Não quero ver o mundo acabar com mais ninguém

Finalizada em: 09/05/2023

Capítulo Único

Os gritos de pavor evocavam pela lanchonete enquanto todos olhavam aprovados para as letras vermelhas que o noticiário havia acabado de exibir.
“Um grupo de cientistas afirma que em um mês um meteoro atingirá a Terra e acabará com a vida que conhecemos. Também lamentam em dizer que não há nada que possa ser feito”.
Warwick não entendia o porquê daquele caos, com certeza aquela era mais uma manchete sensacionalista que os jornais vivem exibindo somente para aumentar a audiência. Se ele ganhasse um dólar para cada vez que visse algo o tipo, estaria rico, mas, pelo visto, ele era a única pessoa sensata naquela lanchonete, já que enquanto todos os outros começaram ou a chorar desesperados ou a ligar para os entes queridos, ele continuava tranquilo, bebericando seu café.
— Cara, como você consegue ficar tão tranquilo depois de ver isso? — A pergunta de seu melhor amigo, Owen, o fez voltar à realidade.
Tudo que o garoto de pele escura fez em resposta foi dar uma leve risada.
— Eu é que pergunto: por que você está apavorado? — retrucou, colocando a xícara de volta à mesa.
— Porque o mundo vai acabar em um mês! — explicou Owen, tentando fazer o amigo entender a gravidade da situação.
Mais uma vez, tudo que Warwick fez foi dar uma leve risada.
— Olha, quantas vezes já apareceu para você uma manchete assim?
Owen passou as mãos pelos fios loiros em sinal de profundo pensamento.
— Eu não sei, pelo menos uma vez por semana.
— Exato, e nós ainda estamos aqui, não é?
Owen concordou com a cabeça.
— Então, não tem com o que se preocupar, relaxa! — aconselhou Warwick, colocando uma das mãos levemente no ombro do melhor amigo.
— Tudo bem, eu entendi, mas caso o mundo acabe em um mês, eu quero ter a certeza de que aproveitei bem a vida. Assim sendo, nos próximos trinta dias, vou cuidar de me divertir.
— Então nada vai mudar — zombou o garoto de pele escura, dando mais um gole no café.
— Pelo menos eu sei aproveitar a vida, ao contrário de você, que só sabe trabalhar ou falar de trabalho. Hoje, por um milagre, você teve tempo de parar para vir tomar um café comigo.
Warwick precisava admitir que o amigo não estava totalmente errado. Desde que saiu do ensino médio, ele entrou na faculdade e depois de se formar já foi logo entrando em uma grande empresa e assumindo uma grande responsabilidade como assessor de marketing geral da marca, por isso, não, ele não tinha tempo para se divertir, mas ele não via isso como algo ruim.
— E daí? Eu tenho deveres a cumprir, ao contrário de você — lembrou, se referindo ao fato de que os dois haviam se formado juntos na faculdade e Owen ainda estava desempregado, não por falta de oportunidades, mas porque ele só queria saber de curtir.
— Pode até ser, mas daqui a um mês, se o mundo acabar, eu vou olhar para todos os momentos que passei e vou me orgulhar, ter ótimas lembranças. Já você, vai só viver ou preso no quarto estudando, ou em um escritório trabalhando, e aí vai pensar… Por que não aproveitei melhor meu tempo como o Owen? — O garoto loiro encenou, arrancando uma risada do amigo.
— Eu tenho certeza de que não. Eu vou ficar feliz por ter aproveitado meu tempo contribuindo para a sociedade e não farreando — afirmou, dizendo acreditar nas próprias palavras, porque, no fundo, sim, ele gostaria de ir a mais festas, ter tempo para si mesmo, mas nunca admitiria para Owen que ele poderia estar certo, isso o deixaria insuportável.
— Ah, qual é, não vai me dizer por exemplo que gostaria de ter uma namorada? — O tom de Owen por uma vez na vida foi sério.
Warwick respirou fundo e deu mais um gole no café antes de responder:
— Você sabe muito bem que só tem uma garota que eu gostaria de namorar.
— Sim, eu sei, e é mais fácil eu ficar em casa uma sexta feira a noite do que você virar namorado da Daniella Perkins.
Daniella Perkins era uma atriz de cinema super famosa, porém Warwick a conhecia como o amor de sua vida. Desde a primeira vez que a viu em uma tela, exibindo aqueles olhos negros penetrantes e aquele sorriso angelical, teve a certeza de que ela era a única garota que seria dona de seu coração, e foi assim na adolescência. Sua mãe achava que era uma paixonite boba, porém era muito mais. Daniella não era apenas uma estrela de Tv, era um anjo inalcançável que, mesmo sem saber, o dava forças nos momentos mais difíceis com um simples sorriso, era seu ideal de companheira, era como o açúcar que dava sabor à sua vida. Um anjo inalcançável, cujo ele só conseguia sentir o toque em seus sonhos, e, sim, ele se lembrava de cada sonho que tinha com ela e não eram poucos. De certa maneira, a dona de seu coração, mesmo através de telas, estava sempre presente, consumindo seus pensamentos. Toda vez que ele saía com alguma garota, ele só conseguia enxergar Daniella, por esse motivo, nunca tinha tido um relacionamento que durasse mais de uma semana porque, em algum momento, ele sempre fazia confusão com os nomes e levava um chute na perna ou em lugares piores. Uma vez uma garota com quem ele estava saindo insistiu para conhecer seu quarto, lá ela viu as dezenas de fotos de Daniella guardadas no colchão e rasgou todas elas. Warwick ficou tão arrasado que foi a única vez que perdeu aula.
Mesmo ele nunca tendo visto ou falado com Daniella, era como se a conhecesse há séculos, cada detalhe de seu rosto, até porque ele conhecia mesmo. Algumas pessoas até podiam achar estranho, porém ele não se importava.
— Eu sei, não precisa me lembrar disso.
— Mas se você tivesse uma chance de largar tudo e passar esse mês com ela antes do mundo acabar, você faria?
O especialista em marketing nem tinha que pensar muito para dar uma resposta.
— É claro que sim, mas ela vive ocupada, está em Los Angeles, é quase impossível chegar até ela. Não é como se essa oportunidade fosse cair no colo sem mais nem menos.
Como se o tivesse escutado, a repórter de nariz fino do canal cinco começou a falar:
— É, cidadãos de Seattle, a partir desse mês, vocês terão uma presença ilustre, pois a renomada atriz Daniella Perkins passará o próximo ano hospedada em sua bela cidade para gravar seu novo filme! Vamos ouvi-la:
E, naquele momento, os choros desesperados não existiam mais, tudo que Warwick conseguia ouvir era a voz que para seus ouvidos era a mais melodiosa do mundo.

“Eu estou muito animada em passar o próximo ano em Seattle, sabe, é uma cidade que sempre quis conhecer e tenho certeza de que vai ser uma experiência incrível!”

Mesmo com palavras tão simples, Daniella era capaz de fazer seu coração bater a cento e vinte por hora. Warwick não podia acreditar, era o destino.
— Você ouviu? — questionou o garoto de pele escura, não escondendo a empolgação em seu tom de voz.
— Pois é, sua queridinha vai estar entre nós — zombou Owen.
— Você não entende, isso é um sinal! Eu vou conhecê-la e me tornar o namorado dela!
Dessa vez foi Owen quem começou a rir.
— Essa foi boa, cara.
Porém, ao olhar no fundo dos olhos do amigo, viu que não era brincadeira.
— Espera, está falando sério? — confirmou ainda incrédulo.
— Não é você quem acabou de falar que eu precisava me divertir mais e aproveitar a vida? Então!

— É, eu disse, mas com garotas acessíveis. Não com uma atriz de cinema que vive cercada por seguranças e só namora outras estrelas. Se você quiser seu último mês de vida pode sim ser épico, eu posso te apresentar para várias garotas e…
Antes que o amante de festas tivesse a chance de terminar a frase. Warwick o interrompeu.
— A Daniella é a única garota que eu quero! — Sua voz saiu certeira, afinal essa era uma das únicas certezas que ele tinha na vida.
— Cara, ela é mesmo importante para você, né? — Mais uma vez, a voz de Owen saiu séria.
O especialista em marketing só se limitou a dizer que sim com a cabeça.
— Muito bem, então como o ótimo amigo que sou, vou te ajudar a conquistar essa garota!

Como resposta, Warwick deu um sorriso.
Uma olhada no Instagram foi o suficiente para descobrir onde o tal filme estava sendo gravado, mas, antes de ir para lá, Owen precisava dar umas dicas ao amigo, que estava com as mãos suando e já havia experimentado todas as camisas sociais de seu armário, mas nenhuma parecia digna da presença Daniella.
— Ah, cara, por favor, eu já falei que essa está boa, dá para a gente ir logo? — reclamou Owen, cruzando os braços enquanto se sentava na cama de seu melhor amigo, que naquela altura já estava cheia de blusas jogadas.
— Você não entende a importância da situação, não é? Estamos falando da Daniella Perkins, a garota dos meus sonhos, deusa. Ela tem que olhar para mim e ver um cavalheiro por quem ela vai se apaixonar, não um desleixado.
O garoto de fios loiros apenas deu risada com a situação, nunca tinha visto o melhor amigo tão nervoso antes.
— Relaxa, claro que as roupas são importantes, porém a chave para se chegar ao coração de uma garota é a atitude.
— Ah, eu sei, por isso mesmo comprei uma rosa para ela! — exclamou Warwick, cheirando a flor.
— O quê? Está maluco? — Owen berrou apavorado, antes de jogar a rosa no chão como se estivesse contaminada.
— Qual é o problema? Não posso dar a rosa para ela? — o especialista em marketing indagou, não escondendo o quanto estava confuso.
— Só se você quiser que ela fuja de você para o resto da vida — afirmou Owen.
— Como assim? Eu sempre ouvi que as garotas adoram receber rosas!
— É, no primeiro encontro, no dia dos namorados, mas aqui estamos falando de uma atriz famosa com milhares de fãs, alguns que até já devem ter tatuado o rosto delas em lugares que nem é bom imaginar.
Warwick sentiu calafrios com as imagens que surgiram em sua mente. Sim, ele era completamente apaixonado por Daniella, mas fazer algo daquele tipo aí já era loucura demais.
— Então, se você chegar com esse papo dizendo que a ama, que ela é a garota dos sonhos e segurando uma rosa, será apenas mais um na multidão! — explicou Owen, já se levantando.
— Então o que eu devo fazer?
— Quando a vir, tem que agir naturalmente, como se ela fosse apenas mais uma garota e não dar importância, assim irá se destacar. Os astros sempre se apaixonam por quem os trata como uma pessoa comum e os odeia no início. Você por acaso nunca assistiu Starstruck, meu namorado é uma superestrela? — o amante de festas perguntou, como se tivesse citado um clássico do cinema.
— E eu lá tenho tempo para assistir filmes idiotas da Disney… — Warwick respondeu, tentando parecer superior, porém foi pego em sua própria armadilha.
— E como você sabe que é da Disney? Ha te peguei! — se vangloriou Owen, dando um soco de leve no ombro do melhor amigo.
O garoto de pele escura bufou.
— Tudo bem, mas eu não vou fazê-la bater a porta na minha cara e depois a acompanhar enquanto ela foge dos paparazzi para evitar um boato sobre estarmos juntos!
A explicação fez Owen arregalar os olhos.
— Nossa, você assistiu mesmo, mas enfim, você não vai precisar se machucar e nem ir para o médico. Nós vamos fazer o seguinte, vamos chegar lá e dizer que somos entregadores de pizza e que trouxemos uma cortesia para a Daniella. Quando entregarmos a pizza para ela, você vai amolecer o braço para que a pizza caia acidentalmente e ela vai pensar que foi culpa dela e aí vai te oferecer ajuda… o que acha?
A cara de tédio de Warwick já era uma resposta.
— Isso é basicamente a mesma coisa! — berrou impaciente.
— O quê? Claro que não. Olha, se você quer ter alguma chance de passar seu último mês como namorado da garota dos seus sonhos, esse é o melhor caminho.
Warwick pensou bastante. Tudo bem, o plano não era ruim, claro que seria difícil fingir que não conhecia Daniella, afinal ele tinha certeza de que quando vise aqueles olhos negros penetrantes e maravilhosos ao vivo iria congelar.
— Tudo bem! Vamos fazer isso! — afirmou, já mais animado.
— Ótimo!
Assim, no dia seguinte, colocaram o plano em prática. Owen conseguiu emprestado com um amigo duas camisas e dois bonés de uma pizzaria, além de uma pizza inteira. Tudo bem, essa ele teve que pagar, mas não tinha problema, já que iria para a conta de Warwick.
“Tudo pela Daniella" O aspirante a marketing disse para si mesmo, quando descobriu o gasto extra.
A entrada do estúdio, como já esperado, estava cercada de seguranças. Por já terem visto vários filmes, os dois garotos sabiam que o segredo era agirem como se tivessem que estar ali.
Mesmo assim, o coração de Warwick a cada passo se aproximava de uma bomba, ele gostava de fazer tudo certo e agora estava prestes a entrar em um estúdio de cinema como penetra, fingindo ser um entregador de pizza. Mas tudo valeria a pena quando ele pudesse tocar naqueles dedos morenos e macios, quando ouvisse aquela voz angelical dizendo seu nome, ele apostava que seu nome ficaria ainda mais bonito.
— Posso ajudar? — questionou um segurança de sobrancelhas finas e um bigode de desenho animado, que com certeza não sorria nem para a escova de dente.
Warwick tentou esconder suas mãos trêmulas e não disse uma palavra com medo de gaguejar. Owen, que viu a situação do amigo, assumiu a situação.
— Oi, nós trabalhamos em uma pizzaria e nosso chefe pediu para trazermos uma pizza de cortesia para a senhorita Daniella como um gesto de boas-vindas à nossa cidade, mas ele insistiu para que entregasse pessoalmente para ela.
Se nada desse certo, Owen poderia muito bem se tornar um ator.
O coração de Warwick chegou à boca, enquanto os seguranças de bigode engraçado o fitavam de cima a baixo.
— Muito bem, podem entregar para mim que eu vou garantir que ela receba! — instruiu, sem um pingo de emoção na voz. Warwick, que em seu trabalho tinha contato com alta tecnologia, se perguntou se ele não era na verdade um robô.
— É, o nosso chefe insistiu muito que a entregássemos pessoalmente — Owen argumentou, ainda em sua interpretação digna do Oscar.
— Lamento, mas o acesso é restrito!
A dupla, todavia, não iria desistir tão fácil.
— Vai ser rápido, entregamos a pizza e saímos — o garoto de fios loiros exclamou, antes de, junto a Warwick, se aproximar do portão. Contudo, foram impedidos pelo homem do bigode e dois amigos que surgiram do nada.
— Eu disse que o acesso é restrito! — O tom “amigável” do homem do bigode foi o suficiente para fazer os garotos recuarem.
— E agora, o que a gente vai fazer? — questionou Warwick, ainda não acreditando que estava fazendo essa pergunta para o amigo desempregado.
Todavia, antes que Owen pudesse responder, um homem de rabo de cavalo preto e terno elegante apareceu ao lado dos seguranças falando no telefone. Pelo tom, parecia nervoso.
— Olha eu não estou brincando, se um novo dublê para a Daniella não aparecer aqui em cinco minutos, eu vou processar essa sua empresa de merda, está me entendendo? — berrou, antes de desligar o aparelho e por pouco não o jogar no chão.
— O que foi, chefe? — o homem do bigode perguntou, fazendo os dois garotos perceberem que o do rabo de cavalo era alguém importante e bem próximo de Daniella.
— Precisamos filmar a cena de ação mais importante do filme, mas o dublê deu o cano. Ah, eu ainda mato esses imbecis. Agora eu preciso de um milagre para achar alguém em cima da hora.
A fala fez uma luz se acender na cabeça de Owen, que não pensou duas vezes antes de empurrar o amigo na direção do homem do rabo de cavalo e exclamar.
— Ele é dublê!
Warwick engoliu em seco e, de maneira involuntária, perguntou:
— O quê?
O do rabo de cavalo ficou interessado e se aproximou dos dois garotos.
— Ah, é? E você por acaso tem experiência? — o homem indagou, como se estivesse investigando suspeitos de um assassinato.
— Ah, sim, ele é incrível! — exclamou Owen, antes que o amigo tivesse a chance sequer de balbuciar algo.
— Muito bem. Como eu estou desesperado, vamos fazer um teste, mas se você for ruim, eles vão te colocar para fora sem dó nem piedade, entendeu? — O olhar do homem do rabo de cavalo o penetrou de maneira tão profunda que quase o fez sair correndo de medo, porém era sua chance de ficar perto de Daniella e ele não iria desperdiçá-la. Infelizmente, não era permitido ninguém de fora, então Owen não pode entrar, mas afirmou que estaria torcendo pelo amigo.
Os prédios do cenário realmente fizeram o garoto de pele escura pensar que estava no meio de um apocalipse. Ele olhou em volta à procura de sua amada, porém nem sinal. Será que ela ainda não havia chegado? Se fosse o caso, não se surpreenderia, já que superestrelas costumam fazer isso.
— Muito bem, o filme é sobre uma garota jovem cientista prodígio, que faz uma descoberta impressionante: um meteoro irá atingir a terra e agora ela precisa encontrar um jeito de pará-lo.
O especialista em marketing teve que segurar a risada, porém não conseguiu disfarçar seu olhar confuso, que parecia o homem do rabo de cabelo ainda mais irritado.
— Algum problema?
Warwick engoliu seco antes de responder:
— É que eu vi exatamente essa notícia na tevê hoje, tirando a parte da garota prodígio! — afirmou, quase em um sussurro, e se preparando para ser escorraçado do lugar, já que, pelo visto, o homem do bigode não era do tipo que aceitava esse tipo de insolência.
Porém, em vez de explodir, esse só deu uma leve bufada e começou a explicar:
— É, eu também vi aquela baboseira, se o filme fosse lançado hoje, eu estaria preocupado, porque ninguém iria querer ir ao cinema para se apavorar ainda mais, porém as gravações durarão um ano e até o filme ser lançado, todos vamos estar aqui inteiros rindo disso. Pelo menos até algum outro idiota inventar mais uma estupidez do tipo…
O garoto de pele escura ouviu atentamente. Pelo visto, o homem do rabo de cavalo era como ele, racional e nunca deixava as emoções controlarem. Warwick, na maior parte do tempo, era controlado por seu brilhante cérebro, exceto quando se tratava de Daniella. Bastava olhar para a foto dela e seu corpo se transformava em um poço de emoções e era como se seu cérebro fosse desligado, era uma sedação com a qual já tinha se acostumado, mas ainda o fazia cometer loucuras, como aquela.
— Muito bem, você vai colocar uma peruca, a cópia barata do figurino original da cena e vamos ver do que é capaz.
— E o meu camarim por acaso é perto do da Daniella? — indagou, com o coração cheio de esperanças.
A pergunta, no entanto, fez o homem do bigode cair no riso.
— Ah, garoto, essa foi boa! Claro que não, dublês não têm camarim. A peruca e o casaco que precisa usar estão ali! Sua voz saiu seca, enquanto apontava para um canto minúsculo, com uma placa escrito: "dublê". — Agora vai logo antes que eu perca a paciência!
Warwick engoliu a vontade de socar aquele bigode estúpido e obedeceu.
A peruca alinhou sua cabeça e nem foi preciso dizer o quanto era estranho para ele os fios longos caírem em seus ombros: “Tudo pela Daniella” lembrou a si mesmo. Já o casaco, era um pouco mais confortável apesar de um pouco apertado para seu peitoral largo. Realmente, a indústria de Hollywood não dava a mínima para o conforto dos dublês.
Apenas dois minutos depois, já caracterizado, Warwick voltou para o lado do homem de bigode.
— Muito bem. No filme terá uma cena em que, depois de descobrir a iminente catástrofe, a protagonista desmaia e cai de sua varanda. Essa é a queda que você para agora, para que eu possa testar suas habilidades — afirmou, apontando para a varanda cenográfica.
O especialista em marketing sentiu suas pernas tremerem, a queda da varanda mais parecia a queda de um prédio de dez andares. E claro, ele não conseguiu esconder o quanto estava assustado.
— Algum problema? — o homem do bigode questionou, já se mostrando irritado.
— É que, isso não é perigoso? — Warwick sorriu, tentando não passar vergonha.
— Deixa de frescura, garoto. Você é um dublê profissional ou não? Porque se não for, eu vou mandar os seguranças te tirarem daqui agora mesmo! — ameaçou, chegando mais perto, de tal forma Warwick conseguiu sentir seu bafo de cebola.
— Não, claro que eu sou dublê profissional.
— Então faça o seu trabalho e vai logo antes que eu perca a paciência.
O garoto falso dublê obedeceu e, com as mãos tremendo, subiu no local. Nossa, como era alto. Ao olhar para baixo, paralisou, então pediu para sair por cinco minutos.
O homem do bigode resmungou, mas acabou concordando.
Warwick começou a andar desgovernado, até que ouviu um choro feminino e seguiu o barulho. Chegou a uma sala escura do estúdio e lá havia uma menina de cabelos castanhos cacheados, que obviamente ele reconheceu na mesma hora: era Daniella.
Ele mal podia acreditar.
— Está tudo bem? — se limitou a perguntar, quase em um sussurro, tentando não a incomodar.
Ao ver que não estava mais sozinha, a garota enxugou as lágrimas e colocou um sorriso falso no rosto.
— Ah, oi, está sim. E caramba, meu cabelo é tão comprido?
A pergunta fez Warwick sentir as bochechas corarem.
— Ah, não, eu vim fazer um teste para ser seu novo dublê. — Por um milagre, ele conseguiu completar a frase sem gaguejar, porém, a qualquer momento, ele poderia pagar algum mico, como vomitar nos sapatos dela. Que horror. Então se lembrou do conselho de Owen.
Daniella se levantou e o encarou de cima a baixo, mas não de um jeito ruim. Até porque nada que viesse dela poderia ser ruim. O falso dublê teve que se segurar muito para controlar os arrepios que estava sentindo por todo o corpo, enquanto sentia aqueles olhos castanhos, que eram ainda mais hipnotizantes ao vivo, em cima de si.
— Bom, pelo menos dessa vez contrataram um dublê da minha idade. Geralmente, sempre são homens cinquentões, que me fazem parecer mais gorda, mas você…
— É, eu sei que sou um magricelo! — zombou de si mesmo, fazendo Daniella rir.
Aquela sim era música para os seus ouvidos.
— Não, bom, quer dizer, você é…
— De um jeito bom ou ruim?
Ela o encarou.
— Com certeza bom e você ficou até mais bonito do que eu com essa peruca!
O elogio o fez sentir que tinha ido ao céu e voltado em menos de um segundo.
Ele queria berrar, dizer que nunca chegaria aos seus pés. Mas tudo que fez foi agradecer enquanto passava as mãos nos fios castanhos para fazê-la rir. Deu certo.
— Nossa, obrigado, caramba!
Era muito bom vê-la sorrindo, afinal Daniella era muito bonita para chorar.
— Eu posso perguntar por que você estava chorando?
— Ah, é… Minha mãe está no hospital nesse momento, fazendo uma cirurgia, mas, como estou aqui, não vou poder acompanhar! — admitiu. — Nossa, nunca falei isso para ninguém além da minha agente. E eu nem sei o seu nome!
— É Warwick!
— Daniella! — respondeu.
— Eu sei… quer dizer, você é famosa! — soltou e logo depois se arrependeu, mas é que estar tão perto dela o fazia se sentir tão bem e confuso ao mesmo tempo, um misto de sensações que ele estava adorando experimentar.
— Tudo bem, é verdade, até porque para fazer teste você deve ter pesquisado quem era a atriz, não é?
— Isso mesmo! — concordou, não querendo revelar que a conhecia muito bem e não só por causa de um trabalho como dublê. Afinal, isso ele revelaria depois, aos poucos.
— Bom e você será o meu dublê?
O garoto suspirou desanimado.
— Eu não sei…
— Por que não?
— Acho que não fui tão bem no teste…
— Bom, eu tenho certeza de que você vai conseguir. Vai lá, até porque eu não posso parecer gorda nas cenas de ação nesse filme, lembre-se disso.
A fala fez Warwick rir.
— Obrigado e sei que vai dar tudo certo com a sua mãe
— Eu só queria estar com ela, as responsabilidades me impediram, sabe como é. Se cancelasse esse filme, pagaria uma multa gigante, então aqui estou eu. Mas você deve estar achando esse papo de estrela mimada um saco, não é?
Ela só podia estar brincando, ele poderia ouvi-la falar sobre física quântica que não ficaria entediado, e sim, ele odiava física quântica.
— Imagina, eu entendo o que está passando, meu pai sofreu um acidente alguns anos atrás e também teve que passar por uma cirurgia.
— E o que você fez?
— Eu respirei fundo e tentei me acalmar. E me lembrei que ele sempre estaria comigo, não importava o que acontecesse.
— Não sei se eu conseguiria fazer isso.
— Está de brincadeira? Claro que conseguiria! Uma garota prestes a enfrentar o apocalipse pode dar conta de qualquer coisa!
Foi a vez de Daniella rir. Era tão estranho, sua maior ídola, deusa, a mulher que ele desejou conhecer a vida inteira, estava ali na sua frente, conversando de igual para igual, como se o conhecesse há anos, porém essa era a sensação, como se se conhecessem a vida inteira. Era tão charmosa, simples, ainda melhor do que ele poderia imaginar. E lá estava a ironia da vida, dessa vez, ela é quem o dava forças.


— Adivinha quem é o novo dublê da Daniella! — Warwick quase gritou, enquanto entrava no apartamento de Owen.
— Uau, sério? Mas como? Você tem medo de pular até na piscina da minha avó.
— Eu não sei o que aconteceu. Eu encontrei a Daniella chorando porque a mãe dela estava prestes a fazer uma cirurgia, igual ao que aconteceu com meu pai anos atrás.
— Nossa e como ela estava?
— Estava mal no início, claro, eu mais do que ninguém sei como é difícil, ainda mais não podendo estar presente, mas, mesmo que um pouco, consegui fazê-la rir e, cara, a risada e o sorriso dela são tão maravilhosos que eu poderia morar neles.
— Ah, não, não começa com esse papo de garoto apaixonado.
— Mal posso esperar para começar a conviver com ela todos os dias, manhãs e tardes durante as gravações — Warwick gritou, se jogando no sofá do amigo.
Owen arregalou os olhos, se dando conta de algo.
— Espera, mas você trabalha todos os dias nesses horários na empresa. O que vai fazer quanto a isso?
— Vou me demitir.
Owen quase se engasgou com a maçã que estava comendo. Não dava para acreditar, Warwick sempre tinha sido o irresponsável da dupla e agora estava cometendo a maior loucura de todas.
— Espera, você está mesmo disposto a largar sua carreira brilhante para ser um dublê desvalorizado?
— Se for para ficar perto da Daniella, com todo prazer! — Não havia dúvidas em sua voz.
Owen ainda estava confuso, porém Warwick tinha a certeza de que era a melhor decisão, porque se daqui um mês o mundo realmente acabasse, ele queria se lembrar de ter passado suas últimas semanas ao lado da garota que amava, e não analisando resultados de uma empresa para a qual no fundo ele não dava a mínima. Não, ele queria se machucar naquelas alturas, conhecer tudo sobre Daniella, queria enxugar suas lágrimas, fazê-la rir, levá-la em sua casa e ficar roxo de vergonha quando ela visse os pôsteres. Naquele instante, queria conhecer a verdadeira Daniella e crescer junto com ela.
Naquele instante, o ex especialista em marketing estava certo de que se o cometa viesse, gostaria de estar ao lado de Daniella quando o tal objeto chegasse, afinal, ele não queria ver o mundo acabar com mais ninguém.


FIM



Nota da autora: Sem nota.




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