Última atualização em: 25/04/2022

Prólogo

Eu não sei como cheguei até aqui. Em um dia, estávamos pregando peças em nos calouros, pegando detenção e escapando pelas passagens secretas de Hogwarts, que apenas nós, e seu irmão gêmeo inseparável, conhecíamos. No outro, eu não conseguia mais imaginar uma vida sem você. Respirar sem você parecia errado, mas eu continuava porque sabia que, em pouco tempo, estaríamos aprontando juntos de novo, nós três.
E então, aquilo aconteceu. Ou melhor, aquele dia aconteceu. O dia em que você, meu melhor amigo, meu parceiro de travessuras, o garoto que eu tanto amei, se foi. Bem em frente aos meus olhos, o último sorriso, aquele que eu tanto amava.
Você se foi, mas eu fiquei. E respirar parecia errado de novo, só que dessa vez eu não tinha mais motivos para continuar. Você não ia voltar e nós nunca mais iriamos irritar o Filch juntos de novo. Ou fugir da Madame Norra. Ou passar o natal na toca. Ou ter um futuro. Aquela coisinha na minha barriga... não.
Essa história, caro leitor, não é uma história de amor. Ela é sobre perdas, sobre a tentativa de superação, sobre reviravoltas que não deveriam acontecer.
Ela é sobre Black. Sobre como essa simples garota, vinda de uma família tão complicada, se envolveu com um Weasley. Com dois Weasleys. E como esse foi o melhor e o pior erro da vida dela. Da minha vida.
Mas essa história, não se esqueça, não é uma história de amor.


Capítulo 1 - A Ameaça

Antes

É engraçado como o nosso cérebro funciona. Existem momentos que nos esquecemos logo depois que acontecem, como uma briga com os amigos, por exemplo, que nos esquecemos os motivos e perdoamos sem hesitar. E existem coisas que gostaríamos de esquecer, porque lembrar parece tortura.
Andando por esse caminho de novo (já fazem o que? Dois? Três anos? Eu já parei de contar), as memórias que eu daria tudo para esquecer aparecem e superlotam minha cabeça, igual um metrô de trouxas. Ainda estou longe da casa, mas a imagem daquela bagunça de andares, impossivelmente equilibrados, é bem nítida na minha cabeça.
Será que as decorações de natal já estão prontos? Imagino se a Gina já voltou para casa. Pensamentos estúpidos. De acordo com Harry, eles não comemoram mais o natal desde aquele ano, Gina já se formara de Hogwarts e agora era jogadora de um time de quadribol famoso, esposa de Harry, e Jorge... Jorge era o motivo pelo qual retornara. Ou melhor, pelo qual fora obrigada a retornar.

Flashback

- Você vai prestar atenção no que eu estou falando ou vai continuar me ignorando? - Me virei para encarar aqueles olhos verdes, incrivelmente irritantes.
- Harry, o que você quer que eu faça? – suspirei, começando a me sentir desconfortável com aquela conversa, da mesma forma que sempre fico quando o assunto são os Weasleys.
- , você por acaso ouviu o que eu disse até agora? Depois da Batalha de Hogwarts você sumiu. Por dois anos. Mas, caso você se ainda se importe, você não é a única que ainda sofre. E foi por isso que eu vim.
Harry parecia bravo, mas, mais do que isso, ele parecia acabado. Eu, obviamente, tinha essa noção. Imaginar que eu fosse a única sofrendo era egoísmo completo, mas o que eu tinha a ver com a dor dos outros? A única dor que eu conseguia lidar era a minha própria, e as vezes nem mesmo isso. Tanto tempo se passara e eu continuava sem dormir a noite, com medo dos pesadelos que estavam lá para me assombrar. O sorriso...
- Harry, o que você quer que eu faça? – repeti, querendo acabar logo com aquilo. E percebi que, assim que ele ergueu os olhos, ele viu. Viu que aquele brilho que tinha antes, o brilho que fazia as pessoas elogiarem meus olhos, tinha se apagado. As pessoas nunca tinham reparado porque eu parei de encará-las. Parei de olhar nos olhos das pessoas, porque eu não queria ver o brilho delas. Cada um tem os seus problemas, sim, ninguém é feliz completamente, mas eu não queria ver o brilho que eu perdi. Não queria ver pessoas felizes, quando eu não conseguia sorrir mais.
- ... – ele falou de forma suave, como se eu fosse uma bomba prestes a explodir – A Molly e o Arthur precisam de você. Eles já tentaram de tudo, todos nós tentamos, mas o Jorge... ele se fechou, igual a você. Se enfiou na loja, não sai de lá para nada, Molly nem sabe se ele ainda come ou se só sobrevive a base de álcool. , ele nem sequer olha no espelho mais. Nós achamos, bem, talvez você possa ajudar. Você é a única que entende...
- Não.
- Mas ...
- Eu disse não. Não vou voltar. Harry, não posso voltar. – eu sentia as lágrimas ardendo nos meus olhos, querendo sair, mas sabendo que eu não ia chorar. – Como eu voltaria, ainda mais para ajudar ele? Não quero olhar para ele, Harry.
Harry ficou em silêncio. Eu sabia que ele não ia desistir, já tinha passado muito tempo sendo amiga dele para saber o quão teimoso ele era, depois de ter colocado uma ideia na cabeça, mas eu também era teimosa.
Fiquei me preparando, pensando em todas as respostas que eu poderia dar para todas as ofertas que ele fizesse. Eu não poderia voltar, e nem iria. Perdi meu pai, minha prima, meu amor, não iria perder a mim mesma também. Bom, pelo menos o resto de mim que existia.
- , se você não aguenta ir lá e olhar para ele sem lembrar, imagina ser ele. Metade dele se foi, e agora a outra metade está querendo ir também. – ele esperou uma reação, que não veio. Eu não tinha resposta para isso, mas eu também não iria ceder. – Ok, então parece que vai ter que ser na base da ameaça, correto? Gina me contou sobre o que você fez... depois da batalha.
Naquele momento, eu gelei. Meu pior segredo, aquele que eu contei pois não aguentava carregar o fardo sozinha. Não poderia ser ele, certo? Mas que outro segredo seria? Botar fogo no campo de quadribol? Não, eu não tinha falado disso para a Gina, e isso iria importar agora? Mas a Gina contaria sobre aquilo? Não, ela não faria isso... ela prometeu..., mas e se o irmão dela precisasse de ajuda? A ajuda que ninguém conseguiu dar...?
Harry percebeu que eu não ia falar nada, então continuou:
- Olha, , nós estamos desesperados. Os Weasleys, eu e até mesmo a Hermione. Na verdade, a Gina não me disse nada sobre isso, ela só me mandou ameaçar você, pois sabia que você não iria aceitar voltar. Mas ela também mandou dizer que vai contar, caso você não volte, já que você é a nossa última esperança.


Capítulo 2 - O Sexto Sentido – 17 de Novembro de 2001

E então, eu estuporei ele. Bem, pelo menos era o que eu gostaria de ter feito, teria sido mais fácil. Mas, se eu estou a caminho da Toca, claramente a ameaça funcionou. Gina me contou sobre o que você fez... depois da batalha. Eu odeio Ginevra Molly Potter, do fundo do meu coração.
Já conseguia ver os andares superiores da casa, e perceber que ela não tinha mudado nem um pouco, fez com que eu me sentisse estranha. Como se as coisas não tivessem mudado. Não, eu não posso pensar nisso. Ao me aproximar, notei uma figura ruiva no jardim, abaixada e com o dedo nos lábios, como se dissesse “fique quieta, ” e meu coração deu um salto. Prendi a respiração, enquanto um batalhão de memórias me bombardeava, e só depois de fechar os olhos e contar até dez, que consegui respirar de novo. Quando voltei a olhar, notei que aquela cena toda tinha sido estúpida e dramática em vão, já que a pessoa no jardim era a Molly, que ainda não tinha notado a minha presença. Ela estava parada, de costas para mim, observando algo no jardim.
Caminhei até ela e pensei em dar um abraço surpresa, como sempre fazia, mas minha consciência me lembrou de que era uma má ideia. Três anos atrás, isso teria sido legal, teria sido fofo e até mesmo familiar, mas agora não. Não mais.
- Molly? – chamei, imaginando se minha voz mostrava o quanto eu tinha ficado despedaçada alguns segundos antes.
Ela se virou para trás, não reconhecendo a voz, e ficou surpresa ao me ver. Não era difícil lembrar de mim, aliás eu não tinha feito nenhuma mudança radical na minha aparência. A não ser cortar o cabelo, que nunca tinha ficado acima da minha cintura, mas que nesses últimos anos estava na altura do ombro.
- ? Santo Merlin, você veio! Eu não imaginava... quero dizer, Harry disse que você viria, mas já faz tanto tempo que nós não... não achamos que você viria. – Essa última parte ela disse em voz baixa, quase um sussurro, talvez para eu não escutar. Mas eu entendia o lado deles, eu realmente não tinha a intenção de voltar. – Você está tão bonita, ! Arthur irá adorar saber que você está aqui! Ele está trabalhando, mas logo estará em casa. Você gostaria de entrar e comer uns bolinhos? Acabei de fazer!
Por mais animada que ela parecesse, eu conseguia ver que ela também perdera o brilho. A animação parecia forçada, mas o tipo “gostaria de me sentir assim”. Ela entrou na casa, sem eu ter tempo de negar a oferta. Não queria ter mais lembranças para lidar, mas aparentemente eu não tinha outra escolha. Segui a Molly até a cozinha, olhando para o chão para tentar ignorar o fantasma ruivo que parecia estar em cada centímetro daquela casa. Molly continuava tagarelando sobre as novidades que eu perdi, como o casamento do Harry com a Gina ou do Ron com a Hermione, sobre a promoção do Arthur, o novo emprego da Gina, as viagens e o nascimento da filha do Gui e da Fleur. Quanto mais ela falava, mais eu notava como ela evitava o assunto principal, o motivo de eu estar ali. Eu também não queria falar sobre ele, mas ao mesmo tempo queria resolver aquilo logo e poder voltar para a minha vida tranquila, no lugar em que ninguém me conhecia.
- Molly, e o Jorge? Harry disse que ele não sai da loja. – Pensei em mencionar o álcool, mas achei que seria um péssimo jeito de começar esse assunto.
Ela parou de andar, encarando o copo de leite que acabara de botar em frente a mim. Por um segundo, imaginei se ela iria me ignorar e continuar falando sobre as novidades aleatórias, mas então ela se sentou na cadeira ao meu lado, e começou a chorar.
Eu imaginei que essa seria a reação, mas não consegui arranjar palavras para consolá-la, então só fiquei em silêncio, esperando. Durante esses poucos minutos em que ela chorava baixinho, me lembrei da última vez em que a vi, lutando contra a Bellatrix para defender sua única filha, sem saber que em breve receberia a notícia da morte de seu filho mais bagunceiro. Era difícil pensar que uma palavra tão pequena poderia causar uma dor tão grande. Eu não estava lá quando ela soube, nem sei quem foi que conseguiu dizer essas palavras para ela. Três anos, e eu ainda não tinha conseguido falar essa frase, nem em pensamento. O sorriso ainda me assombrava. Quem conseguiria sorrir quando se estava...
- Ele... Jorge, ele... não vem mais para casa. Já faz alguns meses, desde que ele resolveu se mudar para aquela maldita loja. Eu sei, não é culpa da loja, talvez ela seja o único motivo para ele continuar... para ele continuar seguindo com a vida. Eles prometeram um para o outro, lembra? Prometeram fazer daquela loja um sucesso, e Jorge tem conseguido manter essa promessa..., mas a que custo, eu me pergunto? Quanto mais a loja crescia, menos eu o via, e agora...
- Eu... imagino o quanto deve ser difícil, mas Molly, eu... – suspirei, sabendo que aquela seria uma conversa difícil - eu não sei o que vocês querem que eu faça. Não falo com o Jorge desde... aquilo.
- Eu sei, , mas nós já tentamos de tudo. Todos nós. Mas Jorge continua nos afastando. Imagino que, se ele ver você, ele vai perceber... – ela parou, como se pensasse que talvez não fosse uma boa ideia continuar naquela linha de raciocínio.
- Perceber o que?
- Perceber que ele não é o único sofrendo pelo Fred. Ele acha que nós superamos, que seguimos em frente sem ele, que quando a Gina e o Ron casaram eles esqueceram do Fred, e que quando eu o Arthur o chamamos para ir visitar o Gui e a Fleur conosco, é para fazer ele esquecer. Ele não entende que está desistindo de viver, não entende que nós nunca conseguiríamos esquecer o Fred, por Merlin, Fred é o meu filho! Eu nunca esqueceria uma parte de mim! Então decidimos pedir a sua ajuda para-
- Decidiram pedir a minha ajuda para o Jorge poder ver que ele não é o único fracassando na vida? Que tem mais uma pessoa desistindo de viver? – eu estava começando a ficar irritada com o rumo da conversa.
- Não, , não foi isso que eu-
- Olha, Molly, com todo o respeito, mas eu não queria ter voltado. Existe um motivo bem específico por trás da minha súbita vontade de voltar, mas o Jorge não chega nem perto de ser esse motivo. Por mim, eu passaria o resto da minha vida miserável sozinha, mas infelizmente eu voltei. Se o Jorge quer se afogar em álcool até se matar de cirrose, ele que fique à vontade, aliás, seria até mais fácil se ele fizesse isso logo. Mas, não, Jorge não está fazendo isso, pelo contrário, ele está matando vocês pouco a pouco. E isso é infantil.
Respirei fundo, pronta para continuar a desabafar, mas então vi que a última esperança que a Molly tinha, que seria eu, estava indo para o ralo. E, se eu fizesse isso, Gina com certeza espalharia meu segredo. Aquela filha de Umbridge.
- Me desculpe, Molly. Eu não vim aqui para te ofender na sua própria casa, aliás, vim até aqui para dizer que eu vou tentar. Uma vez, apenas, mas eu vou tentar tirar o Jorge dessa droga que ele chama de vida. Honestamente? Não tenha esperanças. Se todos vocês já tentaram, não sei por que vocês imaginam que o Jorge irá me ouvir, mas eu vou me esforçar. Essa foi uma promessa que eu fiz para o Harry.
Ignorando as minhas palavras, a Molly praticamente brilhou de alegria. Pude até reparar que um pouco do brilho alcançou os olhos dela, mesmo que eu tenha sido bem clara ao dizer para ela desistir. Eu não entendo essa importância que eles acham que eu tenho na vida do Jorge. Sim, ele era meu melhor amigo também, na verdade foi ele quem obrigou o Fred a me “recrutar”. Nós conversamos bastante na época em que meu pai, Sirius, voltou. Ele foi o primeiro a acreditar em mim… Fred nunca foi de conversar, ele gostava de tirar sarro de tudo, o que era legal quando eu não queria levar nada a sério, mas as vezes... Jorge foi quem mais conversou comigo, mas no momento em que ele mais precisava, eu sumi. Desapareci do mapa. Imagino se ele teria se aberto para mim... ou se ele se sentiu abandonado quando eu parti…
- ... – Molly me chamou, me fazendo sair dos devaneios. – Você me diz que não devo ter esperanças, mas isso é impossível. Eu tenho certeza de que você vai conseguir. É o que as pessoas chamam de sexto sentido de mãe.
Olhei para a Molly e tentei sentir pelo menos um pouco daquela esperança, mas era algo impossível para mim. Havia anos que eu não sentia nada além da dor, da desolação e da solidão. Às vezes, até pena eu sentia de mim mesma, mas não conseguia me forçar a mudar, a melhorar. Nada me fazia melhorar. Talvez... ajudar o Jorge te ajude...? Aquela voz de novo, tão familiar, mas ao mesmo tempo estranha para meus ouvidos. Talvez porque você saiba que não é real. Sim, eu sabia que não era real. A voz não era real. A figura ruiva, com aquele sorriso idiota, não era real. Em pé, com as mãos no ombro da Molly, sorrindo e sussurrando para mim, não era real. Não era real, mas ainda era o meu bote salva-vidas durante o afogamento. E quando eu sumir, quem vai evitar que você se afogue?
Ninguém, respondi para ele.


Capítulo 3 - Bêbado Idiota – 18 de Novembro de 2001

Depois de sair da casa da Molly, fui para a casa dos Potter. Gina estava em uma competição, em sabe-se lá que lugar do mundo, e Harry ainda estava trabalhando no ministério, mas tinha me deixado uma chave reserva. Não que eu precisasse, de qualquer forma, é fácil arrombar a casa de alguém quando se é um bruxo, mas ele não gostou dessa ideia.
Cheguei na casa e ele já tinha deixado preparado meu quarto, o que não foi difícil de achar, já que aquela era a antiga casa dos Black, a minha antiga casa. Sirius tinha deixado ela para nós dois, mas eu me recusei a voltar para lá depois da batalha, então dei a propriedade inteira para o Harry. A reforma até que foi uma ótima ideia, tirar o quadro daquela velha foi a melhor decisão que os dois tiveram. Tomei banho e desci para mandar o Monstro preparar alguma comida. Na escadaria, onde antigamente ficavam os quadros dos anciões Black, estavam fotos do casamento de Harry e, mesmo sabendo que o Jorge não tinha ido, eu procurei por ele. Todos pareciam felizes, exceto na foto em que todos os Weasley se juntaram com os noivos, nessa parecia algo forçado e havia um espaço que eles não tinham tido vontade de preencher.
[...]
A coisa boa em se trabalhar para os trouxas, era que o trabalho sem magia poderia ser complicado, o que fazia minha mente ser obrigada a esquecer de tudo e focar na tarefa. E era isso que eu estava fazendo, até olhar no relógio e ver que já eram sete da manhã. Não estava com nenhuma gota de sono, apesar de me sentir como se tivesse sido beijada por um dementador, mas resolvi sair da cama. Tomei um banho quente, comi umas torradas com ovo que o Monstro tinha feito e saí. Não sabia aonde iria, só sabia que não queria estar lá quando Harry chegasse. Fui andando e quando me dei conta, estava na entrada do Beco Diagonal. Que merda, o que eu tô fazendo aqui?
- Você sabe exatamente o porquê de ter vindo aqui – disse aquele fantasma idiota, e eu fingi não ter escutado. – Sabe, me ignorar não vai fazer eu sumir.
Você nem deveria sequer estar aqui, aberração. Falei mentalmente, determinada a ignorar aquele trasgo. Pensei se deveria ir embora ou cumprir logo a tarefa que me foi imposta, mas antes de eu ter tempo de tomar alguma decisão, a passagem se abriu. Eu mereço, pensei, revirando os olhos e entrando naquele lugar.
Era incrível a capacidade daquele lugar não ter mudado nem um pouco, mesmo após aquela crise na época do Voldemort. Claro, algumas lojas tinham sido substituídas e dado lugar as outras, mas a bagunça e a multidão continuavam a mesma coisa. Eu já sabia onde ficava a loja, já que antes de ser dos gêmeos, aquele era meu lugar favorito na vida. Zonko’s. Fui eu quem escolheu o lugar e ajudei com a grana para eles comprarem, me tornando uma das sócias. Falando nisso, eu deveria cobrar a minha parte.
- Esse vai ser um ótimo jeito de começar uma conversa, . – Ironizou o Fred-fantasma – Hey, Jorge, passa logo a grana que você me deve dessa parada. Que eu saiba eu sou a sócia, então você me deve uma bolada.
Será que eu banco a cliente ou vou direto ao assunto? Ignorei aquela coisa, tão parecida com o meu Fred que chegava a assustar. Imaginação é um treco poderoso.
- Quanto tempo você planeja me ignorar? Imaginação! Como tu ousa me chamar de imaginação, mulher?!
Estava prestes a responder, em voz alta mesmo, quando ouvi um sininho de loja. Olhei para frente e lá estava, cheia de bugigangas, a loja que nós planejamos e inventamos juntos. Naquele momento, eu esqueci de tudo. Esqueci da dor, esqueci o motivo de estar ali, esqueci os anos que estive longe. Esqueci da morte do meu melhor amigo. E então, como num piscar de olhos, o presente voltou. O barulho da multidão passou a ser insuportável, minha cabeça começou a sentir pontadas, talvez pelas horas que passei sem dormir, e o Fred-fantasma estava ali do meu lado, me encarando com aquela cara triste que parecia uma careta. Foi você quem nos abandonou, então não faça essa cara feia. Se é para você estar aqui, então pelo menos fique bonitinho do jeito que eu me lembro de você.
Entrei na loja, fazendo aquele sininho irritante tocar de novo. Por fora, a loja parecia uma bagunça, mas por dentro ela era. Parecia um caos lá dentro, com coisas voando e estourando por todo lado, crianças experimentando balas esquisitas e ficando com cores bizarras, adolescentes olhando as diferentes poções nas prateleiras. Parece que o sonho de vocês se realizou, trasgo.
- Achei que esse era o nosso sonho, . – Ele respondeu, ainda cabisbaixo.
Antes, talvez, mas eu não tenho mais sonhos. Continuei andando, para o fundo da loja, na tentativa de achar uma porta escrito “gerência” ou coisa assim, mas com a esperança de que ele não estivesse lá. Uma esperança idiota, diga-se de passagem, porque dois segundos depois lá estava ele. Com cara de acabado, óbvio. Esperei até ele fechar a venda e, antes que ele pudesse chamar o próximo cliente, entrei na frente dele. A reação dele seria cômica, se eu não estivesse me controlando para não surtar e sair correndo. Primeiro, ele coçou os olhos, como se estivesse tendo uma alucinação. Bem-vindo ao clube, amigo. Depois, ele prendeu a respiração, trombou em Rony no caixa ao lado, na tentativa de sair de lá e, por fim, saiu correndo para os fundos.
Respirei fundo, cumprimentando Rony e seguindo atrás dele. Rony já sabia, provavelmente, o motivo de eu estar ali, mas mesmo se não soubesse acho que ele não me impediria de ir atrás de Jorge. Não é como se você pudesse deixar a loja sozinha, com toda essa gente, certo? pensei, enquanto ia em direção a porta no fundo da loja. Pelo menos eu acertei o nome na porta. Entrei na gerência, com o fantasma ruivo atrás de mim. Lá dentro, como eu havia imaginado, estava cheio de garrafas, com um colchão velho socado no fundo da sala. Jorge havia se sentado à mesa, remexendo em papéis aleatórios, na esperança, acredito, de que eu fosse um fantasma. Não, cara, o único fantasma na sala é seu irmão.
- Jorge? – ele parou o que estava fazendo, mas continuou sem olhar para mim. Me virei para Fred e a cara dele dizia que se eu fosse embora, ele ia fazer mais do que só me irritar. – Jorge, você não pode me ignorar para sempre. E eu não vou embora daqui até conversar com você.
- E o que você está fazendo aqui, ? – ele disse, tão baixo que eu achei que fosse minha imaginação. – Minha mãe mandou você aqui? Se fosse só ela insistindo nesse assunto, eu até poderia ignorar, pensei, ainda encarando o fantasma ao meu lado e tentando não contar quantas garrafas tinham ali.
- E importa quem me mandou aqui? A gente precisa conversar, Jorge. – eu falei, mais mal-humorada do que de costume.
- A gente não tem nada para conversar. Vai embora.
- Jorge, eu também não queria estar aqui, mas infelizmente não tenho outra escolha. Por algum motivo, todo mundo acredita que eu vá realizar um milagre e você vai parar de ser infantil e começar a superar essa merda. A vida acontece, as pessoas se vão, seu irmão... – não consegui terminar a frase. Como dizer “se irmão se foi” quando ele estava ali, bem na minha frente? Depois de vários minutos em silêncio, o tempo agora voava sem que eu percebesse, Jorge aparatou bem na minha frente sem que eu percebesse, ou pelo menos pareceu que foi assim. Com o susto, acabei indo para trás e esbarrei na porta.
- , como você pode ser tão hipócrita? Você sumiu por anos, agora aparece aqui querendo me ajudar? Você é quem precisa de ajuda! Santo Merlin, você nem sequer olha para a minha cara! – então ele segurou o meu rosto e virou para o dele. Foi ai que eu notei as olheiras, roxas de tão fundas, o bafo de álcool, o cabelo grande cobrindo o buraco que ficou quando ele perdeu a orelha. E, principalmente, aqueles olhos, tão parecidos com os meus. Olhos de quem perdeu a esperança.
Tentei me soltar dele, mas os gêmeos sempre foram maiores e mais fortes do que eu. Tudo que eu consegui foi que ele apertasse ainda mais minhas bochechas, e aquilo começou a doer, mas eu não queria continuar olhando. , se você não aguenta ir lá e olhar para ele sem lembrar, imagina ser ele. Metade dele se foi, e agora a outra metade está querendo ir também. Lembrar das palavras do Potter só me fez querer ir embora mais rápido. Você sumiu por anos, agora aparece aqui querendo me ajudar? Você é quem precisa de ajuda!
- , você precisa se acalmar. – O fantasma de Fred disse, e eu reparei que ele tinha parado, automaticamente, do lado de Jorge. Como nos velhos tempos.
- EU SEI! – gritei, e dessa vez consegui empurrar o Jorge, que ficou me encarando atônito – Escuta, eu não teria vindo aqui se não tivesse uma merda no meu currículo, algo que eu não preciso que se espalhe, mas estou sendo chantageada, então CALE ESSA BOCA E ESCUTE! Você, Jorge Weasley, seu bêbado idiota, vai lavar essa cara, escovar esses dentes e dormir. Amanhã, você vai sair comigo e nós iremos cortar essa droga desse seu cabelo de espantalho. Enquanto você dorme, eu vou limpar essa zona que você fez, e você vai, definitivamente, parar de comprar bebidas alcoólicas. Você me entendeu?
Jorge ficou me encarando de boca aberta, talvez por não ter achado que eu iria responder ou talvez porque, finalmente, eu tinha olhado para ele. Sabia que, para uma menina tão irritadinha, você tem olhos lindos, ? Balancei a cabeça, expulsando essa memória. Lembrar dessas coisas só iria me trazer mais coisas que eu gostaria de esquecer. Desviei o olhar, mas acabei captando um sorriso estranho no rosto do Weasley-fantasma. O que foi? Perguntei, imaginando que ele fosse me responder, mas sendo interrompido pelo Weasley vivo.
- E por que eu obedeceria a você? Você aparece do nada para me dar ordens, sem ao menos olhar para a minha cara, e espera que eu concorde com isso? , você enlouqueceu? – bom, meu querido Jorge, estou vendo o seu irmão bem ao seu lado, então talvez a resposta seja sim.
- Jorge, você está acabando com todas as pessoas que te amam. – Suspirei, ele me olhou surpreso. – Caso você não tenha percebido, me chamar foi a última esperança da sua família, e uma bem desesperada, para ser franca. Eu não queria estar aqui, mas estou. Eu não queria te ver, mas não posso te ajudar sem fazer isso. Talvez... talvez se eu te ajudar, isso me ajude também. Não espero que você concorde com isso, você não tem motivos para me ajudar, mas eu tenho uma lista inteira do porquê eu deveria te ajudar. Creio eu que a mais óbvia é a que você sempre me ajudou. Eu quero retribuir, ou pelo menos tentar.
- Você fala isso, mas foi a primeira a desistir de mim. Eu sempre estive ao seu lado, mas você fugiu. Você não ficou ao meu lado quando eu mais precisei, não se despediu, não estava lá! – Eu não conseguia encará-lo, mas dessa vez a semelhança com Fred não era um dos motivos - Quando olhei no espelho de Ojesed, vi apenas eu e você, mas eu não queria ter visto a mim. Queria ter o meu irmão ao meu lado e a minha amiga do outro, mas eu não tinha nenhum dos dois. Meu irmão morreu, , e minha melhor amiga me abandonou. Como você espera que eu confie em você? Que eu acredite em você?
Fiquei sem palavras. As lembranças do Jorge me ajudando, conversando comigo, me deixando chorar no ombro dele logo depois da morte de Sirius, quando eu me escondi de todos, me invadiram. Eu comecei a ficar sem ar, o desespero que apareceu quando eu vi o Fred caindo, com o sorriso no rosto, voltou com a mesma intensidade. A tristeza de quando eu soube que aquela coisinha na minha barriga não iria chegar ao mundo, por minha culpa, voltou. Eu não sabia o que fazer. A minha visão escureceu e eu não sabia onde estava. Eu sentia alguém me chacoalhando, mas não sabia quem era. O par de vozes que eu ouvi por grande parte da minha vida, estava irreconhecível. Eu não sabia... o que eu não sabia?
E então, eu desmaiei.


Capítulo 4 - Lembranças Esquecidas - 01 de Dezembro de 1994

Sexto ano
- Honestamente, Jorge, como você pode ser tão burro? – disse Fred, recebendo um olhar mortal de Jorge – É bem óbvio que a ) gosta de alguém. Provavelmente, alguém da Grifinória!
- Ah, meu querido irmão gênio, então me diga quem é esse ser abençoado. – respondeu ironicamente.
- Sim, gênio-todo-poderoso, diga quem é esse grifinório abençoado de quem eu gosto. – Era fácil enganar essa anta ruiva, mesmo assim minha ironia falhou um pouco no final. Por que ele simplesmente não esquece esse assunto?
- Ora, ora, querida ! Que bom que você perguntou! – Fred veio para o meu lado, com aquela cara de sabichão que eu tanto odeio. – Eu não faço ideia, mas adoraria que você nos contasse!
- Cara, se você não tem nem um palpitezinho, por que você acha que eu gosto de alguém?
- , vamos aos fatos: primeiro, você tem passado muito tempo na sala comunal. Segundo, você está sempre distraída quando nós estamos aprontando algo e terceiro... – e lá estava ele fazendo cena - a Gina me contou.
Fiquei extremamente vermelha, arregalei os olhos e prendi o ar, mas se era raiva ou vergonha eu não fazia ideia. Jorge ficou surpreso com a revelação de Fred, e olhou assustado para mim, como se o fato de eu gostar de alguém era algo pior do que um trasgo no banheiro das meninas.
- Hey, Weasleys, querem saber a novidade? – eu disse, me segurando para não explodir, mas dizendo aquilo com uma lentidão assassina – Vocês vão se tornar seis em menos de uma hora!
Falei isso e saí correndo, em direção aos dormitórios das garotas, pronta para me desfazer do corpo de uma Weasley. Pude ouvir os meninos me seguindo, mas eu era mais rápida do que eles, já que eu era menor e mais leve, mas, assim que eu cheguei na porta da mulher gorda eu tive que parar. Eu nunca me lembrava a senha dessa porta, não via necessidade nisso já que eu sempre andava com os gêmeos. Quando eles me alcançaram, esqueceram o motivo de estarmos ali e riram até ficarem sem ar, aquelas duas pestes. Me sentei emburrada na escada e esperei eles se acalmarem, o que pareceu levar séculos.
- , como é possível você nunca lembrar dessa senha? – perguntou Jorge, passando o braço pelo meu ombro. Minha primeira reação foi meter um tapa nele, mas ele segurou minha mão. – Opa, calminha aí, quem estava te irritando era o Fred, não eu!
- Vocês são gêmeos, então se ele fez algo errado, você também apanha! – respondi, ainda brava.
- Acho isso absurdo. O Jorge faz mais bagunça do que eu! – disse Fred, sentando-se do meu outro lado.
E então, eles resolveram me ignorar e começar a discutir sobre quem era o mais bagunceiro, enquanto eu imaginava várias formas de torturar Ginevra Weasley. Talvez espalhar o nome verdadeiro dela durante o baile...?
- Ah! Meninos! – chamei, e os dois pararam de discutir e me encararam. – Quem vocês vão chamar para o baile?
Jorge me olhou, com aquela cara de quem se desculpa, mas eu fiquei confusa. Até que Fred disse:
- Angelina Johnson, minha cara ! E você? – Fred estava sorridente, por isso nem percebeu a careta azeda que eu fiz.
Agora faz sentido a cara do Jorge, pensei, mais como uma reclamação. Jorge sabia que eu gostava de Fred, eu meio que desabafei uma vez para ele, mas ele prometeu que não diria nada. E tem cumprido com a promessa, aparentemente. Antes que eu pudesse responder, Jorge se colocou ao meu lado.
- Bom, a vai comigo, certo? – Jorge sempre me salva desses momentos tensos, seja na hora de uma detenção ou quando o Fred é irritante demais.
Dei um sorriso enorme e concordei com a cabeça. Quando voltei a olhar para o Fred, ele estava com a boca aberta, olhando que nem besta para nós.
- MAS COMO EU NÃO PENSEI NISSO ANTES? – ele gritou, assustando a mim e ao outro gêmeo. – , droga, me desculpa. Eu esqueci de você!
Sabe, existem momentos na vida, em que o Fred era um verdadeiro idiota. E esse era um deles. Novamente, minha cara ardeu, só que dessa vez era de vergonha e estupidez. Por que eu ainda tinha esperanças de que esse trasgo fosse gostar de mim? Será que ele sequer me via como garota? Ou para ele eu era só uma parceira para aprontar e tomar detenções juntos? Agora, pensando nessas coisas, eu me perguntava se ele não me via igual a Gina, como uma irmã. Pensar nessas coisas fez com que eu me sentisse mais idiota ainda, e não consegui segurar as lágrimas que ardiam meus olhos.
- Você é um idiota, Fred Weasley! – e, bem nessa hora, o trio de ouro abriu a porta, e eu saí correndo para dentro, agradecendo a todos os bruxos da história por alguém ter aberto a porta!
[...]
Estava deitada no jardim, encarando as nuvens e morrendo de preguiça de voltar para o dormitório, quando senti alguém se deitando do meu lado. Por Merlin, se for aquele idiota do Fred, eu vou lançar uma maldição nele, pensei, já me virando com fogo nos olhos. Desde aquilo, na escada, três dias atrás, nós não conversávamos. Na verdade, eu não conversava com o Fred. Me sentia extremamente mal sem falar com ele, mas aquela frase ainda doía. Eu esqueci de você! Queria eu poder esquecer dele, se o meu cérebro não fosse tão inútil! Mas, felizmente, era o Jorge. Ele acabou se tornando uma ponte entre mim e o Fred, já que eu nem olhava para ele. Em parte, por vergonha, admito.
- Hey, Jorge! O que faz aqui? Cadê o trasgo do seu irmão? – eu sabia que ele não estava gostando nem um pouco dessa briga, e que nem iria pegar lados, mas eu não conseguia evitar ficar brava. Ele respirou fundo.
- Olha, , eu sei que ele cometeu o erro de esquecer de você, mas nós dois sabemos que esse não é o único motivo de você estar tão brava assim. Caramba, já faz três dias!
- O que você quer que eu faça, Jorge? – respondi, me sentando. Eu sei que a culpa não é do Jorge, droga, eu também sei que não é do Fred! Mas mesmo assim...
- Que tal, deixa eu ver, você contar para ele que você gosta dele?! – ele fingiu estar surpreso, como se a ideia fosse incrível e ninguém tivesse pensado nela ainda. Mas nós tínhamos pensado nela antes. – Você fica aí, irritada com o Fred, mas a verdade é que ele nem tem noção de que você gosta dele! Você está culpando o cara por estar saindo com outra garota, mas nem se declarou para ele! Está sendo infantil, !
- Ok, Jorge, então me diz o que eu faço? Vou lá, chego nele e falo “então, trasgo Weasley, eu gosto de você, por favor não saia com a Angelina, saia comigo”?! – suspirei, a irritação dando lugar ao desânimo. – Eu não posso fazer isso, Jorge. Eu acho que ele nem sequer me vê como uma garota. Talvez ele só me veja como uma irmã, igual você vê.
- Quem disse que eu te vejo assim? – ele disse num sussurro, e eu ergui os olhos assustada, mas ele nem estava olhando para mim. O que foi que ele disse? – Olha, , eu não te vejo como uma irmã. Eu sei que parece isso, mas você está errada, e talvez também esteja errada sobre o Fred. Acredite, mas esse é o único assunto que eu e o Fred não conversamos. Garotos dificilmente falam sobre amor, mesmo os gêmeos. Aliás, seria bem irônico se nós realmente tenhamos nos apaixonados pela mesma garota. Gêmeos dividem tudo mesmo, até sentimentos, hein?
Ele parecia dizer aquela última parte com sarcasmo, mas eu ainda estava em choque para poder pensar racionalmente. Ele disse amor. Em uma frase comigo? Quer dizer, o Jorge..., mas eu não... não conseguia pensar. Jorge finalmente olhou para mim, mas eu ainda estava com cara de apavorada e em choque, então ele percebeu o que tinha dito e começou a ficar envergonhado. Meu santo Merlin, o Jorge está corando... eu não sabia o que pensar. Fiquei olhando fixamente para ele, esperando que meu cérebro voltasse a funcionar.
- Jorge, eu... – eu sabia que deveria dizer alguma coisa, mas não sabia o que. – Eu... não acho que entendi.
Claro que não foi a coisa mais genial do mundo, mas pelo menos teve sentido. E expressou exatamente o que eu estava sentindo.
- Sabia que, para uma menina tão irritadinha, você tem olhos lindos, ? – ele disse em voz baixa, se aproximando.
- O que isso tem a ver com-
Fui interrompida por Jorge, e o que ele fez foi ainda mais confuso. Ele olhou para mim, ou melhor, ele olhou para a minha boca e hesitou. Naquele momento, ele se pareceu assustadoramente com a Gina, quando ela estava perto do Potter. Isso, por si só, deveria ter me dado um aviso, caso o meu cérebro estivesse funcionando, do que viria a seguir. Jorge, simplesmente, se aproximou e me beijou. Depois, como se tivesse sido acordado de um sonho, ele se afastou, olhou para mim, mais em choque ainda, se levantou e saiu correndo. Ele me beijou e me deixou ali, em choque! Mas o que... o que, diabos, ele estava pensando?!


Capítulo 5 - O pesadelo - 18 de novembro de 2001

Sim, aquele foi um dia estranho, pensei, apenas parte de mim consciente. Depois daquilo... o que aconteceu depois daquilo? Fred e eu paramos de brigar. Jorge... o que o Jorge fez? Ele ignorou, lembra? Fingiu que não tinha dito nada, mesmo depois que você o botou contra a parede. Na verdade, eu nem me esforcei para descobrir o que ele queria dizer, pouco depois daquilo Fred disse que não podia ir com a Angelina, e nós três fomos ao baile juntos. O casal de três, como o Fred diria.
Fred... O que aconteceu com ele? Algo estranho, acho. Não consigo me lembrar... Por que eu não consigo me lembrar? Pensei, brava comigo mesma. Porque você não quer lembrar, respondeu aquela voz, familiar e irritante. A voz que eu sempre brigo. Brigava. Brigava? Mas por que... no passado? Porque ele morreu, lembra? Fred Weasley morreu. Ele morreu na sua frente, sorrindo. O último sorriso, aquele que dizia “cuide do meu irmãozinho”. Aquele último pedido que você ignorou. Mas... não era isso que o sorriso dizia. Ele só estava sorrindo... se despedindo... despedindo?
E então, como uma onda no meio do mar, a consciência voltou, junto com as lembranças. As lembranças do dia em que Jorge me beijou, do dia em que ele gritou para eu esquecer sobre aquilo (ele não podia magoar o irmão dele), do dia em que eu me declarei para o Fred, do dia em que nós três nos separamos, anos depois do beijo de Jorge, nem sequer lembrávamos mais disso. Do dia em que Fred morreu.
Me levantei num pulo, assustando não só o Jorge, mas também o fantasma do ruivo que me assombrava. Eu pensei... pensei na frase… meus pensamentos estavam incoerentes, eu tinha noção de que Fred já havia partido, mas aquela fora a primeira vez em que a frase foi dita (ou pensada), e o desespero tomou conta de mim. Comecei a chorar, me desesperando cada vez mais, sem controle sobre mim mesma. Minha respiração estava acelerada, assim como meu coração, eu tremia e minha visão estava começando a escurecer. Por que eu voltei? POR QUE EU VOLTEI? Eu não conseguia lembrar, o pânico não me deixava pensar.
E então, eu senti o tapa. Na verdade, eu mais ouvi do que senti. Foi um CLAP audível o suficiente para me acordar, para fazer o meu cérebro funcionar de novo. Olhei para cima, na direção em que o braço estava e, por meio segundo, achei que o Fred-fantasma tinha me batido. Mas o braço não estava nessa direção, ele estava na minha frente, ou melhor, sentado no meu colo. Não tinha percebido, mas o Jorge tentou me acordar do pesadelo me chacoalhando e, quando não conseguiu, ele subiu em cima das minhas pernas para ficar de frente comigo. Foi daí que veio o tapa. Desse garoto (ele não é mais garoto), com a expressão refletindo a minha. A expressão de puro desespero. Mas o que ele imaginou que fosse acontecer, para ficar tão desesperado assim? Pensei, de forma abobada.
- , pelo amor de Merlin, não faz isso comigo! Por favor, fala comigo. Eu prometo que te obedeço, mas acorda e fala comigo! – ele parecia prestes a chorar, mas eu ainda não entendia o motivo. Eu sempre tive pesadelos, por que ele estava tão desesperado? Caramba, ele deve ter pesadelos.
- Por que você está tão desesperado? – falei em voz baixa, pausadamente, e pude notar que eu estava rouca. – Foi só um pesadelo, Jorge. Acontece com todo mundo.
- “Só um pesadelo”? , você estava gritando e tremendo! E chorando também! O que você esperava de mim? Calma? Não tem como eu ficar calmo com você tendo um ataque no meu colchão! E logo depois de desmaiar!
- Eu... – não sabia o que dizer, então só encarei ele e disse a primeira coisa que eu pensei. – Você nunca me respondeu. Por que você me beijou?
Eu ainda estava em transe, o que era normal depois de um pesadelo, mas normalmente eu estava sozinha, então não precisava lidar com nenhum tipo de consequência. Algo na minha cabeça, ou talvez a cara de surpresa dos gêmeos, fez com que eu pensasse ter dito algo errado, mas eu não sabia o que era. Aquela era a pergunta certa, não é? Afinal, ele nunca tinha me dado uma resposta. Mas você tentou saber a resposta pelo menos? Eu... tentei...? Jorge não me respondeu, talvez pensasse que eu estava louca, completamente surtada, ou talvez imaginava um jeito de se livrar do assunto. Talvez tivesse esquecido daquilo e do motivo, porque você esqueceu, certo? Quando eu estava quase desistindo da resposta, ouço um sussurro.
- Achei que tivéssemos combinado de deixar isso de lado. Pensei que você tinha esquecido, já que nunca mais falou sobre. – Ele parecia estar divagando sozinho, sem nem olhar na minha direção, mas então perguntou: - Por que agora, depois de todo esse tempo, você quer uma resposta, ?
. É a primeira vez que ele me chama de , desde que eu cheguei aqui.
- E é a primeira vez que ele não parece irritado com você. Acho que isso é um avanço. – Fred disse, me fazendo lembrar que ele ainda estava ali.
- Por que você continua fazendo isso? – Jorge me perguntou, me forçando a olhar para ele de novo. Olhei confusa para ele. – Você fica olhando por cima do meu ombro o tempo todo, como se tivesse algo atrás de mim.
E tem. Um fantasma, pensei, mas achei melhor não dizer. Fred concordou. Ao voltar o olhar para Jorge, reparei o quão próximos nós estávamos. E, aparentemente, ele também reparou, pois se levantou rápido e acabou tropeçando em uma garrafa de whisky de fogo.
- Sabe, Jorge... – comecei, decidida a ignorar aquela pergunta. – Pelo que eu ouvi, você prometeu que vai me obedecer...
Ele engoliu em seco, claramente arrependido do que disse. Mesmo assim, continuei:
- Para começar, você podia dar uma limpa nesse lugar, sabia? Tirar essas garrafas daqui e jogar fora as que ainda tem algum líquido. – Ele parecia querer me interromper, mas fiz sinal para ele ficar quieto. – Depois, podemos jogar fora esse colchão velho e voltar para casa, que tal? Molly está com saudades, e tenho certeza de que Arthur também.
- Eu não vou voltar para casa, . Mas, já que eu realmente prometi... – ele suspirou, logo em seguida fazendo cara de quem chupou limão – eu vou fazer o que você disser. Porém, com uma condição: você também vai me obedecer.
- Por que você não vai voltar para a Toca, Jorge? - Ele suspirou, parecia fazer aquilo com frequência, pelo menos perto de mim.
- Lá tem muitas coisas, , coisas que eu não quero lembrar. Eu estava pensando, antes mesmo de vir para cá, que eu deveria procurar um lugar para morar. Agora, com você aqui para encher o saco, imagino que eu vá ir atrás disso mais cedo do que eu imaginava. Mas então, você aceita a minha condição?
Fiquei tentando pensar em possíveis ordens que ele poderia ter para mim, mas não consegui imaginar nada absurdo. No máximo, talvez, superar a perda, mas essa já era a nossa intenção inicial.
Então, no final, acabei aceitando. Qual ordem poderia ser tão ruim assim?


Capítulo 6 - A mudança – 25 de dezembro de 2001

Logo depois da conversa que tivemos, Jorge e eu começamos a arrumar a sala, sob a vigília do Fred-fantasma, que ficou deitado no colchão. Tiramos todas as garrafas vazia e jogamos todo líquido que ainda sobrava das outras na pia. Depois, jogamos fora aquele colchão, expulsando o fantasma folgado de lá (mesmo que o Jorge não soubesse dessa parte) e enfeiticei uma vassoura para limpar todo o chão. Enquanto a sala ficava limpa, obriguei o Jorge a ir tomar banho, e então eu mesma cortei o cabelo dele. Ele escovou os dentes e nós, finalmente, saímos daquela sala.
Seguindo para fora do Beco Diagonal, depois de ter trancado a loja, fomos em busca de algo para comer. Eu não queria voltar para a casa e ter que encarar o Potter, e Jorge tão pouco estava ansioso para ver os pais de novo, então nós seguimos em direção a um restaurante trouxa perto do centro de Londres.
Jorge e eu ficamos a maior parte do trajeto em silêncio, de vez em quando trocando um olhar ou outro, mas as coisas estavam um pouco estranhas ainda. Ele, obviamente, tinha percebido que eu não respondi quase nenhuma das perguntas dele, mas também não fez questão de insistir nas respostas sobre o fantasma. O qual, irritantemente, era o único que não calava a boca.
- Cara, fala sério, eu vou ter que ver vocês comerem enquanto eu só vou ficar olhando? Sacanagem isso! – bom, se você sumir, então não vai precisar olhar, revirei os olhos. – Poxa, é assim que você trata um amigo? Não é à toa que não foi convidada para os casamentos dos meus irmãos.
Eu tentava ignorar ao máximo aquele trasgo, mas, aparentemente, quanto mais ele era ignorado, mais ele falava. O que eu não daria para que o Jorge também pudesse te ouvir, pensei, desistindo de discutir com aquilo. Mas, como ele era parte da minha imaginação, isso não ia acontecer.
- Você... vai passar a noite onde? – perguntou Jorge, e eu quase o ignorei, imaginando que fosse o trasgo sem cérebro de novo. – Quer dizer, você vai ficar aqui por perto, não é?
- Estou ficando na casa do Sirius, Harry me deixou ficar por um tempo. – Aliás, eu preciso falar com ele sobre isso.
- Ah, é claro...
- O que foi?
- Não é nada... na verdade, pensei que você fosse ficar na Toca. Você sempre ficava lá, antes...
- Essa situação está ficando meio constrangedora, não acha, ? – Fred disse, tentando fazer graça da situação. – Aliás, o silêncio entre vocês dois está sendo constrangedor, o que aconteceu com vocês?
Fiquei pensando se a pergunta tinha sido retórica, mas o olhar interrogativo na cara dele continuou lá, então tentei responder do jeito mais neutro possível. Você aconteceu, Fred Weasley. A sua... ida aconteceu. E eu parti. Nós dois o abandonamos.
Voltei a olhar para o Jorge, e percebi que ele estava pensando se insistia no assunto ou não. Ver ele daquele jeito, pensativo, era até que engraçado. Jorge Weasley pensando, isso é novidade. Mas, mesmo assim, não me esforcei em retomar a conversa, não estava com vontade de explicar nada e muito menos com vontade de falar um monte de asneiras sem sentido, então continuei em silêncio.
Chegando ao restaurante, nós comemos em silêncio. Os dois Weasleys ainda pareciam presos em pensamentos, e eu voltei ao meu “modo avião”. Tentei lembrar se tinha enviado os trabalhos para os trouxas, antes de sair de casa, mas as lembranças da manhã já tinham sido completamente apagadas da minha memória. Quando voltei a prestar atenção ao redor, Jorge estava me chamando, constrangido pelo fato de que esquecera que aquele era um restaurante trouxa, e não tinha nenhum dinheiro deles para pagar a conta. Não que eu me importe com esse dinheiro, nunca precisei gastar um centavo da moeda trouxa. Aliás, por que eu continuo trabalhando em um lugar onde o dinheiro é inútil para mim?
- Mas então, - comecei, quando saímos do restaurante. – que tipo de lugar você vai procurar para morar? Se você estiver realmente com pressa, posso ligar para um trouxa que eu conheço, cara legal, ele mexe com esse tipo de coisa.
- Ah, claro.
E esse foi o assunto durante todo o trajeto até a casa dos Potter. Jorge explicou com bastante detalhes sobre o lugar que estava querendo, e eu anotei mentalmente para poder perguntar ao Jerry mais tarde. Quando chegamos à residência, ele se recusou a entrar, com medo de que a Gina tivesse voltado mais cedo da competição e o obrigasse a passar mais tempo se desculpando (ele faria isso ao encontrar com Molly e Arthur). Decidimos então que, no próximo dia, eu iria conversar com o Jerry na imobiliária, escolher alguns lugares para visitar, e na próxima semana nós iriamos em busca de um lar para Jorge Weasley.
[...]
- Sim, Jorge, o endereço está correto. Sim, olha, você pode pelo menos tentar usar o pó de flu e depois nós conversamos de novo? Obrigada. – respondi, encerrando a chamada.
Dar um telefone para o ruivo tinha sido a melhor decisão que eu havia tomado em séculos. Era extremamente prático, e eu não precisava ficar olhando para ele o tempo todo. Aliás, desde o restaurante, já tinha passado uma semana em que nós não nos encontrávamos. Acabou ocorrendo um imprevisto, e eu tive que ir até a empresa que eu estava trabalhando com freelancer, o que foi um empecilho do cão, mas agora eu tinha finalmente voltado. Não recebi nenhuma novidade sobre Jorge, nem sequer uma carta, então não tinha certeza se ele regredira ou evoluíra desde que eu tinha partido. O único contato que eu havia tido com ele fora enviar o telefone via coruja, mas não tinha tido motivo para ligar para ele. Até agora.
- Sabe, para quem ia ajudar, mandar e sei lá o que mais que você iria fazer, , não parece estar sendo muito efetivo. – comentou a peste ruiva atrás de mim.
- Se ele não está com voz de bêbado, nem está me xingando, então acredito que ele não voltou a se trancar na loja. Já é algo positivo. – sim, durante aquela semana, eu voltei com o hábito de responder o fantasma em voz alta. Hábito esse que deveria acabar logo, antes que alguém me visse conversando sozinha.
Voltei ao meu trabalho de vasculhar a casa, me certificando de que não haveria nem um espelho sequer. O lugar que eu tinha escolhido, de acordo com as especificações de Jorge, era no campo, casa grande, iluminada e aberta. Aparentemente, viver esmagado pela família faz você desenvolver uma leve claustrofobia. A casa parecia perfeita, com tudo o que ele pedira e ainda mais. Porém, como ela já vinha mobiliada, eu precisei ir antes e tirar todos os espelhos de vista.
- , as vezes você se esforça demais, sabia? Acho que o Jorge iria entender se tivesse algum espelho aqui, afinal a casa está com todos os móveis. Por que você não se senta e tenta relaxar um pouco, até ele chegar?
- Falar é fácil, quando se é um fantasma. Nunca se cansa, nem sente fome, duvido até que tenha algum tipo de vontade.
Antes que ele pudesse responder, me virei para o movimento na lareira. Pelo menos ele acertou o endereço, pensei, seguindo até lá. Quando o Jorge saiu da lareira, elogiando o tamanho dela, não pude responder, de tão surpresa que tinha ficado. Santo Merlin, essa semana fez bem para ele. O cabelo dele estava curto, menor do que eu tinha deixado, as olheiras sumiram completamente, ele estava bem menos pálido do que antes e parecia 500% mais saudável também.
- Parece que alguém deu uma engordadinha, hein? – brincou Fred, passando a mão fantasma pela própria barriga.
Sim, agora ele parece menos cadavérico, pensei em resposta a brincadeira, chocada demais para reagir de outra forma. E então, ele finalmente reparou na minha cara, depois de ter dado uma boa olhada na casa. Jerry havia me sugerido olhar pelo menos quatro casas, mas ao olhar aquela no catálogo, tive certeza de que seria a escolhida por Jorge.
- Caramba! – ele estava surpreso pela casa, mas parecia constrangido. – A casa é linda, . Então... quanto custa?
A pergunta parecia querer sair de um jeito descontraído, mas dava para perceber que ele estava hesitante, e tentando não ter esperanças. Realmente, sabendo do histórico dos Weasleys, aquela seria uma casa fora de cogitação. Porém...
- Você gostou? – perguntei, e ele respondeu com um simples aceno, ainda envergonhado. – Bom, então ela é sua. Posso ter sido um pouco precipitada, considerando que você só veio visitar ela agora, mas ela já está paga, e em nome de Jorge Weasley, mas para ser oficial você precisa assinar uns documentos primeiro.
Ele parecia estar sem palavras, o que era raro de um gêmeo Weasley, então apenas apreciei aquele momento. Jorge tentava falar alguma coisa, mas os sons que saiam da sua boca não formavam nada que eu pudesse entender. Não tem nenhum histórico de ataque cardíaco na sua família, tem? Perguntei para o fantasma ruivo, que estava sorrindo para o irmão. Em resposta, ele apenas negou com a cabeça.
- , eu não posso aceitar isso! Caramba, é de uma casa que estamos falando! Você não pode me dar uma casa quando bem entender! Aliás, eu nem imaginava que você tinha tanto dinheiro assim! – bom, eu já esperava por essa reação.
- Certo, então, e que tal a gente fazer uma troca? – eu respondi, seguindo o roteiro que tinha feito na minha cabeça. – Eu te dou essa casa, como um presente, e você me deixa morar aqui pelo tempo em que eu ficar na Inglaterra?


Capítulo 7 – Jantar de Natal atrasado – 27 de dezembro de 2001

Após Jorge aceitar esse acordo, depois de muita discussão sobre eu estar maluca, nós decidimos nos mudar. Como eu não tinha muita coisa, na verdade eu só tinha uma mala, me mudei no mesmo dia em que dei o presente. A parte mais chata de uma casa nova era a limpeza, e como Jorge só ia se mudar dali a dois dias, comecei a limpar no outro dia. Claro que, sendo uma bruxa, limpar com magia era moleza, mas o problema era que eu não tinha nenhum produto de limpeza, não tinha nem mesmo uma vassoura! Então, fui às compras, e além das coisas para limpar, eu também comprei bastante comida.
Levei o dia inteiro para limpar a casa, enquanto Fred apenas reclamava no meu ouvido para eu prestar atenção, já que eu tinha sempre que ficar de olho para a magia não sair do controle e quebrar alguma coisa. Ao final do dia só conseguia pensar em comer e dormir, e foi o que eu fiz, acordando apenas na metade do próximo dia. Liguei para Jorge para oferecer ajuda, mas ele disse que a família toda ia ajudar, até Gui e Carlinhos, que queriam ver a casa nova do irmão, então imaginei que sete pares de mãos já eram suficientes.
- Você esqueceu de contar os pares extras. – olhei confusa para o fantasma, que me olhava cozinhar para a penca de Weasleys que viriam jantar hoje a noite. – Gui se casou com Fleur, Gina com o Harry, e Ron com a Hermione, lembra?
Droga, eu tinha esquecido desse detalhe. Adicionei mais três pratos na mesa gigante oval. Se bem que, para uma família gigante que nem a dele, essa mesa tem o tamanho perfeito.
- Animado para ver a família toda unida hoje, Fred? – brinquei, esquecendo que, como ele era apenas a minha imaginação, ninguém iria ver ele. – Ah, desculpe...
- Está tudo bem, . Mas eu tenho um pedido: se divirta por nós dois, certo?
Não conseguia me imaginar me divertindo, mas resolvi não falar nada. Apesar de saber o que eu estava pensando, as vezes Fred apenas ignorava o que eu não queria falar.
Os Weasleys, incluindo a Fleur, o Potter e a Granger, chegaram assim que o sol se pôs, cheios de caixas e malas. Fiquei chocada ao ver o tanto de porcariada que o Jorge tinha, mas depois ele me disse que também tinham coisas da loja, que ele deixaria em seu novíssimo escritório. Ele estava se achando. Espero que ele não tenha mencionado o fato de que fui eu quem comprei a casa para ele, pensei, começando a me sentir desconfortável.
- Relaxa, ele não falou nada. – depois de um olhar questionando, Fred explicou: - Não é óbvio? A mamãe e o papai estariam em cima de você agora, ou agradecendo ou te chamando de maluca.
Revirei os olhos, xingando o fantasma e agradecendo mentalmente pela discrição de Jorge.
Enquanto a balburdia aconteceu no andar de cima e no escritório ao lado da sala, Gina, Hermione, Fleur e Molly me ajudavam na cozinha, pegando copos e talheres e colocando na mesa. A comida já estava pronta, apenas as tortas ainda no forno.
- Eu não sabia que você cozinhava, . – disse Molly, dando uma olhada em todos os pratos que eu tinha feito.
- Bom, morar sozinha tem as suas vantagens. – respondi, dando de ombros. Mesmo sendo Molly, eu não conseguia me sentir confortável, não mais.
- ... obrigada. Eu sei que está sendo difícil para você, mas já é claro para todo mundo que vê, Jorge está se reerguendo. No mesmo dia em que você chegou, ele já voltou para casa e parou de beber. Ele tem dormido melhor e até consegui fazê-lo comer mais! É incrível o poder que você tem tido sobre ele durante todos esses anos. Por isso, e por continuar a empurrá-lo para frente, eu agradeço. De coração. – após dizer isso, Molly me abraçou, igual antigamente. – E, a propósito, feliz natal atrasado, querida!
Natal? Caramba! Eu realmente estou perdida no tempo. Uma pena que eu não me sinta mais como antigamente, pensei, retribuindo o abraço apenas por educação. O que tem de errado comigo?
- , você passou muito tempo sozinha. Deixar alguém entrar agora, depois de tudo isso, não vai ser fácil. Mas você não pode desistir, não por minha culpa. – disse Fred, e ele parecia muito triste, mas eu não tinha certeza se por mim ou por não poder conversar com a família.
Depois de tudo desempacotado e em seu lugar, todos se reuniram na gigante mesa. Com magia, Molly e eu colocamos toda a refeição no centro da mesa e começamos a comer. Era incrível ver que pouca coisa tinha mudado entre eles, e eu até conseguia entender quando Jorge pensava que eles tinham esquecido Fred. O brilho em que nós dois e os pais dele perderam, continuaram nos outros. Era como se algo tivesse sido tirado, mas o resto continuava intacto.
- ... a vida das pessoas não acaba apenas porque alguém morreu, ou pelo menos não deveria. Você e Jorge... vocês não deveriam ter desistido de viver... – Fred respondeu aos meus pensamentos, ainda triste. Não respondi, nem mentalmente e muito menos em voz alta.
Esperei até que todos fossem embora, então me sentei no tapete da sala, em frente a lareira e fiquei vendo o tremeluzir das chamas. Jorge se sentou ao meu lado, com uma garrafa de vinho na mão e duas taças na outra.
- Espero que não se importe, achei em um dos armários, provavelmente foi você quem comprou, certo? – balancei a cabeça em afirmação. – Olha, obrigado por hoje. Você não precisava ter feito a janta, mas isso foi muito especial. Não só isso claro, também estou agradecendo por, você sabe, estar me ajudando. Feliz natal, Black.
Não respondi, apenas dei um pequeno sorriso de lado. Não sabia se tinha algo que eu pudesse dizer naquele momento, então apenas bebemos o vinho. Quando chegamos no final da garrafa, já tínhamos conversado sobre todas as coisas aleatórias possíveis, e que não envolviam o passado.
- Mas fala aí, , como é trabalhar com os trouxas? – Jorge perguntou, parecendo realmente curioso.
- Não é como se eu trabalhasse todos os dias com eles, eu trabalho de casa, com o meu computador. Eu trabalho com editoras de livros, faço alguns trabalhos de revisão e tradução, depois mando para eles e eles me pagam por isso. É só.
- Bom, então acho que você ainda não descobriu a utilidade do patinho de borracha, correto? – Jorge deu risada, sendo acompanhado por Fred, daquela antiga piada interna dos Weasleys.
- Acho que a utilidade dela seria uma decepção para o Arthur, para ser franca. Mas os celulares e os computadores com certeza seriam uma descoberta mais divertida. – brinquei, mesmo sabendo que Arthur se interessaria por qualquer coisa trouxa inventada, até mesmo um frisbee.
- Fred teria gostado da tecnologia trouxa... – disse Jorge, pensativo.
- Fred teria usado os celulares para passar trote nas pessoas, Jorge! Consigo até mesmo visualizar isso. – dei risada, olhando para o fantasma ruivo e vendo ele concordar enquanto ria.
Jorge ficou em silêncio. A princípio, não entendi o que ele estava olhando e fiquei surpresa ao notar que ele estava olhando o próprio reflexo, na janela gigante da sala.
- Jorge...?
- Essa foi a primeira vez... – olhei para ele confusa e ele me encarou com uma intensidade repentina, e que eu nunca havia visto no olhar dele. – Você não disse o nome do Fred, nem uma vez sequer, desde que nos reencontramos. Aliás, não acordada pelo menos. Aquela vez que você teve pesadelo, você chamou por ele, mas essa foi a primeira vez que você disse de forma consciente.
Eu fiquei sem palavras. Não sabia o que dizer, nem sequer tinha reparado nisso. Antes que eu me perdesse em pensamentos, tentando me lembrar o porquê de estar evitando falar o nome de Fred, Jorge continuou:
- , me responda uma coisa. É uma ordem. – mesmo que não fosse, eu teria respondido. Não conseguiria mentir enquanto aquele olhar estivesse me prendendo. – O que você viu no Fred... que não viu em mim?
Pensei em vários tipos de respostas, mas nenhuma delas responderia a essa pergunta específica. Quando foi que eu comecei a gostar do Fred, aliás? Eu não conseguia me lembrar. Olhei para o fantasma, sentado ao lado de Jorge, e tentei me lembrar, mas nada vinha. Gostar do Fred não tinha sido uma questão de escolha, eu nunca tinha tirado no par ou ímpar para gostar de um ao invés do outro, mas eu também não escolhera gostar de um dos meus dois únicos melhores amigos. As coisas aconteceram sem que eu percebesse. Um dia, estávamos lá, pregando peças nas pessoas, jogando bomba de bosta uns nos outros e no outro... no outro eu não conseguia mais ficar longe de Fred. Tudo o que ele fazia começou a me irritar, principalmente quando era relacionado a garotas. As vezes ele fazia gracinha para que as meninas dessem risadas, e no meio delas tinha a Angelina Johnson, a única que parecia realmente o motivo das graças de Fred. E isso me deixava furiosa, mas eu não entendia que era ciúmes. Só fui entender que estava apaixonada pelo Fred quando conversei com Gina sobre ela gostar do Potter.
- Jorge... – antes que eu percebesse, estava chorando. Chorando de saudades, não só de Fred, mas também dos tempos da escola, quando a nossa única preocupação era fugir de Filch. Fred ocupara a maior parte dos meus pensamentos nos últimos anos, mas aqueles últimos dias com Jorge me fez perceber que eu perdi bem mais do que minha família e meu amor, me fez perceber que eu perdi momentos leves e incríveis, conversas divertidas e sem noção, perdi coisas que eu nunca tinha notado que eram importantes para mim, coisas do dia a dia que eu não vivia sem desde que entrei em Hogwarts.
Quando Sirius morreu, eu chorei pelos momentos que perdi por ele ter passado minha vida inteira em Azkaban. Quando Dora morreu, chorei pelas lembranças que tínhamos juntas e pelas novas memórias que nunca viriam. Eu era muito nova para ter conhecido a minha mãe, que morreu no parto, mas um dia, chorei por ela, porque queria ter uma família, mas a minha família, não a família da Dora, com a tia Andromeda e o Tio Ted. Mas, quando Fred morreu... eu não chorei por ele. Eu fugi, do choro e da perda, fugi para onde a tristeza não iria me alcançar. Eu não tinha noção na época, mas estava perdendo mais que o meu amigo. Estava perdendo tudo o que eu tinha. Minha felicidade, que sumiria com o ruivo e com o irmão gêmeo destruído que ele deixou para trás. O resto da minha vida, alterada de forma tão brusca com a morte de Dora e do tio Ted, o que fez com que minha tia Drômeda desistisse de tudo...
- Jorge... por favor... me perdoe. Eu nunca deveria ter te abandonado, muito menos naquela época. Eu era egoísta, ainda sou, mas eu achava que a minha dor era a maior do que a de todos. Eu não conseguia entender que todo mundo perdeu alguém naqueles tempos. Sua família perdeu uma pessoa incrível, o pequeno Ted perdeu os dois pais, a tia Andromeda perdeu a filha e o marido. Só agora que eu estou começando a entender isso.
Ele ficou em silêncio, mas eu sabia que esperava por uma resposta diferente, para uma pergunta diferente.
- Eu... O Fred e você, apesar de gêmeos idênticos, eram diferentes em muitos aspectos, mas nenhum deles foi um motivo especial para eu ter gostado de Fred. Eu apenas... ficar perto de você era incrível. Por mais que eu amasse vocês dois, passar o tempo com cada um era diferente. Eu nunca iria atrás de Fred para pedir conselhos, nem um ombro amigo para chorar, mas ele era o primeiro que eu buscaria para pregar peças. Ele nunca sabia ser sério, e eu... queria ser assim. Eu não queria ficar triste, queria sempre ser alegre e divertida, e o Fred era assim. Acho que eu só estava procurando alguém em quem eu pudesse me inspirar. E eu não queria estragar o que tinha com você, era a coisa mais incrível que eu tinha. E eu acabei estragando de qualquer forma, não é mesmo? – na tentativa de dar uma risada acabei fazendo uma careta estranha. – Jorge... gostar de Fred me levava para o céu, mas gostar de você era como voltar para a terra. Eu não queria isso, não queria a realidade. Queria me iludir e fingir que a vida era feliz, para sempre.
Mas isso não aconteceu. Fred morreu e, mesmo se tivesse continuado aqui, não teríamos ficado juntos. Eu não encarava nenhum dos dois, desde o começo do meu monólogo. Estava muito envergonhada para olhar para qualquer um deles. Durante o tempo em que a casa ficou em completo silêncio, interrompido apenas pelo crepitar da lareira, eu me lembrei de quando, finalmente, me declarei para Fred, e senti um sorriso amargo surgir na minha cara.
- Fred nunca te contou, não é? – Jorge me olhou confuso, após ser retirado de seus pensamentos de forma abrupta. – Sobre o dia em que eu me declarei para ele.
- Ele... ele disse que, naquele momento, namorar não era uma opção inteligente, já que estávamos no meio de uma guerra. – eu sentia que ele estava me encarando, mas não conseguia erguer os olhos do chão.
- Ele mentiu. Não foi isso que aconteceu. Fred me deu um fora porque sabia que você também gostava de mim, e ele não queria magoar o irmão.
E então, apenas imaginando a cara surpresa do ruivo à minha frente, comecei a contar sobre o dia em que meu melhor amigo me rejeitou.


Capítulo 8 – A declaração - 01 de agosto de 1997

Casamento de Gui e Fleur
Fleur estava radiante, não muito diferente do primogênito Weasley. Enquanto eles se arrumavam, Molly e eu terminávamos de levar os pratos e os talheres para a enorme tenda branca.
- Querida, por que você não descansa um pouco? Está ajudando na decoração desde cedo, pode ir. – disse Molly. Eu realmente estava cansada, depois de arrumar a tenda e colocar todas as cadeiras e as mesas no jardim, então concordei e me afastei, à procura de um lugar sossegado para respirar.
Fui em direção à árvore gigante que ficava bem em frente à entrada da casa, e me sentando com cuidado embaixo dela
. Molly vai me matar se eu sujar essa roupa. Pude ouvir o burburinho de várias conversar vindas de dentro da Toca, mas tentei ignorar e relaxar um pouco, esperando até a hora do casamento começar.
- Um casamento no meio de uma guerra, você só vê isso vivendo com os Weasleys. – me sobressaltei com aquela voz tão próxima. – Tá devendo para alguém, é, mulher?!
- Fred, você é um pé no saco quando quer, sabia? – respondi, mas a verdade é que eu estava quase pegando no sono e ele, felizmente, tinha me acordado antes que isso acontecesse.
Se eu dormisse, nem Voldemort conseguiria me acordar, de tão cansada que eu estava.
- Sabia, mas gosto quando você me lembra com esse seu jeitinho delicado.
Eu até tentei segurar a risada e manter a cara brava, mas era impossível ficar brava com os Weasleys. Fred sempre fora meu melhor amigo e estar ao lado dele era garantia de risadas até doer o estômago. Risadas e confusões. Uma confusão especifica maior do que as outras, se considerar “estar apaixonada por um dos meus dois melhores amigos” uma confusão. Bom, eu considero. Suspirei, e senti meu rosto esquentando
. Que ideia de sonserino, .
- ? – Fred segurou minhas bochechas e virou o meu rosto para ele. – , você está vermelha, não ficou doente, não né? Minha mãe vai surtar se você ficar doente logo agora.
Com aquela proximidade, tudo o que eu consegui foi ficar ainda mais vermelha. Como ele podia ser tão cego assim? Não era óbvio para todo mundo, inclusive para a Fleur, que nem me conhecia direito, o quanto eu gostava dele? Por que ele não via isso? Ou será que ele não queria ver?
Senti meus olhos ardendo e tentei me soltar dele, mas o mesmo apertou ainda mais quando eu comecei a chorar. Ele me olhou assustado e me soltou, talvez pensando que eu realmente estivesse ficando doente, ou que talvez tivesse me machucado. Comecei a levantar, planejando me afastar dele e de qualquer pessoa que pudesse me ver, mas ele segurou minha mão.
- ? Pelo amor de Merlin, , me diz qual é o problema?!
Olhei bem nos olhos dele, que parecia estar começando a ficar desesperado e pensei se deveria falar ou não
. Mas estamos em um casamento, no meio de uma guerra, isso pode ser algum sinal...
- O problema, Fred... é que eu gosto de você. – sussurrei a última parte, direcionando meu olhar para o chão. Não queria ver a reação dele quando eu terminasse de falar. – Fred... eu gosto de você, gosto já faz anos... eu não queria... eu não quero estragar a nossa amizade. Foi por isso que eu não disse até agora, mas... mas a gente... quer dizer, nós estamos em um casamento! No meio da guerra! Caramba, eu não sei se isso vale alguma coisa, mas-
- , eu já sabia. Bom, meio que sabia, o Jorge fala dormindo...
Ele deixou o resto no ar, mas qualquer um podia entender mesmo sem que ele terminasse. O Jorge sempre fora meu confidente, ele foi o primeiro para quem eu falei sobre esses sentimentos confusos.
Não conseguia olhar para o rosto de Fred, tamanha era a minha vergonha, então continuei encarando o chão, na esperança de que ele se abrisse e me engolisse.
Então isso quer dizer que ele fingia não ver. Meu deus, como eu fui estúpida! Como eu pude pensar que algo tão nítido pudesse passar despercebido? Comecei a chorar ainda mais e, quando Fred me abraçou, enterrei meu rosto na camisa dele.
- , eu sinto muito... – ele disse, quando viu que eu estava me acalmando. – Eu descobri naquele tempo em que nós tínhamos brigado, na época do baile...
- E por que... por que você nunca disse nada? – consegui perguntar, em voz baixa para a minha voz não falhar. A pergunta saiu meio abafada, já que ainda não tinha levantado o rosto da camisa.
- Bom, porque eu também descobri outra coisa, naquela mesma noite. , a verdade é que eu sempre gostei de você, desde a primeira vez que coloquei os olhos em você, mas não tinha percebido isso naquela época. Só fui perceber que te amava quando você saiu com o Olívio, aquilo me irritou pra caramba! Mas... igual você, eu achei que isso fosse estragar a nossa amizade, então decidi deixar para lá. Quando eu descobri que você gostava de mim, fiquei bastante animado, e já estava me preparando, mentalmente, para ir falar com você e transformar essa amizade em algo mais. Porém...
- Porém... – insisti, encarando-o e surpresa pela revelação.
- Você sabia que alguns gêmeos siameses sentem os mesmos sabores e sensações que seu irmão gêmeo? – olhei confusa para ele, pela súbita mudança de assunto, mas ele olhava diretamente para frente. – Jorge e eu somos idênticos, então sempre brincávamos que éramos siameses... mas eu não imaginava o quanto essa brincadeira poderia ser próxima da realidade. – ele suspirou e agora era ele quem estava com cara de choro e lágrimas nos olhos. Fiquei chocada em ver algo diferente de alegria no rosto de Fred Weasley. – Na primeira vez que ouvimos Gui e Carlinhos discutindo sobre uma garota que os dois achavam bonita, Jorge e eu prometemos nunca se apaixonar pela mesma garota, nunca brigar por mulheres e nunca falar sobre amor, porque era um saco. Bom, uma dessas promessas foi quebrada... Jorge... Jorge te ama, . Foi isso que eu descobri, naquela noite.
Não consegui dizer nada. Estava sem palavras, tanto pela revelação como pelas lágrimas que Fred limpava antes mesmo que elas descessem.
- A parte engraçada, - disse ele, dando uma risada forçada, tentando acabar com aquele clima. Tentando ser o sempre feliz Fred. – é que Jorge e eu, aparentemente, pensamos igual mais uma vez! Nós dois desistimos da garota que amamos um pelo outro, na tentativa de manter aquela promessa.
Não sabia o que dizer. Não sabia que tipo de reação eu deveria ter
. Jorge... Jorge me ama? Mas ele... foi por isso que ele me beijou aquela vez...? O que eu deveria fazer, agora que eu sabia disso? Aliás, eu precisava fazer alguma coisa? Fred tinha me rejeitado e, pelo visto, Jorge tinha desistido antes mesmo de tentar. Não tinha nada que eu pudesse fazer, certo? As decisões já tinham sido tomadas, só bastava seguir em frente. Eu só tinha que... esquecer. Esquecer esses sentimentos...
Fred limpou o rosto, deu um tapa em ambas as faces e se levantou. Olhei para ele, sem conseguir raciocinar. Ele estendeu a mão para mim, e eu segurei, me levantando também. Ao olhar por cima da minha cabeça, Fred abriu um sorriso e disse “apenas me acompanhe, querida” e eu me virei, observando Jorge vindo até nós. Fred se afastou de mim, cumprimentando o irmão com um abraço e puxando ele para longe.
- Hey, calma ai, Fred! – ouvi Jorge gritar, mas eu não estava prestando atenção para ver sentido nas palavras. – Do que vocês estavam falando e por quê você ta me empurrando?
- Ah, meu querido irmão. só estava me tarando, como sempre, mas eu disse para ela que namorar no meio de uma guerra não era lá uma opção inteligente. Você sabe, qualquer um de nós pode começar a colher abóboras pelo lado errado algum dia desses. Mas, fazer o que, se eu sou tão irresistível?
Enquanto os gêmeos se afastavam e a conversa começava a ficar inaudível, eu fiquei ali parada, como uma gárgula. Em uma única conversa eu levei um fora, descobri que meus dois melhores amigos me amam e descobri que não tinha que escolher nenhum dos dois, já que ambos resolveram desistir de mim para não brigarem.
Antes que eu ficasse perdida em pensamentos para sempre, Gina veio me buscar, pois o casamento estava prestes a começar. Decidi que, já que não tinha nenhuma opção além de deixar meus sentimentos de lado, igual os Weasleys fizeram, era isso que eu iria me focar em fazer. A partir daquele momento, eu nunca mais me apaixonaria por nenhum ruivo idiota, trasgo das masmorras, e que eu seria feliz. Sozinha
. Não preciso de namorado mesmo, ter amigos que me amam já é o suficiente!
E então, decidida a começar um novo capítulo da minha vida, um feliz, segui direto para a cerimônia, de braços dados com a única Weasley que nunca tinha me magoado.


Capítulo 9 – Hora da Verdade - 28 de dezembro de 2001, parte 1

Acordei e abri os olhos, me arrependendo no exato segundo em que fiz isso. Minha cabeça latejava, a luz que vinha da janela parecia querer me cegar, e eu não fazia ideia de onde estava. Tentei me concentrar, me lembrar da noite passada, mas nada me vinha a cabeça. Esse quarto me parece familiar, muito familiar, pensei, e então entendi o porquê de tanta familiaridade. Era a suíte, o quarto principal da minha casa nova. Nossa casa nova, mas por que eu estou aqui, afinal?
Olhei ao redor e descobri o motivo. Ao olhar para o lado esquerdo da cama, lá estava Jorge Weasley. Sem roupas, aparentemente, mas com o lençol o cobrindo a única coisa visível era a parte de cima de seu corpo. Igual a mim. O que foi que eu fiz?
Comecei a entrar em pânico, sem nenhuma lembrança da noite anterior, nada que pudesse explicar o motivo de nós dois estarmos pelados e na mesma cama. Eu precisava sair daqui o mais rápido possível e antes que Jorge acordasse, mas não conseguia me mexer. Por que eu fiz isso de novo? Por que eu sempre cometo os mesmos erros? O desespero era tanto que eu tinha começado a chorar e nem tinha percebido, até que as lágrimas começaram a embaçar minha visão. Primeiro Fred, agora Jorge... por que nós não conseguimos ser apenas amigos?
[...]
Jorge POV
Santo Merlin, eu preciso colocar uma cortina nessa janela imediatamente.
Sentei-me na cama e me espreguicei, estalando todos os ossos que podiam ser estalados. Olhei ao redor do quarto e, meu deus, o que foi que aconteceu aqui? Aliás, o que foi que aconteceu ontem? A última coisa que eu me lembro foi da , bem bêbada, pedindo para brincar de snap explosivo, e quem perdesse ia tirando as roupas. Dei risada, me lembrando de como ela ficava sem vergonha quando bêbada, algo inédito para mim. Eu sei que deveria ter recusado esse convite tão tentador, mas a bêbada era engraçada e eu também não estava em perfeitas condições para poder pensar. Inclusive, era por isso que eu não me lembrava de nada depois disso. Será que ela se lembra?
Ah, vamos, Jorge, qual é o problema? Vai dizer que nunca imaginou nós dois juntos?
Fiquei confuso, por acaso isso era uma lembrança de ontem? Bom, é claro que eu imaginei! Mas fazer... fazer é algo totalmente diferente, . Aliás, você não acha que está bêbada demais para tomar alguma decisão desse tipo? Caramba! Caramba, caramba, caramba! e eu... caramba!
Olhei rapidamente para trás, como se a fosse, subitamente, aparecer do outro lado da cama. E é claro que ela não estava lá. Deve ser só sua imaginação, seu idiota. Não, eu não tinha aquele tipo de imaginação, não tão fértil daquele jeito, então decidi ir até o quarto dela para ter alguma resposta. Mas, antes que eu colocasse os pés para fora da cama, comecei a ouvir uns barulhos estranhos. Isso parece... Saí correndo em direção ao banheiro, ignorando a dor de cabeça e me movendo a base da preocupação. A única coisa na minha mente era a palavra “arrependimento”. Mas não que eu estivesse arrependido, pelo choro aparentemente fora a que não havia gostado dos acontecimentos de ontem.
A porta do banheiro estava entreaberta, e o choro agora era bem nítido. Mas não parecia um choro de arrependimento, e sim de desespero total. Eu me lembro da diferença... pensei, enquanto abria a porta devagar.
estava sentada no chão, no espaço entre o vaso sanitário e o box, com a cabeça entre os joelhos e as mãos agarrando a cabeça. Me sentei de frente a ela e a abracei, esperando que se acalmasse um pouco. “Me desculpe” era a frase que ela não parava de repetir, mas eu não sabia qual o motivo, então apenas a apertei mais forte e tentei acalmá-la com algumas frases que já tinham me dito antes. “Vai ficar tudo bem”, “um dia essa dor diminui”, “você não tem culpa” e coisas assim. Mesmo que não fosse mentira, eu mesmo não acreditava que aquilo funcionasse, então não tinha por que pensar que ia funcionar com ela.
Contra a minha vontade, algumas lembranças da época pós-Fred voltaram à minha cabeça.
- Olha, Gina, a é uma covarde. Eu fui idiota em acreditar que ela ficaria. Eu... esperava que ela fosse ficar. Queria que ela ficasse... por mim..., mas é obvio que ela só se importava com o Fred. Deve ser por isso que fugiu.
- Jorge, você não entende...
- O QUE EU NÃO ENTENDO? Se vocês são tão mais inteligentes que eu, Gina, por que vocês ainda estão aqui? Por que não deixar de lado o irmão infeliz, aquele que agora estraga as fotos de família por causa da cara triste? Se eu sou tão burro assim, que não consigo entender algo simples, por que perder seu tempo comigo? Tenho certeza de que agora vocês dois são muito ocupados.

- ... tem algo que eu preciso dizer... – falei, assim que percebi que ela tinha se acalmado. Eu não poderia esconder isso dela, não podia – nem queria – guardar mágoa dela. Ainda mais porque o amor que eu tinha por ela voltara. E bem mais forte do que antes.
Assim que ela me olhou, comecei a contar sobre o porquê eu não queria a ajuda de ninguém. Na época em que a minha família tentou me ajudar, eu descarreguei tudo o que eu guardava sobre eles, e sabia que era errado no momento em que falei. Não era deles que eu tinha raiva, era de mim mesmo. De ser tão dependente de alguém. Primeiro do Fred, não tinha passado nem um segundo da minha vida sem ele, então me acostumei de que seria assim pelo resto da vida. Engano total. Fred morreu, e eu fiquei aqui, vivendo uma vidinha de bosta, rodeado de pessoas que seguiram em frente, enquanto eu fiquei para trás. E agora, . Desde que nós a conhecemos, tinha se tornado a número 3. A inseparável dupla tinha virado o inseparável trio. Algo nela tinha chamado a minha atenção desde o início, mas a de Fred também. Soube que ele estava apaixonado por ela antes mesmo dele descobrir. Conexão de gêmeos, ou algo assim. Por esse motivo, decidi que ela não seria uma parte importante da minha vida, não a ponto de eu brigar com o Fred, afinal, nós tínhamos feito aquela promessa idiota. Promessa essa que me obrigou a ficar em silêncio, apenas observando meu irmão e a garota que eu amava se apaixonando. Quanto mais eu tentava ajudar os dois a ficarem juntos, mais aquilo me machucava, mas eu nunca parei. Fred merecia ser feliz. Então, ignorando todos os gritos do meu coração despedaçado, eu continuei insistindo para que ela se declarasse para ele. Quando ela vinha chorar ou reclamar sobre Angelina, eu ficava quieto e ouvia, as vezes a aconselhando a não se afetar por algo bobo. Se pelo menos ela soubesse como o amor não correspondido dói, não ficaria chorando por alguém que claramente gostava dela. Se pelo menos ela soubesse... mas eu não podia falar.
E então, eu me tornei dependente dela. Dependia das nossas conversas no meio da madrugada, enquanto o Fred dormia que nem uma pedra no dormitório. Dependia daquele sorriso travesso, quando pensava em pegadinhas para nós fazermos. Dos planos malignos, dos doces que ela ganhava dos elfos na cozinha (doces esses que eram em troca da simples gentileza dela), das piadas sem-graça, da raiva quando ninguém a levava a sério e da tristeza quando ninguém via seu esforço. Mas eu via, sempre vi, só não podia dizer isso para ela. Ficaria óbvio que eu a observava mais do que o necessário. Ficaria óbvio que eu a via, sorrateiramente, enfiar presentes de natal ao pé da nossa cama, antes que nós acordássemos. Ou que eu notava quando ela fazia as lições que nós não entendíamos de um jeito mais fácil. Cada vez em que ela colocava nossos sentimentos antes dos dela, cada pequena ação de para nos agradar era algo que eu percebia, mas eu sempre escolhi ficar em silêncio. Até hoje.
Quando eu terminei o meu monólogo, vi que não me encarava. Ela já tinha se acalmado, mas as lágrimas ainda escorriam. Fiquei me perguntando se a rejeição iria doer tanto quanto doía ver os dois juntos, mas achei que era melhor ela saber de uma vez por todas. Se existe realmente um Deus, igual os trouxas falam tanto, então por favor, cara... não deixe ela me rejeitar.
- Jorge... – a voz dela estava tão baixa e rouca que eu precisei chegar mais perto para ouvir. – Antes de qualquer coisa, de qualquer resposta que eu possa te dar, existe algo que você precisa saber... Depois disso, se você ainda quiser falar comigo, então eu responderei a todas as suas perguntas...
Com aquele olhar de sofrimento e de culpa, começou a contar o motivo de nunca ter voltado. Ou melhor, o motivo de ter sido chantageada a voltar.


Capítulo 10 – Aquela noite – 25 de abril de 1998

Uma semana antes da Batalha de Hogwarts
POV

Acordei sobressaltada e sem ar, tentando puxar o máximo de oxigênio que meus pulmões pudessem aguentar. O pesadelo, tão nítido quanto se eu ainda estivesse nele, não me deixava respirar. Sai do quarto de hospedes da tia Muriel, e desci as escadas, indo em direção a saída, eu necessitava de ar puro, ou sufocaria ali mesmo. Enquanto saia, notei ao longe o barulho de um chuveiro ligado e alguém me chamando, mas não parei para ver quem era.
Ao sair para o ar livre, tentei respirar o mais calmamente possível, mas ainda ofegava. Os corpos deles...No pesadelo, todos eles estavam mortos. Jorge, Fred, Dora, Molly, Arthur, Harry...e, entre eles, estavam as pessoas que eu já sabia que não respiravam mais. Sirius e uma mulher, que eu imaginava ser minha mãe, mas que eu nunca tinha visto na vida, estavam deitados em frente a ele. Voldemort. Os cadáveres flutuavam em sangue, aos pés daquele monstro, não mais um homem, mas ainda com uma aparência humanoide. A cobra também estava lá, enrolada em seu pescoço, pronta para o ataque.
Fui tirada subitamente desse pesadelo, que estava revivendo agora acordada, por Fred. Não tinha me dado conta de que estava longe, até estranhar o fato dele estar ofegante, e então olhar ao redor. Eu estava no meio de uma floresta, que nem sabia que existia até aquele momento. Eu deveria começar a prestar atenção nas coisas...pensei, de forma abobada.
- ! Caramba, mulher, por que você não parou quando eu te chamei? – Fred disse, me soltando e se sentando para poder descansar e tomar ar. – O pesadelo foi tão ruim assim?
Eu sabia que ele só estava fazendo piada, mas ele acertou em cheio e eu comecei a chorar. Estava tendo um ataque de pânico e não conseguia me controlar, então a única coisa que fiz foi me abaixar e abraçá-lo. Fred se assustou com o meu desespero, mas me abraçou e tentou me acalmar.
Eu murmurava coisas sem sentido, dizendo que todos tinham morrido, que apenas eu tinha sobrevivido e que eu iria matar aquele desgraçado. Fred, obviamente, não entendeu nada, mas não fez perguntas, apenas me abraçou cada vez mais apertado. Não sei quanto tempo levou, mas eu finalmente me acalmei. Senti meu coração começar a bater de forma devagar novamente, então me afastei um pouco, para olhar para ele. Não me importava o quanto minha aparência deveria estar deplorável, eu apenas queria olhar para ele. Ver que ele estava ali, vivo, respirando. Que o pesadelo tinha sido só isso: um sonho terrível.
- , o que foi que aconteceu? – Fred perguntou, suavemente, enquanto acariciava meu rosto. – Você me assustou, querida. Não só a mim, mas todo mundo. Você deveria ter visto a cara da minha mãe!
O ruivo começou a rir, mas eu ainda estava sem humor algum para piadas, agindo de forma inconsciente. Com o joelho, dei um impulso para cima, colando meus lábios aos dele. De início, Fred não teve reação, mas em poucos segundos ele começou a corresponder ao beijo. E foi nesse momento que a coisa desandou.
Eu queria esquecer o sonho, mas mais do que isso, queria esquecer a realidade. Queria esquecer quem eu era, esquecer que meu pai tinha morrido em frente aos meus olhos. Queria ser uma trouxa normal, sem ter que me preocupar com a morte dos meus amigos, sem saber o que estava acontecendo. Eu só queria me esquecer de tudo. E eu estava disposta a usar Fred para isso.
Enquanto nos atrapalhávamos para tirar as roupas, tentei não pensar em nada, porque isso só faria com que eu desistisse daquilo. Eu sabia que era errado, e sabia que se pensasse eu iria me arrepender depois. Mas, na tentativa de evitar pensar, eu comecei a me lembrar. E as lembranças eram piores do que pensamentos.
Me lembrei da primeira vez que vi os gêmeos, na estação de King’s Cross, e o quanto achei engraçado o tanto de ruivos naquela plataforma. Lembrei que tinha desejado, apenas por um segundo, fazer parte daquela família, mas eu retirei esse desejo da cabeça, pois a tia Andromeda e o tio Ted eram legais, e eu amava a Dora e não trocaria ela por nada.
Com o Fred passando as mãos em mim, não pude deixar de soltar um riso, lembrando de como ele tinha me odiado na nossa primeira conversa e de como Jorge teve que convencê-lo a me dar uma chance, dizendo que eu teria brincadeiras e ideias tão boas quanto as deles. Isso me fez amar o Jorge imediatamente, e a sensação de irritar o Fred era maravilhosa.
Jorge... Jorge poderia ter sido a pessoa certa para mim, se não fosse tão pé no chão. A gente conversava bastante, principalmente de madrugada. Era atrás dele que eu ia quando me sentia mal, ou quando queria abrir meu coração. Mas ele também me obrigava a reconhecer meus erros, aceitar que meus problemas existiam e brigava comigo quando eu fingia estar bem. Sim, ele poderia ter sido a pessoa certa, se eu conseguisse aceitar a realidade. Se eu quisesse aceitar. Mas eu não queria, então fui em busca do Fred.
Fred era incrível. A gente zoava o tempo todo, tirava sarro de todo mundo, inclusive de nós mesmos e não precisava se preocupar com nada. Um dia, a realidade vai esfregar a cara de vocês no chão e cuspir em cima, dizia Jorge, mas nós não nos importávamos.
Quando esse dia chegar, querido, eu dizia, tirando sarro, a gente lança um expelliarmus na realidade! E então, Fred e eu riamos e mudávamos de assunto, já que o Jorge começava a implicar com a gente.
E então, só restou a última peça de roupa. Fred hesitou, talvez esperando que eu mudasse de ideia, ou talvez ele estivesse começando a se arrepender. Mas eu não podia deixar ele pensar, não podia deixá-lo se arrepender. Não antes dele me fazer esquecer, pelo menos. E, com esse último pensamento, tirei o último pedaço de pano que restara em mim, e fui para cima de Fred, na esperança de esquecer.
[...]
2 de maio de 1998.

Não... isso não pode ser verdade. Eu ainda estou dentro daquele pesadelo, na casa da tia Muriel. Mas eu sabia que só estava me iludindo. Sabia que aquele sorriso na cara do Fred seria o último. Sabia que, enquanto ele estava caindo, mais pessoas estavam morrendo ao meu redor. Aliás, ouvi aquela desgraçada da Bellatrix se gabar de ter ganhado da Dora, mas eu estava ocupada demais para assimilar a palavra “ganhado” com “matado”. Ganhado, matado, assassinado...
Os sons começaram a se afastar. Ouvi Harry chamando por mim, mas a voz dele estava longe demais para eu entender o que ele estava falando. A missão...sim, eu tinha uma missão...mas isso já não importava mais. Minha visão começou a embaçar, não, ela começou a escurecer. Eu andava, mas não sabia para onde ir. A voz na minha cabeça, aquela que tirava sarro quando eu me ferrava, gritava coisas desconexas.
Você nunca mais vai ir para a Toca, garotinha. Acabou os presentes de natal. Eu não queria o natal. Não queria nada, só queria... sumir. Sumir. Sumir. Mas para onde?
[...]
Algum dia de setembro de 1998.
Minha cabeça latejava, mas eu não me importei. Só mais cinco minutinhos, e ela vai passar. Quando eu beber. Afinal, uma ressaca cura a outra, certo? Me levantei, cambaleando, e fui em direção a cozinha, sem me importar com as coisas no caminho, e esbarrando em praticamente tudo.
- Ai! – reclamei, quando acertei a barriga na quina da mesa. – Maldita mesa. Maldita barriga.
Eu já estava com uma barriga bem grande até, com uns... 5 meses? Contar exigiria um nível de sobriedade que eu não tinha. Quando descobri que estava gravida, aliás, quando me disseram que eu estava gravida, eu entrei em pânico
. O que eu vou fazer com essa coisa? Pensei, então decidi apenas continuar o que eu estava fazendo: beber até cair, levantar, comer e beber de novo. Funcionou até agora, mas e depois?
Esse pensamento foi interrompido por uma forte pontada na minha lombar, seguida de uma contração na minha barriga. Mas que merda, essa droga vai nascer agora? Eu estou tão ruim assim de conta? Mas, antes de eu poder recomeçar a contagem, a dor começou a me cegar, de tão forte que as pontadas eram. Comecei a gritar, chamando pela droga do colega de quarto que eu sabia que estava em casa (tinha roupas espalhadas pelo chão, roupas femininas que não eram minhas). Jerry apareceu, com a cueca do avesso e uma mulher enrolada no lençol atrás dele, fazendo cara feia para mim.
- Jerry, que merda, há quanto tempo eu estou gravida? – perguntei, deixando-o claramente confuso.
Jerry era um trouxa que eu conheci no bar e, quando eu reclamei que estava cansada de dormir em hotéis, ele me deixou ficar no quarto de hospedes, apenas até achar o próximo colega de quarto que pagasse. Mas, como eu acabei descobrindo, Jerry nunca abandonaria uma gravida sozinha e parou de procurar alguém com dinheiro. Mas eu falei para ele de quanto tempo eu estava? Me perguntei, mas fui respondida por ele.
- Ah, droga... , acho que... sei lá, uns 5 ou 6 meses, talvez? Eu não me lembro! – ele estava nervoso, começando a ficar desesperado.
Depois disso, eu não me lembro direito, mas acho que desmaiei. Não senti o chão, mas quando acordei já não estava em casa, e sim no hospital. Ou pelo menos parecia um hospital, mas eu só tinha o teto como referência. Estava numa maca, e tinha dois homens me puxando, gritando para as pessoas saírem da frente. Jerry estava ali do lado, sem a garota. Eu sentia as pontadas, agora bem mais fortes, e algo escorrendo entre minhas pernas.
Por favor, deus, que eu não esteja toda mijada na frente de todo mundo, pensei, de forma desligada por culpa da anestesia.
Acordei em um quarto azul, com as tintas desbotando das paredes e um cheiro forte de produto de limpeza no nariz. Minha cabeça doía, mas eu já sabia que era resultado da ressaca, então não me preocupei. Porém, tinha algo diferente ali...
- Ah meu deus! Você acordou, , até que enfim! – só agora reparara em Jerry, que estava em uma poltrona velha ao lado da cama. Ele estava com olheiras e com os olhos vermelhos, provavelmente resultado da bebida também.
- O que foi... que aconteceu? – perguntei, mas eu falava embolado por conta da anestesia, e a cada palavra minha garganta seca doía.
Antes que Jerry pudesse responder, eu tinha descoberto. Era sutil, mas a minha barriga tinha diminuído. Jerry começou a falar, na tentativa de me consolar, mas eu não conseguia ouvir. Entre a sensação de falta de ar e a aceleração dos meus batimentos cardíacos, tudo que eu conseguia ouvir era a minha própria voz.
O que eu vou fazer com essa coisa... Funcionou até agora, mas e depois... Meu deus...
- Você teve um aborto, ... eu sinto muito.


Capítulo 11 – Depois da chuva sempre vem o Sol - 28 de dezembro de 2001, parte 2

Jorge POV
Eu fiquei sem palavras. Nunca iria imaginar que a teria passado por algo desse tipo, ainda mais sozinha. Como ela conseguiu? E por que isso mudaria o que eu sentia por ela? Não sei quanto tempo ficamos em silêncio, mas a parecia decidida a encarar qualquer coisa menos eu. Só de olhar para ela eu já conseguia imaginar as coisas que se passava na cabeça dela.” Por que ele continuaria gostando de mim?” e “ela estragou tudo”, eram as duas coisas no topo da lista.
- ... – comecei a falar, e notei ela ficando ainda mais tensa. – , olhe para mim.
Ela não queria me encarar, então delicadamente eu coloquei minhas mãos no rosto dela e o puxei para cima, até estarmos nos encarando.
- , me diga o que você está pensando. Por favor... – ela hesitou, então pareceu que tinha desistido de esconder e disparou a falar.
- Eu sempre tive consciência do meu erro, e sempre achei que se descobrissem as pessoas me odiariam. Eu matei meu bebê. Descobri que estava grávida e apenas ignorei. Engravidei do Fred e, ao invés de voltar para casa e pedir ajudar, eu decidi que iria me livrar do bebê. Dá-lo embora, levar para a adoção, ou simplesmente deixá-lo na porta de alguém. Mas quando ele morreu... pode parecer idiotice da minha parte, mas eu não achei que ele ia morrer. Eu não queria que ele morresse, só não queria ficar perto dele. Ficar perto do bebê iria se tornar uma tortura, pois ele seria um eterno lembrete do maior erro da minha vida.
- Qual erro, ? – perguntei em voz baixa, me aproximando dela e voltando a abraçá-la, já que ela tinha voltado a chorar.
- Jorge, eu... eu nunca deveria ter ficado com o Fred. Eu apenas usei ele. A verdade é que... desde o primeiro dia em que nos conhecemos, eu e você temos sido melhores amigos. Aquele primeiro encontro... Fred nem tinha gostado de mim e, como você sabe, ele nem teria aceitado andar comigo se não fosse por você. O Fred... ele era tudo o que eu queria ser. Ele era alegre, divertido, não se deixava abalar por nada e parecia não saber o que era tristeza.
“Eu... eu tive uma infância feliz, não posso negar isso, mas sempre senti como se não pertencesse a lugar nenhum. Eu me sentia uma intrusa lá, como se fosse um peso – um lembrete do mundo ruim que existia lá fora. O tio Ted e a tia Andy, eles eram tão felizes juntos, como aqueles casais que realizaram todos os sonhos juntos sabe? Se conheceram, namoraram, casaram e tiveram uma casa e uma filha. A vida perfeita... e eu era a filha de um prisioneiro, a lembrança eterna de que o Black mais honesto e legal do mundo estava preso injustamente.”
- Tenho certeza de que os seus tios não pensavam assim, ...
- Eu sei, eu sei, mas... era assim que eu me sentia. Mas o que eu quero dizer, na verdade, é que... Jorge, você sempre foi o mais realista entre nós. Você sempre foi sincero comigo, mesmo quando eu não queria. Você nos puxava para a terra quando estávamos viajando na maionese. Você me forçava a ser responsável, porque sabia que eu me obrigava a ser desleixada. Eu não queria ter que assumir muitas das responsabilidades que eu tinha. Eu queria ser livre, como o Fred. E isso... isso me fez ter medo. Medo de gostar de você, ou melhor, de assumir que eu gostava de você. Eu sei que, nunca em um milhão de anos, eu seria igual o Fred, mas eu poderia fingir que era. Mas você me fazia perceber que era estupido tentar ser o que eu não era. Só que, com tanta coisa ruim acontecendo, eu não queria aceitar a realidade. Eu não queria aceitar que não estava bem. Eu queria fingir que tinha uma vida legal, porque aceitar que minha vida era uma droga significava aceitar que eu estava sozinha no mundo. Sem mãe, sem pai, sem felicidade e sem honestidade. Você tinha o Fred e todos os outros trocentos Weasleys, mas eu não tinha ninguém. Vocês dois eram meus únicos amigos, e se eu aceitasse que estava apaixonada por você... eu teria que aceitar que, um dia, as coisas não seriam mais tão legais quanto eram.
“Então eu escolhi me enganar, escolhi viver no mundo das fantasias, escolhi o Fred. E, depois que você começou a me ajudar com ele, eu imaginei que você não gostava de mim da mesma forma que eu gostava de você. Achei que tinha feito a escolha certa.”
Eu não sabia o que dizer. Se aquilo tudo era verdade, e eu acreditava que sim, então a tinha se apaixonado por mim antes de gostar do Fred. Alias, aparentemente, ela nem tinha gostado no Fred. Bom, não da mesma forma que tinha gostado de mim, pelo menos. Mas será que ele sabia disso? Será que, afinal, ficar com a seria como trair a memória do Fred? Mas que droga! Antes de começar a me desesperar com aquilo, eu decidi perguntar isso para ela.
- O Fred... ele sabe. Sempre soube, na verdade. – e então ela fez aquilo de olhar por cima do meu ombro de novo.
- Por que você sempre faz isso? Você não me respondeu. – Ela me olhou confusa. – Olhar por cima do meu ombro, - expliquei – como se tivesse alguém atras de mim. Mas nós sempre estamos sozinhos, então não tem como ser isso.
olhou no fundo dos meus olhos, e parecia que ela estava tentando decidir se me contava ou não. Sendo bem sincero, parecia o mesmo olhar de quando ela pregava peças sozinha e não queria contar para mim e para o Fred.
- Seria meio estranho se eu te dissesse... que eu costumava ver o Fred? – ela sussurrou, tão baixo que eu quase não ouvi. Fiquei encarando-a com uma cara do tipo “você enlouqueceu, mulher?” e, mesmo assim, ela continuou com o olhar sério no rosto. – Eu não... vejo fantasmas, nem nada do tipo, com exceção do Fred. Ele apareceu depois que eu perdi... você sabe. Eu não sei por que, nem sei explicar como, mas é a verdade. Ele tem me ajudado desde aquele dia, sempre conversando comigo, mas eu costumava ignorar ele no começo. Achei que eu estava enlouquecendo, então dar trela pra isso não era uma escolha muito inteligente.
- Supondo que isso seja verdade, - falei, ainda não acreditando 100%, mas também sem saber que motivo ela teria para mentira. - Você disse “costumava”.
Ela desviou o olhar de novo, mas dessa vez parecia mais conformada do que triste. – Fred disse, na primeira vez que apareceu, que ficaria ao meu lado até que eu encontrasse alguém que pudesse ser para mim o que eu fui para ele: um ombro amigo, uma pessoa de confiança. Ele se foi ontem de noite... eu não queria que ele fosse, mas ele sabia que eu não conseguiria seguir em frente se ele continuasse aqui. Eu... confiar nos mortos parece mais inteligente do que confiar nos vivos, então eu nunca iria confiar em ninguém se ele continuasse aqui. E ele sabia que você era a pessoa certa. Ele mandou dizer que, bem, abre aspas “se você for um trasgo inútil de novo e enfiar mais uma gota de álcool nessa boca, estragando esse rostinho lindo, mas nem tão lindo quanto o meu, eu vou voltar e te amaldiçoar até a sua vigésima geração. P.S.: o que ainda não é muito, já que sendo um Weasley a expectativa é que você procrie igual coelho. Ah sim, e cuide da , o discurso é o mesmo.” Fecha aspas.
Eu não aguentei e comecei a rir – aquilo era mesmo a cara do Fred. E logo em seguida, vieram as lagrimas. Eu nunca superaria a morte do Fred, mas não deveria deixar aquilo me impedir de viver. Ele trouxe a de volta para mim, a minha última chance - imagino que ignorar isso seria ignorar ele, e eu não queria fazer isso. Fora que, a também tinha muitos traumas para lidar, muitas perdas para aguentar. Eu precisava ajudar ela, e não conseguiria fazer isso se não pudesse nem seguir em frente também.
- Está decidido então, : nós iremos nos levantar juntos. – Ela olhou para mim surpresa, mas não deixei ela falar, não ainda. – Vamos cuidar um do outro, tentar sair desse poço que a gente se enfiou. Caramba, eu quero viver, não só sobreviver, não mais! E também... – eu fiquei um pouco envergonhado nessa parte, mas se eu queria que aquilo funcionasse, eu precisava ser sincero. – Quando nós dois estivermos melhor... eu quero me declarar para você, só que de verdade. Quero te chamar num encontro, sem enrolações nem distrações. Mas, por enquanto, nós precisamos nos curar, nos ajeitar. Só ai nós pensamos em coisas mais complexas, okay?
E ela abriu aquele sorriso, o mais lindo que eu já vira na minha vida. E eu a abracei, o abraço mais apertado do mundo, só para ter certeza de que ela era real, de que não sumiria assim que eu abrisse os olhos.


Capítulo 12 – A vida continua – 01 de setembro de 2017

POV
Merda, merda, merda! Eu estou atrasada para um caramba! Pensei, enquanto me desviava de todos os milhões de trouxas que encontrava no caminho. Jorge com certeza iria brigar comigo, mas ele entenderia. Não era com ele que eu estava preocupada, não agora. Os meninos vão me matar. Sai correndo em direção à plataforma, sem nem parar para respirar. Meu coração estava acelerado devido a corrida, mas se eu parasse para descansar, não chegaria a tempo de me despedir.
Ao chegar na frente da parede de tijolos, nem hesitei – me joguei na passagem – e acabei esbarrando em alguém.
- Ai, droga! – gritei, indo em direção ao chão. – Mil desculpas... – foi quando eu olhei para cima, e vi Draco me encarando e segurando um riso.
- Sempre desastrada, não é, Black? – ele deu risada, oferecendo a mão para mim. – Será que todas as vezes que nos encontrarmos vai ser você esbarrando em mim e indo de encontro com o chão?
Aceitei a mão dele, e dei risada, me lembrando de que realmente tinha virado regra eu cair toda vez que ver ele. Alias, esbarrar nele e cair. Tem sido assim desde o começo, quando nos conhecemos.
- Bem, mas dessa vez você foi educado, pelo menos. Poderia ter sido pior. Você poderia ter me azarado de novo. – Antes de poder me arrepender da piada, ouvi a risada dele e me senti aliviada. Achei que ele ainda não tinha superado isso, mas parece que nossa antiga inimizade não era tão grande quanto a dele com o Harry.
- Sim. , você não deveria estar em outro lugar? – ele perguntou, levantando uma sobrancelha e me lembrando de que estava atrasada.
Mas, antes que eu pudesse responder, senti um baque nas minhas costas e quase fui para o chão de novo.
- Manhêêê! – gritaram aquelas migalhinhas, uma em cada ouvido. – Você tá atrasada! O papai vai te azarar, você sabe!
- Tommy, Vivi, saiam de cima da tua mãe! Vocês não perceberam? Já estão quase do tamanho dela! Isso que dá ser descendente de gnomo, !
Olhei para o Jorge, fulminando-o com o olhar, mas fiquei sem palavras. Como aquele homem estava bonito, caramba! Não dava para acreditar que ele conseguia ficar mais bonito a cada ano, mas era o que acontecia. E isso ficava ainda mais nítido quando tínhamos que levas as crianças para King’s Cross, já que ele se arrumava como se fosse uma comemoração.
- O que foi, minha gnomozinha, ficou sem palavras é? Ou você falou alguma coisa e eu não ouvi porque o som ainda não chegou aqui em cima? – ele continuou tirando sarro da minha cara, mas não tinha como discutir sobre isso. Jorge tinha 1,90m, e eu mal chegava aos 1,65m. Mesmo assim, eu não ia ficar quieta e deixar, não é? Pisei no pé dele e, quando ele abaixou de dor, segurei na orelha dele e puxei para bem perto da minha boca.
- Escuta aqui, trasgo... – ele me olhou assustado, mas eu simplesmente dei um beijo nele e comecei a rir. – Me desculpa pelo atraso.
- Eca! – gemeram as crianças. – Mãe, dá para evitar essa safadeza em público? – disse o mais velho, Fred, com um sorriso travesso no rosto, enquanto Maggie concordava com o mesmo sorriso.
Olhei para Jorge e o mesmo estava me encarando, provavelmente pensando a mesma coisa que eu também: criamos duas cópias do Fred, e não só no nome! Jorge sacudiu os ombros, como se não tivesse mais nada para fazer agora, e eu fiz o mesmo. Era engraçado como, depois de tanto tempo juntos, nós nem precisávamos de palavras para nos entender. Um simples gesto, ou olhar, já significava uma conversa completa.
- Certo, certo. – falei, e abri os braços. – Agora eu quero um abraço, e ai de vocês se negarem seus pestinhas. - Resmungando, meus quatro encrenqueiros me abraçaram. Pelo menos isso eu os ensinei direito – não ter vergonha dos pais!
Ouvi o apito do trem, e só então percebi o quão atrasada eu estava. Mal havia chegado e eles já iriam partir! Fred II já estava no quarto ano e Maggie no terceiro, então eu já tinha me acostumado a deixá-los ir – por mais que doesse –, mas era o primeiro ano dos gêmeos! Eu não queria me separar deles, a casa ficaria tão quieta...
- Mãe... não precisa chorar. – disse Maggie, minha Margareth. – Você sabe, daqui a pouco é natal e a gente já vai estar de volta! Aprontando e tudo mais!
- Isso mesmo, mamãe! – continuou Fred. – Você sabe que passa rápido! E sabe que sempre se arrepende de desejar chegar logo o Natal quando voltamos para casa! Lembra do Natal passado? – gemi, concordando com ele.
No ano passado, tinha sido o primeiro ano da Maggie, o ano do descobrimento. Fred tinha mostrado para ela todas as peças que poderiam ser pregadas na escola e, aparentemente, ela achou que seria uma boa ideia trazer umas bombas de bosta para casa no Natal.
- O cheiro ainda me assombra... – falei, me lembrando da bagunça que tinha sido. A pior parte era que eu nem consegui dar bronca nela – tinha sido engraçado demais! Só a cara dela, de cachorro arrependido, já foi o suficiente para nos fazer gargalhar. E também já era óbvio de onde tinha vindo aquelas bombas, não é?
Como se lesse os meus pensamentos, Jorge me olhou com uma cara de quem pede desculpas. Ter um marido que cria artimanhas para pregar peças nas pessoas mais o fato de ser uma pessoa que pregava peças nos outros não era exatamente a fórmula correta para se criar quatro filhos quietos e pacientes. Jorge e eu sempre fomos liberais e, pelo meu ponto de vista, pais divertidos. Enquanto Hermione e Ron tentaram ser rígidos na educação dos filhos, nós estávamos ensinando a eles alguns feitiços simples para pregar peças. Talvez agora, então, não fosse o momento certo para se arrepender disso.
- Mamãe, papai, - disseram os gêmeos ao mesmo tempo, igual o pai e o tio faziam. – Nós juramos solenemente não fazer nada de bom esse ano!
Merda, pensei, eu sabia que um dia eles virariam isso contra nós. Mas, antes que eu pudesse – tentar – brigar com eles, o apito tocou mais uma vez. Os quatro pestinhas abraçaram a mim e ao Jorge, e saíram em disparada para o vagão. Enquanto eles iam, meu coração começava a se apertar – um resquício do medo nunca fora embora, não importava quanto tempo se passasse. Só quando eles voltassem seguros para casa é que eu descansaria de novo.
- Está tudo bem, , eles vão voltar. – Sussurrou Jorge, me abraçando enquanto nós acenávamos para nossos filhos. – Não há mais nada a temer, o pior já passou. A nossa época já passou. Eles vão aprontar muito, pegar muitas detenções, se apaixonarem e se machucarem algumas vezes, mas eles vão ficar bem.
Olhei no fundo dos olhos de Jorge, e notei que ele não estava dizendo aquilo só para mim. Ele também queria acreditar naquilo, e por esse motivo, eu sorri para ele. Não importava qual fosse o problema, nós acharíamos uma solução juntos. O medo de deixar nossos filhos sozinhos em Hogwarts ainda seria uma ferida nos nossos corações, mas estávamos ali, um pelo outro, então o peso seria dividido. Enquanto estivéssemos juntos, nós seriamos capazes de superar nossos traumas, um cuidaria do outro. E Fred olharia por nós.


Epílogo

Sentada na minha escrivaninha, pensando no que poderia escrever enquanto esperava Jorge chegar da loja, decidi apenas desabafar. Para quem? Eu não sabia a resposta, mas alguém, em algum lugar, poderia estar precisando disso.
Caro leitor,
Depois desse final feliz você deve estar pensando que eu exagerei no começo, certo? Mas não foi um exagero. Sim, Jorge e eu ficamos juntos no final, mas só no final. O caminho até aqui não foi fácil, os anos que se passaram entre a nossa conversa e o nosso casamento foram anos muito difíceis. Medo, agonia, saudade, desespero, angústia... tudo isso e muito mais aconteceram.
E sabe por que essa não é uma história de amor? Porque ela é sobre superação. Jorge e eu tentamos a cada dia superar a morte de Fred, ajudando um ao outro sempre. Alguns dias meu marido precisa mais de suporte, em outros sou eu – admito, a maior parte das vezes sou eu. Não só perdi Fred como também Sirius e Dora.
“É estranho você ter que superar a morte de alguém que foi ausente a maior parte da sua vida”, alguns dizem, mas a verdade é que Sirius sempre esteve presente comigo, no meu coração. Andromeda nunca desconfiou, nem por um segundo, de que Sirius era inocente, e foi isso que ela me ensinou – a acreditar nele. Ela me contava histórias de quando eles estavam em Hogwarts, de como ele aprontava com todo mundo e de como eles tinham sido bons amigos, apesar de terem vindo de uma família tão escrota. Eu amava ouvir sobre ele, e como não o tinha por perto eu me agarrava a essas histórias. Quando eu o encontrei pela primeira vez, era como se ele estivesse por perto o tempo todo, como se eu o conhecesse a vida toda. Foi incrível.
E ter que superar isso... superar Sirius, superar Dora e Fred. Esses dois últimos fizeram parte da maior parte da minha vida. Dora tinha sido minha primeira e melhor amiga... até o fim.
Ainda tenho contato com Teddy, ele gosta de vir até em casa e passar um tempo com as crianças. Às vezes, quando ele vem, eu conto um pouco da minha infância com a Dora, ele ama ouvir sobre ela e sobre as palhaçadas que ela fazia para alegrar os outros (eu não conhecia o professor Lupin muito bem, a única coisa que eu sei é que ele tinha sido amigo do meu pai na escola, então não conversamos muito sobre ele, mas Harry sempre cuidou dessa parte).
Enfim, o que eu quero dizer é: sim, foi um final feliz, mas o foco aqui não era esse. Eu escolhi, especificamente, essas partes da minha vida para mostrar para você, leitor, que a morte de alguém querido não é o ponto final. “Meio irônico vindo de alguém que fugiu e ficou longe por três anos e blábláblá”, não necessariamente, pois como eu já passei por isso, tenho propriedade para falar. Eu sou a prova viva de que podemos seguir em frente, independente da dor. Eu fiquei presa por três anos, sozinha, e que bem isso fez? Eu só adiei o inevitável. Confrontar as perdas foi a melhor decisão que eu tomei. Eu não consigo nem imaginar onde eu estaria agora se não fosse pelo Harry e pela Gina.
Então, por favor, caro leitor, não fique parado no tempo. Peça ajuda a alguém, se esforce e siga em frente, mesmo que doa. Porque dói, e vai doer para sempre. Quando uma pessoa que amamos morre, ela deixa um vazio dentro de nós. Nada vai tapar esse vazio, mas nós podemos impedir que nosso espírito vaze por ele. Podemos achar algo - ou alguém - que nos ajude a amenizar a dor e nos manter de pé.
Com muito amor – e esperança,
Orion Black - Weasley.

Assim que terminei de escrever, ouvi a porta se fechando na sala. Tirei o papel, fechei a máquina e desci correndo, em direção ao meu amado marido. Ele já sabia o que eu ia fazer, por isso tacou a pasta que estava segurando no sofá e abriu os braços. Pulei em cima dele - com um pouco de dificuldade, admito – e enrolei minhas pernas na cintura dele.
- Boa noite, Sra. Weasley. – Ele disse, tentando fazer charme. Dei risada.
- Uma ótima noite, Sr. Weasley.
- Preparada para a nossa primeira noite sozinhos desde... 2003? – Jorge fez uma cara safada, ainda tentando o negócio do charme.
Olhei para ele e, antes que pudesse pensar em uma resposta tão boa quanto aquela pergunta, agradeci mentalmente. Nunca teria achado alguém tão perfeito para mim. Alguém tão bobo, responsável e divertido. Alguém que me segurava quando eu estava prestes a cair. Alguém... para sempre.




FIM!



Nota da autora:Bom pessoal, então é isso! Não sou boa em despedidas, então...

Muito obrigada para quem leu até o final, e obrigada pela paciência também kkk. Tenham todos uma ótima vida!

Até mais <3.


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