquei com ele, piscando de volta.
– Ai, papai, não faz assim comigo que eu gamo.
Saí do cabeleireiro com um pouco mais de confiança do que realmente estava, mas eu não ia deixar que aquilo abalasse minha autoestima. Hoje era sexta-feira e eu iria colocar meu novo look à prova.
Cheguei em casa depois do serviço, e encontrei com roupas confortáveis e não com roupas de ir ao trabalho, concluí que hoje e amanhã seriam sua folga. Seu olhar sobre mim foi indecifrável, não haviam palavras para descrever os segundos que ela passou me analisando de boca aberta, e pude notar, novamente sem certeza alguma, que ela havia gostado do que viu. Engoliu seco e não disse nada, desviando o olhar depois de pelo menos trinta segundos diretos olhando para mim. Uni as sobrancelhas sem saber exatamente o que pensar daquilo e segui para o meu banho rotineiro.
O banho foi uma maneira agradável de pensar qual seria a minha próxima pegadinha, essa sua última saiu caro para mim.

– Está de folga hoje? – perguntei, e ela provavelmente estranhou o fato de eu puxar assunto sem querer xingá-la. A verdade era que eu estava me acostumando com a sua presença, e as pegadinhas eram um ótimo jeito de quebrar o gelo, que nessa hora, em minha opinião, já estava mais do que quebrado.
– Sim, hoje e amanhã. Na verdade me mandou uma mensagem perguntando se queremos almoçar lá amanhã. Está a fim de ir? – ela disse, distraidamente jogada no sofá, olhando a tela do celular.
era a porra de uma gostosa, sempre foi, e esse foi um dos motivos de eu querer ficar com ela quando nos conhecemos pela primeira vez. Seu sorriso era de outro mundo e o seu corpo era a merda de um monumento. Tê-la tão perto de mim me fazia sentir coisas estranhas que eu realmente não queria sentir, afinal o que tínhamos ali não era mais do que uma amizade pouco confiável de colegas de quarto. Mas vê-la naquele momento, usando uma t-shirt rosada (provavelmente minha culpa) e um short jeans um pouco curto demais para meu próprio bem, me arrancava suspiros que eu jamais admitiria para alguém. Eu gostava de , e acho que nunca deixei de gostar. Aquilo me feria de um jeito que me deixava magoado. Merda!
Eu preciso transar.
Nada como uma boa foda para esquecer um pouco a besteira que anda rondando meus pensamentos.
– Claro, não vejo por que não – respondi, dando de ombros. – Vai ficar em casa? Em uma sexta à noite?
– Sim, , ao contrário de você, não preciso preencher o meu vazio existencial com transas mal executadas – ela disse, especialmente rude, e sem motivo aparente, já que segundo atrás estávamos tendo uma conversa normal.
– Na verdade, com essa porra de comportamento, é exatamente o que você está precisando. De uma foda bem boa com um desconhecido. – Respondi no mesmo tom e ela me fuzilou com os olhos.
– Vá se foder, – ela respondeu, cerrando os olhos, e eu me retirei.
– Vem cá, de onde você tirou que eu sou ruim de cama? – Perguntei realmente interessado, enquanto pegava a chave do carro no chaveiro ao lado da porta. – Ah, conversa de garotas... – ela disse, piscando para mim e dando atenção à TV.
É claro que aquilo era no mínimo um verde jogado para ver se eu perguntava algo. Não que eu fosse convencido ao ponto de achar que era o maioral na cama, mas eu não devia ser tão ruim a ponto de achar que mulheres estavam por aí falando do quão ruim eu fui. Já namorei algumas vezes, tempo o suficiente para ter conversas íntimas e nunca fui absolutamente massacrado em conversas como essas. Então, sim, acho que foi apenas algum verde. Até porque, é muita coincidência eu sair com uma mulher que trabalhava no mesmo turno que ela no hospital, certo?
Certo.
Eu não ia deixar abalar minha autoestima pela segunda vez no dia.
Antes de eu sair pela porta, me chamou.
– Ei, ... – Vi apenas o topo da sua cabeça e seus olhos por cima do sofá. – Esse cabelo ficou bom em você.
Apenas acenei com a cabeça e fechei a porta, não deixaria que ela visse meu sorriso enquanto saía do prédio.

***

Nessa noite Pastel de Carne não latiu a noite inteira, enquanto eu estava com uma garota no quarto. E admito que meu cabelo fez um puta sucesso na festa que fui com meus amigos. E sim, eu estava precisando urgentemente dessa transa, e Carmen foi uma mulher que parecia saber que eu estava precisando daquilo.
No dia seguinte, acordei antes dela, coloquei café na cafeteira e segui para o banheiro. Saí de lá com a toalha enrolada na cintura e no meio do caminho, encontrei e Carmen conversando na cozinha. Merda.
Carmen usava a camisa preta que usei ontem, com apenas alguns botões fechados e usava um adorável pijama do Piu-piu e Frajola, a conversa era sobre a nova temporada de alguma série da Netflix que havia acabado de sair.
– Bom dia...? – falei meio desconfiado.
– Bom dia, ! – Carmen respondeu animada, e veio até mim me dar um beijo; selei nossas bocas rapidamente.
– Bom dia colega de quarto. – respondeu passiva.
– Tudo certo por aqui? – perguntei, ainda estranhando aquele clima esquisito que pairava no ar.
– Sim! Só vou tomar um cafezinho com e volto para o quarto. – Carmen respondeu piscando. Ela falou como se e ela fossem melhores amigas.
– Na verdade, eu e vamos até a casa do irmão dela... – falei, fingindo estar sem graça com a situação, e Carmen olhou para para confirmar a história.
– Ah, ! É só ao meio dia. – Ela piscou maldosa para mim, e Carmen voltou a me encarar.
– É, mas você sabe como sempre pegamos trânsito indo para lá. – A casa deles ficava a 15 minutos dali. Carmen voltou a olhar para ela. As mulheres também tinham um “Bro code” que me assustava às vezes.
– É... Você tem razão. – concordou comigo, me fazendo unir as sobrancelhas em desconfiança. Dei alguns passos em direção ao meu quarto, com medo de deixá-las sozinhas de novo, mas não podia simplesmente me sentar ali de toalha igual um tarado.
Carmen me esperou voltar para ir colocar sua roupa de ontem e ir embora.
– Você não tem vergonha de mentir assim? – perguntou assim que ela fechou a porta.
– Ahhh, , não me venha com essa agora! – Falei dando uma risada que não consegui segurar. – Nem foi uma mentira de verdade.
– Não mesmo, foi uma mentira mentirosa – ela disse, não conseguindo segurar o riso também.
– Você nem sabe o que falar, tá falando qualquer coisa só para ter motivo para brigar comigo. – Falei pegando minha caneca para me servir de café.
– Eu não.
– Você adora brigar comigo. Fica até me olhando estranho quando eu puxo algum assunto que não seja algo para brigar! – admiti apontando para ela, que virou os olhos para cima.
, eu brigo com você pois tenho motivos – ela disse, finalizando seu café. – Motivos estes que quando eu não tenho, você vem com uma bandeja e me entrega mais.
– Nossa, quantos motivos eu te entrego por dia? Meu respirar te irrita? Eu ronco tão alto que você ouve do seu trabalho? Ou será que eu deixo minhas roupas jogadas no chão do banheiro?
– Não, seu idiota. Você me irrita, simples assim – ela disse, colocando a xícara na pia.
– Você anda muito irritadiça, eu já te disse o que pode ser isso, não disse? – Respondi com um meio sorriso torto e ela bufou.
– Eu estou muito bem, obrigada pela preocupação. Sei que você está ansioso para transar comigo desde que tínhamos dezesseis anos, mas você precisa superar isso – falou, passando seu dedo sobre meu queixo como se retirasse uma baba inexistente dali.
Que mulher infernal.
– Você bem que queria esse gostinho, não é? – respondi, tão afiado quanto ela. – Que eu admitisse alguma coisa por você, para que você pudesse ceder com a vontade que você está de transar comigo.
Ela deu uma risada forçada, seguindo até o banheiro.
– Nem em seus sonhos, – ela disse, piscando para mim antes de fechar a porta.
Com a manhã livre, resolvi jogar um pouco de vídeo game até a hora de ter que me arrumar para irmos até a casa de e .
Me perdi em pensamentos jogando God of War, enquanto ouvia o barulho do chuveiro e murmurando alguma música enquanto tomava banho. Pensar que ela estava ali, nua, do outro lado daquela porta me deixou ligeiramente desnorteado, eu nem conseguia me concentrar em que porra Kratos estava fazendo. Desde ontem, eu ainda não tinha conseguido pensar em uma boa pegadinha para ela. Pensei em tosar o pelo de Pastel de carne, mas ele não tinha culpa, pensei em trocar todos os produtos que ela tinha no seu lado do espelho do banheiro por óleo de cozinha e até pensei em colar uma pedrinha dentro de cada tênis seu, mas nada mais fazia sentido. Aquela guerra besta tinha que acabar de uma vez.
Ouvi o chuveiro desligar, e fiquei imaginando ela se secar com a sua toalha felpuda, aquela porra de corpo delicioso todo molhado... Mas que caralho, ! Foco.
Logo depois ouvi o barulho do secador de cabelos sendo ligado, seguido de um grito estridente dela.
!!!
A risada subiu na minha garganta antes mesmo que eu pudesse pausar o jogo.
– Seu sádico idiota! – Ela abriu a porta do banheiro e veio em minha direção: seu rosto estava completamente branco, a poeira do trigo encrustava na raiz do seu cabelo molhado formando uma papinha branca, seu cabelo também estava completamente tomado, junto com seu pescoço e colo, até a toalha que estava enrolada em seu corpo estava suja. Eu conseguia ver seu semblante carrancudo pois o trigo demarcava bem as rugas que seu rosto formava.
A gargalhada que eu dei ecoou pelo apartamento, mas isso não fez ela mudar de semblante, ao invés disso, fez ela pular em meu pescoço feito uma fera.
– Seu filho da mãe, desgraçado! – Dava tapas em meus braços, e quando ela falava, o trigo escapava de seu rosto me sujando também. Até o seu respirar pelo nariz formava pequenas nuvens de fumaça, o que deixava tudo ainda mais hilário.
– Ei, ei, ei! Você está me sujando todo! Eu já tomei banho! – falei entre risos, ainda afetado pelo seu estado.
– Você me paga! – Deu mais alguns tapas bobos em meu ombro e eu segurei seus dois braços com um movimento rápido, dei um puxão que a fez trombar em mim.
– Ei, chega! – falei sério. Sua respiração com hálito de dentes recém escovados bateu em meu rosto e eu perdi a postura por um segundo. – Você fez por merecer... – Minha voz perdeu um pouco a força, e por um segundo também vi seus olhos piscando de maneira errada, como se a minha voz ou a nossa aproximação repentina também afetassem ela.
– Você está fodido – ameaçou ela, sem autoridade nenhuma. Minhas mãos ainda seguravam seus pulsos e seu peito subia e descia com rapidez. Soltei-a antes que fizesse qualquer bobagem e deixei que ela me desse mais um tapa irritado em meu braço antes de voltar ao banheiro.
Peguei meu celular e liguei a câmera rapidamente.
! – chamei-a, antes que entrasse totalmente no banheiro, e na hora que ela virou bati a foto. Caí na gargalhada de novo antes que ela batesse a porta com força.

***

Chegamos no apartamento de e um pouco antes do meio-dia.
– Oi coleguinhas de quarto! Como vocês estão? – perguntou, abraçando a irmã, e tirando-a ligeiramente do chão.
– Estamos ótimos, e vivos, que é o principal – falei, dando uma risadinha indiscreta, e me fuzilou com os olhos.
– Meu Deus, cara, o que houve com o seu cabelo? – me perguntou, me dando um abraço e um tapa nas costas.
– Peripécias de sua irmã querida – apenas respondi, enquanto entrávamos. olhou de mim para , com um semblante desconfiado.
? Alguma explicação melhor do que essa? – tentou ele, e ela bufou.
– Seu amigo é um idiota. Essa é a explicação. Um grande bundão idiota – ela respondeu, e eu soltei uma gargalhada forçada.
– O único idiota aqui é quem causa danos permanentes ao corpo do oponente.
– Oponente? – perguntou confuso.
– E danos permanentes em objetos pessoais? Não conta? Um secador de cabelo e todas as suas roupas brancas, por exemplo? – perguntou ela, com o nariz empinado para mim, e nos olhava atento, ainda meio perdido na conversa para conseguir se meter.
– Ah, sim, e meias furadas não contam? – perguntei, fingindo estar pensando, com o dedo no queixo. – Meias furadas e uma lombar fodida! Você já estragou meu corpo duas vezes.
– Não é lá grande coisa, seu corpo já é estragado de nascença! – ela respondeu, brava, e interveio, ficando no nosso meio.
– Gente, alguém pode, por favor, me explicar o que está acontecendo? – perguntou ele, com as mãos levantadas em rendição no nosso meio.
– Fica com ele, vou falar com a disse, indo em direção à cozinha. continuou me encarando. Suspirei.
– Lembra daquele dia que saímos para tomar umas cervejas, e eu disse que tinha estragado as coisas com , mas que tinha pedido desculpas?
– Lembro.
– Pois é, as desculpas não foram aceitas... – Expliquei tudo a ele. Todas as pegadinhas idiotas, as brigas e as poucas conversas sensatas que tivemos.
– Cara... – disse, esfregando as mãos no rosto, sem ter o que dizer.
– Eu sei, ela é impossível. Vai acabar me matando ou me deixando em uma cadeira de rodas por negar atendimento médico no hospital – falei bufando, irritado.
– Vocês precisam transar, isso é só tensão sexual.
– O QUÊ?!
– É sério, é só isso. Ou vocês vão se matar depois de transar, ou vão perceber que são feitos um para o outro.
– Você está completamente maluco.
Mentira, ele não estava.
Eu estava torcendo para que ele me falasse aquilo, era tipo uma permissão de irmão mais velho concedida, ele era meu melhor amigo acima de tudo. E não vou negar, eu topava uma transa casual com se ela quisesse. Eu, literalmente, havia acabado de transar na noite passada e apenas o som dela tomando banho já entrou como música em meus ouvidos. É, eu sei que aquele serzinho de 1,60 metros de altura estava me deixando irritado e estressado, mas a verdade é que eu adoraria sentir o gosto da sua boca na minha e preciso saber se ela também sente isso.
– Não, não estou, e você sabe disso.

***

O almoço foi tranquilo, já que e sempre interrompiam nossas alfinetadas antes que elas virassem uma briga sem sentido.
– Obrigado pelo almoço, estava tudo perfeito – disse, quando já estávamos na porta nos despedindo.
– Vocês são sempre bem-vindos aqui, vocês sabem, certo? – perguntou , abraçando-a.
– É, tenho minhas dúvidas quanto a deixar ser bem-vindo aqui, mas a casa é de vocês, então... – ela disse sem olhar para mim. deu uma risada e seguiu de braços abertos para mim.
– Pelo amor de Deus, , é só você que não vê – ela sussurrou em meu ouvido, me deixando desnorteado pois eu sabia exatamente o que ela queria dizer.
Me despedi de meu melhor amigo e fomos na direção do elevador. O silêncio tomou conta do ambiente, e a mesma coisa aconteceu no carro, havia algum tipo de tensão entre nós e eu não conseguia sentir se era algo bom ou ruim. Estava além de meus sentidos de compreensão.

Em casa, Pastel de Carne veio primeiro até mim, fiz carinho em suas orelhas e ele latiu feliz em minha direção.
– O que é? Está com ciúmes porque seu cachorro gosta mais de mim do que de você? – perguntei a ela, que nos encarava com uma expressão que eu não consegui decifrar.
– Ele não gosta mais de você, ele só gosta dos seus carinhos – ela disse, como se fosse óbvio, virando os olhos para cima.
– Ou você está com ciúmes porque também quer que eu faça carinho atrás da sua orelha? – brinquei, apenas para ver qual seria a sua reação. Ela bufou.
, me poupe. O único que te atura é o Pastel, por motivos ainda desconhecidos – respondeu ácida.
– Ele me atura porque sou uma pessoa agradável. Você não sabe disso, pois não consegue manter uma conversa normal comigo, sempre chega com cinco pedras nas mãos antes mesmo de eu terminar a frase.
– Olha só, não estou afim de ouvir besteira a tarde inteira. Quero curtir minha folga sem ter que ficar ouvindo sua voz irritante – disse, alcançando o sofá. Ignorei sua grosseria.
– Posso levar o Pastel para passear? – perguntei, mudando completamente de assunto.
Ela foi pega de surpresa.
– Pode.
Pastel ficou agitado apenas ao ouvir a palavra passear. Mas primeiro fui ao meu quarto trocar de roupa, coloquei um tênis de correr e uma roupa confortável. Peguei a coleira de passear e ele prontamente veio ao meu lado.
Caminhamos durante bastante tempo, parei no parque para descansar e reabastecer minha garrafinha de água, dei um pouco de água a ele com um copo reutilizável que era acoplado em minha garrafa de água.
Ficamos sentados juntos em um banco, ele alegre olhando as pessoas passarem e eu com minha mente longe demais.
– O que você acha, Pastel? Acha que sua mãe gosta de mim?
Ele me olhou quando ouviu seu nome e apoiou o focinho em minha perna.
– Acha que eu devo ser idiota e tentar algo?
Ele continuou me olhando sem pretensão de me dar um sinal divino.
– Acha que o que temos é só tensão sexual? Igual seus tios acham?
Pastel latiu, não um latido de “Hey, eu concordo contigo” foi mais um latido entediado de “Hey, vamos embora”.
Seguimos para casa, pois já estava começando a escurecer não por conta do anoitecer, e sim por conta de uma chuva que parecia querer vir com tudo.
É claro que pegamos a maldita chuva quando faltava meio quarteirão para entrarmos no hall de nosso apartamento. Pastel balançou o pelo logo que saímos da chuva, e recebi uma cara feia do porteiro. Fingi que não era nada e seguimos ao elevador.
Enxuguei-o com uma toalha que peguei do meu guarda-roupas e fiz o possível para que não ficasse com o pelo arrepiado, ou levaria um puxão de orelha de sua mãe. Assim que achei que ele estava em um estado aceitável, segui para o banheiro para retirar a roupa molhada e tomar um banho quente, estava tremendo de frio.
Abri a porta do banheiro com tudo, sem me preocupar muito já que a TV estava ligada, e imaginei que pudesse estar cochilando no sofá.
Erro meu.
estava de costas para mim, enxugando seu cabelo, e com o resto do corpo livre para que meus olhos pudessem ver: as costas ligeiramente úmidas, os braços levantados, e a porra da bunda perfeita, com aquelas duas covinhas sensacionais acima de suas nádegas. Essa visão durou meio segundo, mas consegui ver tudo isto antes dela perceber que eu havia aberto a porta.
– Porra, ! – falou, tirando a toalha da cabeça e usando para se cobrir. Fiquei completamente paralisado. – SAI!
Não consegui me mover para fora do banheiro, ao contrário disso meu corpo moveu-se para dentro, e antes que meu cérebro entendesse o que eu estava fazendo, me vi pegando-a no colo pela cintura e prensando-a contra a parede. Apenas a sua toalha e minhas roupas molhadas entre nós.
– Que porra você está fazendo? – perguntou com sua voz trêmula, sem qualquer autoridade.
– Estou cansado de fingir que te odeio, .

Ela não falou nada, pois sabia o que ia acontecer, e, merda, eu tinha certeza de que ela queria tanto quanto eu. Certeza essa que foi confirmada pelas mãos dela, que puxaram minha cabeça na direção da sua, colando nossos lábios com ferocidade. Ouvi um gemido contido quando nossas línguas se encostaram e eu senti seus dedos se entrelaçando em meu cabelo curto demais. Minhas mãos estavam a segurando pela cintura, meu corpo pressionava o seu com força para que ela não escorregasse ou fugisse de mim, não depois de toda esta dose de adrenalina e coragem que eu havia tido.
O beijo foi denso, forte e raivoso. Como se todos os nossos sentimentos reprimidos e completamente incompreendidos fizessem parte dele. As pernas de enrolaram-se em minha cintura, suas unhas fincaram-se em meu pescoço e nuca, e sua língua enroscava-se na minha com a destreza de quem não queria sair dali tão cedo. Minhas mãos passearam da sua cintura para suas coxas, meus dedos penetrando em sua carne com uma saudade quase palpável. Seu gosto me lembrava minha adolescência, uma nostalgia deliciosa que arrepiava os pelos de todo o meu corpo.
Separamos nossas bocas, as testas ainda encostadas, cada um buscando o ar que precisava para oxigenar o cérebro o suficiente para entender o que havia acontecido.
Minha cabeça deu um estalo do que realmente aconteceu, como se o que estivesse faltando em meu cérebro era realmente um pouco de oxigenação.
Merda. Merda. Merda.
Estraguei tudo.
, eu... – comecei a falar, baixando o rosto, mas antes que pudesse completar a frase, senti sua mão guiando meu rosto para cima para que nossos olhos se cruzassem.
– Cala a porra da boca e me beija com raiva – ouvi sua voz dizer, ainda meio sem ar pelo que havíamos acabado de fazer.
Voltei a pressionar seu corpo contra a parede, já que eu havia afrouxado um pouco quando vi a merda que havia feito, e colei nossos lábios sentindo a urgência daquele momento. Nós dois precisávamos daquilo e, desta vez, eu tinha certeza absoluta de que ambos queríamos aquilo na mesma intensidade. Novamente soltou um gemido quando nossas línguas se tocaram agressivamente e meus dedos percorreram toda a lateral do seu corpo e posicionei as duas mãos em seu rosto, segurando-o enquanto guiava o beijo do jeito que eu queria, fundi nossas bocas com toda a vontade que havia dentro de mim, mordendo seu lábio e sugando sua língua até ficarmos sem ar. Separamos nossas bocas novamente por busca de ar, mas dessa vez não perdi tempo em colar meus lábios em seu pescoço, enquanto a porra do meu tesão subia pelas paredes naquele ambiente úmido.
– ela suspirou, enquanto minhas mãos desciam novamente para a sua cintura e minha boca continuava em seu pescoço. Murmurei um “Hm”, indicando que estava ouvindo. Ela sabia que agora era tarde para voltar atrás, eu dei a deixa minutos antes, ela com certeza sentia minha ereção pelo tecido fino de meu short e pela sua toalha.
– Você está com cheiro de cachorro molhado.
A risada saiu de nossas bocas com uma sincronia quase perfeita, gargalhamos durante um minuto quase inteiro antes de eu segurá-la com força pelas nádegas e carrega-la até o box.
– Vai ser o meu quarto banho do dia – ela reclamou, mas em seus lábios havia um sorriso ladino.
– Só assim para tirar todo a farinha que algum idiota colocou em seu secador de cabelos – falei enquanto colocava ela no chão. Afastei-me, liguei o chuveiro e deixei a água escorrer por meu corpo e tirei minha roupa, vendo o par de olhos de me acompanhar a cada instante. Ela me olhava exatamente do mesmo jeito quando eu estava sem camisa em sua frente, e agora eu sabia o que aquele olhar significava: desejo.
Peguei um sabonete líquido que eu usava em ocasiões especiais, e enchi dramaticamente a mão, fazendo-a soltar uma risada (Deus, eu amava aquela risada), e passei pelo corpo feito um idiota, fazendo-a rir novamente. estava agarrada com sua toalha, ainda cobrindo seu corpo, como se sua vida dependesse daquilo.
– Assim está bom, madame? – perguntei, tirando-a de um transe.
– Dá pro gasto – disse, virando os olhos falsamente para cima. Segurei a ponta da toalha, puxando até mim. A água do chuveiro agora caía em cima de nós dois.
– Não ache que isso quer dizer alguma coisa – ela disse, unindo as sobrancelhas, colocando os braços em volta do meu ombro e deixando a toalha cair no chão.
– Acho que quer dizer que você está caidinha por mim – falei, tocando nossos narizes.
– Nem em seus sonhos. – Seus lábios roçaram nos meus, causando-me arrepios em minha espinha.
Porra, eu amava aquela mulher.




Fim.



Nota da autora: Ouço essa música e só lembro de um “lovers to enemy”, mas eu não consegui pensar em um plot bom para algo assim. Então cedi para o bom e velho “enemy to lovers” que é o meu estilo preferido.
Espero que tenham gostado tanto quanto eu gostei de escrever!
Para quem chegou até aqui: Muito obrigada e deixem um comentário <3



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