Última atualização: 19/01/2024

Prólogo

O que fazer? O que as pessoas fazem quando concluem o Ensino Médio? As mesmas perguntas diariamente pairavam sobre sua cabeça. Para ela era tão difícil fazer uma escolha a qual teria de lidar para o resto da vida. refletia dia e noite sobre tudo o que era possível para ela, porém não tomava uma decisão.
Albert, pai da , era professor de inglês, português e espanhol. Vera, sua mãe, arquiteta e médica, então ela e sua irmã, Marcela, sempre desfrutaram da oportunidade de estudar nas melhores escolas do Brasil.
Por influência do seu pai, se inscreveu na USP para cursar Letras — Inglês e Português. Sempre permanecia em sua memória a conversa que teve com o seu pai anos atrás.

— E aí, filha, já fez a inscrição para o vestibular? — Albert perguntou, enquanto tomava o seu café da manhã.
— Pai, você prometeu não me pressionar.
— Eu não estou. Estou?
Ela assentiu com a cabeça, suspirando pesado.
— Ainda não decidiu, não é?
— Não.
— Como eu posso te ajudar?
— Não me pressionando ou tocando no assunto toda hora.
— Sabe... Você gosta de idiomas, não é? Eu a vi estudando francês outro dia. Por que não tenta cursar letras?
ficou em silêncio
— Você podia tentar.
— Por que você escolheu Letras?
— Eu amo idiomas, e é muito interessante como cada povo tem o próprio jeito de se expressar em sua própria língua. Não aprendemos somente o idioma, a língua de um determinado povo, temos um contato com a cultura. Nós também aprendemos a respeitar as diferenças linguísticas e culturais de um povo.


Não foi necessário muito tempo para se encontrar nesse universo e se apaixonar pelo curso. Quando terminou sua graduação, escolheu permanecer na área, iniciando o processo de intercâmbio.

e se conheceram por meio de um aplicativo (Blind date), recém-lançado por um grupo de universitários da Seoul National (SNU), onde realizava seu doutorado em Letras.
O aplicativo foi criado com o objetivo de juntar pessoas anônimas para que elas conversassem usando apenas um username diferente de seus nomes reais. A ideia e diferencial do app é o fato de os usuários não precisarem colocar fotos de si mesmos, dando match apenas com as informações sobre os gostos pessoais de cada um. acabou entrando no aplicativo por incentivo de seu melhor amigo, Jhope.
e deram match, conversavam todos os dias, compartilhavam indicações de livros, séries, filmes, e até locais que promoviam a arte e cultura local.


Capítulo 1

Quando chegou à cafeteria Thanks Nature Cafe, procurou alguém com as características físicas dele, detalhes da roupa que ele especificou nas mensagens: touca verde escuro, casaco cinza. estava sentado à mesa, de costas para ela. Ao se aproximar, ficou confusa com a leve impressão de já conhecer ele.
? — Como não obteve resposta do rapaz concentrado no celular, o chamou novamente:
— Moonchild?
imediatamente voltou a sua atenção para a mulher. Durante alguns breves segundos, os dois trocam olhares sérios, ambos nervosos, ela mais do que ele, pois ainda sentia que já o tinha visto em algum lugar. conseguiu sorrir, deixando evidentes as covinhas em suas bochechas. , atraída pelo sorriso cordial do , repetiu o gesto.
— Não vai se sentar? — perguntou, apontando para a cadeira.
— Ah, sim... Desculpe, estou um pouco nervosa. — se sentou na cadeira, repousando suas mãos em cima da mesa. Ainda intrigada com aquela persistente sensação de familiaridade que o rosto dele passava.
— Não tem problema. Eu também estou. — Os dois riram, envergonhados. — Você é muito linda.
respondeu com um sorriso ainda mais largo do que o primeiro. Mexeu nas unhas, nervosa, reparando que havia pedido bingsu de strawberry, sua sobremesa coreana favorita. Quando se adiantou e fez os pedidos, ele lembrou da conversa em que a mulher falou sobre sua difícil adaptação à culinária do país. era seletiva demais em relação aos sabores coreanos. Não rejeitava as comidas, apenas preferia os pratos típicos do seu país natal.

— Você pediu bingsu, obrigada, . Foi muito gentil da sua parte.
levou o seu copo de café até os lábios, sem desviar os olhos do rosto dela nem mesmo por um segundo. Notou o nariz pequeno, o cabelo castanho espalhado por seus ombros, o sorriso tímido, porém confiante. Dela exalava um cheiro doce e muito charme que, segundo , as poucas pessoas presentes ali poderiam notar seu encanto. não tentava fugir dos olhos curiosos de , porque, mesmo que tentasse, não conseguiria. Tanto quanto , ela estava curiosa e presa ao charme de cada pequeno movimento feito por ele. Isso era inegável. Qualquer pessoa que parasse para observá-los, logo notaria o clima entre eles, sem dúvidas não se tratava de um encontro entre simples amigos.
— Céus, claro... Como eu sou tonta! — exclamou, de repente, e bateu a mão na testa. — Você faz parte daquele grupo...
Tentou forçar a memória, a fim de relembrar as conversas com Marcela, sua irmã mais nova, e das vezes em que viu notícias nos canais de tevê sobre um grupo famoso sul-coreano. Ela não era tão esquecida assim, tampouco desinformada, mas não era muito ligada nessas coisas.
logo interferiu, a ajudando.
— BTS. — Ele riu ao notar a expressão instantânea de alívio surgida no rosto da mulher, assim que ouviu a resposta dele.
— Isso. Nossa, como eu não reconheci? Vocês estão sempre na tevê.
— Você não deve ser fã. — Deu de ombros.
Ambos ficaram em silêncio por um tempo, apenas observando a decoração. Havia plantas nas partes superiores das paredes internas, algumas paredes de tons terra com marrom e verde. Nas paredes, havia alguns quadros com imagens de animais e desenhos. As flores de cores variadas, plantas e as mobílias de madeira conferiam beleza e aconchego ao ambiente.
O estabelecimento era conhecido naquela região por causa de duas ovelhas domésticas que podiam transitar livremente, mesmo havendo uma área para elas na parte externa do café. Todo o tempo os clientes interagiam com as ovelhas e as alimentavam, fazendo com que o ambiente proporcionasse uma experiência única às pessoas presentes ali. torceu para que não tivesse, de alguma forma, ofendido a . As conversas no Blind Date com ele eram agradáveis, era um cara inteligente, respeitoso. Sentia-se animada a cada mensagem recebida, a cada novo assunto iniciado por eles. estava muito afeiçoada a desde as primeiras conversas pelo aplicativo. Ao longo dos meses, foi estabelecida uma relação de proximidade, e a intimidade entre eles só aumentou. Ela desejava que o relacionamento deles durasse por muito tempo, sem mesmo ter ideia do quanto queria isso também.

— Os nomes das ovelhas são Ara e Soul — disse, depois de terminar de mastigar seu waffle. — Os donos gostam de deixá-las livres.
— São muito fofas. Elas devem ter se acostumado com as pessoas aqui. Eu não conhecia esse café.
— Você gostou? Da próxima vez podemos ir a um lugar mais comum.
— Gostei, sim. Você escolheu bem, .
agradeceu o fato de as pessoas não poderem ler pensamentos, porque caso o fizesse, saberia o quão feliz ela estava ao ouvi-lo mencionar um próximo encontro.
— Quer alimentá-las? — perguntou, sorridente.
— Vamos! — ela respondeu, com empolgação.
Os donos do café entregaram uns petiscos ao e orientaram como os dois poderiam se aproximar das ovelhas sem assustá-las. Logo de cara, se entrosou com a Aria, que pegava os petiscos diretamente das mãos dela. Diferentemente de , receoso com a Soul, que comia os petiscos distribuídos pelo chão.
— Elas são dóceis, disse, rindo do homem receoso ao seu lado. — É sério. Tenta chamar ela para perto de você, estende a mão.
assentiu meio vacilante, porém seguiu o conselho da mulher. Depois de algumas tentativas, conseguiu alimentar e fazer carinho em Soul e Ara. Os dois terminaram o encontro muito felizes e com uma leveza mental provocada pelo ambiente ao ar livre, o contato com as ovelhas e as comidas gostosas. Combinaram de se falar quando chegassem cada um à sua casa, deixando claro o quanto queriam se ver novamente.


Capítulo 2

e se viram uma única vez no mês seguinte ao do primeiro encontro. Conversavam pouco nos últimos dias, não por desinteresse, os dois estavam muito ocupados com suas rotinas. Fazia dias que tentava concluir uma leitura da faculdade, mas não conseguia sequer fazer um resumo sobre todas aquelas teorias e conceitos. Pensou em telefonar para o , porém presumia que o trabalho, provavelmente, exigia muito dele. A mulher decidiu abandonar a guerra travada com aquele livro, pelo menos por um tempo. Olhou o relógio pendurado na parede, havia se passado algumas horas desde que se sentou para estudar.
Caminhou lentamente em direção à cozinha, preparando um chá de frutas e folhas. Depois das muitas xícaras de café consumidas naquele mesmo dia, acreditava poder relaxar caso bebesse um bom chá. Sentou-se na sacada, observando o céu estrelado. desbloqueou o celular com a intenção de enviar uma foto da paisagem para , mas, no mesmo instante, o telefone vibrou, mostrando a notificação com o nome dele na tela.


online

, está aí?

Oi, , estou, sim.

Sei que está um pouco tarde, mas quer sair para comer Japchae?

Agora?

Sim, se você quiser… conheço um restaurante bom.

Certo. Me diz o endereço, chego em alguns minutos.



A verdade era que já estava no restaurante, torcendo para ela aceitar o convite. Não demorou muito até a chegada de ao local, que estava quase vazio devido à hora. havia feito o pedido e, assim que ela se sentou, não pôde deixar de notar o cansaço em seu rosto. Pensou que talvez não deveria ter tirado ela de casa.
— Você está bem? — perguntou, pensativo.
— Sim. Talvez um pouco cansada. O seu dia foi bom?
— Foi cansativo também. A lua está linda hoje.
— Acredita que eu pensei o mesmo? — Ela riu, e olhou para o céu. — Pensei em te enviar uma foto mais cedo, caso estivesse ocupado demais para ver o céu esta noite.
— Está lindo para apreciar com você.
encarou . Os óculos e o capuz do casaco dele a impediam de ver mais precisamente os seus olhos. Sentiu saudades de vê-lo pessoalmente.
— Desculpa ter sumido esses dias. Estava ocupado com coisas na empresa.
— Tudo bem, não se preocupe. Eu entendo…
— Quero te ver mais vezes, com mais frequência — ele disse, frustrado.
— Então damos um jeito.
O jeito doce e compreensivo dela encantava . Fazia com que ele tivesse certeza das escolhas que tomaria dali em diante. Manteria ela em sua vida, apresentaria aos seus amigos e a levaria para os lugares mais bonitos da Coreia. Essa era a sua vontade. bocejou, sentindo o sono a dominar aos pouquinhos. Embora não quisesse se despedir, precisava imediatamente da sua cama.
… — chamou, tirando o homem dos seus pensamentos. — Vamos nos encontrar amanhã?
— Sim. Vamos. Eu te ligo. Prometo.
— À noite?
— Fica ruim para você?
— Não. — Ela riu. — Sempre nos vemos a essa hora.
engoliu em seco. Desde a época de trainee, sabia como era difícil manter relacionamentos por sua agenda lotada de compromissos. Vivia para o grupo, para o trabalho. Implorou, naquele momento, ao universo para não perder a relação que eles tinham.
— Sinto muito… prometo que darei um jeito.
— Ei, não estou reclamando. Sou bem ocupada também. Fique tranquilo. Nos vemos amanhã.
— Obrigado por ter vindo.
— Obrigada por ter me chamado, .
— Senti saudades.
— Eu também.


***


No dia seguinte, faria diferente do habitual. Sempre almoçava na empresa, mas naquele dia decidiu aproveitar a hora da refeição e convidar para saírem juntos. Ele tinha consciência do curto tempo até precisar voltar à empresa, porém sentia a necessidade de convidá-la em um horário que não fosse no final do dia. não sabia se estaria ocupada, tentaria mesmo assim. Depois de fechar a porta da sala de música atrás de si, ligou para a , mas não obteve resposta do número chamado. Sentiu-se nervoso a cada novo toque sem resposta. Pensou ser provável estar na faculdade, talvez ter saído para comer, ou ele fez algo que a chateou? Aquela possibilidade incomodou o homem, o deixando mais ansioso.
ponderou a ideia de ir até a SNU, entretanto, poderia mesmo fazer tal coisa? Ele era famoso, facilmente alguém o veria e seria um verdadeiro alvoroço. Além de não querer provocar confusão na vida da . Arfou, irritado. Logo depois, recebeu uma mensagem da mulher.


online

Oi, . Não pude atender, estava em aula. Tudo bem?



Ele sorriu tão largamente que pensou rasgar sua boca. Aparentemente, ela não comera ainda, então era uma ótima chance para se encontrarem e conversarem melhor. Voltaria mais tarde para a empresa, inventaria uma desculpa qualquer, se fosse preciso. Fazer isso uma única vez não teria problema, certo? Riu do pensamento bobo.


online

Você já comeu?

Deixa eu adivinhar… você conhece algum lugar muito bom?



soltou uma gargalhada. Ele era tão previsível assim? Então escolheria um lugar diferente. Antes de conseguir responder, outra mensagem chegou.


online

Eu ainda não comi, obrigada por pensar em mim. Aonde iremos hoje?




***


Foram ao Gangchon Rail Park, onde podiam passear e conhecer sobre trilhos, o enorme lugar com vista do rio. Não era época de alta temporada, então tinha poucas pessoas, o que deixou mais relaxado. Os dois teriam privacidade e ele não arriscaria ser reconhecido.
Havia quatro túneis com temáticas diferentes, a viagem era curta.
escolheu uma das bicicletas ferroviárias com dois lugares apenas a fim de apreciarem melhor o cenário em meio à natureza.
A bicicleta, difícil de pedalar, ia devagar pelos trilhos, dando chance de observar toda a paisagem natural de vegetação. Ao entrar por um dos túneis, além de um show de laser que fazia um jogo de cores interessante no túnel, muitas bolas de sabão flutuavam pelo ar durante todo o trajeto.
tirou foto de sentado em cima de uma pedra redonda grande com uma estátua de uma menininha sentada.
O parque era imenso, arborizado, com muitos atrativos, desde cachoeiras a grandes monumentos.
Todo o percurso levou menos de duas horas, a vista encantadora os deixou famintos. Os dois estavam felizes por finalmente ter conseguido passar um tempo longo e agradável juntos.
foi até à loja de comidas, enquanto uma , plenamente feliz, esperava sentada na cadeira de um quiosque. O homem pegou espetinhos de massa de arroz, frango frito e algumas bebidas.
nem imaginava que escolheu os espetinhos para ela provar. Ao voltar para o quiosque, foi recebido por um sorriso animado de alguém com muita fome.
— Experimenta o espetinho de massa de arroz.
— Quê? — fez uma expressão de nojo. — Nem pensar, .
Ele riu.
— Confie em mim, é bom.
olhou desconfiada para o homem em sua frente, cogitou morder um pedaço tão insignificante que nem sentiria o sabor daquilo, mas não resistiu ao a olhando com a expectativa de uma criança. As primeiras mordidas foram terrivelmente estranhas para ela. Aos poucos, conseguiu achar o sabor, como ela mesma disse ao , nem tão ruim assim. Iniciaram uma conversa enquanto caminhavam em direção ao Rio Bukhangang.
— Espera, deixa ver se entendi… A sua mãe é médica e arquiteta? — ele perguntou, surpreso.
— Sim, é doido, não é? — Ela riu.
— Eu não diria doido, só… curioso. Ela deve ter estudado muito, já que ambas as profissões exigem isso.
— Acredite, o meu pai sempre diz que ela estudava feito uma maluca. Inclusive, os dois se conheceram na faculdade.
— Algum motivo especial para ela gostar tanto de viver com a cara nos livros? — ele disse, divertido.
— Ela sempre nos ensinava a acreditar num mundo onde as pessoas seriam melhores se todos pudessem adquirir muito conhecimento. Ela diz que estudar e aprender coisas novas abre a nossa mente, e consequentemente evoluímos, nos tornando pessoas melhores.
— E você pensa assim também?
— Em partes. — Deu de ombros. — Mas e você? Me fala mais sobre .
— Bem, não tenho muita vivência própria. Eu trabalho muito e admito que gosto disso.
— Quê? Claro que você tem vivência própria. Ninguém trabalha o tempo todo.
— Tá, você venceu. — Riu, sem jeito. — O que exatamente quer saber?
A verdade era que evitava falar muito sobre o trabalho, sobre os contratos, sobre a vida pessoal, essa quase não tinha.
— Quem escolhe as suas roupas? Porque você se veste como um escalador da montanha, às vezes.
soltou uma risada alta, porém breve. Ela ficou apaixonada no mesmo instante pelo simples fato de que sua risada consistia em apenas alguns Hahaha. Quem realmente ria assim?
— Oh, é essa a sua curiosidade sobre mim?
— Sim. Qual sua referência?
— Eu não tenho uma referência.
— Talvez seja por isso que não dá para entender qual estilo você tem.
Os dois riram. percebeu o tempo mudar, o sol iria se pôr em breve. Não voltou para a empresa como deveria, tampouco atendeu a ligação dos membros. Estaria em maus lençóis quando chegasse. Ele não mentiria para os amigos, contaria toda a verdade sobre a tarde incrível que teve e assumiria estar apaixonado mesmo sabendo das possíveis consequências por estar envolvido com a mulher. Perguntou a responsável por provocar tamanha paixão nele se poderia deixá-la em casa. agradeceu, mas negou o convite, explicando a ele que faltou as aulas daquela tarde, então iria até a SNU para pegar alguns livros.
Os estudos sobre sua linha de pesquisa não estavam tão intensos e avançados como deveria. Embora sua orientadora fosse de enorme ajuda, não estava conseguindo avançar. proporcionava a ela, momentos relaxantes de muita inspiração. Por sentir culpa em possivelmente a ter atrapalhado, ofereceu alguns livros, auxílio às suas aulas de coreano, caso precisasse. admitiu estar muito tensa e angustiada por sua pesquisa acadêmica não sair do lugar. O homem a aconselhou de muitas maneiras, deixando impressionada com a maturidade e inteligência emocional dele.
— Eu gosto de conversar com você, . Você é muito… — ponderou, antes de concluir a fala. — Não fique convencido, tá bem?
— Eu sei o que você vai dizer. Mas não sou.
— Aceite os meus elogios! — disse, fingindo uma expressão brava, fazendo abaixar a cabeça, rindo.


Capítulo 3

Nas semanas seguintes, entrou em profundo estado de foco para tentar conseguir avançar em suas pesquisas. Terminou algumas leituras atrasadas e saiu para beber algumas vezes com colegas de curso. Em uma dessas saídas, depois de muitos copos de soju e maekju, desabafaram seus pensamentos uns para os outros, todos sentiam frustração em relação aos estudos. O Jun-seo foi sincero sobre como se sentia pressionado pelos pais a sempre ser o melhor em tudo, e de fato ele era. A Minah aproveitou o momento para liberar suas emoções mais sinceras, seus colegas precisaram consolá-la até cessar o choro. Entre eles, Yuna era a mais reservada, provocou um debate entre três pessoas bêbadas, incapazes de conversar sem tropeçar nas palavras, sobre a ausência de consenso entre a comunidade linguística a respeito das origens da língua coreana e japonesa, mesmo tendo semelhança estrutural entre elas. Isso fez querer pesquisar mais afundo o assunto, de preferência quando estivesse sóbria. Naquela mesma noite, ela voltou para casa um tanto alcoolizada, porém sentindo-se leve. Posteriormente, em uma das conversas que teve com o a respeito da questão comentada por Yuna, ele concordou ter complicações nas explicações sobre a origem da língua coreana. não conseguiu disfarçar a surpresa quando o homem disse ter alguns livros sobre o assunto, escritos por autores coreanos. Prometeu a ela ceder todos os que precisasse.
Seu coreano não era bom, mas também não era ruim. Podia falar, escrever e entender as conversas, entretanto, ler um livro inteiro no idioma não seria tarefa fácil. e ela tinham conversas tanto em inglês como em coreano, ele lhe dava muitas dicas, sempre a incentivando a ler e assistir bastantes coisas na língua coreana. No final das contas, nem percebera que ela havia decidido sobre quais seriam as perguntas norteadoras das suas pesquisas finais. Talvez não quisesse tanto assim seguir em frente com aquilo. Toda a rotina de estudos fazia sentir que estava vivendo no automático, presa em casa. A vida de era mais agitada? Ele conseguia se divertir mesmo com tantos trabalhos a fazer? Ela se perguntava.
Seus pais e Marcela, sua irmã, ligavam poucas vezes, ela quase não conversava com eles, quando o faziam, a conversa era sempre sobre projetos arquitetônicos de sua mãe e como os alunos do seu pai não eram tão aplicados como deveriam. Ele a instigava, entre uma história e outra, a jamais ser relapsa com os estudos, além de fazer muitas perguntas relacionadas a SNU. Aparentemente, os três, assim como ela, estavam esquecendo de aproveitar os pequenos e prazerosos detalhes da vida.
Quando as imagens dos créditos do filme que assistia apareceram na tela, encerrou as suas reflexões, levantou-se e foi direto para o banheiro retirar a máscara facial que havia colocado mais cedo. Dali a alguns minutos, encontraria com o na casa dele. Não exatamente só dele, pois ele morava com os seus seis amigos e companheiros de grupo. Um tanto quanto engraçado para ela, afinal, sete caras morando juntos numa mesma casa não parecia boa ideia.
Escolheu sua roupa mais discreta, fez o penteado de todos os dias, deixou a maquiagem o mais sútil possível.
Antes de sair de casa, recebeu uma ligação do seu pai. Resolveu ser franca com ele, desabafar sobre não ter mais certeza de continuar na SNU e do forte sentimento de insatisfação com o rumo das coisas. Ela estava mesmo vivendo os seus sonhos ou as idealizações deles?
Não pôde deixar de pensar em todos os momentos em que as opiniões deles tiveram influência discreta em suas decisões, ou nas inúmeras vezes em que ela ficou trancada no quarto estudando para o vestibular, sem ir às festas, sem sair com os amigos próximos, como todas as suas contas ainda eram pagas por ele todos os meses. Estava repetindo um padrão cansativo, quantas vezes ela saía com os colegas de faculdade? Quantas vezes foi ao cinema ou conseguiu tempo para si mesma? Não ficaria mais na sombra dos seus pais, embora os amasse e admirasse, desejava também que Marcela não seguisse os seus passos, sendo levada pela corrente, não conhecendo a si mesma, vivendo as idealizações dos pais.


***


Não era a primeira vez da no quarto do , mas dessa vez observou mais cuidadosamente cada detalhe do enorme cômodo com decoração simplicista. No quarto dele, havia uma pequena estante suspensa na parede, alguns livros ali chamaram sua atenção: JeanMeret Chan, American century Francis bacon, Chang Ucchin.
se aproximou da estante e notou como os livros estavam organizados nas prateleiras, alguns desalinhados, outros distribuídos bagunçados. Pegou um dos livros, abriu e iniciou uma breve leitura a fim de matar sua curiosidade. reparou no vestido de gola quadrada, laço frontal e estampa floral que ela usava, achou perfeitamente belo em seu corpo, como se tivessem feito aquele modelo exclusiva e unicamente para ela. percebeu a mulher mais quieta e calada que o normal. Não queria ser invasivo, mas gostaria de entender o porquê de ela parecer tão distante.
— Pode pegar.
— Tudo bem se eu não devolver?
— Tudo. — assentiu com a cabeça e deixou escapar uma risada. — Esse é o único roubo o qual eu apoio.
sorriu apenas.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não, por quê?
— Você está estranha.
Ela ficou calada. ergueu a sobrancelha, cruzando os braços esperando uma resposta.
— Tá tudo bem, .
Ele balançou a cabeça, sério. Ainda encarava ela, como se a mandasse falar.
— Precisa ficar me olhando assim?
— Se eu continuar, você vai me falar o que tem de errado?
riu, se sentou na ponta da cama dele.
— Me desentendi com os meus pais.
se sentou na cadeira de frente para ela, enquanto contava sobre a conversa que teve mais cedo. Ela e desenvolveram uma boa relação mesmo em pouco tempo.
— Isso é mais normal do que você imagina. Muitos pais tentam projetar suas idealizações nos filhos.
— Eles não podem simplesmente me deixar realizar meus próprios desejos?
— Eles não podem te dizer o que sonhar se você souber o que realmente quer.
— Eu sei o que eu quero.
abaixou a cabeça, segurando o riso. não se conteve e soltou uma risada.
— Tá, é verdade… Eu não sei exatamente.
Ele a encarou, assentindo com a cabeça. Entendia os conflitos internos dela, pois ele mesmo tinha vários.
— Sabe… acho que vou procurar emprego. Talvez assim…
Antes que pudesse concluir a frase, a interrompeu, intrigado e preocupado. Apoiaria e estaria com ela caso precisasse de ajuda.
— Você está precisando de algo? Eu posso te ajudar? Bem… você sabe… eu entendo que pode ser difícil viver em outro país…
buscou ao máximo ser cuidadoso com as palavras. Desejava de maneira nenhuma ofendê-la, tampouco ser invasivo ou inconveniente. Levou alguns segundos até a mulher finalmente entender do que ele estava falando. gargalhou e rapidamente disse não se tratar daquilo, entretanto não deixou de agradecer por ele se preocupar com ela. Retomaram o assunto, assim ficando mais claro para o que queria dizer.
— Eles nunca concordaram em eu mudar para a Coreia. Mas se não tivesse vindo, não viveria muita coisa. Não teria te conhecido, por exemplo…
sorriu largamente, de um jeito que ela jurou ser encantadora demais para não sorrir junto. Ele se levantou, agachando em frente a ela.
— Obrigado por ter vindo.
Foi uma tarde agradável para os dois. A cada dia que passava, e estabeleciam um relacionamento ainda mais próximo, as coisas entre eles ocorriam naturalmente e saudáveis. Tanto ele quanto ela aprendiam muito sobre o outro, compartilhando momentos simples, como uma tarde trancados no quarto, conversando e comendo. Sim, eram mesmo momentos simples, calmos, mas, para os dois, todos aqueles dias juntos eram importantes e cheios de significados.


***


— Vocês não acham estranho a aproximação repentina dessa garota e do hyung?
Yoongi deu de ombros.
— O que tem de estranho? — Hoseok perguntou ao amigo.
— Eu não sei…, mas eles acabaram de se conhecer e já parecem íntimos. está muito envolvido com ela. E se o relacionamento dos dois acabar prejudicando a gente ou a ele?
Jimin levantou-se, indo até a mesa colocar mais vinho em sua taça, que já estava vazia pela quinta vez naquela noite. Foi a vez de ele responder à preocupação do Taehyung.
— Não consigo ver como isso pode prejudicá-lo ou nos prejudicar.
— De qualquer forma, não confio muito nela. E acho que eles estão indo rápido demais.
— É o seu direito de não gostar da namorada do — Yoongi respondeu, enquanto bocejava.
— Já é namorada? — Taehyung arregalou os olhos, completamente confuso. Para ele não fazia sentido nenhum estar tão envolvido com uma garota que conheceu recentemente.
Jimin riu da reação do melhor amigo.
— Não sei, mas pode ser!
— Ele sabe se cuidar. Não se preocupe. — Yoongi encerrou o assunto, tentando tranquilizar o amigo.
Taehyung permaneceu sério e mesmo depois da conversa com os amigos, mantinha a sua opinião sobre as idas dela até à casa deles.


Capítulo 4



Uma forte chuva começou de repente. Droga, por que raios tinha que começar a chover a caminho do meu encontro com o ? Resolvi voltar para casa, quando meu telefone começou a tocar no bolso. Olhei ao redor, procurando um local com cobertura para me abrigar. Corri mais adiante e enxerguei um café, entrei e peguei o celular.
, onde você está? — A voz subiu uns dois tons mais alto do que o normal, talvez pelo barulho da chuva lá fora.
, estava indo te encontrar, mas a chuva me pegou no meio do caminho — falei, frustrada.
Escutei a tão conhecida risada do e senti meu coração bater mais forte como consequência do efeito da risada dele. Para mim, era tão clichê se apaixonar por uma risada, principalmente a curta risada do .
— Me diz onde você está, eu vou até aí te buscar. Tenho um guarda-chuva.
— Achei que você fosse cancelar o nosso encontro.
— Não, a menos que queira.
— Claro que não. — Olhei a placa com o nome do local — Estou no Le Cafe.
— Me espera aí.

***


O Le café era muito pequeno, com decoração simples, porém aconchegante e agradável. Além de mim, só tinha o dono. Havia somente o som de uma música melódica ao fundo.
Quando chegou, logo pude vê-lo. Ao contrário de mim, ele não estava molhado. A mesa onde escolhi sentar me dava a chance de vê-lo passar pela porta central. Como sempre, tinha aquele charme único, vestido em mais uma de suas combinações engraçadas de roupas. fechou o guarda-chuva, o colocou no local onde os clientes podiam guardá-los e pegar de volta na saída. me viu e sorriu docemente. Assim que se aproximou, me analisou da cabeça aos pés.
— Ow, você está encharcada — ele disse, ainda me analisando.
— Sim — choraminguei. — É uma bosta, não é?
— Se isso te serve de consolo… você continua linda. Vamos lá para casa, aí você se seca.
— Tem certeza? Os seus amigos não estão lá?
— Alguns deles, sim. Não se preocupe, eles não vão notar a sua presença.

Assim que chegamos, percebi a casa vazia e em completo silêncio.
— Você disse que…
me interrompeu.
— Já viu o tamanho dessa casa?
— Achei que vocês eram grudados um no outro.
— Não. Definitivamente, não. Respeitamos o espaço uns dos outros.
A casa era realmente enorme. Embora não fosse a primeira vez, sempre me surpreendia quão grande era. entrou por uma das portas. Algum tempo depois, voltou segurando um moletom e, na outra mão, uma toalha.
— Toma. Acho que esse fica bom em você.
me disse que eu poderia usar o banheiro do seu quarto, que inclusive era muito luxuoso. Após trocar a roupa, percebi que o moletom ficou folgado, o tamanho consideravelmente grande. Não cobria toda a minha coxa, mas ao menos metade dela. O suficiente para não me deixar exposta e constrangida.
não parecia gostar de roupas folgadas assim, me perguntei se talvez ele não tenha comprado um tamanho maior do que o seu.
Quando saí do quarto, estava sentado na sala de estar, com dois copos de café nas mãos. Ao me ver usando o moletom, travou o maxilar, levantando a sobrancelha e um gesto simples como esse me fez suspirar. Por que raios ele ficava tão bonito fazendo isso?
— Tenho que admitir, ficou muito melhor em você.
Ele estendeu a mão, me entregando o copo plástico com o líquido quente dentro. Ficamos um tempo em silêncio, talvez porque eu não respondi seu elogio. A verdade é que eu nunca sabia reagir aos elogios dele.
— Vou colocar suas roupas para secar.
Antes que eu pudesse responder, só me restou sentar numa poltrona e o esperar. estava sendo atencioso como dificilmente a maioria dos caras era. Outro charme do . Ele era um verdadeiro cavalheiro.
— Acho que o nosso passeio para o museu Kimchikan vai ficar para outro dia. A chuva não para de cair lá fora.
Sua voz me tirou dos pensamentos nos quais estava imersa.
, me mostra o seu estúdio?
Ele pareceu surpreso e deixou escapar um sorriso gigante em seus lábios, seus olhos fecharam durante o ato. encarou os meus olhos, indecifrável foi a palavra que meu subconsciente apontou para descrever como ele me olhava naquele momento. Ainda mantendo o sorriso no rosto, exibindo suas covinhas na bochecha. Ele parecia empolgado com a ideia de mostrar o estúdio.
— Vamos lá! — respondeu, animado.
Fomos direto para o final do corredor. abriu a porta e fez um sinal com a cabeça, indicando para eu entrar. O pequeno cômodo era cheio de equipamentos, desde interface de áudio, monitores compactos de estúdio, até amplificadores e teclado MIDI. Encostados na parede, tinha um sofá verde musgo e uma estante branca cheia de bonecos que colecionava. Aquele lugar tinha uma aparência boa, organizado, ao contrário do quarto. O estúdio de exalava um cheiro bom. Ele parou ao meu lado, colocando as mãos no bolso. Senti como se esse lugar tivesse um pedaço seu.
— Eu não gosto quando você fica em silêncio.
— Por quê? — perguntei, me virando para encarar seu rosto.
— Porque eu não faço a menor ideia do que você está pensando. Como, por exemplo, agora.
— Ah… Desculpa. É que a maioria das coisas que envolve você sempre me deixa sem palavras.
Assim que terminei de falar, me autojulguei. Por que eu disse isso? Abaixei a cabeça e passei a mão nos cabelos, tentando disfarçar a vergonha.
— Você não precisa sentir vergonha de me falar como se sente.
Ergui a cabeça e tinha um sorriso brincalhão.
— O que exatamente você faz aqui?
— Depende, mas, como o próprio nome já diz, é um estúdio musical, então é aqui onde produzo às vezes e componho músicas solo ou para o grupo.
— Sério? — perguntei, surpresa. — Tipo, sozinho?
— Sozinho. — Ele riu. — Claro que às vezes outros produtores da empresa ou o Yoongi me dão uma ajuda.
— Achei que você só seguisse o roteiro estabelecido pela empresa.
— Como assim?
— Que eles ficassem totalmente por dentro do processo criativo das músicas e o resto.
Eu realmente não sabia nada sobre o trabalho do . Será que de alguma forma isso não o chateava? Quer dizer, ele era líder de um grupo muito famoso no mundo da música, é claro que havia a possibilidade de ele possuir inúmeros talentos artísticos. Tudo o que o dizia parecia convincente e que ele possuía uma sabedoria incomum das pessoas da sua idade. Ele demonstrava ser muito inteligente e eu estava cada vez mais curiosa e presa nos muitos sentimentos que despertava em mim.
pareceu não se importar com o que eu acabara de falar. Suspirei aliviada. Não quis dizer que ele fazia somente o que a empresa mandava. Um cara como o , na verdade, parecia ter sempre uma boa opinião sobre tudo. se sentou em frente ao computador e mexeu em uns arquivos, reproduzindo alguns sons.
— Estou trabalhando em umas músicas para um trabalho solo.
— Você vai lançar um álbum?
— É o que pretendo.


Capítulo 5



Nos últimos dias, decidi procurar um emprego de meio período em escolas de língua estrangeira. Além de ser bilíngue e possuir um currículo de qualidade, sou capaz de me comunicar bem em coreano. Tinha esperanças e expectativas de me tornar ainda mais independente dos meus pais.
Após as aulas, Minah e Jun-seo me convidavam para sair. Sempre íamos a bares, restaurantes ou karaokês. Yuna dizia deixar para mim o papel de atrapalhar o lance deles, então rejeitava nossos convites. Segundo ela, existia uma forte tensão entre eles. Devo confessar que não me importava com aquilo, pois não era uma pessoa muito habilidosa nas relações amorosas.
esteve ocupado por duas semanas, apenas conversamos por meio de chamadas de vídeo ou mensagens de texto. Não tínhamos expectativas muito altas um do outro, tínhamos consciência do quão ocupados éramos. Apesar de desejarmos passar um tempo considerável juntos, era quase impossível, dada a diferença entre a agenda dele e a minha.
Ao término das aulas naquele dia, participei de uma entrevista e, quando encerrou, a pedido do , fui direto à casa dele. Como de costume, estava silenciosa e, aparentemente, vazia.
A presença de poucas luzes ligadas e fracas deixava o ambiente um pouco escuro. Estranhei aquele cenário, mas continuei seguindo o até o fundo da residência. Tive a sensação de estar quase atravessando um bairro de tão grande que era o lugar. Eu nunca iria me acostumar.
No jardim, havia uma grama intensamente verde e uniforme. A escuridão se intensificou, a iluminação ficou somente por conta das luzes de velas. A maneira como elas foram dispostas pelo chão decorava e criava sombras e nuances, tornando o ambiente mais romântico. Uma toalha de cor azul com listras pretas foi estendida na grama, juntamente a algumas almofadas e flores em tons de branco, rosa e vermelho.
Tudo estava bem-organizado, sem excessos, com simplicidade e beleza. Ali, em sua casa, era onde mais no encontrávamos.
Virei imediatamente o rosto para , que me lançou um olhar penetrante e um discreto sorriso apareceu em seus lábios. Como lidar com aquilo? Como lidar com as atitudes encantadoras de ? Ele estava lindo, assim como tudo aquilo. Permaneci estática, olhando tudo o que ele havia feito, prestando atenção em cada detalhe, guardaria aquele momento em minha mente por muito tempo. chegou perto de mim.
?

— Estou um pouco preocupado com a sua reação, ou melhor, a falta dela. — Ele riu.
— Estou sem ar. De verdade. Você é tão… você é real?
Ele torceu o nariz e sorriu envergonhado, de cabeça baixa.
— Ficou lindo. A grama é tão linda que nem parece real.
— É real. — riu.
— Achei que fosse sintética.
Nos olhamos e gargalhamos. Parecia mesmo sintética, provavelmente era muito bem cuidada. Depois de nos sentarmos para comer, ele me confessou ter comprado a comida em um estabelecimento próximo, o que não mudou nada para mim. Tudo estava perfeito.
se deitou, colocou a almofada por baixo da cabeça e estendeu o braço. Deitei-me sobre o seu braço, imaginando que logo ficaria dolorido se eu permanecesse ali por mais tempo. estava tão tranquilo, flutuando por aí, num mundo só dele. O silêncio não era incômodo, mas, sim, agradável. Ele mantinha o rosto calmo ao contemplar o céu estrelado acima de nós.
apertou-me contra si em um gesto inconsciente, parecendo querer me proteger do frio.
— Você costuma ficar quieto olhando para o céu.
Ele virou lentamente o rosto na minha direção, os nossos olhos se encontraram. era dono de uma beleza extraordinária, eu o enxergava tão lindo, tão maravilhoso, cheiroso, me faltava palavras para descrevê-lo.
— O fato de não poder simplesmente tocá-lo me deixa intrigado. Posso fazer muitas coisas na minha vida.
— Por isso que é tão fascinante para você?
— Também. Existem coisas que nunca seria possível fazer.
Voltou a olhar para o céu e eu permaneci atenta ao rosto dele. Senti vontade de tocar a sua pele lisa e, assim, fiz.
Ele não demonstrou nenhum tipo de desconforto, nem desagrado. Fechou os olhos ao sentir meu toque. Eu gostava do que tínhamos, apesar de não saber o que era.
.
— Hum? — sussurrou, ainda com os olhos fechados.
Toda uma tensão se instalou no meu corpo, frio na barriga, meu coração se agitou.
— Acho que… — me corrigi com rapidez. — Estou muito apaixonada por você.
Ele abriu os olhos tão rapidamente que eu tive vontade de rir, mas a tensão interna, o medo e a ansiedade me impediram.
se sentou e eu me sentei com ele.
— Dessa vez você não teve medo de falar como se sente.
— Na verdade, estou com medo, mas foi mais forte que eu.
Ele se aproximou, segurou meu rosto com as duas mãos. Quase sussurrando, disse:
— Tudo bem. E se eu te disser que também estou com medo?
— De quê?
— Que, por uma brincadeira do destino, você despareça da minha vida.
— Eu não pretendo.
— Que bom.
Nós sorrimos.
— Quero muito fazer uma coisa.
— O quê? fixou os seus olhos nos meus e, logo depois, desviou a sua atenção para os meus lábios, voltando a me olhar com tanta intensidade que me senti vulnerável. O deixei me beijar e foi o melhor beijo de toda a minha vida.


Capítulo 6

Um mês depois…

decidiu fazer uma surpresa ao aparecer na casa do , levando consigo uma garrafa de vinho.
O homem não estava e também não atendeu às chamadas dela naquela noite. Um dos amigos dele a recebeu no portão da residência, informando que havia saído com uma mulher chamada Ailee.
Ela teve a infeliz ideia de procurar o nome na internet. Não se lembrava como, mas acabou encontrando um vídeo no YouTube. O título chamou bastante a sua atenção: “RM and Ailee is real”. Um vídeo gravado por fãs em um programa de premiação.
No vídeo, os dois pareciam muito próximos. segurava a mão de Ailee enquanto ela descia cuidadosamente as escadas. No final, mostrava os dois conversando em um carro. Ela parecia contente por estar ali com ele.
Fechou o notebook, sentindo-se tola, ridícula e outros adjetivos que a definissem naquele momento. O desapontamento tomou conta dela ao constatar que poderia ter um relacionamento amoroso com aquela mulher linda da voz maravilhosa.


***


O rio Han é bastante conhecido por fluir pela cidade. Em suas margens, se localizam doze parques diferentes, todos parte do Yeouido hangang. Para ela, poucas cidades eram tão belas quanto Seul. Havia lugares que simplesmente despertavam a vontade de permanecer lá. Sentia que foi feita para estar ali, para morar no meio das belezas daquela cidade e, paralelamente ao agrado, recaía sobre ela a culpa, a sensação de trair as suas raízes e o seu país por não querer voltar a morar lá.
A tarde estava agradável, um bom dia para ser desperdiçado trancada em uma sala de aula, pensou ela. Por esse motivo, aceitou o passeio de bicicleta com o .
Pediu a Yuna que passasse para ela qualquer coisa importante sobre as aulas.
Alugaram duas bicicletas perto da estação de metrô, pedalaram em silêncio e incansáveis até o Yeouido Park. O trajeto percorrido permitiu-lhes apreciar a vista do rio, as árvores e os jardins; sentir a vida e a juventude pulsando neles, o ar úmido chegando aos pulmões, o vento soprando gentilmente contra os cabelos. À medida que as pedaladas avançavam, os prédios e carros ao redor se misturavam numa única coisa, se tornando borrões.
— Não sabia que você já tinha namorado a Ailee.
— Não namorei — afirmou, enquanto ajustava a corrente da bicicleta.
— Vi vídeos de vocês dois, … pareciam realmente íntimos. Nos comentários, algumas de suas fãs disseram que realmente namoraram.
riu, ainda sem olhar para o rosto da mulher.
— Somos amigos. Naquele programa em que participamos na época, tinha um pouco de fanservice.
— Ontem, ao sair com ela, foi fanservice também?
ergueu repentinamente a cabeça na direção dela e travou a mandíbula, sério.
— Como sabe disso?
abriu a boca para tentar responder, mas logo em seguida desistiu. Não poderia criar intriga. Longe dela.
— Foi o Hoseok — falou, irritado.
— Não disse nada e não foi o Hoseok.
, ele era o único que sabia aonde fui.
— Não foi — rebateu e revirou os olhos. — Foi o Taehyung, e aparentemente ele não gosta muito de mim. — Respirou fundo, antes de continuar. — , sei que não temos nada sério, e eu entendo, mas se quiser sair com outras mulheres, precisa ser honesto comigo. Sei que não pode ter um relacionamento sério por causa do seu trabalho, mas tem que ser honesto.
fitou os olhos castanhos da mulher à sua frente, inspirou profundamente e pensou se deveria agir daquela maneira em um ambiente público, mas cedeu aos seus terríveis impulsos. Ele envolveu a mulher pela cintura e a beijou, esperando que, assim como ele, pudesse lidar com as dificuldades que surgiriam dali em diante. acariciou o rosto dela, seus dedos longos percorriam suave sua pele, deixando-a relaxada por completo.
— Eu não quero mais ninguém, . Não pense coisas assim.
— É que… , você pode conquistar o coração de qualquer mulher que desejar.
— Você está errada.
— Não estou, você sabe. É um cara que toda mulher gostaria de ter.
— A maioria gostava do RM e não do , um cara normal de vinte e sete anos, que gosta de fazer coisas normais, acredite.
Ela o olhou desconfiada, não entendendo exatamente o que ele queria dizer. Achava impossível alguém não o amar, não se apaixonar verdadeiramente por ele.
— Algumas pessoas quando me conhecem não sabem separar o lado profissional do pessoal, assim como eu não sabia. Elas não me enxergam como uma pessoa comum. Então, para a maioria, sou apenas RM do BTS. O meu trabalho é bom, claro. Ser reconhecido por isso também é, mas a fama traz privações e responsabilidades difíceis de lidar algumas vezes.
, por fim, compreendeu o que ele dizia e ficou feliz ao saber que ela era a única mulher que desejava.
— Tem razão. Esqueça o que eu disse. Vamos!
Os dois voltaram a pedalar lado a lado, devagar, aproveitando cada segundo. abriu os braços sentindo um pouco de liberdade, sorriu largamente e imitou o gesto. Atravessaram o horizonte e estacionaram as bicicletas ao redor do lago onde tinha uma cerca de madeira. Os dois apoiaram o braço, encarando o lindo pôr do sol à frente deles.
— Não sei como algumas pessoas conseguem viver sem parar pelo menos um pouco para admirar isso.
sorriu sem tirar os olhos do céu. O sol ia desaparecendo lentamente.
— É porque talvez seja difícil encontrar paz em coisas que estão embaixo do nosso nariz.
— Você sente paz? Porque sinto uma profunda admiração.
— Para ser honesto, sinto coisas incapazes de serem descritas.
— Talvez o segredo seja esse… só sentir.
contemplou o rosto dela, observou atentamente quando o vento soprou sobre seus cabelos cacheados, fazendo os fios esvoaçarem. Completamente relaxada, fechou os olhos e exprimiu um pequeno sorriso. Diante daquela cena tão simples, mas repleta de significado, se permitiu sorrir junto. jogou a cabeça para trás, puxando o ar, querendo ir mais fundo em suas próprias emoções.
Naquele momento, não podia entender o que ela sentia, presumia ser bom, eram sentimentos exclusivos dela. — … — sua voz saiu mais baixa do que pretendia.
soltou um resmungo. Ainda de olhos fechados.
— Hum?
— Sinto muito te tirar do seu momento. Tem algo que preciso fazer.
Pensou ser a hora certa, havia conhecido a pessoa ideal para desfrutar pequenas grandes coisas ao lado dele. Ele a queria em sua vida, desejava também que todos ao seu redor vissem como estava completo. Ela abriu os olhos no mesmo instante e virou-se para ficar de frente para .
— O quê?
— Bem — ele limpou a garganta. — Eu gostaria que agora fosse um dos momentos os quais sei o que falar, mas realmente não tenho nenhuma palavra para o que eu gostaria de expressar para você. E acredito que um momento especial fala por si só.
franziu as sobrancelhas, os olhos estreitaram-se. enfiou as mãos no bolso direito de sua calça jeans, retirou um papel branco enrolado em uma fita vermelha e o entregou para ela.
Não soube como reagir, sentiu seus músculos se contraírem e pequenos tremores acompanhados por uma sensação de frio quando segurou sua outra mão, concedendo permissão para que ela desenrolasse o papel. Removeu a fita vermelha e se deparou com a caligrafia dele.

“Estou sempre curioso sobre como foi o seu dia…
Estou errado me apaixonando intensamente por você?
Quero saber tudo sobre você, até as coisas mais básicas. Sinto que posso tocar o céu toda vez em que você me abraça.”
''Esperei todos esses longos anos por alguém como você
Quero estar com você em tudo
Desde quando te conheci você se tornou a estrela que brilha na minha noite mais escura.
Quero algo mais forte do que um só momento
Quero que seja minha
Porque você é a estrela mais brilhante do meu céu.''


Ela estava sonhando, certo? não podia ser real. Encarou os olhos dele. mantinha a expressão tranquila, mordia o lábio inferior, curioso para saber o que ela achou.
ansiou por beijá-lo, em seguida por abraçá-lo. O conflito dentro dela aos poucos foi dissipando quando sorriu, como se quisesse transmitir a mensagem de que estava satisfeito com sua reação ou a falta dela. Outra vez botou a mão no bolso, retirou a caixinha marrom, abrindo-a. Completamente submersa em seus sentimentos, tinha a surpresa escancarada no rosto.
pegou o anel que tinha uma pedrinha brilhante.
, você aceita ter algo mais forte do que um momento?
Nenhuma reação. O homem ficou tenso com medo da resposta ser não.
, você… — Os olhos encheram de lágrimas. — Está me pedindo em noivado? Quer dizer, posso ter entendido errado, já que…
Ele interrompeu a mulher e respondeu, convicto:
— Sim!
Nunca havia pensado ou sonhado com casamento, mas era um pedido de noivado, e não seria uma cerimônia apressada, que ocorreria em uma semana ou três meses. Como poderia dizer “não” imediatamente a ele? Qual seria a razão para negar? As coisas seguiriam seu rumo, como deveriam.
— Sei que não vai ser fácil para nós dois. Mas quero tentar. Sim, .
retirou o anel da caixinha e o colocou no dedo de , sendo mais rápida do que ele. O homem repetiu o gesto, colocando o anel no dedo dela. Então, eles se abraçaram. Sorriam como se fossem as pessoas mais apaixonadas do mundo, e, por um instante, eles realmente o eram.
— Eu com certeza não vou esquecer de hoje. E saiba que independentemente de qualquer coisa, sempre gostarei de todas as suas pequenas grandes coisas, . Toda vez que estamos juntos, eu posso, sim, tocar o céu.
Ambos ansiavam por tudo o que ainda viveriam juntos.


Capítulo 7

acordou atrasada para a aula daquele dia, consequência de ter passado a noite anterior acordada terminando de assistir ao último episódio de Lost.
Ela, consciente de que não poderia realizar tudo o que desejava num dia de apenas vinte e quatro horas, decidiu descansar um pouco, assistindo ao último episódio da sua série favorita. Sentiu uma certa decepção com o desfecho. Acontecia com os melhores seriófilos, afinal.
Ao se deparar com seu reflexo no espelho, notou a zona escura debaixo dos seus olhos, o cabelo preso em um rabo de cavalo. Não estava exatamente no seu melhor estado, mas era o que conseguira fazer naquele momento. Sem tempo, não conseguiu decidir se preferia comer ou arrumar a roupa com calma.
Após desembarcar do ônibus, saiu correndo pelo gwanak campus arborizado da SNU. Virou à direita em direção ao prédio dos estudantes e subiu as escadas até chegar à sala de aula. Ofegante, sentou-se na cadeira ao fundo da sala, tirou o notebook da bolsa, controlou a respiração e concentrou-se na explicação do professor, que parecia nem ter notado a sua chegada caótica e desajeitada.
No fim da aula, combinou de encontrar seus amigos na biblioteca da universidade. Antes fez uma parada no restaurante para comer algo, passou também na papelaria, pois escrevia tanto à mão que precisava de um caderno e canetas novas.
A SNU está entre as três melhores universidades do país e, por ser estrangeira, compreendia perfeitamente a importância de estudar lá. A intensa competição tornava o ingresso difícil.
Aproximadamente oitenta por cento dos estudantes conseguia ingressar na universidade. Ela sabia que Jun-seo precisou estudar os três anos do ensino médio, além de se envolver constantemente em outras atividades para ter um currículo impressionante.
Quando precisava ir à biblioteca, praguejava por ter que subir todos aqueles intermináveis degraus. Era um bom exercício, não podia negar, mas uma opção que tornasse a jornada menos cansativa seria bem-vinda.
Na entrada, pegou seu cartão de visitante da biblioteca, aproximou-o do validador de metal e a luz verde indicou sua entrada liberada. Passou pela pequena porta e logo avistou seus amigos sentados à mesa marrom. Sorriu animada. Gostava de estar na companhia deles, seja na faculdade ou em outros lugares de Seul.
— Ei, — Jun-seo chamou baixinho, do outro lado da mesa. — Que tal irmos a Londres no final do ano?
— Estou economizando dinheiro. Não dá.
folheou o livro, concentrada. Yuna olhou para ela, curiosa.
— Ainda não te ligaram para dar a resposta da seleção?
— Não.
Os três assentiram, sentindo empatia e compartilhando da frustração da mulher. Torciam pelo sucesso da colega.
— Se quiser, posso conversar com meu pai, talvez meio período como secretária ajude — brincou Jun-seo, de forma divertida.
Yuna e Minah trocaram olhares por um longo tempo. explicou que estava otimista, sabia que eles ligariam em algum momento.
— Já que você não quer… — Yuna disse. — Se você realmente não quiser…
— Não quero, mas fico muito feliz pela gentileza, Jun.
Ele respondeu com um sorriso contido.
— Então, posso ficar com a vaga?
Todos na mesa se olharam e riram. Já conheciam o histórico da amiga.
— O que aconteceu desta vez? Você pediu demissão ou foi demitida? — perguntou Minah.
— Ah, gente. Fala sério… aquele cara é um babaca completo, se acha o dono do mundo só porque é proprietário de várias livrarias. Aposto que ele nem ganha tanto quanto falava. Sempre atrasava meus pagamentos.
— Mas ele pagava com juros — Jun-seo provocou a amiga. — Fala a verdade, você só se cansou de lá.
Yuna deu de ombros.
— Mas e então… pode me indicar para a vaga na empresa do seu pai?
— Posso, claro. Mas precisa me garantir que vai pelo menos ficar três meses.
— Combinado.
Os três não contiveram a risada alta, incomodando as outras pessoas que estudavam silenciosamente.
— Shhhhh!
Ouviram o pedido dos garotos da mesa ao lado, cobrando o tão merecido silêncio deles.


***


— Oiiii — o homem disse, sorrindo largamente. — Que bom te ver por aqui. Já faz um tempo desde a última vez que nos vimos.
A simpatia do melhor amigo do noivo a fazia compreender o porquê o admirava e nutria tanto carinho por ele.
Jung Hoseok era verdadeiramente uma pessoa rara de se encontrar por aí, nunca conviveu antes com alguém gentil e tão abertamente feliz e afetuoso.
— Eu achava que era ocupada até conhecer vocês — ela disse, provocando a gargalhada do homem. — Também senti saudades. Vamos comer um lámen delicioso qualquer dia desses.
— Vou conseguir um horário na minha agenda para você já que é minha irmã. — Eles riram, balançando a cabeça — está no quarto. Hoje é nossa humilde folga.
— Consegue trazer ele até aqui?
— Sim.
— Mas não avise que estou aqui. Quero fazer uma surpresa.
— Ele vai te ver assim que sair do quarto.
— Faça ele vir de olhos fechados então.
Hoseok riu, animado, saiu da sala e desapareceu no extenso corredor. reparou no quadro novo pendurado na parede, parecia uma nova aquisição do .
Todas as vezes que visitava ali, reparava na beleza daquele lugar: as paredes brancas conferindo um charme especial, a escada que levava ao segundo e terceiro andar da residência. Em outra ocasião, mostrou-lhe a sala de jogos e de cinema da casa. Parecia que, por não poderem sair livremente pela cidade, tinham muitos cômodos voltados para o lazer.
Ouviu as reclamações e protestos de , que apareceu descalço, usando uma touca preta e vestindo uma calça de moletom cinza.
— Jung Hoseok, o que você pretende com isso?
— Apenas vá em frente… — Hoseok ordenou, encostado de braços cruzados na porta do quarto.
, ainda de olhos fechados, continuou caminhando, quase perdendo o equilíbrio ao se aproximar de . Ele esbarrou nela e, em seguida, abriu os olhos, surpreso.
— Oi! — ela exclamou, feliz.
deu risada da situação, claro que foi ela.
— Tenho uma coisa para você.
Antes dela continuar a falar, a puxou pela nuca e a beijou. Ele concluiu que ela era a surpresa, e, para , não havia nada melhor. Hoseok ainda estava ali, de olhos arregalados com a cena diante dele.
— Pessoal…?
Tanto quanto estavam ocupados demais para notarem que o homem ainda estava ali. O melhor amigo de saiu de fininho, envergonhado.
Quando o beijo foi interrompido, entregou a bolsa para , que abriu e deparou-se com a jaqueta personalizada, com a palavra “Moonchild” escrita em branco no bolso.
— Fui eu quem pintou isso aí!
— Por que uma jaqueta?
— Eu estava passeando no shopping, vi e achei a sua cara, escalador da montanha.
— Não precisava gastar seu dinheiro comigo.
— Nossa, que mal-agradecido. Me devolve.
— Não, não. Não foi isso o que eu quis…
— Era só agradecer. Vai, devolve.
pegou a jaqueta e se dirigiu apressadamente ao quarto, guardando o presente no closet.
o seguiu, tentando tirá-la dele, mas o homem a agarrou pela cintura.
— Obrigado pela jaqueta. Na verdade, ela é especial porque você mesma escreveu Moonchild. Como fez isso?
— Não vou revelar os meus segredos.
notou um livro aberto em cima da cama e perguntou sobre o que se tratava, então ele se empolgou a falar. Passaram horas conversando e rindo de coisas que talvez não seriam engraçadas se outras pessoas estivessem presentes.


Capítulo 8

Tocou o interfone, no rosto um sorriso radiante como o de uma criança empolgada. Vestida em sua elegante camisa social branca, shorts marrom de cintura alta e seu querido all-star branco. Escolheu sua roupa mais confortável e bonita, desejando causar uma boa impressão. Sentia-se confiante para aquele dia especial.
Dentro da residência, Jung Hoseok, sentado no sofá da espaçosa sala de estar, passava aleatoriamente pelos canais da televisão sem som.
Seu breve momento de descanso estava um completo tédio. No entanto, quando percebeu a figura agitada da mulher do lado de fora da casa, o seu rosto se iluminou com um sorriso e o seu coração se agitou. Imediatamente, apertou o botão do controle que abria o grande portão, permitindo a entrada dela.
Na sala, e Hoseok se cumprimentaram com um abraço caloroso e amigável. , ansioso e igualmente bem-vestido dentro das suas próprias tendências de moda, já a aguardava.
— Boa sorte, ! É impossível que eles não gostem de você — Hoseok incentivou a mulher.
sorriu para o amigo, admirando o gesto.
Em frente à residência, o assistente da empresa aguardava por eles no automóvel. , ao notar a vestimenta da noiva, teceu elogios e, gentilmente, abriu a porta do carro para que ela entrasse.
Sem pressa, o motorista os conduzia pelas avenidas de Seul. À medida que se aproximavam cada vez mais da casa dos pais, um frio crescia no estômago de . Não era de rezas ou de acreditar em divindades, mas naquele momento o fazia, desejando com todas as forças que aquele dia fosse bem-sucedido e tudo ocorresse harmoniosamente.
Já fazia algum tempo desde que levou uma mulher para conhecer a família, desta vez era de extrema importância todos se darem bem. Afinal, já fazia parte da vida dele e, todos os dias, em cada atividade que realizava, lembrava dela e ansiava por estar com ela novamente.
Os dois eram bons um para o outro, a conexão entre eles se fortalecia um pouco a cada dia. Ele sabia que, mesmo que seus pais não fossem receptivos e tivessem dificuldades em lidar com as diferenças culturais, continuaria firme ao lado dela.
O automóvel estacionou em frente à modesta residência. agradeceu ao assistente e, ao saírem do carro, apertou nervosamente a mão da noiva, que o olhava com curiosidade.
— Vamos nos sair bem — ela afirmou positivamente. — Talvez no início eles se mostrem resistentes devido às nossas diferenças, mas vamos nos entender. Farei o meu melhor para isso acontecer.
, caso eles não se mostrem receptivos a você, não vou mudar minha decisão e...
Ela virou-se para ele, encarando profundamente seus pequenos olhos, que revelavam um misto de sentimentos.
— Eu também não. — Sorriu, acariciando a mão do noivo. — Estamos comprometidos, mas isso não significa que iremos nos casar às pressas.
assentiu, ansioso. o abraçou, buscando acalmá-lo, pois estava compartilhando das mesmas sensações. Ele a fez lembrar das palavras de Hoseok.
— É impossível que eles não gostem de você.
As portas da casa se abriram, revelando uma mulher de estatura mediana e corpo robusto, com cabelos curtos e negros, trajando um vestido de estampa floral.
, por que continuam aí? Venham, entrem…



***


percebeu a maneira respeitosa com a qual os pais de se tratavam. Tanto a mãe quanto o pai dele eram corteses e transmitiam serenidade ao expressarem seus pensamentos durante a conversa.
Ao contrário da casa de , a família dele vivia em um espaço modesto e pequeno, contudo pareciam contentes e satisfeitos com isso. Ela mesma pôde constatar de onde vinha a forma simples como levava a vida, mesmo tendo muito dinheiro e sendo famoso.
— Vocês se conheceram em um aplicativo de namoro? — perguntou, curiosa, a irmã mais velha de .
— Sim… — respondeu , timidamente, encolhida ao lado de no sofá.
— São outros tempos… — disse o sogro. — Estamos muito felizes por finalmente te conhecer. falou muito bem de você. Ficamos curiosos. — O homem baixo à sua frente sorriu.
— Quando nos revelou que iria pedir sua mão em noivado, ficamos um pouco surpresos, mas exigimos que ele a trouxesse aqui rapidamente. Não imaginávamos que tomaria essa decisão tão de repente e quisesse se casar com uma estrangeira.
A mãe de soltou uma risadinha, deixando a nora sem jeito.
— Oh, querida, por favor, não me interprete mal. Foi apenas um comentário. Conte-me… como é o Brasil…
— Estou muito contente em conhecer todos vocês também. é muito respeitoso e, conhecendo vocês, entendo de quem ele herdou isso.
Os pais de sorriram, agradecidos. A conversa fluiu naturalmente. Todos compartilharam histórias e falaram sobre suas vidas. Em alguns momentos, a diferença de comportamento se tornava evidente. Os pais dele pediram que os chamassem de sogro e sogra, em vez de pelo nome, como uma forma de demonstrar respeito.
Após horas de descontração e conversa, a mulher mais velha propôs que a filha e a nora se unissem a ela na cozinha para preparar o jantar.
… eu não sei cozinhar nada — sussurrou, próximo ao ouvido dele.
Ele se inclinou e respondeu baixo, em inglês, para que somente ela pudesse ouvir:
— Não se preocupe. — Ele segurou o riso. — Finja que sabe. É apenas uma forma de vocês se aproximarem ainda mais.
— Vem, querida. Você vai adorar as receitas da nossa culinária — disse a sogra, parada na porta da cozinha, já de avental.



***


— O que faremos? — perguntou a irmã do .
— Bibimbap.
assentiu. Elas lavaram as mãos na pia, colocaram luvas de plástico e as duas mulheres, imitando a mais velha, vestiram os aventais.
Pensando em como não transparecer durante a refeição que não era fã da culinária do país, continuou a cortar os legumes e, com a orientação da sogra, começou a preparar a receita até então desconhecida por ela.
— Querida, depois de refogar o alho, pode fritar a cenoura, a abobrinha e o cogumelo.
A sogra observou a mulher fritando as verduras em fogo baixo, se aproximou dela, e educadamente falou:
— Se você faz bem ao meu filho, então tem a minha benção — disse, em tom de confidência, a . — Vou te contar o segredo desta receita: precisa ser em fogo alto para a abobrinha e o cogumelo não soltar muita água.
— Entendi, sogra. — As duas riram.
— a irmã o gritou da cozinha, enquanto ele conversava com o pai no sofá.

Envergonhado, foi até o cômodo onde as três mulheres cozinhavam e papeavam animadamente.
— Vai continuar me chamando assim?
Buscou o olhar da noiva, que estava sentada de costas para ele, concentrada, cortando mais legumes. Sentiu o coração aquecer no peito, uma imensa alegria tomou conta dele ao ver sua família e a mulher que tanto amava se dando bem.
— Deixa de ser bobo. Eu te chamo assim desde sempre. Pega a caixa de soju lá na dispensa?
— Vocês compraram uma caixa de soju para embebedar a minha noiva?
virou o rosto para olhá-los assim que escutou “minha noiva”.
— Não e sim — a irmã o respondeu. — Bebemos muito soju ultimamente.
— Na verdade, meu filho, seu pai quem nos deixou viciadas.
balançou a cabeça em desaprovação, sem acreditar que o novo passatempo da família era consumir caixas de soju. Se dirigiu até a despensa.
— Nora, você bebe, certo?
— Bebo, sim. Na verdade, com frequência. — Riu, lembrando-se das vezes em que ficou alta. — Meus colegas de faculdade gostam de sair para beber.
— Então você é um pouco coreana. Adoramos beber — a cunhada comentou, arrancando risadas das outras duas mulheres à mesa.
apareceu segurando desajeitadamente a caixa com as garrafas de vidro. Antes de colocá-la no chão da cozinha, a caixa escorregou de suas mãos e algumas garrafas se quebraram. Ele bufou, irritado. não conseguiu se conter e soltou uma gargalhada.
Depois de tudo pronto, ainda sob as coordenadas da sogra, era a hora de montar o prato.
Espalhou o arroz no fundo da travessa, colocou os vegetais por cima e finalizou com os ovos e a cebolinha. Tanto a cunhada quanto a mãe do noivo ficaram surpresas com o quão bem ela havia se saído preparando o prato. Cozinhar não era uma de suas habilidades, principalmente os pratos tradicionais da coreia, mas sentiu-se orgulhosa pelo excelente trabalho feito naquela cozinha. Além do bibimbap, as três preparam bulgogi, carne marinada grelhada em molho de soja.


***


Depois do jantar, os cinco se divertiam na sala de estar vendo o álbum de fotos de criança.
O homem se dava conta de como teve momentos felizes na infância ao lado dos pais e da irmã. Quando era criança, chamava a atenção por suas covinhas e rosto redondo, foi um menino muito feliz e saudável. não desviava os olhos da noiva para não perder nenhuma de suas expressões ao ver todas as fotos. Ao seu ver, ela parecia radiante, contente e à vontade por estar na companhia de todos ali.
— O tempo te fez realmente bem, hein, — a irmã o provocou.
— Olha essa foto que você está com um chapéu amarelo do Mickey… — Ela ria, apontando para a foto na mão da sogra. — Tão fofo… Oh! Céus… — Seus ares de mulher apaixonada contagiaram a todos.
O casal mais velho, ao observar os mais jovens, relembrava sua juventude e as ocasiões em que viviam suspirando apaixonados. Constatando a felicidade do filho, sentiam-se bem-sucedidos na vida.
sorriu, mostrando suas covinhas, envergonhado pelo comentário da noiva. , não resistindo, tocou com seus dedos finos as covinhas no rosto do homem, que a encarou intensamente.


***


— Tchau, se cuidem. E voltem para nos visitar.
— Viremos, sim, mãe.
Os sogros estavam parados na porta, acenando para o casal. segurava a porta do carro para a mulher entrar, quando ouviu:
, cuide bem desse atrapalhado.
— Pode deixar, sogra. Eu vou cuidar muito bem do .
Até aquele instante, não era evidente a sua imensa necessidade em estar reunido em um dia comum com as pessoas que amava, sem grandes eventos ou turbulências, sem grandes preocupações e responsabilidades.
Respirou com alívio, finalmente percebendo que o dia terminava de forma positiva em sua comum vida.


Capítulo 9




Minah e eu aproveitamos o término da aula na sexta para ir ao shopping. Precisava de uma nova capa para o meu notebook, pois os arranhões nele foram causados pelo fato de carregá-lo por aí sem proteção.
Honestamente, era só uma desculpa da minha parte para não ficar trancada em casa pelo resto da tarde.
Minah solicitou uma reserva para nós duas no restaurante recém-inaugurado dos seus pais. Antes de irmos, fui à livraria e comprei algumas obras da minha nova lista de leituras mensais.

A fachada do restaurante dos pais de Minah me deixou com uma boa impressão, me senti como se estivesse em um estabelecimento cinco estrelas em Paris. O interior possuía uma decoração simples e casual, porém elegante, tudo em tons branco, cinza e preto.
As pessoas sentadas às mesas, sendo atendidas por garçons vestidos com roupas sociais, pareciam satisfeitas com o ambiente. Os vidros permitiam uma ampla visão do lado de fora do restaurante.
Em pouco tempo, o senhor Choi, pai da Minah, nos atendeu pessoalmente. O cardápio não se limitava à comida coreana, então pedi frango frito, arroz e asas de frango, para minha alegria. Após seis minutos, tempo recorde, serviram a nossa refeição.
Minah e eu continuamos a conversa sobre o que discutíamos antes, no caminho para cá, enquanto ela dirigia.
— Não tenho ideia do que fazer…
— Você precisa contar para ele como se sente. — Ficamos em silêncio.
Ri da ironia. Eu mesma tenho dificuldades em conversar sobre os meus sentimentos, seja com os meus pais ou com o .
Em frente ao restaurante, um parquinho se encheu de crianças brincando. Vi uma delas no balanço, olhando o nada no chão, como se estivesse cheia de preocupações e reflexões sobre a vida. Olhando ao redor, percebi que as outras crianças pareciam estar em sintonia umas com as outras, até mesmo compartilhando os seus brinquedos. Talvez algumas delas morassem ali perto, pois eu não via nenhum adulto.
— Não tenho coragem. Ele tinha que se declarar para mim. — Minah gesticulou, demonstrando grande irritação.

Pude perceber a frustração dela. Eu não era a melhor conselheira amorosa. Na verdade, podia contar nos dedos de uma só mão quantos homens tive algum tipo de envolvimento. Vivi perdida em cada aula, assunto, trabalhos escolares. Quando não estava estudando, eu costumava sair e fazer viagens com meus pais. Não tinha histórias emocionantes e engraçadas de uma adolescente, e isso nunca me incomodou.
Mas, por esse motivo, decidi mudar para outro país, pois precisava de todas as vivências dos últimos dois anos. No final dos dias, meses e anos até agora, me senti realizada comigo mesma.
foi o primeiro homem que amei e me dediquei de verdade. Estar com ele neste momento da vida me faz pensar que nos encontramos depois de um longo período de aprendizado e vivência solitárias. Agora, sentia que havia até mesmo uma necessidade, urgência de compartilhar as risadas, os gostos, as viagens e as conquistas com ele.
— O que vão pensar de mim? Vou parecer desesperada se o pedir em namoro.
— Minah, você está falando sério? Isso é tão ultrapassado.
— Vai me dizer que esse anel de noivado aí no seu dedo foi você quem fez o pedido?
Ela brincou com a situação. Fiquei imóvel. O que responderia? Nem mesmo os meus amigos sabiam do .
— Ah, sim, isso… Eu comprei. Noivei comigo mesma. Mas não mude de assunto. Você é uma mulher corajosa e inteligente, vai se deixar intimidar por pedir um cara em namoro?
Minah sorriu em resposta ao meu elogio, concordou com a cabeça, me garantindo estar decidida a pedir o Jun-seo em namoro. Agradeci aos céus por ela não ter perguntado mais nada sobre o anel, estava focada em como fazer o pedido.
Eu, além de ser uma péssima conselheira amorosa, não sou capaz de mentir. Retornei minha atenção ao parque. A menina ainda brincava sozinha, mas agora observava as outras crianças.
No início da minha adolescência, na escola ficava sozinha durante os intervalos, lendo história em quadrinho, nenhuma criança sentia interesse em mim.
— Preciso fazer uma coisa.
Levantei e fui até o parque. Minah me acompanhou. Quando nos aproximamos da menina, ela se assustou.
— Ei, tudo bem. Não vamos fazer mal a você. Vi você aqui sozinha.
— É porque não sou coreana. Meus pais se mudaram no mês passado. Acho que eles não gostam muito de mim. — Apontou para as outras crianças.
Minah e eu nos olhamos por um breve instante. Percebi a minha amiga se afastar, retornando ao restaurante.
— De onde você é? Parece que não está gostando muito daqui, não é?
Ela balançou a cabeça negativamente.
— Nós somos do Brasil.
— Que ótimo. Sou Brasileira também. — Desta vez, falando em português, fazendo-a sorrir, seus olhos se iluminaram. — Tenho uma coisa legal aqui na bolsa.
Peguei o livro Pequeno Príncipe e entreguei a ela, que aceitou, desconfiada.
— Eu o comprei hoje, ia ler de novo, mas agora ele é seu. Está novinho.
— Muito obrigada — disse ela, enquanto folheava o livro, curiosa.
— Como você se chama? — continuei a conversa.
— Lisa. Igual a Lisa do Blackpink.
— O nome é muito bonito. Você será tão talentosa quanto ela. — Rimos. — Sou .
Não tinha a menor ideia de quem era a pessoa mencionada, só tinha conhecimento do que vi na televisão. Educadamente, pedi o livro e, com a caneta que levei na bolsa, escrevi uma dedicatória na guarda da capa.
— Por que me deu isso?
— Para não se sentir mais sozinha. Ele te fará companhia sempre que precisar. Leia, você vai gostar.
A pequena Lisa me agradeceu, sorrindo, agora mais feliz do que antes. Minah voltou para perto de nós, mas tinha uma boneca em mãos.
— Toma. Era minha, mas acho que estou meio velha para brincar com isso.
Lisa concordou e pegou a boneca. As outras crianças a notaram.
Me lembrei da minha chegada a Seul. Algumas pessoas me olhavam com estranheza, outras com indiferença. A cor da minha pele e o meu cabelo mostravam claramente que eu era uma pessoa estrangeira. Aos poucos, fui me adaptando e fiz boas amizades.
— Lisa, precisamos ir. Aproveite o seu livro e a sua boneca.
— Obrigada.
Nos despedimos da menina, voltando para o restaurante, mas não antes de notarmos que as outras crianças conversavam com ela, curiosas sobre os presentes.


Capítulo 10




— Vamos para Ttukseom!
— Assim… do nada?
— Sim, vamos hoje à noite.
— Por quê?
— Há algum tempo, quando escrevi Reflection, costumava fazer isso quando me sentia sozinho e tinha muitos conflitos internos. Agora quero ir lá com você.
— Reflection é uma música?
Ele assentiu.
— Posso ouvir?
pegou o celular em cima da cama, procurou pela música e colocou os fones para ouvirmos juntos.
— Nossa, ... A letra dessa música é um pouco triste. Espero que não tenha mais sentimentos assim.
Ele sorriu, apaixonado, ao perceber minha expressão de preocupação.
— Não me sinto mais assim. Não se preocupe.
— Mesmo?
— Mesmo.
— Então tá! Vamos para Ttukseom. Você se despedirá completamente desse de Reflection.
Levantei-me do chão do quarto onde estávamos deitados, trocando ideias sobre os planos da nossa semana, avisei que iria passar em casa para tomar um banho e trocar de roupa. Mais cedo, saí para correr e vim até a sua casa exatamente como eu estava: suada e usando roupas de academia.
me pediu para aguardar, sentei-me na beira de sua cama, ficando surpresa ao notar que ele saía do closet segurando o meu vestido preto.
— Guardou o meu vestido desde aquele dia?
— Sim. Agora você não tem mais motivos para ir.
— Na verdade, tenho, sim. A não ser que esteja tudo bem usar um vestido sem peças íntimas.
Não usaria as mesmas de jeito nenhum. arregalou os olhos ao imaginar a cena e, logo em seguida, explodiu em risos.
— Vou ligar para o manager e pedir para ele trazer algumas.
— Não, tá doido?
— Por que não?

— Isso é bobagem, . Me deixe comprar, você não precisa ir até em casa por isso.
Inclinei a cabeça para o lado, me concentrando no rosto dele, que exibia um sorriso persuasivo.
Eu simplesmente desenvolvi algum tipo de problema para dizer não todas as vezes que ele sorria daquela maneira. Estar apaixonada é uma coisa engraçada, pois ao mesmo tempo que me sinto feliz e motivada, também sinto vulnerabilidade, como se fosse frágil. Nunca fui ou me senti frágil em todos esses vinte e seis anos da minha monótona vida.
A cada dia, aprendia a importância de depositar confiança em , a pessoa com quem eu tinha um relacionamento. Era preciso permitir-me sentir e viver plenamente. Algo em minha mente avisava que não seria uma boa ideia me entregar tão profundamente logo no primeiro relacionamento intenso e íntimo com um homem. No entanto, não conseguia enxergar nenhuma ameaça em , nosso relacionamento não era difícil ou conturbado. Tudo conosco funcionava de maneira plena e harmônica, eu não saberia ser de outra maneira que não assim.
— Tá… Já entendi que terá um ataque cardíaco se eu me afastar de você por um minuto.
— Você não vai conseguir se livrar de mim facilmente.
— Não tenho a intenção de fazer isso.
— Não? — Ele segurou delicadamente meu rosto com as duas mãos, seus olhos perfurando os meus.
— Não!



***


O assistente de nos deixou na escuridão das proximidades do metrô e, a partir dali, seguimos até a estação de Ttukseom, que se conecta diretamente à entrada do parque. fez questão de irmos caminhar pelo túnel, só para eu poder ter a experiência completa do que era estar naquele lugar. Nas paredes do túnel, os letreiros de cor rosa neon chamavam nossa atenção.
Ele parecia conhecer cada lindo e encantador lugar. Nas nossas conversas no Blind Date, sempre expressava o desejo de me levar para conhecer os melhores pontos da cidade, dizia que me faria desejar nunca ir embora.
As pontes sobre o rio Han, o verde e as trepadeiras por todos os lados, deixavam o parque ainda mais bonito e agradável. Ttukseom estava engolido pela noite gelada. O vento frio soprava forte contra nós dois e a luz da lua cheia iluminava o local.
Com poucas pessoas ao redor, o parque estava praticamente vazio. Senti relaxar quando percebeu isso. Quão preocupado e apreensivo ele vivia devido à possibilidade de ser reconhecido quando saía por aí? Descobri depois do nosso primeiro encontro no Nature Cafe a sua preferência em manter nosso relacionamento longe dos holofotes, fora do conhecimento da mídia e de todos.

Caminhávamos a passos lentos à beira da água. Ao Leste, era possível ver as luzes do arranha-céu Lotte World Tower, o edifício mais alto da península coreana e, do outro lado do rio, o Estádio Jamsil.
deu um beijo no topo da minha cabeça. A quietude reinava entre nós e eu escolhi permanecer assim, respeitando o momento dele retornando àquele lugar. Apesar do meu desejo em tentar entender os seus sentimentos, eu seria incapaz. Como seres humanos, nosso cérebro está limitado a sentir apenas o que vivenciamos.

é um tipo de homem que nunca tive oportunidade de conhecer antes. Ele tem a habilidade única de se conectar com as coisas mais simples ao nosso redor, vendo-as como grandiosas, puras e as considerando significativas. Amar alguém como ele é uma experiência maravilhosa. Com o seu jeito, ele coloriu todos os meus repetitivos dias. Não que eu fosse incapaz de me divertir sozinha ou precisasse de outra pessoa para isso; direta e indiretamente me instigava a enxergar as coisas que passavam despercebidas por mim diariamente, fazendo-me encontrar felicidade nelas. Porque até então eu entendia a minha felicidade como resultado de conquistar grandes objetivos, chegar a algum lugar, ter prestígio, validação acadêmica, posses materiais ou aprovação por parte dos meus pais e de outros.

Fui tirada dos meus pensamentos quando senti o braço de em volta do meu pescoço. Levei a minha mão até a dele, as juntamos como um encaixe perfeito. Paramos em frente à árvore e ele sentou na grama, se encostando no tronco. Me encaixei entre suas pernas, seus braços aconchegantes ao redor dos meus me envolviam no calor do seu corpo.
— Você tá feliz?
— Hm? — ele respondeu, ainda concentrado em suas próprias emoções.
— Perguntei se você está satisfeito consigo mesmo e com o resto do mundo.
— Parece que agora posso dizer que sim. É estranho e talvez pareça ingrato, mas por um tempo o meu sonho tinha se tornado um fardo para mim… Quando me sentia assim, costumava vir aqui sozinho, observava as pessoas em grupos de três ou em duplas, pensando ser bom se algum dia eu estivesse acompanhado também.
Me virei para encarar seu rosto. sorriu docemente, seus olhos cintilantes, suas covinhas o deixavam adorável, embora geralmente ele tivesse uma postura confiante, independente e atraente.
— Uma vez, no show que fizemos no Brasil, enquanto performava, os armys se juntaram para cantar uma parte de Reflection, e quando eu cantava que gostaria de poder me amar, eles gritavam que me amavam. Aquele dia mudou a visão que eu tinha de mim e sobre o meu sonho ser um fardo. Está tudo bem se o sonho for simplesmente andar de bicicleta ou ler um livro muito interessante, quem sabe comprar algo que se deseja muito ou até mesmo só existir. Um sonho não precisa ser algo grandioso, . Eu aprendi isso.
Assenti, quieta, ouvindo com atenção o que ele dizia e, acima de tudo, o entendendo. Era exatamente isso. A minha vida não era marcada por grandes emoções. Gostava do simples, da tranquilidade de me levantar da cama pela manhã, sentar à mesa e tomar um café quente, ler um livro, enquanto me distraía com a fumaça que saía da xícara e se dispersava pelo ar.
Colocamos fones de ouvido e alternamos as músicas da nossa playlist, que era bastante distinta uma da outra. A quinta música foi interrompida pelo toque do celular do . Ele deslizou o botão para a direita, atendendo à chamada e ativando o alto-falante. A mãe perguntava sobre o dia dele e contava as novidades.
— Estou com saudades, filho. Hoje fiz Bokkeumbap e lembrei de você. Quase não sobra nada. Quanto mais velho o seu pai fica, mais começa a comer. Impressionante. — Eles riram. — Você já comeu?
— Não.
, essa hora e você ainda não comeu? Sua noiva não está cuidando de você? Precisa comer bem.
— Você está certa, mãe. não está cuidando bem de mim.
Fiquei chocada com o absurdo que ouvi. me olhou com cara de quem iria aprontar, um sorriso brincalhão e provocativo.
— É por isso que nós vamos até aí provar seu Bokkeumbap.
— O quê? ! — protestei em voz baixa, para que ela não me ouvisse.
Não pude mais escutar a conversa, pois ele se levantou e afastou-se, segurando o telefone próximo ao ouvido. De longe, me encarava rindo, provavelmente da expressão indignada estampada em meu rosto. O que havia dado na cabeça dele? Ir à casa dos pais àquela hora?
Após encerrar a ligação, ele caminhou até a mim, charmoso e lindo, seu perfume invadindo as minhas narinas. O fuzilei com o olhar, mas ele parecia se divertir. E, àquela altura, eu nem estava brava mais. O efeito em mim impressionava.
— Vamos à casa dos meus pais.
— Que vergonha, . E se a sua mãe mudar de ideia sobre gostar ou não de mim?
gargalhou.
— Não se preocupe, . Ela gosta de você, confie em mim. Vamos lá antes que ela ligue de novo.


***


Encerramos a noite sentados à mesa na casa dos pais dele. Eu, obviamente, não quis comer nada, então me contentei com duas garrafas de soju que bebi sozinha, fazendo se impressionar com o meu lado mais descontraído ligeiramente bêbado. Um sábado na minha segunda.
Meus pais ficariam envergonhados se pudessem me ver e Marcela diria: “Finalmente, , você tem um namorado e está se divertindo”.
Me diverti tanto, eu ria por tudo e por nada. O pai do contava-nos as gafes que cometeu em seus primeiros dias de trabalho e como foi difícil conquistar a esposa, pois ela só tinha interesses românticos por homens mais altos, muito diferentes dele.
Devido à hora, não teríamos como voltar para casa. O assistente provavelmente dormia e não gostava de pedir táxi, temendo ser reconhecido e visto comigo. Aquilo me deixou, ainda que por um curto período, incomodada. Quanto tempo iríamos viver nas sombras? E em relação à minha família no Brasil, ele teria receio de conhecê-los? A minha querida e animada sogra se despediu e nos deixou à vontade para passar o resto da noite lá.
Senti meu rosto esquentar quando ficou na minha frente, arqueou a sobrancelha, sério, e travou o maxilar, de braços cruzados, encostado na parede, os cabelos bagunçados, os lindos pés descalços. Sim, eu achava lindo até mesmo o seu pé.
— Não acredito que para te fazer rir assim era só dar álcool… — ele disse, com um tom de voz misterioso. O que seria? Surpresa, decepção ou ciúmes das garrafas de soju que me fizeram rir uma boa parte da noite?
Ri do meu próprio pensamento bobo, caminhei meio tonta até o primeiro degrau da pequena escada, segurei firme no corrimão, tomando confiança para subir mais um degrau só para logo depois soluçar alto e tropeçar nos meus próprios pés, quase caindo.
correu até mim, passou os braços por trás dos meus joelhos e me carregou no colo enquanto subia as escadas. Envolvi os meus braços ao redor do pescoço dele.
— Ah, isso é tão romântico… parece até coisa de filme — eu disse, tentando não tropeçar também nas palavras, assim como tropecei nos meus próprios pés. Por que eu me sentia tão engraçada? Ah, é, sim…
Nossos rostos quase grudados, sua respiração tranquila, os olhos atentos aos meus lábios. Depois de conferir minha expressão, balançou a cabeça, rindo não sei do quê. Ele abriu a porta do quarto escuro, acendeu a luz, segurando-me apenas com um braço. Os incríveis braços fortes do .
Levantei a cabeça, unindo os nossos lábios. Ele não moveu um músculo sequer. Na verdade, pude sentir seu corpo ficar rígido e, ao abrir os olhos, vi seu rosto duro, seus pequenos olhos me analisarem. Por que eu me sentia tão atrevida? Ah, é, sim… o álcool. colocou-me na cama, as minhas costas tocaram o lençol e a cama macia.
— Você vai ficar bem?
— Eu pareço mal?
Ele riu. Balançando a cabeça de novo.
— Você parece ótima, na verdade — respondeu, abrindo o guarda-roupas e me entregando uma coberta. Não estava frio, mas não contestei sua atitude, afinal, sempre era gentil.
— Então durma aqui e não me rejeite mais.
— Não dá. Não posso. Você está bêbada.
E ele tinha razão, mas a noite foi tão agradável que desejei não me afastar dele. Queria parar o tempo ali e não precisar acordar cedo amanhã, repetir as mesmas atividades de todos os dias.
— Boa noite, .





— Boa noite, .
Embaixo do cobertor, se acomodou na cama. Antes de sair, deixando claro o quanto ela era importante para mim, disse:
— E eu não te rejeitei, só prefiro fazer isso quando você está em plena consciência dos seus atos. — Pisquei e sorri, passando pela porta e a fechando logo depois.

Acabamos dormindo separados, ela no quarto de visitas, eu no sofá. Algumas coisas chegam à nossa vida sem serem planejadas, elas simplesmente surgem e eu as aceitaria de braços abertos. Assim como de braços abertos me aceitou em sua vida, mesmo tendo conhecido o meu verdadeiro eu.


Capítulo 11



Pronta para mais um dia normal na minha comum vida, levantei-me da cama, animada por nenhum motivo especial. De repente, um desconforto…, mas o que seria um motivo especial para levantar feliz da cama? Analisando bem a minha vida, não tenho do que reclamar, exceto pela minha natureza humana de nunca estar satisfeita com nada. Porém, hoje, não. Hoje estou completamente satisfeita.
— Alexa, toca Bon Iver e St. Vincent – Rosyln.
A combinação de tom e ritmo da música me fez sorrir. Me despi e entrei debaixo do chuveiro. A água fria, como era do meu agrado, caía sobre mim, relaxando cada músculo do meu corpo. Concentrei-me naquela preciosa sensação, apreciei cada minuto do banho, do silêncio, da paz que era estar sozinha.
Acordar mais cedo me dava a possibilidade de respirar e comer tranquila. Todos nós estamos sempre com pressa, ansiosos, correndo para chegar lá…
Adentrei a cozinha, reparando no rosa das paredes e como tudo lá me lembrava uma casa de bonecas. Todos os cômodos pequenos, os móveis não deixam muito espaço livre, exceto pela sacada, o meu lugar favorito, a melhor área, sem dúvidas.
Abri a geladeira praticamente vazia, um lembrete de que mais cedo ou mais tarde, querendo ou não, eu precisaria ir ao mercado. Enquanto a cafeteira trabalhava, preparei minha vergonhosa refeição. Em um pote, misturei o restante do requeijão com ameixas secas e tâmaras. Isto não me deixaria bem alimentada, a fome apareceria ao longo do dia, mas era melhor do que sair sem comer.
Sentei-me à mesa, saboreando o delicioso café e dando continuidade à leitura do artigo. Se há algo que eu realmente sinto falta do Brasil, essa coisa é a comida. Não importa para quantos lugares eu tenha viajado com os meus pais na minha infância e adolescência, sempre concordávamos que as comidas brasileiras eram as melhores. Meu pai dizia não conseguir sobreviver se mudasse de país.
Meu celular tocou, me fazendo revirar os olhos. O dia mal começou e o mundo já me chamava…
— Alô?
— Senhorita ?
— Sim…?
— Aqui é o Se-Woong da escola Language School.
Automaticamente, o sorriso ressurgiu em meu rosto. Finalmente eles iam dar a resposta sobre a seleção.
— A senhorita pode comparecer aqui às três da tarde?
— Claro, posso, sim! Estarei aí no horário.
— Ok. Aguardamos a senhorita. Tenha um bom dia.
Ainda sorrindo largamente, peguei a bolsa, fui até o ponto de ônibus, a SNU não era tão longe de casa. Após aquela ligação, tive quase certeza de que seria um ótimo dia.


***


A Language School ficava próxima à estação Gangnam, não era de difícil localização. Em poucos minutos de caminhada, estava no local. Já conseguia me imaginar trabalhando naquele lugar.
A instituição ensinava coreano e inglês para estudantes coreanos e internacionais. O inglês era ensinado como preparação para os exames IELTS, que servia como avaliação das habilidades linguísticas para aqueles que desejavam estudar, como foi o meu caso, ou trabalhar no exterior. O recepcionista me conduziu até a sala do Se-Woong, que me recebeu com um sorriso discreto.
— Agradecemos sua participação e interesse em trabalhar em nossa escola, senhorita . Apreciamos os resultados que você obteve nas etapas da seleção. — Ele ajeitou os óculos e conferiu os papéis em suas mãos.
— Avaliando os demais candidatos, percebi que a senhorita é a única de origem estrangeira… temos muito prazer em recebê-los como trabalhadores em nosso país. É uma pena, mas, desta vez, seguiremos com os outros candidatos. Tente uma próxima vez.
Mantive minha expressão neutra, não queria deixar claro o quanto aquilo me decepcionou e chateou. Ficamos em silêncio, sua expressão deixava claro que esperava uma resposta. Sorri sem mostrar os dentes. Foi como se tivessem jogado em mim um balde de água fervente, pude sentir meu corpo esquentar.
Controlei minha respiração, temendo dizer coisas desagradáveis para ele, assim como ele disse para mim. Aquela foi a pior resposta possível a ser dada a um ser humano. Em pleno século vinte e um, ainda pensam dessa forma? Não conseguia abrir a boca sem pensar em discursar no ouvido daquele homem por horas a fio… No geral, era uma pessoa controlada, mas, naquele momento, uma avalanche de sentimentos negativos e ruins me invadiu.
“Vamos lá, , diga alguma coisa respeitosa, demonstre sua superioridade.” Meu subconsciente gritava.
— Realmente… é uma pena, pois sou excelente. De qualquer forma, agradeço a oportunidade. Passar bem.
Levantei-me sem mesmo olhar para trás. Céus… o que foi isso? Se alguém me contasse, jamais acreditaria. Ele realmente me dispensou por preferir contratar um coreano? Em que mundo ele vivia, afinal?
A Coreia era, de fato, uma nação repleta de lugares deslumbrantes, boa para se viver, mas, como qualquer lugar do mundo, também possuía seus problemas. Sendo um país etnicamente homogêneo, eu estava ciente da resistência aos estrangeiros e imigrantes, em especial, pessoas com a minha cor de pele…
Não há muito tempo usavam o termo “danil minjok” para se referirem à raça coreana pura. De repente, me dei conta de como as coisas realmente seriam para mim. O que pensava, afinal? Que viveria aqui como se fosse nativa? É claro que ainda passaria por situações desagradáveis como aquela.
A rua e o ponto de ônibus estavam desertos, o painel indicava que o próximo ônibus passaria em vinte minutos. Naquele lugar, só havia eu e minhas expectativas destroçadas, esparramadas pelo chão.
“Não imaginávamos que tomaria essa decisão tão de repente e quisesse se casar com uma estrangeira.”
Lembrei do comentário da minha sogra, soltei um longo suspiro, exausta.
Ainda que não tivesse dito com más intenções ou tentado ofender, suas palavras expressavam o pensamento da maioria. Cada lugar que eu frequentava, enxergava o nacionalismo e a resistência ao novo, à mudança. Apesar de casais de diferentes nacionalidades serem mais aceitos até pelas famílias mais tradicionais, como me contou, ainda era um tabu e recebiam olhares questionadores e desconcertantes.
Particularmente, estando na companhia de , nunca notei olhares tortos direcionados a nós, talvez isso ocorresse porque, ao estar na presença dele, eu me desconectava das coisas e pessoas ao redor.
Somos seres racionais dotados de inteligência e boas emoções, mas à medida que evoluímos, nos tornamos retrógrados e intolerantes.
Quando conheci no Blind Date, diferente de outros, ele agiu naturalmente, sem nem comentar ou mesmo pontuar alguma diferença entre nós. Não houve nenhum sinal de surpresa ou desconforto da parte dele.
Nas minhas primeiras semanas aqui, em um bar, um rapaz sem pudor algum disse, rudemente, “esses estrangeiros estão tomando conta do nosso país, se misturando, ocupando nossos empregos e vivendo como nós”. Algumas pessoas ali o olharam com desconforto, mas eu sabia que muitos partilhavam da mesma opinião.
Foi no dia daquele infeliz comentário que conheci Minah e Yuna, elas me acolheram, me incentivaram a fazer uma queixa criminal pelo insulto, tornaram os meus dias aqui menos solitários.
Certa noite, enquanto caminhava sozinha pelas ruas de Itaewon, deparei-me com uma placa em um bar que dizia: “Sem estrangeiros.”
Muitas vezes considerei desistir, retornar ao Brasil ou partir para um novo país, porém não podia permitir que a ignorância das outras pessoas me abalasse.
Recebi uma mensagem da Minah me convidando para encontrá-los em um restaurante, por coincidência, próximo dali. Confirmei minha presença. Depois do que ouvi, precisava de algumas doses generosas de soju.


Capítulo 12

Em Gangnam, no pequeno e agradável restaurante tailandês Krappom, os quatro amigos sentados à mesa de vidro esvaziavam a quinta garrafa de soju naquela noite.
Uma notificação do Blind Date apareceu em sua barra de notificações. Afastou-se dos amigos, sorriu fraco e antes mesmo de abrir a mensagem já sabia quem era.

“Moonchild27: Kim dong Ryul — youthful days”

Sentiu-se ansiosa para ouvir imediatamente a canção. Voltou sua atenção para a mesa, seus amigos riam e conversavam em sintonia. Reuniu coragem, foi até o dono do restaurante, mostrou a música e pediu para tocar. O senhor lhe sorriu, educado, assentindo com a cabeça, logo depois atendendo ao desejo da mulher.
Retornando ao assento, a cadeira de plástico agora parecia desconfortável. As demais pessoas pareceram apreciar a música. Uma mulher, acompanhada de duas amigas, agradeceu a e ao dono pelo som que agora animava o local, embora a melodia não tivesse um ritmo alegre.
Enquanto, para , a bebida serviu de anestesia, depois de ter sido dispensada pelo recrutador e a frustração lhe parecer uma inimiga dando um soco. Para Minah, levada pela música, o álcool funcionava como combustível, encorajando-a de uma vez por todas.
— Quero aproveitar que estamos todos juntos para fazer uma coisa… — Minah sorriu, animada, despertando a curiosidade dos amigos.
a olhou, já imaginando o que aconteceria. Sentiu-se num episódio de um dorama que não assistiu até o fim, por considerá-lo muito melodramático e romântico.
— Acho que vocês duas perceberam que eu e o Jun nos gostamos já tem bastante tempo. Mas ele nunca tomou coragem para fazer isso…, então faço eu. — Virou goela abaixo mais um copo de soju. — Jun, você aceita ser meu namorado?
O rapaz arregalou os olhos, Yuna encarou todos à mesa, séria e constrangida, certificando-se de acompanhar qualquer reação da melhor amiga e do Jun-Seo.
O grande e torturador silêncio foi quebrado pelo celular que tocou freneticamente.
— Que saco…, mas preciso atender, é urgente… — disse, revirando os olhos e saindo do bar.
— Você não vai falar nada? — , meio cansada do silêncio do amigo ali sentado sem se mexer, perguntou.
— Vai ficar calado? Pensei terem se afastado… você esperava por isso? — Yuna se voltou para o homem, falando alto.
analisou cuidadosamente os dois, achou estranho o tom incisivo da mulher. Pegou o copo e bebeu o restante do líquido transparente, em seguida, segurou a garrafa: um… dois… três goles da bebida de sabor levemente adocicado e um pouco ardente…
Quase conseguia visualizar a frustração se materializando à sua frente, acenando e rindo. Percebeu precisar parar de beber, pois sua relação com o álcool estava se tornando tóxica. Ela riu, só depois se dando conta da cena.
— Yuna, eu ia contar a ela, mas não consegui. O que queria que eu fizesse? Não é tão simples quanto parece…
— O que não é tão simples? Você não tem vergonha na sua cara? — Yuna gritou, irritada.
endireitou-se na cadeira, sentando reta, assustada com o rumo daquela conversa. Sem fazer nenhum movimento, assistia os amigos brigarem, implorando aos céus para que o seu dia não ficasse pior. Aquilo estava realmente acontecendo? Não era possível que estivesse tendo alucinações tão vívidas daquele jeito.
— Yuna, juro que tentei, mas todas às vezes que saímos juntos, ela não me dava chances para contar.
— Espera que eu acredite nessa desculpa? Não é o que parece, ela ainda acha que você está apaixonado. Muito conveniente para você não contar a ela sobre estarmos juntos e ficar com as duas ao mesmo tempo, não é, seu babaca? — Yuna se enfureceu, chamando atenção de todos no bar.
engoliu seco, aquilo estava de fato ocorrendo. O que aconteceu com a sua vida sem graça e monótona? Suas mãos começaram a suar quando desviou os olhos para a outra amiga, que agora estava parada, atônita com o que ouviu ao voltar para a mesa. Os olhos da mulher, mergulhados em lágrimas, como se um rio fosse jorrar deles.
balançou a cabeça, tentando se livrar daquilo caso fosse uma alucinação, apertou os olhos, mas continuou a ver os olhos marejados de sua amiga.
Tudo ali parecia estar em câmera lenta para os quatro. Todos eram tão próximos... como aquilo pôde acontecer? Como não percebeu o desconforto expresso em forma de piadas e a rejeição de Yuna em relação ao relacionamento de Jun-Seo e Minah?
— Vocês estão juntos? — Minah perguntou, agora frente a frente com o casal que anteriormente estava brigando. — , você sabia disso?
Rapidamente, retornou a sua consciência, mordeu o lábio, apreensiva, e negou, balançando a cabeça. Estava sendo honesta. Tanto quanto sua amiga, ela não tinha ideia do envolvimento dos dois.
pensou em e se imaginou na situação. Uma dor repentina em seu coração fez seus olhos arderem. Seria a maior decepção de toda a sua vida. “Por favor, , não me traia.” pensou.
Entrou em estado de alerta quando Minah pegou a bolsa e saiu praticamente correndo do restaurante, Jun-seo atrás dela, visivelmente nervoso. Yuna a encarou, sem saber como explicar aquilo.
— Sinto muito por isso, .
— Não é por mim que você tem que sentir muito — respondeu, decepcionada.
Como ela teve coragem de agir daquela maneira e magoar a amiga? A mulher se questionou.
Dias ruins onde tudo dá errado existem, estava vivendo um dia desses.


***


— Tá tudo bem com você? — perguntou.
A mulher sentiu sua garganta travar, seus olhos arderam. Ela apenas balançou a cabeça negativamente.
lhe deu um sorriso acolhedor e reconfortante.
— Quer conversar sobre o assunto?
Continuou em silêncio, apenas balançando a cabeça em negação. Foi parar na casa do noivo após ele ter enviado um vídeo no estúdio de música, dizendo estar com saudades dela depois de tantos dias sem se verem.
— Tudo bem — disse em resposta.
Ele se levantou até a cadeira, sentou-se em frente à mesa, brincou com o teclado, apertando algumas das teclas, despretensiosamente.
Alguns sons começaram a fazer sentido e soavam como uma melodia familiar para a mulher. Sentada no sofá, meio zonza, apoiou a cabeça na mão, encarando o noivo concentrado. Observou os dedos ágeis do homem tocando perfeitamente bem a canção Merry-Go-Round of live, o seu corpo forte balançando no ritmo da música.
Embalada pela música e perdendo-se nos sorrisos do noivo quando chegou ao ponto alto da canção, fechou os olhos, aos poucos deixando o sono a dominar.
a observou fixamente, sequer piscava, os olhos duros, a mulher suspirou pesadamente. Ele admirava cada traço dela, além da personalidade forte, do jeito compreensivo, seus lábios, cabelos, sorriso… tudo nela o atraía.

Abriu os olhos, era dia. Dormiu ali mesmo, no sofá do estúdio. reparou no cobertor que, na noite anterior, havia pegado para cobri-la enquanto ela dormia. Bocejando, dobrou o cobertor.
Um papel branco na mesa chamou sua atenção.

“Não quis te acordar, você parecia muito cansada.
Precisei ir à empresa.
Não tive a chance de contar, vamos entrar em turnê.
Não importa o que tenha acontecido ontem, foi apenas um dia ruim que acabou.
Tem comida na geladeira, caso precise de algo.
Que você tenha um ótimo dia, .”


Continua...



Nota da autora: Oi, gente. Não sei o que estão achando dos capítulos e da história, pois não vi nenhum comentário, mas, de qualquer maneira, espero que gostem!
Fiquei com dó da Maitê nesses últimos capítulos, coitada... começando o dia toda animada e depois...
Quem nunca, né?
É isto. Peço que deixem seus comentários para que me motive a continuar escrevendo. Um beijoooo, até logo!




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