(Não) Deixo você ir

Enviado em: 05/02/2021

Capítulo Único

As pessoas dizem que quando conhecemos a nossa alma gêmea, aquele amor que vai mexer com o coração de forma anormal, você aceita qualquer coisa, qualquer situação, e até mesmo muda de ideia sobre inúmeras coisas, muitas vezes até para que aquela pessoa que você acha amar te aceitar. Nunca acreditei nessa baboseira, entretanto. Até porque todas as vezes que senti algo próximo de amor acabei em meu quarto me perguntando por que era tão idiota daquela forma, com algumas poucas lágrimas nos olhos. Era um fodido amorosamente, aquilo não era segredo para ninguém. Justamente por isso decidi que viajaria, começaria uma volta ao mundo da minha maneira. Algum dinheiro na carteira, alguns cartões de crédito e uma mochila nas costas. Parti rumo aos Estados Unidos, a fim de conhecer os lugares mais badalados do mundo, dar uma passada por Miami e finalizar a passagem por lá em Las Vegas – eu era, sim, um amante de jogos em geral. Inicialmente não fui tão apoiado porque, de acordo com minha família e amigos, aquilo tudo não fazia meu estilo e eu só estava desiludido com a vida – sem contar que nem tinha um inglês tão bom assim. Mas não era como se isso realmente importasse, porque eu não só podia como conseguiria me virar muito bem por lá.
Eu só não esperava que, por correr de um amor, fosse encontrar outro – mesmo que aquela típica paixonite de verão, mas que fora forte o suficiente para me fazer mudar de ideia sobre algumas coisas. O que me faz voltar ao ponto de partida: eu não acreditava nesse lance de alma gêmea, amor para a vida toda e muito menos que seria capaz de morrer de amores por alguém por causa de uma mísera troca de olhares. Porém, após ajeitar todas as minhas coisas no hotel e sair à noite para um luau na praia logo em frente, aconteceu. Eu nunca pensei que um dia iria escutar e cantar reggae, rap e/ou hip hop, mas bastou eu encarar aquele moicano, observar suas covinhas fundas nas bochechas quando sorriu em direção a um amigo e ouvir sua voz para que tudo isso simplesmente mudasse. Quando me dei conta do que realmente estava acontecendo, eu estava sentado naquela típica roda que faziam em luaus para começarem as cantorias, cercado de desconhecidos e admirando-o ao longe. Ele parecia nunca cansar de sorrir – e de fumar, aliás, já que aquele maldito cigarro não saía de seus lábios – e dedilhar o violão de forma desengonçada, arrancando risadas das pessoas que ali estavam – inclusive minhas.
O dia estava quase amanhecendo, e eu permanecia naquela praia, sentado próximo ao mar e encarando o horizonte, onde o sol não demoraria muito para nascer. O luau havia sido incrível, e eu ainda conseguia ouvir a voz do garoto de moicano em minha cabeça, o que me fazia rir sozinho feito um idiota. Havia ido para aquele lugar justamente para isso: esquecer quaisquer paixões e não arrumar outra, para que pudesse fazer daquela tour uma coisa maravilhosa, para que pudesse partir para outros países sem sentir como se estivesse deixando alguém. Mas parecia que tudo conspirava contra mim, ou talvez eu que fosse bobo demais. Bobo a ponto de cair de amores por uma pessoa que não havia trocado sequer uma palavra – ainda, já que, assim que olhei para o lado, ele estava lá fitando o horizonte, tão hipnotizado quanto eu, mas eu sabia que antes ele estava me observando pelo simples fato de que, no momento em que lhe dei o vislumbre de meu olhar, ele virou para mim e sorriu daquele jeito tão bonitinho. Suas covinhas profundas talvez fossem seu maior charme.
— Coreano, japonês ou chinês? — sua voz grave, com aquele inglês impecável, adentrou meus ouvidos mais uma vez, porém fiquei relativamente confuso, fazendo-o rir. — Você. Quer dizer, sua nacionalidade. Desculpe. — ele riu mais uma vez, adorável. Sua risada começava alta e, de repente, morria no ar, fazendo-o ficar somente com um sorrisão nos lábios.
— Coreano. — respondi, tentando não sorrir junto a ele e voltei a fitar o horizonte, com a intenção de ficar em silêncio.
— Amém! — Exclamou de forma empolgada. — Finalmente um coreano por aqui!
Eu diria que aquele foi o momento em que atirei em meu próprio pé. Engatamos numa conversa infinita, compartilhamos nossos gostos, saudades, medos, nomes e idades. Nem ao menos percebemos quando o dia já estava completamente aberto e as pessoas já começavam a procurar um cantinho na praia, ao mesmo tempo que outras já iam para a água.
A partir daquele dia, não nos desgrudamos e, a cada minuto a mais ao lado de Namjoon, eu ia ficando ainda mais caído aos seus pés, mesmo que não quisesse. Embora ele tivesse aquela aura de garoto problema e desleixado, ele era completamente o oposto disso – um bocado desastrado e destruidor, já que nada em suas mãos mantinha-se intacto. Era praticamente impossível não morrer de amores por ele, porque, quando menos esperava, ele surgia em minha porta com bebidas e petiscos em mãos, um sorriso animado nos lábios e uma pitada de inocência no olhar, dizendo que eu não deveria me trancar ali nos meus últimos dias em Miami.
Eu gostava de aproveitar a vida como desse e ignorar os possíveis amores que ela poderia me trazer, e exatamente isso que estava fazendo com Namjoon. Em mais uma de suas visitas noturnas, dois dias antes de eu trocar de hotel e passar minhas noites em cassinos, fomos à praia durante a madrugada. Observar as estrelas, ouvir as ondas quebrarem e sentir aquela brisa gostosa bater contra nossos rostos, para, por fim, acabar com as bebidas compradas mais cedo. Eu não sabia dizer o quanto havia bebido, e ele, muito menos. Mas sabia estar alto o bastante para, assim como ele, arrancar a camisa e correr em direção ao mar, mergulhando sem medo algum, mesmo que não pudesse ver nada. Namjoon puxava meus pés, pulava em meus ombros, gritava e ria feito uma criancinha, e aquilo me divertia de uma forma incrível e inesperada. Porque, bem, mesmo que eu quisesse selar aqueles lábios maravilhosos nos meus, eu sabia que tinha arranjado um amigo. Aquele tipo de amigo que poderia, sim, levar para sempre.
O que aconteceu naquela noite foi extremamente clichê; mas aquele típico clichê delicioso, que dá um friozinho na barriga, seguido de sorrisos bobos e alegres. Estávamos mergulhados no mar depois de mais uma série de gargalhadas e puxões. Encontramo-nos embaixo d’água e subimos juntos, tão próximos que nossas respirações se misturavam. Quando disse ter sido clichê, é porque realmente havia sido. Talvez estivesse sendo clichê desde o início, porque, no fim das contas, éramos tão clichês quanto os filmes adolescentes
Ali, encarando Namjoon tão de perto, eu tive a certeza de que ele era o cara mais incrível que eu havia conhecido. E não era porque estava levemente bêbado, mas porque ele realmente era. Seus olhos eram ainda mais brilhantes e inocentes de perto, seus lábios tão bem desenhados que me dava vontade de mordê-los até que não aguentasse mais e, de uma forma incrivelmente fofa, somente uma covinha aparecia em sua bochecha por conta de um pequeno sorriso que carregava. Era basicamente impossível não sorrir junto, era impossível não se aproximar mais, se apaixonar mais.
— Eu quero te beijar, Jin. — ele murmurou baixinho, enquanto alternava o olhar de meus lábios para meus olhos, fitando-me com tamanha intensidade que um arrepio cruzara todos os cantos de meu corpo.
Eu sorri de forma envergonhada, mesmo que almejasse aquele momento. De forma ousada, respondi com uma pergunta:
— E por que não beijou ainda?
Namjoon riu e se aproximou mais de mim, circulando minha cintura com as duas mãos de maneira firme.
— Porque eu não sabia que você também queria. — ele deu de ombros, rindo baixinho mais uma vez. — Agora que já sei, vou te beijar.
Namjoon não demorou a colar nossas bocas, tomando-me para si de forma possessiva. Nossas línguas se entrelaçavam como se tivessem sido feitas para aquilo, tipicamente clichê. As ondas nos carregavam para lá e para cá, mas não nos importávamos – era realmente deliciosa a sensação. A partir daquele momento, parei de me importar com o dia seguinte, com o que eu gostaria de fazer ou não, com o fato de eu ter que ir embora em dois míseros dias. Mas, mesmo não me importando com o que aconteceria depois, acabei deixando-me remoer em dúvidas desgraçadas, lá no fundo de minha consciência: eu realmente faria aquilo? Me jogaria em seus braços para ir embora de uma vez por todas e finalizar aquelas viagens que tanto desejei? Sim, sim e sim.
No fim das contas, rendi-me completamente ao roçar dos lábios de Namjoon em meu pescoço, às duas mãos firmes em minhas coxas e à forma com que nossos corpos se chocavam, ali, no meio do mar mesmo, com as ondas nos levando para cada vez mais longe. Nada além daquele momento importava, nem mesmo nossos corações partidos em dois dias. Senti-lo daquela forma era ainda melhor do que imaginar aquela situação que, antes, para mim, parecia tão improvável. Senti-lo me apertar contra si, me beijar e marcar era fascinante, alucinante. Eu sentia vontade de gritar para Deus e o mundo o quanto estava feliz, o quanto queria repetir aquilo e o quanto desejava que o tempo passasse devagar ou até mesmo congelasse ali. Saí de um país para fugir de um amor – ou uma paixonite forte demais, não sabia explicar – e acabei esbarrando em outro. Se melhor que anterior, eu não sabia e muito menos queria saber. Ao mesmo tempo que queria me manter ali com Namjoon, queria ir embora também. Talvez eu só me apegasse rápido demais e fosse confuso ao quadrado; eu nunca sabia o que queria fazer quando tinha alguém como ele ao meu lado.
Quando me entreguei a Namjoon naquela madrugada, decidi que minha visita a Las Vegas poderia esperar. Em dois dias, eu esperava estar no aeroporto, de última hora, partindo para um país bem longe dos Estados Unidos. E foi exatamente o que eu fiz. Nos dois dias seguintes – e os melhores de toda a minha estadia por Miami –, ficamos no quarto do hotel onde eu estava hospedado, nos preocupando somente em comer besteiras e ver alguns filmes. Eu já não sentia mais vontade de conhecer o resto do lugar, de voltar àquela praia; só queria continuar ali, nos braços de Namjoon, enquanto ele falava sobre como sonhava em ser um músico de sucesso e em como sentia falta da família, que ficara do outro lado do mundo. Trocamos beijos, carícias intermináveis e arrancamos as roupas um do outro – como acontecera na praia, no meio do mar.
Eu poderia dizer que aqueles foram os melhores momentos da minha vida inteira. Nunca tinha me sentindo tão, tão bem perto de alguém como me senti perto daquele – que, mais tarde, descobri ser um completo – idiota de covinhas profundas. Eu queria levá-lo comigo ou simplesmente permanecer ali, grudadinho a ele. O problema era que eu normalmente não conseguia fazer isso; tinha que ir embora, continuar meus planos, espairecer. Não faria sentido se eu me rendesse tão facilmente. Foi pensando assim que, no último dia, esperei Namjoon pegar no sono para, às escondidas, pegar minha mochila e fechar a conta no hotel. Não perdi muito tempo encarando Namjoon enquanto dormia, porque sabia que acabaria ficando ali.
Eu nunca iria esquecer de Namjoon e tudo de bom que ele fizera para e por mim. Também não esqueceria de seus toques, beijos e a forma como me puxava contra si; delicado e possessivo ao mesmo tempo. Também não esqueceria de quando o beijei enquanto ele dormia, numa despedida silenciosa, e muito menos esqueceria de seu resmungo sonolento seguido pelo sorriso mais doce e inocente que já o vi dar. E eu sabia que era para mim. Me desculpei baixinho enquanto o fitava pela última vez. Antes que eu pudesse desistir, saí do quarto levando minhas coisas e todas as lembranças recentes – e tão maravilhosas que eu tinha certeza de que me arrependeria de estar fazendo aquilo, mas que não poderia voltar atrás até que estivesse pronto.
Naquela tarde, segui até o aeroporto sozinho, sem um destino ao certo. Comprei uma passagem qualquer para um outro lugar qualquer onde fizesse calor. Esperei, esperei e esperei. Como eu era um cara de pouca sorte, meu voo havia atrasado. Talvez fossem as típicas conspirações da vida; aqueles momentos em que te avisavam que você deveria parar de ser otário e seguir o coração pelo menos mais uma vez, se dar uma chance, mas você preferia ignorar e fingir que não havia coração nenhum em jogo.
Assim que anunciaram meu voo, me levantei de forma apressada. Tinha certeza absoluta de que quando Namjoon acordasse e notasse minha ausência, viria correndo atrás de mim. Ele sabia que eu partiria, nunca o escondi isso. No entanto, ele provavelmente não esperava que eu sumisse para um lugar tão, tão distante. Para ele, ficaríamos somente a cinco horas e meia de distância. Ele teria fácil acesso a mim e, mesmo conhecendo-o tão pouco, eu tinha certeza de que ele o faria. Ele partiria para Las Vegas sem nem pensar duas vezes, desde que fosse para me ver novamente. Eu podia sentir aquilo em suas palavras e perguntas em excesso sobre a viagem.
Eu tinha acabado de ser revistado e pegar minha bagagem. Estava pronto para passar os próximos dez minutos naquela área que nunca prestei muito atenção, a salinha de embarque, para então embarcar e sumir dali de uma vez por todas. Mas, como eu já esperava que acontecesse devido ao atraso, através da grande porta de vidro que havia por ali, eu o vi. O maldito Kim Namjoon havia corrido até aquele maldito aeroporto provavelmente se perguntando por que diabos eu saí sem avisar. Estava claro em seu olhar que aquela era sua dúvida principal; os olhos estavam levemente arregalados e o peito subia e descia naquela típica velocidade de quem correra uma maratona – como se ele estivesse atrasado para algum voo.
Como tudo fora com Namjoon até aquele momento, nossos olhares se cruzaram de uma forma tipicamente clichê. Um pequeno sorriso tomou seus lábios, fazendo com que o aperto em meu coração aumentasse. Ele até poderia passar para aquele lado, mas desde que tivesse uma passagem e bagagem em mãos. Sua carinha de decepção me cortara até a alma, e, a cada segundo que passava, minha vontade era sair dali e abraçá-lo, mas eu não podia. Não podia ceder mais uma vez, mesmo que tivesse a plena certeza de que com ele seria diferente. Eu precisava de um tempo para mim, por isso saí de casa e decidi começar a conhecer o mundo. Eu queria viver e conhecer inúmeros lugares por aí, ter histórias para contar – e Namjoon com certeza seria a história que eu contaria milhares de vezes com toda a riqueza de detalhes necessária –, me conhecer melhor e ver o que realmente queria da vida. Poderia, sim, ser uma chance única, assim como não poderia também.
Eu era uma confusão ambulante e tinha total consciência disso, sabia que poderia arriscar e ficar ali com ele, assim como eu poderia continuar o que eu havia planejado meses antes. No fundo, de alguma forma, eu sabia que veria Namjoon de novo. Talvez ir embora fosse realmente a melhor opção, já que, desde o início, tudo o que eu queria era esquecer um amor do passado. Eu o havia esquecido, estava livre. Agora só precisava ter certeza do que sentia por Namjoon, e só chegaria a uma conclusão concreta longe dele.
Se eu sentisse saudades misturadas com arrependimento quando chegasse ao meu próximo destino, seria fato de que ele era a pessoa certa, aquela que sequer tivera tempo de se mostrar completamente, mas já me parecia ter sido o necessário. Eu esperava, com todo meu coração, que Namjoon checasse sua mochila e o bolso de sua calça jeans, nos quais eu havia colocado – sim, duas vezes, para caso ele perdesse algum – meu número. Eu sabia que ele ligaria, mesmo depois de semanas, para tentar entender. Eu o esperaria tranquilamente, já depois de ter esfriado a cabeça.
Encarei-o uma última vez através do vidro, sorri da forma mais sincera que pude e acenei. Não obtive resposta alguma, apenas gravei em minha memória um Namjoon completamente sério e com lágrimas brotando em seus olhos escuros, mesmo que tentasse esconder.
Decidi, por fim, lhe dar as costas. Eu teria que ir embora um dia de qualquer maneira. Era melhor que o fizesse enquanto era cedo, para não machucar ninguém de verdade. Eu só esperava, com toda a esperança que havia dentro de mim, que ele entendesse. Ele sabia minha história, meus medos e o porquê de tudo aquilo. Bastava parar para pensar e me entender, mesmo que sua conclusão final fosse a de eu ser um egoísta. Mas também esperava que ele concluísse que fora ao seu lado que tive os melhores momentos em anos. Eu esperava que ele se lembrasse de meus sussurros em seu ouvido, da forma com que nossos corpos se roçaram e o quanto eu amei passar cada segundo ao seu lado, ouvindo suas músicas, sonhos e besteiras. Não estava tudo perdido, afinal.
Se fosse para ser, seria. Namjoon sabia onde me encontrar.


Fim



Nota da autora: Espero que tenham gostado!
Fanfic baseada na música Deixo você ir, do Onze20.





Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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