Capítulo Único
sentiu os olhos arderem pelas gotas de suor que escorriam da sua testa. Os músculos dos braços e pernas tremiam pelo esforço, mas a sua teimosia era mais forte do que as dores físicas. Manteve o foco na sua respiração a cada movimento de encostar o peito no chão e subir, a mente fazia a contagem e a frustração ganhou força quando o corpo cedeu num baque surdo no tatame e a testa atingiu o chão sem tempo para proteção.
Xingou baixinho, a voz abafada dificultando que qualquer pessoa entendesse o que ela estava dizendo com toda a raiva do mundo. Queria chorar e colocar para fora tudo o que tinha soterrado em seu peito, mas ela não apelava para as lágrimas, nunca, jamais e nem mesmo se estivesse com uma arma apontada para a sua cabeça. Então, não choraria feito um bebê, afinal, não faria milagre e, dificilmente, consertaria sua situação.
— Você não deveria se esforçar desse jeito ou…
Ela sentou-se com a expressão fechada e o encarou com frieza.
— Não tem nada melhor para fazer? Se eu quisesse uma babá, contrataria uma. - Resmungou. Bebeu a água da garrafinha evitando encará-lo.
Ele riu e a agente não precisou olhar para saber a forma debochada que sorria ou como conseguia ficar mais atraente quando sorria dessa forma. Xingou-se mentalmente pelos pensamentos, a última coisa que queria era se sentir atraída pelo hacker.
— Já te disseram o quanto você é chata?
Ela tossiu ao se engasgar com a água, a fúria correu quente por suas veias, levantou num pulo e ignorou as fisgadas nas lesões com o movimento brusco. Caminhou decidida até o homem que ocupava um canto da academia, a pele pegando fogo tamanho era seu ódio. Parou tão próxima que podia sentir a respiração quente escapando da boca dele e atingindo a sua própria boca. Olhando-o diretamente de forma próxima, a ficha caiu e um calor que não poderia ser classificado como raiva espalhou-se por algumas partes de seu corpo. Esforçou-se para focar na raiva por ouvir aquele comentário e ergueu o dedo indicador, apontando com ferocidade para o peito dele.
— Como se atreve? — Cutucou-o com força fazendo o sorriso dele aumentar. — Estou na merda por sua causa! Você não sabe correr e quer me chamar de chata? — Provocou-o, apontou o indicador para o próprio peito, viu-o seguir o gesto com o olhar muito interessado. — Foi essa chatice que salvou a sua pele uma segunda vez! — Bufou irônica.
A risada que recebeu como resposta deixou-a mais irritada.
— Eu disse para me largar que sou bem grandinho para me defender. — Deu de ombros.
— Mas não para correr sem torcer o tornozelo. — Rebateu achando graça.
— Touché.
— Não deixo a minha equipe para trás mesmo que esteja na beira do precipício e mesmo que esse membro seja o mais idiota de todos. — Falou num tom que não tinha qualquer rastro de aborrecimento, os braços cruzados na frente do corpo. Resolveu dar um passo para trás e criar uma distância maior entre os dois.
— Mas está guardando rancor por causa dos ferimentos…
Dois meses após a missão que resgatou o hacker Príncipe das garras da máfia italiana e o adicionou como novo membro da sua equipe, receberam um novo serviço e que, a princípio, deixou-a insegura, pois teria que colocá-lo em campo para conseguir invadir os computadores do inimigo. E como a sua intuição não costumava falhar com frequência, deu tudo errado, quer dizer, quase tudo. Eles conseguiram roubar as informações necessárias, mas, para isso, ela precisou despachar parte da equipe para limpar o caminho da fuga, restando apenas ela e o hacker num cubículo.
Quando parecia ser o final perfeito, muito melhor que qualquer conto de fadas, a dupla sofreu uma emboscada antes que alcançasse a proteção da equipe e para não correrem o risco de ficarem presos, colocaram as canelas para torrar e correram com vontade, mas o idiota acabou tropeçando e caindo. Ela precisou retornar para levantá-lo e ajudar a se mover, pois tinha torcido o tornozelo. Logo, rolou uma chuva de balas enquanto discutiam sobre deixá-lo para trás — o que a agente se recusou fortemente — e trocava tiros cegamente. O resumo é que escaparam com vida, mas foi atingida certeiramente no ombro e quebrou uma perna ao lançar o hacker em direção à equipe. Ficou três meses de licença para se recuperar dos ferimentos, o que deixou-a totalmente irritada e inconformada. Passou boa parte do tempo remoendo-se sobre as decisões que tomou naquela noite.
Ela suspirou cansada e virou de costas, evitando encará-lo. Ficou cerca de um minuto em silêncio, o olhar perdido num voador, finalmente, quando decidiu virar-se e encará-lo, falou com tristeza.
— Não estou com raiva de você. — Suspirou. — E sim da situação. Você se machucou por eu ter decidido correr ao invés de seguir por um plano mais inteligente. Admito que estava com a cabeça meio longe da missão, então não consegui ter essa percepção. — Deu de ombros resignada. — Mas já estou pagando o preço.
O hacker descruzou os braços e olhou-a com compaixão, aproximou-se e segurou-a pelos ombros, encarando-a diretamente.
— Plano mais inteligente? Mulher, você sempre tem uma carta na manga, e a sua taxa de sucesso nas missões? É sério que vai deixar o tornozelo de um hacker idiota, — Sorriu divertido e continuou: — um tiro no ombro e uma perna quebrada acabar com sua confiança? — Arqueou uma das sobrancelhas desafiadoramente.
A testa dela franziu totalmente surpresa.
— Calma, Príncipe! — A voz de Macarena ecoou pela academia, assustando-os e fazendo a dupla se afastar quase que em um pulo. — A forma mais eficiente de matar a chefa é com uma voadora e não um enforcamento. — Riu.
A mulher respirou fundo tentando afastar as emoções que quase transbordaram ao ouvir as palavras da outra e virou-se para encarar a recém-chegada.
— Hahaha Maca, muito engraçada!
Macarena riu, a postura relaxada, mas o olhar estava atento feito uma águia e desviava de um rosto ao outro e, pelo que conhecia da mulher, mil ideias rodeavam sua mente.
— Bom, vou deixá-los treinarem em paz! Preciso verificar as informações que o Chefe me passou. — O hacker acenou em despedida e saiu sem encará-los diretamente, talvez muito envergonhado pelo momento que compartilhou com a agente.
— Ele está total na sua. — Macarena soltou do nada, a voz séria.
— Perdão? — perguntou confusa, duvidando se realmente teria ouvido certo.
— Não finja que não entendeu, você sabe que vem rolando um clima entre vocês… — Ela se aproximou da outra e sorriu com ironia. — Todo mundo já percebeu e…
— E você fez o favor de espalhar essa fantasia da sua cabeça para todos? — Questionou ao cruzar os braços e encará-la seriamente.
A mulher bufou divertida.
— Fantasia? — Riu e negou com um gesto de cabeça na mais sincera incredulidade. — Eu sei que para você é mais seguro seguir pelo caminho da frieza, mas, em algum momento, você vai aceitar o que está sentindo e aí nós vamos ver a sua pior versão.
— Minha pior versão?
— , a agente nível A, apaixonada. — Explicou com uma voz debochada.
A boca dela escancarou-se, tentou dizer alguma coisa, mas estava surpresa com a ousadia da amiga e colega de equipe.
— Agente Macarena, você vai ser a motorista da próxima missão! — Decretou com a voz fria.
Os olhos da mulher se esbugalharam, um milímetro e sairiam das órbitas.
— Qual é, ! — Resmungou.
— Mais uma palavra e coloco por tempo indeterminado. — Ameaçou.
A mulher resmungou baixinho e a agente não conseguiu compreender.
— Disse alguma coisa, Macarena? — Perguntou.
— Não, senhora. — Apressou-se em negar, o rosto assustado.
— Então vá se aquecer enquanto o restante da equipe não chega.
— Sim, senhora! — Seguiu para o tatame que tinha sido ocupado anteriormente pela agente, começou a pular corda e, em seguida, a fazer flexões com muito mais agilidade do que a chefe.
Ela encenou a inspeção de um equipamento de exercícios, a expressão preocupada enquanto repassava o momento que teve com o hacker e, em seguida, as palavras de Macarena. O único questionamento rondava a sua mente: será que realmente estava a fim do colega?
Como percebeu que não seria capaz de voltar a se concentrar nos exercícios físicos que demandam pleno controle de seus pensamentos, emoções e de seu corpo, ela optou pela bicicleta ergométrica horizontal para pedalar com o máximo de velocidade e intensidade que conseguia. O fato de estar sentada em segurança fez com que o diálogo anterior com Macarena fosse repassado em sua mente por diversas vezes, até que seus pensamentos voaram a um dia específico, enquanto ainda estava no hospital em recuperação.
Flashback
Os olhos reviraram quase que instantaneamente ao ver quem adentrava o seu quarto naquele momento e ela teve de ter muito controle para manter o gemido de frustração preso na garganta.
— Você por aqui… Nossa, que novidade! — Esforçou-se para colocar um pouco de humor na voz, embora soubesse que nem mesmo berrar seria capaz de afastá-lo.
Ignorando a acidez disfarçada no comentário, ele se aproximou um pouco mais da cama, mas ainda mantendo uma distância relativamente segura. Não acreditava que sua chefe seria capaz de cometer um atentado contra sua pessoa — não depois de ter salvo sua vida em duas oportunidades —, mas não custava nada ser cauteloso.
— Me contaram que os glaceados são seus favoritos, espero que isso adoce um pouco seu dia. — Ele disse conforme ia erguendo a tampa da caixa que trazia nas mãos e que, por fim, revelou ser uma embalagem contendo seis donuts.
— Te contaram errado. — declarou séria, mas assim que viu o subordinado com os olhos arregalados e as bochechas coradas, ela não conseguiu mais manter o carão e gargalhou com vontade pela primeira vez em dias — informação que ela obviamente manteria em segredo. — Isso nunca vai perder a graça. — Comentou sorrindo debochada enquanto apontava em direção ao rosto dele.
— Não que eu goste disso, mas pelo menos te divirto. Fazia tanto tempo que você não ria que eu já estava achando que tinha perdido os dentes… — Agora foi a vez de ele rir da cara de ultraje feita por ela.
Eles estavam convivendo como colegas de trabalho há dois meses e, embora fosse um período relativamente curto, o medo inicial que o hacker sentia da agente já tinha se dissipado, dando lugar ao respeito com uma pequena dose de receio. Por isso, agora ele até já estava arriscando algumas piadinhas, sempre cuidando para não passar dos limites.
— Pelo visto você está louco para perder os seus. — Arqueou apenas uma das sobrancelhas, ouvindo-o negar.
— Donuts brancos? — Ele perguntou, chegando mais próximo da cama e oferecendo a caixa para ela.
— Péssimo trocadilho, hacker.
Antes de responder, ele sentou-se na poltrona de visitas ao lado de onde ela estava.
— Mas você riu. De novo. — Em um ato mais ousado, ele piscou para a mulher, que se limitou a rolar novamente os olhos antes de apoiar a embalagem em seu colo.
— São os remédios. — justificou o “riso solto” e foi a vez de ele sorrir debochado em concordância.
— Na semana passada foram os cookies, agora os donuts… O que vai ser na semana que vem?
— O que você quiser, chefe.
— Além de ser impertinente, você também quer me fazer perder minha forma física? — Ela bufou. — Como espera que eu te salve pela terceira vez?
— Eu realmente espero que não exista uma terceira vez. Não gosto de ficar entre a vida e a morte.
— E quem gosta?
— Julgando pela profissão que escolheram, você e todos os outros agentes. — Confidenciou rindo.
— Não é questão de gostar desse tipo de adrenalina, é questão de saber que você pode salvar outras pessoas, entende? É muito mais sobre os outros do que sobre nós mesmos.
A paixão que ela sempre demonstrava pela profissão era admirável e até mesmo inspiradora, sendo sem dúvida um dos fatos que ele mais gostava sobre ela. Eram raros os momentos em que ela permitia abrir-se com os demais, principalmente com ele, mas quando ela o fazia, seu olhar adquiria um brilho diferente e o tom de voz era suave, diferente do olhar fixo e tom de voz firme que ela tinha quando estava sendo a agente nível A.
— Por mais que a adrenalina seja legal e tal, confesso que eu me sentiria muito mais confortável ajudando a salvar vidas estando dentro do laboratório de informática e não no local de ação. — O homem mordeu o lábio inferior ao realizar essa confissão e, por alguns segundos, se perdeu naquela região da face dele.
“Parecem tão macios…” Antes que deixasse seus pensamentos se perderem, tratou de voltar ao foco, mas pensando seriamente em falar com os médicos sobre sua medicação. Algo deveria estar lhe fazendo mal, ela jamais teria aquele tipo de pensamento se estivesse completamente ‘limpa’.
— Bom, esse é o preço que se paga por ser salvo pelo governo. — Deu de ombros e lambeu os dedos sujos pelo glacê do segundo donut que havia devorado. Ficou aliviada por ter feito o movimento sem sentir a fisgada de dor que estava presente nos dias anteriores, aquele era um bom sinal de recuperação.
O hacker tinha plena convicção de que nada aconteceria entre eles. Vinham de mundos diferentes e agora, compartilhando um pouco do mesmo mundo, eram chefe e subordinado. Ou seja, zero chances. Mas ele não podia negar que a cena havia desestabilizado um pouco seus pensamentos. Ao contrário dos comentários quase sempre ásperos, os lábios dela pareciam ser de uma maciez sem igual.
Quando notou que ela o encarava, ele mais uma vez naquele dia sentiu as bochechas esquentarem.
— Preço meio alto, não é mesmo? — Murmurou, tentando não deixar transparecer seu nervosismo.
— É o que a casa oferece. — A mulher projetou um biquinho e dobrou os braços com ambas as palmas viradas para cima em um gesto de “não tenho culpa”.
Vê-la naquela posição fez com que o hacker sentisse uma súbita vontade de abraçá-la, mas que obviamente foi controlada.
Um silêncio se instalou no ambiente e que sempre gostou de ficar mais na sua acabou sentindo-se incomodada com a falta de barulho. Não sabia por que cargas d'água estava se sentindo daquela maneira: talvez realmente fosse a medicação, talvez fosse o fato de estar presa a uma cama hospitalar, talvez fosse o fato de não ter nada para fazer. Talvez fosse o conjunto de todas essas coisas, já que ela jamais admitiria que talvez fosse apenas a sensação de conforto que vinha acompanhada do homem na poltrona ao seu lado.
Qualquer que fosse a razão, ela sentiu vontade de continuar conversando com ele, por isso decidiu compartilhar memórias de suas primeiras missões.
E assim mais um dia se passou.
Um dia a menos no processo de recuperação.
Um dia mais perto de voltar a sua rotina.
— Merda! — Esbravejou.
estava irritada. Muito irritada.
Irritada com a situação em que se encontrava: por não estar totalmente recuperada dos ferimentos da última missão, irritada por deixar Macarena entrar em sua mente fazendo com que buscasse em sua memória momentos que não tinham significado algum e, principalmente, estava irritadíssima por sentir que estava perdendo o controle por seus sentimentos, que sempre foi uma das poucas coisas que ela sempre controlou.
Depois de pedalar intensamente por cerca de 30 minutos, ela aceitou sua derrota pessoal, sabendo que não conseguiria render mais, então rumou ao vestiário, tomou um banho e voltou a fazer o trabalho de escritório; aquele que ela tanto detestava, mas que era necessário enquanto ainda estava no processo de retomada.
~XXX~
A técnica de ativação reticular consiste em usar a retina para lembrar de executar uma tarefa, para seguir firme em busca de um objetivo, para transformar um ponto fraco em um ponto forte e assim por diante. Os exemplos são inúmeros e às vezes a ativação acontece de maneira involuntária, mas um dos mais comuns talvez seja quando uma mulher acha que os métodos contraceptivos falharam e que existe a possibilidade de ela estar grávida. Parece que é só piscar e boom! Grávidas por todos os lados. Fica até parecendo uma perseguição, mas não é. O que de fato acontece é que o cérebro desesperado está tão focado na possibilidade de gravidez que passa a prestar mais atenção nesses “gatilhos/lembretes”.
A agente nível A do governo de Kimartin estava longe de estar preocupada com uma gravidez, porém tudo o que sua retina processava fazia com que ela se lembrasse do maldito hacker. E foi tentando fugir da situação incômoda que seu cérebro havia lhe colocado que ela se atolou em funções de escritório.
Dizem que ódio é uma palavra forte, mas realmente odiava toda aquela papelada que ela era obrigada a preencher sempre. Em um mundo tão digital, como eles ainda precisavam daquilo?! De qualquer forma, essa foi a maneira que ela encontrou de evitar ter muito contato com o causador de seu conflito interno e com Macarena, que estava sempre lhe direcionando olhares e sorrisos maliciosos. Ninguém desconfiou da mudança abrupta de comportamento dela, pois, como estava em fase de recuperação física, era normal que ela se resguardasse - embora todos acreditassem que aquilo era difícil de ocorrer. Ela sempre dava um jeito de convencer o chefe a liberá-la, mas não daquela vez.
Depois de horas ininterruptas revisando relatórios e afins, fez uma pausa para esticar as pernas. Caminhou tranquilamente até o banheiro onde esvaziou a bexiga e depois foi até a copa pegar um café.
Enquanto aguardava, viu Iwar adentrar o espaço segurando uma caixa de donuts e foi impossível não ser remetida a uma das visitas que o Príncipe Hacker fez para ela enquanto estava internada. Lembram da ativação reticular involuntária? Pois bem.
— Você quer um? — O colega questionou ao perceber que ela estava olhando fixamente para a embalagem em suas mãos.
— Quê? — Perguntou alheia quando escutou a voz de Iwar lhe puxando de volta para o planeta. Viu o homem lhe oferecer um donut e sentiu-se levemente envergonhada de sua atitude anterior, encarando a rosquinha como se estivesse sem comer há dias. — Ah, não, muito obrigada.
— Tem certeza? — Insistiu.
— Ah, tudo bem. Uma não vai fazer mal, não é mesmo? — Viu Iwar rir em concordância e ela deu de ombros, esticando a mão para pegar justamente o donut branco.
Já na primeira mordida, ela teve a certeza de que os que tinha recebido do hacker eram bem mais macios e recheados do que aquele que estava saboreando no momento, mas comida era comida e ela iria aproveitar de qualquer forma.
— E como você está? — Apontou para os ombros e a perna anteriormente quebrada.
— Liberada pelos médicos, ou seja, ótima! Agora só falta o chefe me liberar. — Rolou os olhos. — Nem sei por que você choramingou tanto de dor aquela vez, levar um tiro no ombro nem é tudo isso! — Desdenhou, mas logo soltou uma risada baixa ao ver a cara indignada dele.
— Não tenta se fazer de forte, ! — Exclamou. — Você só não deve se lembrar da dor no ombro porque a dor de quebrar a perna deve ter sido pior, mas não sei e nem quero saber, para ser sincero.
— Só desejo isso para os nossos inimigos, porque olha… — baixou o tom de voz para sussurrar a última parte — Dói para caralho.
— Fico feliz que esteja recuperada, chefinha. Mas agora preciso voltar antes que a Melina saia berrando pelo escritório que eu fugi com os donuts. — Riu e viu imitá-lo, mas logo sumiu do ambiente.
De volta à sua sala e com metade de sua xícara de café ainda cheia, ela pensou que merecia um pouquinho mais de tempo afastada de toda aquela papelada. Puxou os fones da mochila, conectou no celular e deu início a playlist com músicas de sua banda favorita. Recostou-se bem na cadeira e se permitiu fechar os olhos durante longos segundos, permitindo que suas narinas apreciassem o cheio da cafeína enquanto o líquido preto preenchia sua alma. “Será que é assim que as pessoas se sentem ao fazer aquelas meditações guiadas?”, riu de seu próprio pensamento e ao voltar a abrir os olhos quase teve um treco.
Arrancou os fones de ouvido com tudo, jogando-os sobre a mesa juntamente com o celular e voltou a ficar com a postura ereta.
— Senhor. — Cumprimentou o chefe que a encarava com a mesma expressão impaciente de sempre quando a pegava nessas situações. Parecia que ele tinha um talento natural para farejar aquele tipo de ocorrência.
— Conversei com os seus médicos, você está realmente liberada.
— O senhor achou que eu estava mentindo? — Encarou-o e o tom de voz anunciou que ela havia ficado um pouco ofendida.
— . — Ele disse firme. — Eu não preciso lembrá-la do passado, certo? — Viu a agente assentir. — Temos um código vermelho em andamento. Você acha que está OK para uma missão desse calibre logo no retorno?
— Com todo o respeito, senhor, mas eu poderia comandar e executar um vermelhinho até mesmo com uma perna quebrada e com uma bala no ombro. — Sorriu confiante e tentando parecer o mais simpática possível. Não podia correr o risco de ter uma missão daquelas tiradas de suas mãos.
— Certo, então você já sabe o que fazer. — Ele posicionou diversas pastas sobre a mesa dela e saiu.
~XXX~
ajeitou o terninho, as pastas estavam presas embaixo do braço e ela rumou pelo prédio à procura da sua equipe. Estava ansiosa para começar os preparativos para a missão e ser o mais detalhista possível, pois era um código vermelho e nada poderia dar errado. Queria ver a cara de todos ao saberem da novidade de que havia sido finalmente liberada para voltar ao campo e que ganhou de presente uma missão mais desafiadora. Procurou na academia, vestiário, sala de armamentos, banheiro, salas de reuniões e nada.
Parou com as mãos na cintura, a mente tentando lembrar de algum outro local que os seus colegas estariam escondidos e nada veio em seu socorro. Decidiu ir até a sala das câmeras e perguntar ao Jonathan se viu onde o grupo havia se metido, mas quando seguiu decidida até o elevador passou próxima a uma porta e ouviu risadas altas. Parou, franziu a testa ao apurar os sons e o que reconheceu fez com que abrisse a porta num rompante, rostos surpresos e assustados encontraram seu olhar.
— Interrompo alguma coisa? — Perguntou friamente, a postura séria. Não saiu do batente, observando um por um, a cena do crime.
— Chefinha! — Melina soltou alegremente ao se aproximar da agente, tentou disfarçar depois de encarar os colegas de forma dura. — Você nunca interrompe nada. Vamos, entre! — Tocou-a no ombro e guiou-a para dentro do lugar.
Era uma sala com uma enorme parede de vidro que permitia a visão de vários prédios e o céu que estava escurecendo. Tinha uma porta fechada no lado esquerdo e, do outro, uma mesa com computador e duas telas, o hacker ocupava a cadeira e os dedos batucavam no teclado com rapidez e o rosto concentrado. No centro, uma mesa de mogno de reunião que estava ocupada pelo restante de sua equipe, uma caixa de donuts vazia e um baralho aberto na superfície. Agora, ela entendeu o motivo de Iwar estar perambulando pelo prédio com a caixa. Ela só não reconheceu aquele lugar, pois costumavam usar qualquer sala de reuniões disponível para planejar as missões.
— Que lugar é esse? — Perguntou curiosa.
— Nosso QG. — Kennie sorriu animado.
— Como assim?
— O Chefe decidiu que estava na hora de termos nosso próprio lugar. — Benja explicou risonho. — E sabe o melhor de tudo? — Aguardou pacientemente.
— Não.
— A equipe do Timothy não ganhou uma. — A felicidade era tão palpável que causou risadas em todos.
— Timothy exibido não ganhou uma sala? — Ela perguntou esforçando-se para não gargalhar alto. — Vou adorar esbarrar com ele na hora do café. — Esticou a mão e saiu batendo nas palmas de todos que estavam próximos, menos o Hacker que continuava alheio a conversa.
— E então, chefinha, qual o motivo da sua visita? — Kasper perguntou ansioso, percebeu que todos olhavam para as pastas embaixo de um dos braços da agente.
— Estou de volta! — Soltou animada, o outro braço livre fez um soco no ar de alegria e satisfação, viu o Hacker se virar e olhá-la, sorriu satisfeito e depois voltou a atenção para a tela à sua frente.
Ela tentou disfarçar a surpresa com o gesto e voltou a encarar a equipe que falava várias coisas ao mesmo tempo.
— Temos um código vermelho.
— Caralho! Que foda! — Melina começou a enumerar com os dedos. — Ganhamos um QG, a chefinha de volta e um código vermelho. Melhor do que ganhar uma bolsa Prada de presente de Natal! — Ela riu. Todos sabiam que a agente era louca por bolsas e tinha uma coleção delas.
sorriu satisfeita e andou até a mesa, abriu a pasta e encarou a todos.
— Vamos começar o planejamento! — Anunciou. E todos ocuparam as cadeiras, inclusive o Hacker que, depois daquela pequena e discreta demonstração de satisfação por tê-la de volta, evitou olhá-la diretamente, porém quando o fazia mantinha uma expressão neutra. Todos observavam em silêncio, atentos.
— Nós vamos à caça do braço direito de… — Pegou uma folha e leu as informações, a testa franziu em confusão e em seguida, surpresa. Caiu na cadeira e encarou a todos. — O braço direito de Francesco Tommaso.
A agente olhou rosto por rosto. O que viu no Hacker chamou sua atenção, mas estava tão atordoada que cogitou ser coisa de sua cabeça e respirou fundo, analisando as fotos dentro da pasta. Passou as folhas para a equipe ir lendo e repassando entre eles.
— Isso é realmente um código vermelho. — Comentou Iwar com um assobio.
leu uma das folhas com o resumo e viu uma outra com o relatório da missão de resgate do Hacker, as peças começaram a se formar em sua cabeça e fitou-o.
— Príncipe. — Chamou-o seriamente.
— Sim? — Ele lia a folha em sua mão e não retribuiu o olhar.
— Nós te resgatamos de Francesco Tommaso? — Perguntou atenta.
Viu-o engolir em seco e levantar o olhar, parecia preocupado.
— Exatamente.
O sangue da mulher ferveu e levantou-se da cadeira, caminhou com raiva até o rapaz e agarrou-o pela gola da camisa, quase o arrancando do lugar.
— Chefinha? — Benja chamou-a preocupado.
O silêncio na sala pesou, todos assistiam a cena inesperada com atenção.
— Por que você não me contou? — Chacoalhou-o.
Ele olhou-a diretamente, os lábios fechados com força, irritando-a mais.
— Por quê? Me diga! — Insistiu, as mãos doíam de tão apertadas na peça de roupa, ficando brancas.
O rapaz suspirou cansado, levou as mãos até as delas, cobrindo com as suas. Quando ela sentiu o toque, largou-o imediatamente como se tivesse sido queimada. Afastou-se e virou as costas, evitou encarar a todos e andou de um lado para o outro. A mente começou a trabalhar, memórias vindas à tona, questionamentos surgindo.
— Eu não tinha obrigação de dizer nada a você. — Disse calmamente. — Quando vocês me trouxeram, eu contei tudo que sabia para o seu chefe e acreditei que ele te contaria tudo, mas…
Ela virou-se num rompante e o fuzilou com o olhar.
— Não tem motivo para esconder essa informação, a não ser… — Parou com o pensamento, os olhos arregalados. — Que ele não quisesse me preocupar e correr o risco de a missão dar errado.
— E por que isso aconteceria? — Questionou Melina. — Você é a mulher mais competente que conheço, nunca deixou os sentimentos atrapalharem em campo.
A visão da mulher embaçou e precisou respirar fundo para ser capaz de responder.
— Obrigada, Lina. Fico muito feliz que você me veja dessa forma. — Sorriu.
— Por que o Chefe esconderia isso de você? — Macarena perguntou pensativa, os braços cruzados, o corpo relaxado na cadeira.
Ela respirou fundo, inclinou-se em direção à mesa e apoiou as mãos.
— No meu primeiro ano em campo, nós recebemos o primeiro código vermelho e a missão era prender o irmão caçula de Francesco Tommaso. — Mordeu o lábio inferior tensa, as memórias frias em sua lembrança. — O cerco que o meu chefe montou deu errado, alguém vazou a informação e quase perdemos Edoardo Tommaso. Entramos em perseguição, a equipe se separou e eu acabei frente a frente com o canalha. — Fez uma careta. — Ele tentou me subornar para escapar, me mantive firme. Começou a atirar e disse que só iria morto, infelizmente, foi o que aconteceu… — Deu de ombros, agora andando de um lado a outro. — Foi a primeira pessoa que matei em missão. — Finalizou com um olhar dolorido.
— Tá, mas por que isso poderia te atrapalhar? — Benja insistiu. — Você tinha que prender o cara, mas ele acabou morto. Não vejo…
Ela o interrompeu.
— Francesco quis procurar o culpado e descobriu. — Fez uma careta de desgosto. — Fui obrigada a me esconder do desgraçado por um ano inteiro enquanto o Chefe iniciou a caça a ele. — Suspirou e massageou as têmporas, uma fisgada começando a surgir pela tensão de relembrar o assunto. — Ele não foi preso, capangas foram mortos, ele sumiu do mapa e um tempo depois fui liberada para voltar. O Chefe me deu a opção de mudar para outra filial, mas eu não aceitaria me esconder do canalha mais uma vez. Não mesmo. — Frisou com raiva em sua voz.
Mais uma vez, o ambiente foi preenchido por um silêncio altamente desconfortável. Os presentes ali sabiam que, por mais competente que fosse, às vezes as coisas saíam do controle e faziam as missões falharem. Totalmente raro em se tratando deles, porém normal. Ao escolherem aquela profissão, cada um ali sabia que poderiam ir para uma tarefa e não voltar de lá. No entanto, nunca passou-lhes pela cabeça que corria perigo de vida daquela forma.
Conhecendo a chefe, Macarena sabia que ela não iria expor nada muito além dos detalhes já revelados, então escolheu romper a mudez e dispersar a atenção de todos para o que realmente importava naquele momento: a missão para capturar o braço direito de Francesco.
— Presumo que você não tem nenhuma informação adicional, não é, chefinha? — Questionou no tom de voz mais suave que conseguiu. Todos observaram deixar os ombros caírem e bufar em decepção, em uma resposta negativa e com alto teor de frustração. — Certo. Você tem algum detalhe adicional, Príncipe? Ou só serve para atrapalhar mesmo?
— Macarena! — A chefe ralhou e a subordinada levou uma cotovelada leve de Melina.
— Desculpe, querido colega hacker. Eu fico sem filtro quando estou tensa.
— Você não tem filtro algum, Maca. — Benja disparou, fazendo todos rirem baixinho.
— Tudo bem, querido colega. — O Príncipe respondeu com sarcasmo. — Se eu levasse tudo para o pessoal já estaria morto.
— Bem, como se não fosse pela nossa chefinha. — Macarena retrucou.
— MACARENA! — advertiu em tom de voz mais alto e escutou alguns pedidos de desculpas vindo da agente.
— Então… — O Príncipe voltou a falar. — No tempo em que passei sequestrado, eu nunca cheguei a ver o tal do Francesco Tommaso. Só ouvia os capangas falando dele para lá e para cá. Tive a impressão de que eles não tomavam nenhuma ação sem consultá-lo antes, pois as ligações eram bem constantes.
acenou com a cabeça, em um leve sinal de agradecimento.
— Certo, então tudo o que sabemos até o momento está nesses arquivos. Mergulhem neles e amanhã nos reunimos para juntar as informações e começaremos a montar as estratégias para pegar esse italiano maldito. Se precisarem de mim, estarei na minha sala. — Declarou e virou as costas ao ver todos assentirem, deixando o cômodo.
~XXX~
Sentada no banquinho no corredor que levava aos vestiários, estava com a cabeça fervilhando. Já era perto da meia-noite quando ela dispensou a equipe, pedindo que no outro dia eles chegassem um pouco mais cedo - pedido feito apenas em situações extremas como um código vermelho daqueles. A “raiva” de ter descoberto o alvo da missão já havia se dissipado, mas havia plantado uma dúvida cruel em sua mente.
— Uma moeda por seus pensamentos. — Por mais preparada que fosse para estar sempre em alerta, ela realmente não esperava encontrar mais ninguém de seu time ali naquele horário, então não conseguiu evitar o grito baixo que escapou de sua garganta.
— Me dê uma moeda e eu te conto que quero te bater pelo susto. — Respondeu com o humor ácido de sempre.
— Desculpe, não foi a intenção. Não sabia que estaria aqui…
— Você desobedeceu a minha ordem de dispensa? — Ergueu apenas uma das sobrancelhas, encarando o homem.
— Tecnicamente não foi uma ordem e sim uma instrução. — Devolveu debochado. — Estou aprendendo muito com essa equipe..
— Será que devo me sentir culpada por corromper mais uma alma boa? Ah, que se dane… O estrago já está feito. — Deu de ombros enquanto o Hacker ria de seu exagero e discordava.
— Até parece! Você está nessa posição para defender as pessoas, e você se importa mais com aqueles que estão do seu lado do que consigo mesma. Ou, como a Macarena mesmo disse, se não fosse você, eu estaria morto. Eu e tantos outros...
— Obrigada por me lembrar que eu preciso ter uma conversinha com ela. — Sorriu divertida. — Mas… Obrigada também pelas palavras.
— Não há o que agradecer, é apenas a verdade. Tem essa fachada de durona, mas lá no fundo, bem, bem, bem lá no fundo, sabemos que você também tem sentimentos.
A expressão de ultraje que ela fez causou uma gargalhada em volume indevido no outro, fazendo dar-lhe um fraco tapa nos ombros como pedido de silêncio.
— Mas então… No que você estava pensando?
— Boa tentativa, Hacker.
— Você é ótima em esconder seus sentimentos, eu odiaria jogar pôquer contra você. — Ele admitiu risonho. — Mas você não parecia muito bem minutos atrás quando te encontrei.
— São coisas minhas, pode deixar que eu me viro.
— Finge que no momento eu sou apenas um príncipe tentando ajudar uma.... Conhecida. — A última palavra foi em um tom mais baixo que o restante da frase, já que ele estava indeciso sobre qual pronome usar. Optou por aquele que lhe traria menos desconforto.
— Existem certas coisas que eu não posso simplesmente sair desabafando por aí. — Olhou séria para ele.
Ela sempre foi muito boa em manter as coisas para si, mas naquele dia se sentia sufocada tamanha era sua dúvida e sua indecisão diante da situação em que se encontrava. O Príncipe tinha o poder de deixar o ambiente à sua volta mais leve, razão pela qual ela havia se aberto com ele algumas vezes durante o período no hospital em que as visitas dele eram praticamente diárias, tamanha era a culpa que sentia por ter colocado a chefe naquela situação.
— Achei que já havíamos passado da fase da desconfiança. Tudo bem que eu não sei correr, mas eu sou confiável.
sorriu sem mostrar os dentes. Suspirou frustrada e então começou.
— A questão é que eu fiquei realmente surpresa com essa situação da missão com os Tommaso. Não temo minha vida, não tanto quanto antes pelo menos. O que me pegou mesmo foi o Chefe ter escondido isso de mim o tempo todo! Eu juro que, na hora em que eu li o nome do desgraçado no arquivo, eu queria abrir a porta da sala do Chefe com uma voadora… Só que agora mais calma eu tenho medo de questioná-lo e ele achar que eu não sei separar as coisas. Eu morreria sem esse código vermelho.
— Você pode morrer por ele, não por ficar sem ele, né? — A agente lhe lançou um olhar mortal e o homem entendeu que não era hora de brincar com a lógica. — Enfim, se o Chefe sabia de todo o histórico e ainda assim te designou para essa missão, é porque ele confia que você sabe separar as coisas e que vai dar conta. Talvez ele não tenha te contado antes para não prejudicar sua recuperação.
A mulher escutou tudo aquilo calada. Era incrível como aquilo era óbvio, mas ela precisou de ouvir alguém de fora para que tudo se encaixasse.
— Muito obrigada por isso. — Declarou após alguns minutos em silêncio. — Já tomei a minha decisão. — Sorriu para ele, fazendo um joinha com as mãos.
— Sempre feliz em ajudar.
— Agora vamos dormir que precisamos estar em perfeito estado para amanhã. E isso é uma ordem direta. — Forjou uma feição brava, mas acabou sorrindo ao ouvir ele rir e lhe desejar boa noite.
~XXX~
tomou mais um gole da sua xícara, observou as fotos e leu os relatórios na pasta, a mente tentando criar um plano. Não tinha outro jeito, teriam que se disfarçar novamente para fazer a emboscada, o problema é que dessa vez a equipe teria que ficar espalhada. A informação é que teriam que efetuar a prisão durante um evento beneficente e a única ideia era dois deles assumirem o posto de convidado, garçons, um motorista para fuga e o restante ficaria do lado externo para cobrir a área.
As pontadas costumeiras atingiram sua cabeça e ela massageou as têmporas com os dedos, fechando os olhos e deixando um suspiro cansado se desprender. Dormiu pouco à noite, pois as horas de sono foram preenchidas pelo pesadelo em que Francesco Tommaso conseguia pegá-la e torturava-a. Acordou suada, o coração acelerado e se irritou por se permitir estar numa situação daquelas, desistiu de dormir e resolveu chegar mais cedo no trabalho.
— Não foi para casa, ? — A voz repentina do Chefe assustou-a. Abriu os olhos e encarou o homem que parecia muito cansado, as feições duras.
— Resolvi chegar mais cedo para organizar minhas ideias e estar preparada quando o restante da equipe chegar. — Mentiu.
O silêncio recaiu sobre ambos. A raiva e indignação do dia anterior estava adormecida em algum lugar dentro de si, a racionalidade estava no comando naquele momento e agradeceu por isso. De alguma forma, ela sabia que se demonstrasse qualquer indício de que estava abalada, o Chefe iria cortá-la da missão e a última coisa que queria era esperar dentro daquele prédio enquanto sua equipe arriscava o pescoço. Só ela e somente ela poderia prender Matilde Grecco e quem mais estivesse sob as asas de Francesco Tommaso até que fosse possível alcançá-lo. Fechou as mãos em punho por baixo da mesa, apertou com força os lábios para manter a boca fechada, reuniu o máximo de autocontrole para não questionar o homem. Lutou cada segundo para permanecer o mais neutra possível, mas a tensão no seu corpo era tão grande que os ombros começaram a doer.
O homem, finalmente, resolveu falar.
— Está certa de que pode revirar essa bagunça? — Perguntou num tom suave, mas a suavidade não enganava totalmente, pois o olhar era atento feito uma águia.
A boca dela abriu um pouco, mas controlou-se para esconder a surpresa e esforçou-se para sorrir debochadamente.
— Sou ótima com faxinas.
Avaliou-a seriamente, a mão presa a maçaneta da porta aberta, o corpo inclinado para dentro da sala.
Ela enfrentou a análise com valentia, não ousou desviar ou revelar qualquer emoção.
— Confio em você. — Acenou com a cabeça e abandonou o batente da porta, começou a fechá-la, mas antes acrescentou: — Você é quem deve limpá-la. — E saiu.
A agente soltou o ar dos pulmões com força e as mãos que antes estavam escondidas embaixo da mesa, voaram para a madeira, socando-a.
— Ah, eu vou! Mesmo que seja a última coisa que eu faça. — Repetiu para si mesma com determinação.
tinha certeza de que se pudesse ver a sua imagem naquele momento, teria chamas vazando por seus ouvidos e olhos por tamanha raiva que despertava dentro de si, principalmente ao pensar no ano miserável que viveu para se esconder de Francesco Tommaso. As respostas do Chefe teriam que ficar para mais tarde, depois que retornasse com Matilde Grecco.
~XXX~
— Qual é, chefa! — Macarena reclamou, o rosto coberto de indignação. — Para que tanto rancor? Foi apenas uma brincadeira boba! — Cruzou os braços, o corpo jogado em sua cadeira.
O restante da equipe encarou-as em confusão.
— Você sabe muito bem que não tolero esse tipo de brincadeira. — Deu de ombros. — Avisei que sua punição seria ficar de motorista na próxima missão, a culpa não é minha se ela chegou mais cedo do que esperávamos ou que seria um código vermelho. — Sorriu divertida. — Azar o seu. — Repensou a frase em dúvida e acrescentou ao pensar em Francesco Tommaso.: — Quer dizer, o meu também.
O outra bufou indignada e manteve a cara emburrada.
A agente decidiu que poderia continuar:
— Melina, você deu reforço na última missão e, por isso, pode ficar como convidada e…
A mulher interrompeu, a expressão séria.
— Chefa, você deve ficar com esse disfarce…
— Mas…
A outra ergueu a mão num gesto para que a escutasse.
— Você foi vítima de Francesco Tommaso. Você é quem tem que buscar a justiça nessa situação, o direito é todo seu e saiba que pode contar comigo como apoio. — Virou-se para Macarena com um sorriso brincalhão. — Não me importo de ficar de babá dessa idiota.
Maca revirou os olhos.
— Obrigada. — A agente sorriu com gratidão. Mirou o restante dos integrantes. — Meninos, vou deixá-los decidir, quem deve me acompanhar.
Ela viu os rostos de Iwar, Kennie, Benja, Kasper e o Hacker, todos pensativos.
— Chefa, talvez, seja melhor o nosso parceiro hacker ser o seu par. — Sugeriu Kennie.
Os olhos da mulher ficaram esbugalhados de surpresa.
— Não é uma boa ideia. — O hacker apressou-se em falar, o rosto sério e que rapidamente demonstrou preocupação, mas escondeu-a em seguida. — A última vez que fui para campo quase matei-a.
Ela abriu e fechou a boca várias vezes, respirou fundo e suspirou cansada. Massageou as têmporas.
— Faz sentido a ideia do Kennie, pois você ficou preso com eles e pode reconhecer caso tenha mais capangas na festa. — Benja falava calmamente.
A agente abriu os olhos e voltou a atenção, o arrependimento começando a apertar o seu peito.
— Odeio concordar com essa ideia, mas Kennie e Benja estão certos. Você pode reconhecê-los e isso pode livrar a nossa bunda de alguma forma. — Deu de ombros, conformada, mas tornou-se ameaçadora. — Mas se eu parar numa cama de hospital novamente… — Os olhos fuzilaram com ameaça. — Eu mato você!
Ficou sem graça ao ver o rapaz segurar o riso enquanto fitava-a. Ajeitou o terninho que vestia, ocupando novamente sua cadeira.
— Então, Kennie e Benja darão apoio externo com Melina. Iwar e Kasper vão ser garçons. — Concluiu ao anotar na folha a sua frente, tampou a caneta e sorriu com falsa animação. — O hacker e eu vamos entrar disfarçados, localizar o alvo, prendê-la discretamente e sair. Todos temos que passar despercebidos, pois se alguém nos notar, vai soar todos os alarmes e Tommaso vai sacar que estamos envolvidos no sumiço do seu braço direito. — Mirou-os seriamente. — O nosso objetivo é prender Matilde Grecco de forma discreta, mas se sair do controle, teremos que fazer tudo que pudermos para trazê-la conosco.
Sentiu-se satisfeita ao ver cada face, a compreensão e seriedade nelas. Era muito grata e sortuda pela equipe que tinha ao seu lado. Tudo iria dar certo, ela torcia para que sim.
~XXX~
— Precisa de ajuda? — foi surpreendida pelo hacker. Estava com dificuldades de conseguir subir totalmente o zíper traseiro de seu longo vestido preto.
— Ah, sim. — Observou o homem dar alguns passos em sua direção, posicionando atrás de si. Com delicadeza, ele passou a puxar o fecho de correr e, sem querer, um dos dedos dele roçou na parte de pele descoberta, fazendo a mulher sentir um repentino calor subir pelo seu corpo. — Obrigada. — Se por dentro ela estava em chamas, por fora ela era fria como uma geleira glacial.
— Chefe, com todo o respeito do mundo, você está muito bonita. — O sorriso que o hacker lhe direcionou fez com que desejasse socá-lo infinitas vezes. Queria odiá-lo, não achá-lo cada vez mais adorável. Era notável que não havia malícia ali, ele estava fazendo um elogio genuíno. Ela o mirou nos olhos e sorriu.
Segundos depois, o fitou de cima a baixo e soltou um comentário típico à la : — Obrigada. Até que você não está nada mal.
— Vindo de você esse é um super elogio, obrigado. — Ele devolveu o deboche.
— Está ficando com a língua afiada, hein? Melhor tomar cuidado.
Antes que ele pudesse responder, Macarena os encontrou.
— Nossa, chefe, você está linda! — Exclamou surpresa e depois passou fitar o hacker de cima a baixo, assim como a outra havia feito pouco tempo antes. — E você… É, até que não está tão mal.
e o hacker explodiram em risadas e a motorista da missão ficou sem entender muito.
— Ela é a sua cópia, você treinou direitinho. — Ele balançou a cabeça de um lado para o outro enquanto ria. — Assim como disse para a chefe, repito que vindo de você é um elogio, então obrigado, querida colega.
— Não comecem. Nós temos um código vermelho para resolver. Vamos?
O caminho até o local da missão foi como de costume: concentração total para repassar todos os detalhes do plano e a testagem final dos aparelhos. Como se tratava de um evento social, eles pararam a van preta algumas quadras antes do ponto final, para que e o hacker pudessem entrar em um carro convencional que os levaria até lá sem levantar suspeitas. Os demais seguiram na van, que para aquela ocasião estava adesivada com a propaganda de uma empresa de fachada do governo.
— Então, sobre o que é mesmo esse evento? — O hacker questionou baixinho enquanto eles caminhavam até a entrada da mansão. — Calma, chefinha, eu me dediquei muito a leitura dos arquivos e do plano, foi só para quebrar o gelo mesmo. A feição dura dela se suavizou um pouco, mas não o suficiente para adoçar a resposta que saiu de seus lábios.
— Se continuar de gracinha, eu vou quebrar você. — Ela respondeu baixinho e como se não fosse nada. Ao longo do caminho, a mulher ia cumprimentando outros convidados. Eles precisavam se misturar aos demais da forma mais rápida e convincente possível. — Vamos circular.
A mansão em questão ficava em uma chácara quase na saída da capital de Kimartin e, pela pesquisa, deles pertencia a Maxim Dobraviesk, um dos maiores clientes da família Tommaso. Havia a casa principal onde eles estavam e mais aos fundos havia uma espécie de chalé, além da piscina e de um enorme quiosque. Mais afastada da casa principal, havia um estábulo e um outro galpão. abaixou o corpo, fingindo prender a tira de sua sandália de salto, enquanto acionava o ponto digital para se comunicar com seu time.
— Equipe C, fiquem de olho nos fundos da propriedade. Pode ser que estejam utilizando a mansão como disfarce e algo pode acontecer na parte onde eles acham que não tem ninguém olhando. — Recebeu um OK de sua equipe e voltou a erguer o corpo, sempre fingindo muita normalidade.
— Espumante? — Sorriu discretamente ao observar Kasper lhe oferecer uma taça borbulhante.
— Ah, bem que eu queria! Mas estou impedida durante alguns meses. — Abrindo um enorme sorriso, ela alisou uma barriga inexistente e o homem entendeu o recado.
— Meus parabéns, senhora! E o senhor, aceita? — Direcionou seu questionamento para o hacker, que decidiu entrar ainda mais no personagem.
— Adoraria, mas estou dando apoio à minha esposa. — Acariciou os ombros de , que se tornaram tensos por ter o colega lhe tocando a pele mais uma vez. Que diabos de história ela havia acabado de criar para ambos? E por que seu corpo estava reagindo daquela maneira ao mais sutil dos toques? Aquilo nem era intencional! Ela precisava achar uma maneira de parar de reagir a todas aquelas sensações.
— Quem sabe uma água com gás? — A voz do hacker preencheu novamente seus ouvidos, trazendo-a de volta à realidade. Dessa vez o sorriso foi contido ao entender o que ele pretendia: daquela forma eles não chamariam a atenção por estarem com as mãos vazias e nem colocariam em risco a missão ao ingerirem álcool.
— Claro, já irei providenciar, senhores. — Kasper foi até o bar e voltou pouco tempo depois com as águas.
— Tudo certo?
— Por enquanto sim. Se precisarmos, iremos lhe chamar. — Kasper assentiu e saiu para oferecer mais espumantes para os outros convidados.
— Grávida? — Sussurrou próximo ao ouvido da mulher. — Isso não estava no script.
— Acho que foi a frustração por não poder beber de graça e ainda ter que te aguentar que fez minha cabeça e minha língua ter esse surto. — Embora tentasse não perder a pose, o tom de voz denunciava que ela estava envergonhada. O homem percebeu aquilo e achou adorável, enlaçando a cintura da mulher com um dos braços. Eles tinham que fingir ser esposo e esposa, afinal de contas. Ignorou a parte do comentário em que ela praticamente o insultou e continuou.
— E você quer que seja um menino ou uma menina?
colocou a mão livre em cima da mão dele em seu corpo.
— Príncipe, — quem quer que os escutasse ia achar que aquele era um apelido carinhoso entre os amantes — se você não parar, eu juro que o seu amiguinho não vai sobreviver para poder contar a história.
— Entendido. — Ele disse com os olhos esbugalhados. — Mas ainda precisamos ser convincentes… — Apertou os dedos na carne da mulher, dando a entender o que ele queria dizer com aquele comentário. nada disse, apenas assentiu com a cabeça.
Eles de fato precisavam parecer um casal, pois esse foi o combinado quando seus nomes falsos foram colocados na lista de convidados. O problema é que algo no corpo da mulher queria transformar aquele disfarce em realidade e aquilo era errado de tantas formas que ela nem sabia por onde começar a enumerar. Além disso, era altamente perigoso. Enquanto fingia analisar um dos objetos expostos, sua mente voou até o motivo deles estarem ali e a concentração voltou como um raio. Queria sentir raiva também, mas sabia que, se deixasse mais emoções transbordarem, a missão corria todos os riscos de dar errado.
Aquele não era um leilão como os tradicionais, era na verdade um leilão-coquetel para arrecadar fundos para uma instituição de caridade. Enquanto bebiam e serviam-se de snacks, os participantes iam dando lances escritos em objetos espalhados pela gigantesca sala da casa.
Depois de rodearem boa parte do salão, eles viram Matilde acompanhada de seus seguranças. Ela cochichou algo para os homens e virou-se por um corredor pouco movimentado. deu um leve aperto no braço do hacker e fez um discreto sinal de cabeça na direção que a mulher havia sumido. Seguiram até o local fazendo o mínimo de barulho possível, mas quando fizeram a curva para dobrar a direita, acabaram quase chocando-se contra uma parede de brutamontes.
— Esse local é restrito, solicito que voltem ao salão. — Um deles se pronunciou. Seu tom de voz era firme, mas não extremamente grosso como eles estavam acostumados. Provavelmente foram instruídos para que as grosserias não atrapalhassem as doações.
— Oh, nos desculpe... — A agente fingiu estar envergonhada.
— Pensamos que acharíamos um quarto por aqui. — Confidenciou o hacker lançando um sorriso sacana em direção aos homens que encaravam os dois sem emoção alguma.
— Querido! — Ralhou ela. — Nos desculpem. — Enlaçou a mão com o colega e passou a caminhar de volta ao aposento anterior. Antes de chegarem, ela parou para resmungar da tentativa frustrada e, também, para ativar o seu ponto e atualizar os demais membros da equipe sobre a movimentação de Matilde.
De volta ao salão, ficaram circulando por mais alguns minutos até a voz de Iwar se propagar em seus pontos.
— Pediram para levar algumas bebidas para o chalé. Eu e Kasper estamos indo lá agora.
— Certo. Aguardamos. — foi breve. Sua intuição estava aflorando, algo lhe dizia que as coisas começariam a ficar agitadas a partir dali. Passou a bater o salto no chão, em um claro sinal de impaciência e ansiedade.
— Ugh. Eu realmente queria poder beber agora. — Resmungou.
— Mas você está grávida, não pode. — O homem retrucou rindo.
— Também queria enfiar esse salto na sua cabeça.
— Estar aqui certamente não é meu programa favorito, mas eu duvido que seja para tanto. — Fez um beicinho e a mulher realmente teve vontade de grudar sua boca na dele. Aquilo certamente a relaxaria momentaneamente, mas poderia lhe custar a carreira ou até mesmo a vida. — A parte de estarmos aqui, eu infelizmente não posso resolver, mas podemos beber depois. — Ele sugeriu, dando de ombros.
abriu a boca, mas não conseguiu emitir nenhum som. Passou a língua sobre os lábios a fim de umedecê-los e percebeu que o gesto foi seguido pelos olhos atentos do hacker.
O ambiente de tensão sexual que estava sendo construído ali foi interrompido pela voz de Iwar em seus ouvidos.
— Ouvimos um dos seguranças falando que o alvo vai para o chalé em alguns minutos. Ela estará junto de um amante, parece. A rádio peão aqui é agitada. — Ele era sempre divertido, até mesmo quando o assunto era extremamente sério. Isso não diminuía sua competência, no entanto.
— Certo, eu e o príncipe vamos agir. Fiquem próximos, quando dermos o comando, vocês partem para lá também.
— Hora de fingir sermos o casal apaixonado novamente. — Ela se aproximou do homem, que abraçou-a de lado pela cintura e eles passaram a caminhar para a parte externa da mansão.
— Melina, estamos aqui fora na saída leste, precisamos que você distraia o segurança para que possamos passar.
— Chego em alguns segundos.
E, de fato, ela cumpriu o que havia lhes dito. Em instantes ela surgiu vestida socialmente, fingindo estar bêbada para despertar a atenção do grandalhão que impedia que os outros dois passassem despercebidos. De propósito, ela fingiu cair e a fenda em seu vestido fez o segurança acabar se abaixando para ajudá-la, brecha que não foi desperdiçada pelos outros dois agentes.
Ainda abraçados, eles foram caminhando rapidamente até o chalé.
— Qual é o plano?
— A primeira parte é entrar. — Apontou para a porta. — Vamos ver se vai ser pelo método tradicional ou se vai ser pelo método difícil. — Posicionou a mão na maçaneta, silenciosamente torcendo para que a porta abrisse. E foi exatamente o que aconteceu. — Vacilões. — Olharam para os lados e não viram movimentação nenhuma, então adentraram o local. Foram surpreendidos por um ambiente requintado, porém ao mesmo tempo aconchegante, ao contrário do que acontecia na casa principal em que tudo parecia intimidador de tão caro. O sofá parecia ser tão confortável quanto sua cama e ela sentiu muita vontade de jogar seu corpo ali, afinal, saltos altos não eram seus calçados favoritos.
— Entramos. — Anunciou para os colegas.
— E qual a segunda parte?
o encarou com o semblante sem expressão alguma. Após alguns segundos em silêncio, ela suspirou fundo e acionou o ponto para que todos lhe escutassem.
— Agora vamos continuar a fazer o que estamos fazendo desde agora: fingimos ser um casal. Quando Matilde e seu amante chegarem aqui, eles irão pensar que invadimos para namorar e é nessa parte que o reforço externo entra para nos dar apoio.
O hacker colocou as mãos nos bolsos da calça social, encarando a chefe.
— Certo.
Ele foi monossilábico, pois, ao encará-la, sua mente viajou para um lugar que ele vinha tentando bloquear há muito tempo. Em sua visão, a chefe era uma mulher belíssima e não apenas em sua forma física, mas naquele dia era quase impossível desviar o olhar de sua imagem. O vestido, o salto, o batom marcando os lábios e toda a aura de poder que ela exalava estavam fazendo com que ele quase se perdesse no personagem. Tocar-lhe as mãos e a cintura não estava sendo o suficiente, ele queria que o fingimento pudesse ser extremamente real. Desejava poder beijá-la como queria e como havia imaginado tantas vezes.
Por sorte, seu devaneio foi interrompido pela voz de Kasper.
— Alvo indo em direção ao chalé. Está sozinha, sem amante e sem seguranças.
Os agentes se posicionaram no canto mais escuro do cômodo em frente a porta de entrada, sacaram suas armas e aguardaram em silêncio. O barulho do salto ecoou na varanda, o hacker puxou um pano do bolso, armas foram engatilhadas e apontadas para a porta. Logo, o som parou, a maçaneta girou e a luz de fora iluminou um pouco do pequeno hall, mas não atingiu os agentes que continuavam sem dar um passo. Matilde parecia muito relaxada, completamente alheia ao fato de que estava acompanhada enquanto perambulava pelo local. Permaneceram no lugar até que ela passasse por eles, assim que deu as costas, o hacker foi o primeiro a se lançar sobre ela e cobrir sua boca com o pano para abafar os sons.
— Sinto te informar, mas a comemoração do Dia dos Namorados foi cancelada, Matilde. — saiu das sombras, a arma em punho, apertou os olhos tentando enxergar o rosto da prisioneira, mas a pouca iluminação que entrava pela janela não ajudava muito. Ouviu murmúrios abafados, movimentação e um xingamento baixinho. Claramente, Grecco estava dando trabalho para o príncipe.
— O encontro amoroso foi cancelado. — A agente avisou no ponto, alertando a equipe que deveriam se mover para a próxima etapa do plano. — Estaremos posicionados na parte traseira do chalé, fiquem a postos.
Recebeu afirmações e status em resposta.
— Não podemos demorar ou o amante pode aparecer. — O hacker comentou enquanto segurava-a com mais força, a mão se mantendo firme na boca. Matilde se remexia com o máximo de força, tentando se livrar do aperto. Ela tentou aplicar chutes e cotoveladas no agente, mas aproximou-se e algemou-a com as mãos para trás.
Tatearam às escuras através dos cômodos, os ouvidos atentos a qualquer som que não fossem os passos deles, os gemidos enfurecidos da prisioneira e as respirações dos agentes. A chefe seguiu na frente quando entraram na cozinha e adiantou-se em busca da porta que levava à varanda traseira. Tocou a madeira cegamente, a arma em uma mão e com a outra, buscou pelo trinco. Abriu a porta de correr com cuidado, bem devagar para evitar qualquer barulho que revelasse a presença deles no chalé e adiantou-se para a pequena varanda que ficava em frente ao muro alto de heras. Empunhou a arma com agilidade, posicionou-se num canto escuro atrás de uma cadeira de balanço e aguardou, os olhos apertados pela pouca iluminação.
— Derrubamos o segurança, um minuto de distância. — Melina avisou no ponto.
— Ok.
A mão gelada segurava firmemente o cabo da arma, o coração batia acelerado bombeando a adrenalina através de suas veias. Respirou o mais lenta e profundamente possível para acalmar os ânimos. Não podiam falhar naquela missão ou todos estariam em risco gravíssimo, afinal era um código vermelho.
— 30 segundos. — Sussurrou Kennie.
apurou os ouvidos e começou a ouvir passos abafados pela grama, mirou na direção e aguardou.
— Somos nós. — Melina anunciou baixinho no ponto.
Afrouxou o aperto na arma enquanto aguardava a aparição do reforço, que logo apareceu composto por Melina - ainda vestida socialmente -, Kennie e Benja - trajando roupas pretas além de toucas que cobriam o rosto.
— Chegamos. Cinco minutos. — Melina tocou o ponto na orelha, avisou o tempo estimado para a chegada até a van.
— Vou cobrir a retaguarda. — Kennie informou e retornou pelo caminho de onde vieram.
— Príncipe. — aproximou-se da porta da cozinha e chamou-o num sussurro.
Ouviu passos, o homem surgiu com a prisioneira que se lutava bravamente para escapar dos braços dele.
— Vocês, Kasper e Iwar vão ter que ficar na festa. Os seguranças viram vocês e isso pode levantar suspeitas. — Benja comentou ao se aproximar da mulher que gemeu com mais determinação ao ver o agente, ele tomou-a das mãos do hacker e prendeu-a firmemente pelos braços. Encostou a boca no ouvido dela e sussurrou ameaçadoramente: — Qualquer gracinha e você morre.
O príncipe não precisou alertá-lo sobre o fato de que Matilde estava muito resistente, o colega sabiamente entregou sua arma para Melina e ficou livre para usar ambas as mãos para garantir que não houvesse fugas.
abriu a boca para soltar um comentário rabugento, mas não houve a menor chance de falar, pois Kennie sussurrou com urgência, interrompendo-a.
— O amante está se aproximando. — Alertou.
Nisso, como se fosse um alerta para a prisioneira, ela começou a se debater com força, derrubou uma cadeira que caiu com estrondo. Vários xingamentos foram sussurrados em meio aos gemidos de protesto da mulher.
— Matilde? — Uma voz masculina ecoou pelos cômodos.
A mulher lutou para fazer ainda mais barulho.
— Vão! Agora! — A agente ordenou irritada. Agarrou o braço do hacker e puxou-o o mais silenciosamente possível de volta para a cozinha. Se quer aguardou que a equipe partisse, simplesmente entrou para apagar a chance de suspeitas e atrasar o alerta do amante, quando se desse conta de que a amada não estava mais ali.
— Vem. — sussurrou, fechando a porta da varanda e forçou um risinho. Virou-se para o príncipe, ambos guardaram as armas e ela tateou em busca da bancada da cozinha. Encostou a cintura no móvel, levou as mãos ao cabelo e bagunçou-o com vontade.
— Matilde? — Novamente, o homem insistiu, agora acendendo luzes e caminhando decidido.
A agente não precisou dizer qual era o plano para o colega, ambos tinham consciência de que em algum momento teriam que recorrer a aquela possibilidade. Logo, o hacker colou o corpo à frente dela, sua mão quente subiu até a nuca dela e agarrou os cabelos ali. Ambos os corações bateram com força naquele instante, adrenalina pulsante e, também, pelo vislumbre do que aconteceria em poucos segundos. O ar pareceu esquentar, as mãos da mulher prenderam-se à frente da camisa social dele, puxando-o, o contato, reduzindo de vez qualquer chance de distância entre os corpos.
Como ainda estavam no escuro, ambos não conseguiam enxergar as expressões um do outro, o que tornava a situação mais fácil. Coincidência ou não, as bocas uniram-se num beijo sedento no momento exato que os passos se tornaram realmente mais próximos e, em seguida, as luzes se acenderam, entretanto, os agentes não se importaram, se quer estavam alertas para as condições do flagrante.
Poderiam estar prestes a serem pegos, levados pela suspeita do sumiço de Matilde Grecco, porém as mentes se quer raciocinavam, o desejo, o tato, o paladar, olfato mergulhados nas sensações que dominavam os seus corpos. Um calor diferente de tudo que a agente já sentiu, parecia se alastrar centímetro após centímetro de sua pele, o ar faltando em seus pulmões pela rebeldia dela em não interromper aquele momento para buscar algo tão essencial. Na verdade, o beijo que compartilhavam pareceu muito mais essencial para a sua sobrevivência como nunca imaginou que fosse na vida.
— O que estão fazendo aqui? — A voz masculina perguntou mal-humorada.
não queria se afastar, mas cedeu. Atordoada, abriu os olhos com dificuldade, soltou uma das mãos da camisa do hacker e até mesmo, evitou encará-lo diretamente com medo do que encontraria em seu rosto. Sorriu de forma irônica e encarou o homem muito atraente que aparentava ser muito mais novo que a Grecco.
— Acredito que uma imagem fala mais que mil palavras, né?
O hacker vendo a expressão dura do homem, lutou para organizar os pensamentos, libertou o corpo da agente de seus braços com muita dificuldade. Forçou um sorriso envergonhado e encarou-o.
— Desculpe a minha esposa, senhor...? — Incitou-o a se identificar com um questionamento implícito em suas desculpas.
O homem revirou os olhos, cruzou os braços e apoiou-se no batente da porta.
— Romano. — Respondeu de mau grado.
— Ah sim, senhor Romano. — Sorriu simpático, em seguida forçou uma expressão sem graça novamente. Lançou um dos braços pela cintura de que observava ambos com o rosto fechado, o olhar atento ao cara. E a outra mão repousou na barriga da mulher. — A minha esposa está grávida, os hormônios à flor da pele e sabe como é… Não precisa insistir muito para nos convencer, né? — Deu uma risadinha.
Romano não demonstrou qualquer emoção, a sua atenção recaiu totalmente sobre as feições da colega, o que preocupou o agente. Se ele fosse envolvido nos negócios de Matilde, ele poderia saber sobre e não podiam correr esse risco.
Mais uma vez naquela noite, a agente abriu a boca para soltar uma direta, entretanto, foi interrompida pelo segurança que negou a passagem deles, mais cedo, para o chalé.
— Achou ela? — Perguntou temeroso ao aparecer na entrada do cômodo e encarar Romano, em seguida, pareceu notar que o homem não estava sozinho e olhou para a cozinha, encontrando-os. Assim que sua atenção os atingiu, abriu um sorriso entediado. — O casal assanhado? Esses dois perambulavam a noite toda procurando um canto escuro. — Revirou os olhos.
— E pelo visto mais uma vez, o senhor veio nos interromper. — soltou mal-humorada. Passou as mãos pelo cabelo tentando arrumá-los, mas sabia que era caso perdido. Virou-se para o hacker, tentou lançar um olhar significativo e pegou a mão dele. — Bom, é melhor irmos ou vou fazer xixi aqui. — Apressou-se em seguir até a saída, mas o segurança e o homem bloquearam a passagem.
— Vocês viram Matilde Grecco por aqui? — Romano perguntou a um passo de distância, olhou-a com intensidade.
— Não tinha ninguém aqui. — O hacker falou, forçando uma expressão de confusão.
Ambos os homens analisaram o casal por um minuto inteiro em silêncio, poderia ter sido uma tentativa de intimidá-los ou realmente estavam desconfiados.
apertou levemente a mão do colega.
— Estou muito apertada! — Mentiu. Largou a mão do colega, mexeu-se, enfiou as mãos entre os corpos que bloqueavam o caminho e usou toda sua força para afastá-los. Quando se afastou dois passos, a presença do hacker seguiu-a de perto.
— Primeira porta à direita. — Ouviu Romano anunciar.
— Obrigada! — Soltou num tom mais alto. Seguiu as coordenadas, avistou a maçaneta e abriu-a com desespero, claro que não para usar o banheiro e, sim, para abrir distância entre ela e os homens. Antes de fechar a porta na cara do colega, lançou mais um olhar em sua direção e bateu-a.
Cobriu o rosto com as mãos, depois moveu-as para o topo da cabeça e respirou fundo para acalmar a adrenalina.
— Conseguimos, Chefa. Boa sorte. — Melina anunciou repentinamente, assustando a agente que abriu a tampa do vaso sanitário, esforçando-se para fazer barulho na encenação.
— Tudo sob controle. — Sussurrou em resposta.
Lá fora, ouviu as vozes masculinas conversarem sobre o paradeiro de Matilde.
fechou a tampa, apertou o botão de descarga e seguiu até a pia de mármore. Encarou o reflexo no espelho, abriu a torneira e molhou as mãos. Os cabelos estavam revoltos, o batom todo borrado, entretanto, o seu rosto parecia diferente, mais vivo e foi inevitável não pensar no motivo. Desde as visitas recorrentes do hacker no hospital, a relação deles foi sofrendo uma evolução até mesmo, a própria opinião sobre o homem foi mudada. Seria de boa, se a opinião fosse a única a mudar, entretanto, ela confirmou de vez que os sentimentos haviam sofrido uma metamorfose. foi da desconfiança à paixão num piscar de olhos e isso, era preocupante demais para o seu próprio bem.
~XXX~
— Você não vai tirar esse vestido? — O Hacker perguntou com a testa franzida enquanto arrancava a gravata borboleta do pescoço e abria o colarinho da camisa. Andava apressado ao lado da agente, iam pelo corredor que levaria a sala de interrogatório.
Após a apreensão de Matilde, ambos tiveram que se manter na festa por mais uma hora para não levantar suspeitas já que os seguranças da mulher, obviamente estavam à sua procura. Então, a equipe ficou encarregada de levá-la de volta ao prédio para interrogatório. A verdade é que não queria perder a sessão, pois temia que o Chefe a deixasse por fora das informações que fossem reveladas, além disso queria ter o prazer de encarar o nariz empinado da mulher e arrancar todos os segredos sobre Tommaso.
— Estou pronta para a ocasião, meu bem. — O tom sarcástico.
O príncipe revirou os olhos com o comentário da mulher, mas não conseguiu evitar o sorrisinho de divertimento que surgiu em seu rosto. Jamais admitiria para ela ou qualquer um de seus companheiros, mas ele adorava se surpreender com as tiradas dela que tinham a intenção de esconder os próprios sentimentos. Entretanto, apenas tornava as emoções dela mais claras do que nunca. Quando foi resgatado por ela das mãos dos mafiosos, o primeiro contato foi difícil e até achou-a metida, cheia de si, mas o tempo mostrou que a julgou totalmente errado.
era uma agente que se preocupava com o bem-estar de todos, até mesmo ele que acreditava ser objeto de desprezo dela, descobriu que a verdade era que se davam bem e que ser dura era apenas o jeito dela de disfarçar as suas vulnerabilidades. O tempo que passaram juntos no hospital, revelou muito sobre a personalidade da mulher/agente e mudou cem por cento a visão que tinha dela. O problema é que as coisas e os sentimentos dele estavam seguindo por um caminho perigoso e que poderia colocá-lo em maus lençóis. E, claro, não podia descartar a lembrança do beijo que compartilharam na cozinha do chalé numa tentativa de despistar as suspeitas do sumiço de Matilde. O que ele sentiu… Não precisava de uma análise apurada para entender o patamar em que se encontrava.
Assim que se aproximaram de uma porta cinza, a agente abriu-a sem hesitar e rostos surpresos encararam a ambos. Estavam de pé o Chefe, um outro homem, o oficial Rendt que era o braço direito dele. A sala consistia num pequeno corredor com metade superior à frente, consistindo numa transparência que permitia ver a sala que ficava do outro lado, mas que quem estava lá, não podia vê-los ou ouvi-los do outro lado.
— Cheguei para a festa. — soltou, inclusive atreveu-se a olhar o Hacker com um sorriso convencido que parecia significar um “eu disse” e depois, virou-se para os homens. — Estou pronta para o interrogatório.
O Chefe bufou, sacudiu a cabeça num gesto negativo, as feições duras.
— Eu disse que você deveria prendê-la, isso não inclui interrogá-la.
— Haha, só pode ser brincadeira! — Retrucou indignada, os braços cruzados na frente do corpo. — Eu não vou ficar aqui parada enquanto essa mulher sabe o paradeiro daquele rato!
— O Chefe tem razão, , e… — Rendt tentou tranquilizá-la, mas o olhar gelado que recebeu da mulher, calou-o.
— Não é justo, Chefe! Eu preciso fazer isso! O senhor me disse para ficar escondida, eu fiquei por um ano! Tem noção como eu me senti? E mesmo assim cumpri suas ordens! — O tom aumentou levemente.
Príncipe desviou a atenção da discussão e focou a atenção para o vidro da sua frente, a sala toda cinza tinha luzes fortes, uma mesa de metal com duas cadeiras feitas do mesmo material, cada uma posicionada de lados opostos. Localizou Matilde que ocupava a cadeira de frente para eles, a postura ereta, as mãos algemadas sob a mesa, a mesma expressão de superioridade em seu rosto fechado. Encarava tão diretamente a frente que pensou que a mulher fosse capaz de vê-lo ali. Não sabia o que iriam descobrir, mas tinha a absoluta certeza que naquela noite a agente saberia sobre o valor colocado por sua cabeça.
Pelo visto, o Chefe insistia em esconder esse fato, alegando preocupação de que ela chutasse o balde e fosse sozinha atrás de Francesco Tommaso. Ele acreditava desde o início que o melhor era optar pela verdade, a mulher era muito mais forte do que todos acreditavam e, com toda certeza, essa informação só iria dar mais estímulo para colocar tudo abaixo atrás do mafioso. Ele queria ter contado, realmente queria, mas foi proibido pelo Chefe. Várias vezes se preocupou sobre como a mulher reagiria ao saber que o Hacker tinha aquela informação desde o início, inclusive sabia tudo sobre ela. O coração sentiu uma fisgada de preocupação ao cogitar a possibilidade da agente nunca mais querer olhar em sua cara e a possibilidade era real.
~XXX~
arrancou os saltos, o rosto repleto de raiva enquanto ouvia o interrogatório que o Chefe conduzia com o apoio de Rendt. Ela e o hacker estavam ali há uma hora, assistiam as tentativas falhas de fazer Matilde falar. A pontada familiar nas têmporas deu um “olá”, causando um desconforto. Respirou fundo, massageou a região e voltou a encarar através do vidro.
Minutos depois, o resquício de sua paciência e obediência foram pelos ares. Virou-se decidida para o colega.
— Foda-se! Eu vou entrar. — Anunciou, o tom estressado.
— Mas o Chefe… — O hacker tentou convencê-la a desistir da ideia.
— Ele que vá para o inferno. — Soltou sem qualquer pingo de remorso, já que a raiva era a emoção que dominava suas ações naquele momento. Tinha que concentrar as suas energias em arrancar qualquer informação ou aquela missão teria sido em vão. Caminhou decidida até a porta, quando agarrou a maçaneta, sentiu a mão do colega segurar seu braço delicadamente, virou o pescoço para olhá-lo.
— Eu vou com você.
— Tanto faz. — Ela deu de ombros e abriu a porta, entrou.
No instante que cruzou a entrada, a postura silenciosa de Matilde mudou, inclusive pareceu se divertir com a visão da agente ali.
— Pelo visto não fui a única que teve o Dia dos Namorados cancelado. — Provocou-a com a mesma piadinha que a agente proferiu mais cedo.
— Pois é. Agora, estamos quites. — Ironizou.
— , eu ordenei que fosse para casa. — O Chefe falou com raiva.
Ignorou-o e prosseguiu: — Inclusive, belo namorado. — Elogiou com um sorriso malicioso.
A outra pareceu preocupada pela primeira vez, a raiva tomando suas feições.
— Deixa o Romano em paz.
A agente olhou as próprias unhas, fingiu limpá-las enquanto falava com tranquilidade: — Talvez ele pegue uns anos na prisão.
Matilde abriu a boca para responder, mas fechou-a, quando o seu olhar foi em direção para além da agente.
— Você. — Falou mirando o hacker intensamente com o seu olhar. — Seu merdinha traíra.
manteve o foco nela sem virar para olhar o colega.
O Chefe levantou da cadeira, andou decidido até ela, encarou-a diretamente. — Vá agora ou vou te suspender por tempo indeterminado. — Ameaçou.
Grecco riu.
Mas ela continuou ignorando-o, toda a sua atenção voltada para a prisioneira.
— Onde está Francesco Tommaso? Cadê aquele canalha? — Perguntou com ódio na voz.
Recebeu uma risada gélida como resposta.
— Hacker, tire-a daqui ou vou suspendê-la. — O Chefe insistiu.
A agente continuou a ignorar. Tentou se aproximar da mesa de metal, mas foi impedida por Rendt que se enfiou a sua frente, bloqueando o caminho.
— Sai da minha frente, Rendt.
— Vá embora, . — O Chefe ordenou mais uma vez ao lado do oficial.
Ela continuou encarando Matilde por cima dos ombros do oficial.
— Onde ele está? — Insistiu.
— Talvez você descubra… — A mulher sorriu cruelmente. — Se a sua cabeça continuar no lugar. — Vendo a incompreensão no rosto dela, gargalhou mais alto.
— Droga, hacker! Arranque-a daqui! — O Chefe gritou.
franziu a testa enquanto encarava a outra.
— Não me diga que você não sabe…
— Hacker! — O Chefe berrou a plenos pulmões.
Pela primeira vez, o príncipe falou e foi com frieza.
— Já passou da hora dela saber a verdade.
As palavras chamaram a atenção dela que virou, encarou cada um deles.
— Saber o quê?
Matilde riu mais alto.
— Rendt, arranque-a daqui. — O superior ordenou.
— Encoste um dedo em mim e eu quebro seu braço. — Ela ameaçou o oficial. Depois, colocou as mãos na cintura e berrou: — Será que alguém pode abrir a maldita boca?
— Querida, a sua cabeça está o prêmio. — Grecco explicou num tom leve como se tivesse acabado de anunciar que iria fazer sol. — Claramente, você é a única que não sabe disso.
Estranhamente, algo inesperado aconteceu e que pegou todos de surpresa. olhou para cada rosto presente naquela sala, o lábio inferior preso entre os dentes e, segundos depois, o rosto se contraiu, a boca escancarou-se e uma risada escapou de sua boca. Todos estavam surpresos e espantados com aquela reação, esforçaram-se meses para esconder o segredo, acreditaram que ela surtaria com a informação, entretanto, mais uma vez, ela conseguiu surpreendê-los.
— Não… Acredito… Que vocês… Me esconderam… Isso... — As mãos na barriga, os olhos fechados, o corpo tremendo pela força da gargalhada. Admitia apenas para si mesma que, depois que saísse daquela sala, o peso da revelação pesaria em seus ombros, até mesmo tinha a certeza de que passaria muitas noites em claro com a mente presa naquele momento. E quando tentasse dormir, sonharia com Matilde lhe revelando aquela informação e a expressão desesperada de seu Chefe. Tinha raiva por terem escondido aquilo? Claro! Mas de alguma forma, sabia que do jeito torto deles, fizeram isso para protegê-la, mesmo que acreditasse não ser necessário algo assim.
— Para mim chega por hoje! — O Chefe passou as mãos pelo cabelo, bagunçou-o e olhou para o oficial. — Providencie a transferência dela para uma cela, amanhã continuamos o interrogatório.
— Sim, senhor. — O oficial saiu da frente da agente e partiu.
— Ai, ai. — Ela soltou enquanto secava as lágrimas, respirava fundo para se acalmar e espantar o último resquício do riso.
— Não acredito que me preocupei à toa.
— Já disse que sei me cuidar sozinha. — Ela deu de ombros, depois encarou ele e o hacker seriamente. — Vocês vão me contar tudo que sabem e se ousarem me esconder mais alguma coisa, eu vou sozinha caçar Tommaso.
Matilde riu.
— Cala a boca! — soltou irritada.
~XXX~
O som da campainha tocando foi ouvido pela mulher que preferiu ignorá-lo.
No entanto, depois de quatro vezes, ela decidiu levantar para ver quem é que estava lhe incomodando naquele horário. Com tudo que havia acontecido naquele dia, paz era o que ela menos tinha tido, mas pelo menos sozinha ela podia fazer o que bem entendia, seja socar o saco de areia, quebrar alguns copos na parede ou continuar em silêncio, que era exatamente o que estava acontecendo desde que havia chego em casa. Os pensamentos estavam a mil e a dor de cabeça estava próxima, ela sabia.
Ao espiar pelo olho mágico, ela ficou em choque. De todas as pessoas que cogitaria para aparecer ali - mesmo sabendo que nunca seria uma boa ideia - aquela era a última que ela esperava ver.
— Não estou mais no hospital. — foi direta ao abrir a porta, relembrando todas as vezes em que ele lhe visitou pois sentia culpa pelo que havia acontecido com ela. Era claro que no início era apenas culpa e preocupação, mas depois passou a ser um dos programas pelo qual ele ansiava e, secretamente, a mulher também. — O que você está fazendo aqui?
— Sempre tão hospitaleira. — Ele debochou. — Tivemos um dia pesado e é Dia dos Namorados, fiquei ainda pior ao lembrar do pé na bunda que levei recentemente.
— Isso é verdade? — Sentiu um leve incômodo ao ouvi-lo falando sobre a ex.
— Na verdade, não. — Ele riu e ela sentiu a pontada desaparecer. — Mas eu te devia uma bebida e dois corações solitários merecem ser mimados. — Deu de ombros.
— E quem disse que eu estou sozinha?
O homem certamente não havia se preparado para aquele cenário.
— Ah, eu não sabia… Me desculpe. — Ele falou todo enrolado. As bochechas ficaram rosadas e ele queria cuspir e sair nadando, tamanha era sua vergonha.
Estava pronto para dar meia volta e ir embora quando encarou a mulher novamente e ela começou a gargalhar.
— Isso nunca perde a graça.
— Você quer ficar sem bebida? — Ameaçou.
Ela negou com a cabeça e se afastou da porta, pedindo para que ele entrasse.
— Seja bem-vindo. — Sorriram. — Agora passa a bebida. — Ele riu da atitude dela, entregando uma long neck em suas mãos.
O homem tomou a liberdade de sentar-se no sofá e de pegar uma fatia de pizza da caixa que estava apoiada na mesa de centro.
— Meninos trazem bebida, meninas trazem comida. — Brincou, fazendo rolar os olhos, mas rir em seguida. Assim que ela sentou-se ao seu lado, ele não conseguiu segurar a pergunta que queria ter feito quando eles ainda estavam na sede.
— Como você está? — A preocupação era palpável em sua voz.
— Me sentindo como se minha cabeça estivesse a prêmio. — Ela ironizou dando mais um gole na cerveja.
— … — A maneira suave como ele pronunciou seu nome fez com que a mulher ficasse quieta por longos segundos, mas, pouco a pouco, sua guarda foi baixando e ela começou a falar.
— Eu estou satisfeita com o resultado dessa missão, conseguimos o que queríamos por enquanto. Mas montar o quebra-cabeça da próxima sabendo que eu estou na mira daquele desgraçado me deixa… — a voz falhou um pouco enquanto ela procurava a melhor forma de se expressar. — Me deixa emputecida porque eu já tive que me esconder por um ano e preocupada. Tenho medo de que ele tente algo contra algum de vocês também como forma de me atingir. — Confidenciou.
Apesar de ser um assunto extremamente sério e delicado, o hacker tinha o dom de fazê-la falar sempre mais do que estava acostumada. Fora do ambiente de trabalho ela era um pouco mais solta e muito mais divertida, mas havia assuntos que ela tinha dificuldade de se abrir até mesmo com Macarena, sua amiga muito antes da profissão. Aquilo, no entanto, não parecia acontecer com o homem ao seu lado. Embora o assunto não fosse nada agradável, ele ficava feliz em saber que conseguia fazê-la falar e em alguns momentos até arrancava sorrisos e risadas.
— Olha, eu nem posso imaginar o que você está sentindo agora, mas quero que você saiba que… — pegou a mão livre dela, segurando-a com delicadeza sob a sua — Eu e toda a equipe estamos do seu lado, e todos irão te defender com unhas e dentes, assim como você sempre fez por nós. Prometo que até vou aprender a correr sem cair. — agradeceu silenciosamente pela piadinha que a fez sorrir e frear o choro que embora raro, estava quase pedindo passagem naquela noite.
— Obrigada, príncipe. Eu sei disso e te agradeço por reforçar, mas vocês não podem sofrer as consequências de algo que não fizeram. — Fez menção de mover a mão, mas ele a impediu e passou a fazer um carinho calmo e gostoso no local. O sorriso ladino que ela minimamente esboçou não passou despercebido pelo homem, que se sentiu incentivado a continuar o movimento.
— Se existe algo que eu aprendi com vocês, além das respostas atravessadas, é que vocês são literalmente um por todos e todos por um. Mesmo sendo um membro indesejado, todos sempre me protegeram, principalmente você. Então aceite que sua briga é nossa briga também. — lançou um olhar terno na direção dele, sabia que aquela era uma guerra que ela não iria vencer. A equipe era seu espelho. Assim como ela desobedecia às ordens diretas de seu chefe para defendê-los, sabia que eles fariam o mesmo por ela.
Sussurrou um “muito obrigada” e inclinou o corpo para trás no sofá, aproveitando o carinho em sua mão. Quando o hacker pensou que ela estava relaxando, a mulher o surpreendeu.
— Mas eu ainda estou louca de raiva por vocês terem me escondido essa informação! — Ela tinha a garrafa de bebida apontada em direção ao homem. Levemente assustado pela reação abrupta, ele acabou separando as mãos. queria pedir para que ele a tocasse novamente, mas ainda tinha um pouco de autocontrole. — Nós somos uma equipe!
— Você não conta tudo para a sua equipe, conta? — Questionou com cautela.
— Omitir alguns detalhes antes do Chefe liberar as informações para todos é uma coisa, mas esconder o fato de que minha cabeça está a prêmio é algo extremamente diferente. Isso é gravíssimo!
— Eu não discordo de você, mas também acredito que o Chefe tenha tomado essa decisão pensando que seria o melhor a se fazer no momento.
bufou dando de ombros. Poderiam ficar naquele assunto durante toda a noite, mas nenhum lado “venceria”. Ambos tinham argumentos plausíveis, e como não era possível mudar o que já estava feito, só restava aceitar e seguir em frente.
— E aquela desgraçada da Matilde não abriu o bico! — Puxou uma mecha de cabelo como forma de demonstrar sua frustração e o hacker prendeu a respiração por alguns segundos, revivendo a cena de mais cedo quando suas mãos tocaram os fios dela. — Mas amanhã ela vai abrir, já deu para sentir que Romano é o ponto fraco dela.
— Aquele tal que você achou bonito? — Perguntou com desdém. — Pois saiba que eu achei o seu namorado fake muito mais bonito que ele.
— O que é isso, hacker? Ciúmes? — Ela cutucou, se divertindo com a situação.
O homem moveu o corpo para mais próximo dela no sofá.
— Não, apenas uma constatação baseada na realidade. — Com a ponta dos dedos, ele percorreu a extensão do braço dela até chegar na nuca, exatamente como fez horas antes. Inclinando-se para frente e encarando a mulher que não piscava, ele sussurrou. — Pois eu duvido que o tal do Romano te seguraria assim… — deu uma leve puxada nos cabelos daquela região e escutou soltar um gemido baixo e rápido, ela certamente não esperava por aquilo, embora desejasse. — E, também, duvido que ele beije tão bem… — Deixou os narizes se roçarem, mas não colou os lábios.
— Será mesmo? — Ela provocou lutando para manter os olhos abertos. Queria fechá-los para aproveitar a atmosfera que os cercava, mas ver o hacker a provocando era uma imagem boa demais.
— Eu tenho certeza e vou te provar… De novo.. — Afirmou antes de beijá-la pela segunda vez.
O ritmo do beijo beirava a urgência, mesmo que naquela ocasião não havia nenhum personagem a ser encenado, de forma que eles não seriam interrompidos por ninguém. se deixou levar pelo momento, desligando a chave da racionalidade que piscava em sua mente toda vez que esse tipo de pensamento com o hacker lhe invadia. Havia tanto em jogo, principalmente para ela, mas também fazia tanto tempo que ela não se sentia tão viva quanto naquela ocasião. Deixou-se levar e aproveitou cada segundo e cada sensação.
~XXX~
— Lembra da ameaça que você fez quando estávamos definindo a estratégia da missão? Bom, parece que não funcionou já que te fiz parar numa cama novamente. — Soltou malicioso e a mulher gargalhou.
— Dessa cama eu gosto, daquela do hospital não. — Ela devolveu no mesmo tom.
— Boa noite, .
— Boa noite, hacker.
Apagou a luz do cômodo e depois de alguns segundos quieta, ela virou-se para ele.
— Príncipe?
— Hum?
— Grávidas não têm muito apetite sexual no primeiro trimestre de gravidez, pois são tomadas pelos enjoos e tudo mais.
Escutou ele rir e riu junto.
— Ah, eu não sabia! Mas foi a melhor desculpa que eu consegui arranjar naquele momento. Eu lembrei de ter escutado uma agente comentando algo assim pelos corredores, mas acho que interpretei errado.
— Muito errado, seu fofoqueirinho!
Sentiu ele se mexendo na cama e logo depois sentiu os lábios dele pressionando levemente os seus em um selinho. Sorriu no escuro mesmo sabendo que estava triplamente lascada: primeiro pelo que havia acontecido ali; segundo por constatar que estava mesmo gostando do homem ao seu lado e, em terceiro lugar, por estar com a cabeça a prêmio. Iria resolver uma coisa de cada vez, começando pela captura de Tommaso.
Xingou baixinho, a voz abafada dificultando que qualquer pessoa entendesse o que ela estava dizendo com toda a raiva do mundo. Queria chorar e colocar para fora tudo o que tinha soterrado em seu peito, mas ela não apelava para as lágrimas, nunca, jamais e nem mesmo se estivesse com uma arma apontada para a sua cabeça. Então, não choraria feito um bebê, afinal, não faria milagre e, dificilmente, consertaria sua situação.
— Você não deveria se esforçar desse jeito ou…
Ela sentou-se com a expressão fechada e o encarou com frieza.
— Não tem nada melhor para fazer? Se eu quisesse uma babá, contrataria uma. - Resmungou. Bebeu a água da garrafinha evitando encará-lo.
Ele riu e a agente não precisou olhar para saber a forma debochada que sorria ou como conseguia ficar mais atraente quando sorria dessa forma. Xingou-se mentalmente pelos pensamentos, a última coisa que queria era se sentir atraída pelo hacker.
— Já te disseram o quanto você é chata?
Ela tossiu ao se engasgar com a água, a fúria correu quente por suas veias, levantou num pulo e ignorou as fisgadas nas lesões com o movimento brusco. Caminhou decidida até o homem que ocupava um canto da academia, a pele pegando fogo tamanho era seu ódio. Parou tão próxima que podia sentir a respiração quente escapando da boca dele e atingindo a sua própria boca. Olhando-o diretamente de forma próxima, a ficha caiu e um calor que não poderia ser classificado como raiva espalhou-se por algumas partes de seu corpo. Esforçou-se para focar na raiva por ouvir aquele comentário e ergueu o dedo indicador, apontando com ferocidade para o peito dele.
— Como se atreve? — Cutucou-o com força fazendo o sorriso dele aumentar. — Estou na merda por sua causa! Você não sabe correr e quer me chamar de chata? — Provocou-o, apontou o indicador para o próprio peito, viu-o seguir o gesto com o olhar muito interessado. — Foi essa chatice que salvou a sua pele uma segunda vez! — Bufou irônica.
A risada que recebeu como resposta deixou-a mais irritada.
— Eu disse para me largar que sou bem grandinho para me defender. — Deu de ombros.
— Mas não para correr sem torcer o tornozelo. — Rebateu achando graça.
— Touché.
— Não deixo a minha equipe para trás mesmo que esteja na beira do precipício e mesmo que esse membro seja o mais idiota de todos. — Falou num tom que não tinha qualquer rastro de aborrecimento, os braços cruzados na frente do corpo. Resolveu dar um passo para trás e criar uma distância maior entre os dois.
— Mas está guardando rancor por causa dos ferimentos…
Dois meses após a missão que resgatou o hacker Príncipe das garras da máfia italiana e o adicionou como novo membro da sua equipe, receberam um novo serviço e que, a princípio, deixou-a insegura, pois teria que colocá-lo em campo para conseguir invadir os computadores do inimigo. E como a sua intuição não costumava falhar com frequência, deu tudo errado, quer dizer, quase tudo. Eles conseguiram roubar as informações necessárias, mas, para isso, ela precisou despachar parte da equipe para limpar o caminho da fuga, restando apenas ela e o hacker num cubículo.
Quando parecia ser o final perfeito, muito melhor que qualquer conto de fadas, a dupla sofreu uma emboscada antes que alcançasse a proteção da equipe e para não correrem o risco de ficarem presos, colocaram as canelas para torrar e correram com vontade, mas o idiota acabou tropeçando e caindo. Ela precisou retornar para levantá-lo e ajudar a se mover, pois tinha torcido o tornozelo. Logo, rolou uma chuva de balas enquanto discutiam sobre deixá-lo para trás — o que a agente se recusou fortemente — e trocava tiros cegamente. O resumo é que escaparam com vida, mas foi atingida certeiramente no ombro e quebrou uma perna ao lançar o hacker em direção à equipe. Ficou três meses de licença para se recuperar dos ferimentos, o que deixou-a totalmente irritada e inconformada. Passou boa parte do tempo remoendo-se sobre as decisões que tomou naquela noite.
Ela suspirou cansada e virou de costas, evitando encará-lo. Ficou cerca de um minuto em silêncio, o olhar perdido num voador, finalmente, quando decidiu virar-se e encará-lo, falou com tristeza.
— Não estou com raiva de você. — Suspirou. — E sim da situação. Você se machucou por eu ter decidido correr ao invés de seguir por um plano mais inteligente. Admito que estava com a cabeça meio longe da missão, então não consegui ter essa percepção. — Deu de ombros resignada. — Mas já estou pagando o preço.
O hacker descruzou os braços e olhou-a com compaixão, aproximou-se e segurou-a pelos ombros, encarando-a diretamente.
— Plano mais inteligente? Mulher, você sempre tem uma carta na manga, e a sua taxa de sucesso nas missões? É sério que vai deixar o tornozelo de um hacker idiota, — Sorriu divertido e continuou: — um tiro no ombro e uma perna quebrada acabar com sua confiança? — Arqueou uma das sobrancelhas desafiadoramente.
A testa dela franziu totalmente surpresa.
— Calma, Príncipe! — A voz de Macarena ecoou pela academia, assustando-os e fazendo a dupla se afastar quase que em um pulo. — A forma mais eficiente de matar a chefa é com uma voadora e não um enforcamento. — Riu.
A mulher respirou fundo tentando afastar as emoções que quase transbordaram ao ouvir as palavras da outra e virou-se para encarar a recém-chegada.
— Hahaha Maca, muito engraçada!
Macarena riu, a postura relaxada, mas o olhar estava atento feito uma águia e desviava de um rosto ao outro e, pelo que conhecia da mulher, mil ideias rodeavam sua mente.
— Bom, vou deixá-los treinarem em paz! Preciso verificar as informações que o Chefe me passou. — O hacker acenou em despedida e saiu sem encará-los diretamente, talvez muito envergonhado pelo momento que compartilhou com a agente.
— Ele está total na sua. — Macarena soltou do nada, a voz séria.
— Perdão? — perguntou confusa, duvidando se realmente teria ouvido certo.
— Não finja que não entendeu, você sabe que vem rolando um clima entre vocês… — Ela se aproximou da outra e sorriu com ironia. — Todo mundo já percebeu e…
— E você fez o favor de espalhar essa fantasia da sua cabeça para todos? — Questionou ao cruzar os braços e encará-la seriamente.
A mulher bufou divertida.
— Fantasia? — Riu e negou com um gesto de cabeça na mais sincera incredulidade. — Eu sei que para você é mais seguro seguir pelo caminho da frieza, mas, em algum momento, você vai aceitar o que está sentindo e aí nós vamos ver a sua pior versão.
— Minha pior versão?
— , a agente nível A, apaixonada. — Explicou com uma voz debochada.
A boca dela escancarou-se, tentou dizer alguma coisa, mas estava surpresa com a ousadia da amiga e colega de equipe.
— Agente Macarena, você vai ser a motorista da próxima missão! — Decretou com a voz fria.
Os olhos da mulher se esbugalharam, um milímetro e sairiam das órbitas.
— Qual é, ! — Resmungou.
— Mais uma palavra e coloco por tempo indeterminado. — Ameaçou.
A mulher resmungou baixinho e a agente não conseguiu compreender.
— Disse alguma coisa, Macarena? — Perguntou.
— Não, senhora. — Apressou-se em negar, o rosto assustado.
— Então vá se aquecer enquanto o restante da equipe não chega.
— Sim, senhora! — Seguiu para o tatame que tinha sido ocupado anteriormente pela agente, começou a pular corda e, em seguida, a fazer flexões com muito mais agilidade do que a chefe.
Ela encenou a inspeção de um equipamento de exercícios, a expressão preocupada enquanto repassava o momento que teve com o hacker e, em seguida, as palavras de Macarena. O único questionamento rondava a sua mente: será que realmente estava a fim do colega?
Como percebeu que não seria capaz de voltar a se concentrar nos exercícios físicos que demandam pleno controle de seus pensamentos, emoções e de seu corpo, ela optou pela bicicleta ergométrica horizontal para pedalar com o máximo de velocidade e intensidade que conseguia. O fato de estar sentada em segurança fez com que o diálogo anterior com Macarena fosse repassado em sua mente por diversas vezes, até que seus pensamentos voaram a um dia específico, enquanto ainda estava no hospital em recuperação.
Flashback
Os olhos reviraram quase que instantaneamente ao ver quem adentrava o seu quarto naquele momento e ela teve de ter muito controle para manter o gemido de frustração preso na garganta.
— Você por aqui… Nossa, que novidade! — Esforçou-se para colocar um pouco de humor na voz, embora soubesse que nem mesmo berrar seria capaz de afastá-lo.
Ignorando a acidez disfarçada no comentário, ele se aproximou um pouco mais da cama, mas ainda mantendo uma distância relativamente segura. Não acreditava que sua chefe seria capaz de cometer um atentado contra sua pessoa — não depois de ter salvo sua vida em duas oportunidades —, mas não custava nada ser cauteloso.
— Me contaram que os glaceados são seus favoritos, espero que isso adoce um pouco seu dia. — Ele disse conforme ia erguendo a tampa da caixa que trazia nas mãos e que, por fim, revelou ser uma embalagem contendo seis donuts.
— Te contaram errado. — declarou séria, mas assim que viu o subordinado com os olhos arregalados e as bochechas coradas, ela não conseguiu mais manter o carão e gargalhou com vontade pela primeira vez em dias — informação que ela obviamente manteria em segredo. — Isso nunca vai perder a graça. — Comentou sorrindo debochada enquanto apontava em direção ao rosto dele.
— Não que eu goste disso, mas pelo menos te divirto. Fazia tanto tempo que você não ria que eu já estava achando que tinha perdido os dentes… — Agora foi a vez de ele rir da cara de ultraje feita por ela.
Eles estavam convivendo como colegas de trabalho há dois meses e, embora fosse um período relativamente curto, o medo inicial que o hacker sentia da agente já tinha se dissipado, dando lugar ao respeito com uma pequena dose de receio. Por isso, agora ele até já estava arriscando algumas piadinhas, sempre cuidando para não passar dos limites.
— Pelo visto você está louco para perder os seus. — Arqueou apenas uma das sobrancelhas, ouvindo-o negar.
— Donuts brancos? — Ele perguntou, chegando mais próximo da cama e oferecendo a caixa para ela.
— Péssimo trocadilho, hacker.
Antes de responder, ele sentou-se na poltrona de visitas ao lado de onde ela estava.
— Mas você riu. De novo. — Em um ato mais ousado, ele piscou para a mulher, que se limitou a rolar novamente os olhos antes de apoiar a embalagem em seu colo.
— São os remédios. — justificou o “riso solto” e foi a vez de ele sorrir debochado em concordância.
— Na semana passada foram os cookies, agora os donuts… O que vai ser na semana que vem?
— O que você quiser, chefe.
— Além de ser impertinente, você também quer me fazer perder minha forma física? — Ela bufou. — Como espera que eu te salve pela terceira vez?
— Eu realmente espero que não exista uma terceira vez. Não gosto de ficar entre a vida e a morte.
— E quem gosta?
— Julgando pela profissão que escolheram, você e todos os outros agentes. — Confidenciou rindo.
— Não é questão de gostar desse tipo de adrenalina, é questão de saber que você pode salvar outras pessoas, entende? É muito mais sobre os outros do que sobre nós mesmos.
A paixão que ela sempre demonstrava pela profissão era admirável e até mesmo inspiradora, sendo sem dúvida um dos fatos que ele mais gostava sobre ela. Eram raros os momentos em que ela permitia abrir-se com os demais, principalmente com ele, mas quando ela o fazia, seu olhar adquiria um brilho diferente e o tom de voz era suave, diferente do olhar fixo e tom de voz firme que ela tinha quando estava sendo a agente nível A.
— Por mais que a adrenalina seja legal e tal, confesso que eu me sentiria muito mais confortável ajudando a salvar vidas estando dentro do laboratório de informática e não no local de ação. — O homem mordeu o lábio inferior ao realizar essa confissão e, por alguns segundos, se perdeu naquela região da face dele.
“Parecem tão macios…” Antes que deixasse seus pensamentos se perderem, tratou de voltar ao foco, mas pensando seriamente em falar com os médicos sobre sua medicação. Algo deveria estar lhe fazendo mal, ela jamais teria aquele tipo de pensamento se estivesse completamente ‘limpa’.
— Bom, esse é o preço que se paga por ser salvo pelo governo. — Deu de ombros e lambeu os dedos sujos pelo glacê do segundo donut que havia devorado. Ficou aliviada por ter feito o movimento sem sentir a fisgada de dor que estava presente nos dias anteriores, aquele era um bom sinal de recuperação.
O hacker tinha plena convicção de que nada aconteceria entre eles. Vinham de mundos diferentes e agora, compartilhando um pouco do mesmo mundo, eram chefe e subordinado. Ou seja, zero chances. Mas ele não podia negar que a cena havia desestabilizado um pouco seus pensamentos. Ao contrário dos comentários quase sempre ásperos, os lábios dela pareciam ser de uma maciez sem igual.
Quando notou que ela o encarava, ele mais uma vez naquele dia sentiu as bochechas esquentarem.
— Preço meio alto, não é mesmo? — Murmurou, tentando não deixar transparecer seu nervosismo.
— É o que a casa oferece. — A mulher projetou um biquinho e dobrou os braços com ambas as palmas viradas para cima em um gesto de “não tenho culpa”.
Vê-la naquela posição fez com que o hacker sentisse uma súbita vontade de abraçá-la, mas que obviamente foi controlada.
Um silêncio se instalou no ambiente e que sempre gostou de ficar mais na sua acabou sentindo-se incomodada com a falta de barulho. Não sabia por que cargas d'água estava se sentindo daquela maneira: talvez realmente fosse a medicação, talvez fosse o fato de estar presa a uma cama hospitalar, talvez fosse o fato de não ter nada para fazer. Talvez fosse o conjunto de todas essas coisas, já que ela jamais admitiria que talvez fosse apenas a sensação de conforto que vinha acompanhada do homem na poltrona ao seu lado.
Qualquer que fosse a razão, ela sentiu vontade de continuar conversando com ele, por isso decidiu compartilhar memórias de suas primeiras missões.
E assim mais um dia se passou.
Um dia a menos no processo de recuperação.
Um dia mais perto de voltar a sua rotina.
— Merda! — Esbravejou.
estava irritada. Muito irritada.
Irritada com a situação em que se encontrava: por não estar totalmente recuperada dos ferimentos da última missão, irritada por deixar Macarena entrar em sua mente fazendo com que buscasse em sua memória momentos que não tinham significado algum e, principalmente, estava irritadíssima por sentir que estava perdendo o controle por seus sentimentos, que sempre foi uma das poucas coisas que ela sempre controlou.
Depois de pedalar intensamente por cerca de 30 minutos, ela aceitou sua derrota pessoal, sabendo que não conseguiria render mais, então rumou ao vestiário, tomou um banho e voltou a fazer o trabalho de escritório; aquele que ela tanto detestava, mas que era necessário enquanto ainda estava no processo de retomada.
A técnica de ativação reticular consiste em usar a retina para lembrar de executar uma tarefa, para seguir firme em busca de um objetivo, para transformar um ponto fraco em um ponto forte e assim por diante. Os exemplos são inúmeros e às vezes a ativação acontece de maneira involuntária, mas um dos mais comuns talvez seja quando uma mulher acha que os métodos contraceptivos falharam e que existe a possibilidade de ela estar grávida. Parece que é só piscar e boom! Grávidas por todos os lados. Fica até parecendo uma perseguição, mas não é. O que de fato acontece é que o cérebro desesperado está tão focado na possibilidade de gravidez que passa a prestar mais atenção nesses “gatilhos/lembretes”.
A agente nível A do governo de Kimartin estava longe de estar preocupada com uma gravidez, porém tudo o que sua retina processava fazia com que ela se lembrasse do maldito hacker. E foi tentando fugir da situação incômoda que seu cérebro havia lhe colocado que ela se atolou em funções de escritório.
Dizem que ódio é uma palavra forte, mas realmente odiava toda aquela papelada que ela era obrigada a preencher sempre. Em um mundo tão digital, como eles ainda precisavam daquilo?! De qualquer forma, essa foi a maneira que ela encontrou de evitar ter muito contato com o causador de seu conflito interno e com Macarena, que estava sempre lhe direcionando olhares e sorrisos maliciosos. Ninguém desconfiou da mudança abrupta de comportamento dela, pois, como estava em fase de recuperação física, era normal que ela se resguardasse - embora todos acreditassem que aquilo era difícil de ocorrer. Ela sempre dava um jeito de convencer o chefe a liberá-la, mas não daquela vez.
Depois de horas ininterruptas revisando relatórios e afins, fez uma pausa para esticar as pernas. Caminhou tranquilamente até o banheiro onde esvaziou a bexiga e depois foi até a copa pegar um café.
Enquanto aguardava, viu Iwar adentrar o espaço segurando uma caixa de donuts e foi impossível não ser remetida a uma das visitas que o Príncipe Hacker fez para ela enquanto estava internada. Lembram da ativação reticular involuntária? Pois bem.
— Você quer um? — O colega questionou ao perceber que ela estava olhando fixamente para a embalagem em suas mãos.
— Quê? — Perguntou alheia quando escutou a voz de Iwar lhe puxando de volta para o planeta. Viu o homem lhe oferecer um donut e sentiu-se levemente envergonhada de sua atitude anterior, encarando a rosquinha como se estivesse sem comer há dias. — Ah, não, muito obrigada.
— Tem certeza? — Insistiu.
— Ah, tudo bem. Uma não vai fazer mal, não é mesmo? — Viu Iwar rir em concordância e ela deu de ombros, esticando a mão para pegar justamente o donut branco.
Já na primeira mordida, ela teve a certeza de que os que tinha recebido do hacker eram bem mais macios e recheados do que aquele que estava saboreando no momento, mas comida era comida e ela iria aproveitar de qualquer forma.
— E como você está? — Apontou para os ombros e a perna anteriormente quebrada.
— Liberada pelos médicos, ou seja, ótima! Agora só falta o chefe me liberar. — Rolou os olhos. — Nem sei por que você choramingou tanto de dor aquela vez, levar um tiro no ombro nem é tudo isso! — Desdenhou, mas logo soltou uma risada baixa ao ver a cara indignada dele.
— Não tenta se fazer de forte, ! — Exclamou. — Você só não deve se lembrar da dor no ombro porque a dor de quebrar a perna deve ter sido pior, mas não sei e nem quero saber, para ser sincero.
— Só desejo isso para os nossos inimigos, porque olha… — baixou o tom de voz para sussurrar a última parte — Dói para caralho.
— Fico feliz que esteja recuperada, chefinha. Mas agora preciso voltar antes que a Melina saia berrando pelo escritório que eu fugi com os donuts. — Riu e viu imitá-lo, mas logo sumiu do ambiente.
De volta à sua sala e com metade de sua xícara de café ainda cheia, ela pensou que merecia um pouquinho mais de tempo afastada de toda aquela papelada. Puxou os fones da mochila, conectou no celular e deu início a playlist com músicas de sua banda favorita. Recostou-se bem na cadeira e se permitiu fechar os olhos durante longos segundos, permitindo que suas narinas apreciassem o cheio da cafeína enquanto o líquido preto preenchia sua alma. “Será que é assim que as pessoas se sentem ao fazer aquelas meditações guiadas?”, riu de seu próprio pensamento e ao voltar a abrir os olhos quase teve um treco.
Arrancou os fones de ouvido com tudo, jogando-os sobre a mesa juntamente com o celular e voltou a ficar com a postura ereta.
— Senhor. — Cumprimentou o chefe que a encarava com a mesma expressão impaciente de sempre quando a pegava nessas situações. Parecia que ele tinha um talento natural para farejar aquele tipo de ocorrência.
— Conversei com os seus médicos, você está realmente liberada.
— O senhor achou que eu estava mentindo? — Encarou-o e o tom de voz anunciou que ela havia ficado um pouco ofendida.
— . — Ele disse firme. — Eu não preciso lembrá-la do passado, certo? — Viu a agente assentir. — Temos um código vermelho em andamento. Você acha que está OK para uma missão desse calibre logo no retorno?
— Com todo o respeito, senhor, mas eu poderia comandar e executar um vermelhinho até mesmo com uma perna quebrada e com uma bala no ombro. — Sorriu confiante e tentando parecer o mais simpática possível. Não podia correr o risco de ter uma missão daquelas tiradas de suas mãos.
— Certo, então você já sabe o que fazer. — Ele posicionou diversas pastas sobre a mesa dela e saiu.
ajeitou o terninho, as pastas estavam presas embaixo do braço e ela rumou pelo prédio à procura da sua equipe. Estava ansiosa para começar os preparativos para a missão e ser o mais detalhista possível, pois era um código vermelho e nada poderia dar errado. Queria ver a cara de todos ao saberem da novidade de que havia sido finalmente liberada para voltar ao campo e que ganhou de presente uma missão mais desafiadora. Procurou na academia, vestiário, sala de armamentos, banheiro, salas de reuniões e nada.
Parou com as mãos na cintura, a mente tentando lembrar de algum outro local que os seus colegas estariam escondidos e nada veio em seu socorro. Decidiu ir até a sala das câmeras e perguntar ao Jonathan se viu onde o grupo havia se metido, mas quando seguiu decidida até o elevador passou próxima a uma porta e ouviu risadas altas. Parou, franziu a testa ao apurar os sons e o que reconheceu fez com que abrisse a porta num rompante, rostos surpresos e assustados encontraram seu olhar.
— Interrompo alguma coisa? — Perguntou friamente, a postura séria. Não saiu do batente, observando um por um, a cena do crime.
— Chefinha! — Melina soltou alegremente ao se aproximar da agente, tentou disfarçar depois de encarar os colegas de forma dura. — Você nunca interrompe nada. Vamos, entre! — Tocou-a no ombro e guiou-a para dentro do lugar.
Era uma sala com uma enorme parede de vidro que permitia a visão de vários prédios e o céu que estava escurecendo. Tinha uma porta fechada no lado esquerdo e, do outro, uma mesa com computador e duas telas, o hacker ocupava a cadeira e os dedos batucavam no teclado com rapidez e o rosto concentrado. No centro, uma mesa de mogno de reunião que estava ocupada pelo restante de sua equipe, uma caixa de donuts vazia e um baralho aberto na superfície. Agora, ela entendeu o motivo de Iwar estar perambulando pelo prédio com a caixa. Ela só não reconheceu aquele lugar, pois costumavam usar qualquer sala de reuniões disponível para planejar as missões.
— Que lugar é esse? — Perguntou curiosa.
— Nosso QG. — Kennie sorriu animado.
— Como assim?
— O Chefe decidiu que estava na hora de termos nosso próprio lugar. — Benja explicou risonho. — E sabe o melhor de tudo? — Aguardou pacientemente.
— Não.
— A equipe do Timothy não ganhou uma. — A felicidade era tão palpável que causou risadas em todos.
— Timothy exibido não ganhou uma sala? — Ela perguntou esforçando-se para não gargalhar alto. — Vou adorar esbarrar com ele na hora do café. — Esticou a mão e saiu batendo nas palmas de todos que estavam próximos, menos o Hacker que continuava alheio a conversa.
— E então, chefinha, qual o motivo da sua visita? — Kasper perguntou ansioso, percebeu que todos olhavam para as pastas embaixo de um dos braços da agente.
— Estou de volta! — Soltou animada, o outro braço livre fez um soco no ar de alegria e satisfação, viu o Hacker se virar e olhá-la, sorriu satisfeito e depois voltou a atenção para a tela à sua frente.
Ela tentou disfarçar a surpresa com o gesto e voltou a encarar a equipe que falava várias coisas ao mesmo tempo.
— Temos um código vermelho.
— Caralho! Que foda! — Melina começou a enumerar com os dedos. — Ganhamos um QG, a chefinha de volta e um código vermelho. Melhor do que ganhar uma bolsa Prada de presente de Natal! — Ela riu. Todos sabiam que a agente era louca por bolsas e tinha uma coleção delas.
sorriu satisfeita e andou até a mesa, abriu a pasta e encarou a todos.
— Vamos começar o planejamento! — Anunciou. E todos ocuparam as cadeiras, inclusive o Hacker que, depois daquela pequena e discreta demonstração de satisfação por tê-la de volta, evitou olhá-la diretamente, porém quando o fazia mantinha uma expressão neutra. Todos observavam em silêncio, atentos.
— Nós vamos à caça do braço direito de… — Pegou uma folha e leu as informações, a testa franziu em confusão e em seguida, surpresa. Caiu na cadeira e encarou a todos. — O braço direito de Francesco Tommaso.
A agente olhou rosto por rosto. O que viu no Hacker chamou sua atenção, mas estava tão atordoada que cogitou ser coisa de sua cabeça e respirou fundo, analisando as fotos dentro da pasta. Passou as folhas para a equipe ir lendo e repassando entre eles.
— Isso é realmente um código vermelho. — Comentou Iwar com um assobio.
leu uma das folhas com o resumo e viu uma outra com o relatório da missão de resgate do Hacker, as peças começaram a se formar em sua cabeça e fitou-o.
— Príncipe. — Chamou-o seriamente.
— Sim? — Ele lia a folha em sua mão e não retribuiu o olhar.
— Nós te resgatamos de Francesco Tommaso? — Perguntou atenta.
Viu-o engolir em seco e levantar o olhar, parecia preocupado.
— Exatamente.
O sangue da mulher ferveu e levantou-se da cadeira, caminhou com raiva até o rapaz e agarrou-o pela gola da camisa, quase o arrancando do lugar.
— Chefinha? — Benja chamou-a preocupado.
O silêncio na sala pesou, todos assistiam a cena inesperada com atenção.
— Por que você não me contou? — Chacoalhou-o.
Ele olhou-a diretamente, os lábios fechados com força, irritando-a mais.
— Por quê? Me diga! — Insistiu, as mãos doíam de tão apertadas na peça de roupa, ficando brancas.
O rapaz suspirou cansado, levou as mãos até as delas, cobrindo com as suas. Quando ela sentiu o toque, largou-o imediatamente como se tivesse sido queimada. Afastou-se e virou as costas, evitou encarar a todos e andou de um lado para o outro. A mente começou a trabalhar, memórias vindas à tona, questionamentos surgindo.
— Eu não tinha obrigação de dizer nada a você. — Disse calmamente. — Quando vocês me trouxeram, eu contei tudo que sabia para o seu chefe e acreditei que ele te contaria tudo, mas…
Ela virou-se num rompante e o fuzilou com o olhar.
— Não tem motivo para esconder essa informação, a não ser… — Parou com o pensamento, os olhos arregalados. — Que ele não quisesse me preocupar e correr o risco de a missão dar errado.
— E por que isso aconteceria? — Questionou Melina. — Você é a mulher mais competente que conheço, nunca deixou os sentimentos atrapalharem em campo.
A visão da mulher embaçou e precisou respirar fundo para ser capaz de responder.
— Obrigada, Lina. Fico muito feliz que você me veja dessa forma. — Sorriu.
— Por que o Chefe esconderia isso de você? — Macarena perguntou pensativa, os braços cruzados, o corpo relaxado na cadeira.
Ela respirou fundo, inclinou-se em direção à mesa e apoiou as mãos.
— No meu primeiro ano em campo, nós recebemos o primeiro código vermelho e a missão era prender o irmão caçula de Francesco Tommaso. — Mordeu o lábio inferior tensa, as memórias frias em sua lembrança. — O cerco que o meu chefe montou deu errado, alguém vazou a informação e quase perdemos Edoardo Tommaso. Entramos em perseguição, a equipe se separou e eu acabei frente a frente com o canalha. — Fez uma careta. — Ele tentou me subornar para escapar, me mantive firme. Começou a atirar e disse que só iria morto, infelizmente, foi o que aconteceu… — Deu de ombros, agora andando de um lado a outro. — Foi a primeira pessoa que matei em missão. — Finalizou com um olhar dolorido.
— Tá, mas por que isso poderia te atrapalhar? — Benja insistiu. — Você tinha que prender o cara, mas ele acabou morto. Não vejo…
Ela o interrompeu.
— Francesco quis procurar o culpado e descobriu. — Fez uma careta de desgosto. — Fui obrigada a me esconder do desgraçado por um ano inteiro enquanto o Chefe iniciou a caça a ele. — Suspirou e massageou as têmporas, uma fisgada começando a surgir pela tensão de relembrar o assunto. — Ele não foi preso, capangas foram mortos, ele sumiu do mapa e um tempo depois fui liberada para voltar. O Chefe me deu a opção de mudar para outra filial, mas eu não aceitaria me esconder do canalha mais uma vez. Não mesmo. — Frisou com raiva em sua voz.
Mais uma vez, o ambiente foi preenchido por um silêncio altamente desconfortável. Os presentes ali sabiam que, por mais competente que fosse, às vezes as coisas saíam do controle e faziam as missões falharem. Totalmente raro em se tratando deles, porém normal. Ao escolherem aquela profissão, cada um ali sabia que poderiam ir para uma tarefa e não voltar de lá. No entanto, nunca passou-lhes pela cabeça que corria perigo de vida daquela forma.
Conhecendo a chefe, Macarena sabia que ela não iria expor nada muito além dos detalhes já revelados, então escolheu romper a mudez e dispersar a atenção de todos para o que realmente importava naquele momento: a missão para capturar o braço direito de Francesco.
— Presumo que você não tem nenhuma informação adicional, não é, chefinha? — Questionou no tom de voz mais suave que conseguiu. Todos observaram deixar os ombros caírem e bufar em decepção, em uma resposta negativa e com alto teor de frustração. — Certo. Você tem algum detalhe adicional, Príncipe? Ou só serve para atrapalhar mesmo?
— Macarena! — A chefe ralhou e a subordinada levou uma cotovelada leve de Melina.
— Desculpe, querido colega hacker. Eu fico sem filtro quando estou tensa.
— Você não tem filtro algum, Maca. — Benja disparou, fazendo todos rirem baixinho.
— Tudo bem, querido colega. — O Príncipe respondeu com sarcasmo. — Se eu levasse tudo para o pessoal já estaria morto.
— Bem, como se não fosse pela nossa chefinha. — Macarena retrucou.
— MACARENA! — advertiu em tom de voz mais alto e escutou alguns pedidos de desculpas vindo da agente.
— Então… — O Príncipe voltou a falar. — No tempo em que passei sequestrado, eu nunca cheguei a ver o tal do Francesco Tommaso. Só ouvia os capangas falando dele para lá e para cá. Tive a impressão de que eles não tomavam nenhuma ação sem consultá-lo antes, pois as ligações eram bem constantes.
acenou com a cabeça, em um leve sinal de agradecimento.
— Certo, então tudo o que sabemos até o momento está nesses arquivos. Mergulhem neles e amanhã nos reunimos para juntar as informações e começaremos a montar as estratégias para pegar esse italiano maldito. Se precisarem de mim, estarei na minha sala. — Declarou e virou as costas ao ver todos assentirem, deixando o cômodo.
Sentada no banquinho no corredor que levava aos vestiários, estava com a cabeça fervilhando. Já era perto da meia-noite quando ela dispensou a equipe, pedindo que no outro dia eles chegassem um pouco mais cedo - pedido feito apenas em situações extremas como um código vermelho daqueles. A “raiva” de ter descoberto o alvo da missão já havia se dissipado, mas havia plantado uma dúvida cruel em sua mente.
— Uma moeda por seus pensamentos. — Por mais preparada que fosse para estar sempre em alerta, ela realmente não esperava encontrar mais ninguém de seu time ali naquele horário, então não conseguiu evitar o grito baixo que escapou de sua garganta.
— Me dê uma moeda e eu te conto que quero te bater pelo susto. — Respondeu com o humor ácido de sempre.
— Desculpe, não foi a intenção. Não sabia que estaria aqui…
— Você desobedeceu a minha ordem de dispensa? — Ergueu apenas uma das sobrancelhas, encarando o homem.
— Tecnicamente não foi uma ordem e sim uma instrução. — Devolveu debochado. — Estou aprendendo muito com essa equipe..
— Será que devo me sentir culpada por corromper mais uma alma boa? Ah, que se dane… O estrago já está feito. — Deu de ombros enquanto o Hacker ria de seu exagero e discordava.
— Até parece! Você está nessa posição para defender as pessoas, e você se importa mais com aqueles que estão do seu lado do que consigo mesma. Ou, como a Macarena mesmo disse, se não fosse você, eu estaria morto. Eu e tantos outros...
— Obrigada por me lembrar que eu preciso ter uma conversinha com ela. — Sorriu divertida. — Mas… Obrigada também pelas palavras.
— Não há o que agradecer, é apenas a verdade. Tem essa fachada de durona, mas lá no fundo, bem, bem, bem lá no fundo, sabemos que você também tem sentimentos.
A expressão de ultraje que ela fez causou uma gargalhada em volume indevido no outro, fazendo dar-lhe um fraco tapa nos ombros como pedido de silêncio.
— Mas então… No que você estava pensando?
— Boa tentativa, Hacker.
— Você é ótima em esconder seus sentimentos, eu odiaria jogar pôquer contra você. — Ele admitiu risonho. — Mas você não parecia muito bem minutos atrás quando te encontrei.
— São coisas minhas, pode deixar que eu me viro.
— Finge que no momento eu sou apenas um príncipe tentando ajudar uma.... Conhecida. — A última palavra foi em um tom mais baixo que o restante da frase, já que ele estava indeciso sobre qual pronome usar. Optou por aquele que lhe traria menos desconforto.
— Existem certas coisas que eu não posso simplesmente sair desabafando por aí. — Olhou séria para ele.
Ela sempre foi muito boa em manter as coisas para si, mas naquele dia se sentia sufocada tamanha era sua dúvida e sua indecisão diante da situação em que se encontrava. O Príncipe tinha o poder de deixar o ambiente à sua volta mais leve, razão pela qual ela havia se aberto com ele algumas vezes durante o período no hospital em que as visitas dele eram praticamente diárias, tamanha era a culpa que sentia por ter colocado a chefe naquela situação.
— Achei que já havíamos passado da fase da desconfiança. Tudo bem que eu não sei correr, mas eu sou confiável.
sorriu sem mostrar os dentes. Suspirou frustrada e então começou.
— A questão é que eu fiquei realmente surpresa com essa situação da missão com os Tommaso. Não temo minha vida, não tanto quanto antes pelo menos. O que me pegou mesmo foi o Chefe ter escondido isso de mim o tempo todo! Eu juro que, na hora em que eu li o nome do desgraçado no arquivo, eu queria abrir a porta da sala do Chefe com uma voadora… Só que agora mais calma eu tenho medo de questioná-lo e ele achar que eu não sei separar as coisas. Eu morreria sem esse código vermelho.
— Você pode morrer por ele, não por ficar sem ele, né? — A agente lhe lançou um olhar mortal e o homem entendeu que não era hora de brincar com a lógica. — Enfim, se o Chefe sabia de todo o histórico e ainda assim te designou para essa missão, é porque ele confia que você sabe separar as coisas e que vai dar conta. Talvez ele não tenha te contado antes para não prejudicar sua recuperação.
A mulher escutou tudo aquilo calada. Era incrível como aquilo era óbvio, mas ela precisou de ouvir alguém de fora para que tudo se encaixasse.
— Muito obrigada por isso. — Declarou após alguns minutos em silêncio. — Já tomei a minha decisão. — Sorriu para ele, fazendo um joinha com as mãos.
— Sempre feliz em ajudar.
— Agora vamos dormir que precisamos estar em perfeito estado para amanhã. E isso é uma ordem direta. — Forjou uma feição brava, mas acabou sorrindo ao ouvir ele rir e lhe desejar boa noite.
tomou mais um gole da sua xícara, observou as fotos e leu os relatórios na pasta, a mente tentando criar um plano. Não tinha outro jeito, teriam que se disfarçar novamente para fazer a emboscada, o problema é que dessa vez a equipe teria que ficar espalhada. A informação é que teriam que efetuar a prisão durante um evento beneficente e a única ideia era dois deles assumirem o posto de convidado, garçons, um motorista para fuga e o restante ficaria do lado externo para cobrir a área.
As pontadas costumeiras atingiram sua cabeça e ela massageou as têmporas com os dedos, fechando os olhos e deixando um suspiro cansado se desprender. Dormiu pouco à noite, pois as horas de sono foram preenchidas pelo pesadelo em que Francesco Tommaso conseguia pegá-la e torturava-a. Acordou suada, o coração acelerado e se irritou por se permitir estar numa situação daquelas, desistiu de dormir e resolveu chegar mais cedo no trabalho.
— Não foi para casa, ? — A voz repentina do Chefe assustou-a. Abriu os olhos e encarou o homem que parecia muito cansado, as feições duras.
— Resolvi chegar mais cedo para organizar minhas ideias e estar preparada quando o restante da equipe chegar. — Mentiu.
O silêncio recaiu sobre ambos. A raiva e indignação do dia anterior estava adormecida em algum lugar dentro de si, a racionalidade estava no comando naquele momento e agradeceu por isso. De alguma forma, ela sabia que se demonstrasse qualquer indício de que estava abalada, o Chefe iria cortá-la da missão e a última coisa que queria era esperar dentro daquele prédio enquanto sua equipe arriscava o pescoço. Só ela e somente ela poderia prender Matilde Grecco e quem mais estivesse sob as asas de Francesco Tommaso até que fosse possível alcançá-lo. Fechou as mãos em punho por baixo da mesa, apertou com força os lábios para manter a boca fechada, reuniu o máximo de autocontrole para não questionar o homem. Lutou cada segundo para permanecer o mais neutra possível, mas a tensão no seu corpo era tão grande que os ombros começaram a doer.
O homem, finalmente, resolveu falar.
— Está certa de que pode revirar essa bagunça? — Perguntou num tom suave, mas a suavidade não enganava totalmente, pois o olhar era atento feito uma águia.
A boca dela abriu um pouco, mas controlou-se para esconder a surpresa e esforçou-se para sorrir debochadamente.
— Sou ótima com faxinas.
Avaliou-a seriamente, a mão presa a maçaneta da porta aberta, o corpo inclinado para dentro da sala.
Ela enfrentou a análise com valentia, não ousou desviar ou revelar qualquer emoção.
— Confio em você. — Acenou com a cabeça e abandonou o batente da porta, começou a fechá-la, mas antes acrescentou: — Você é quem deve limpá-la. — E saiu.
A agente soltou o ar dos pulmões com força e as mãos que antes estavam escondidas embaixo da mesa, voaram para a madeira, socando-a.
— Ah, eu vou! Mesmo que seja a última coisa que eu faça. — Repetiu para si mesma com determinação.
tinha certeza de que se pudesse ver a sua imagem naquele momento, teria chamas vazando por seus ouvidos e olhos por tamanha raiva que despertava dentro de si, principalmente ao pensar no ano miserável que viveu para se esconder de Francesco Tommaso. As respostas do Chefe teriam que ficar para mais tarde, depois que retornasse com Matilde Grecco.
— Qual é, chefa! — Macarena reclamou, o rosto coberto de indignação. — Para que tanto rancor? Foi apenas uma brincadeira boba! — Cruzou os braços, o corpo jogado em sua cadeira.
O restante da equipe encarou-as em confusão.
— Você sabe muito bem que não tolero esse tipo de brincadeira. — Deu de ombros. — Avisei que sua punição seria ficar de motorista na próxima missão, a culpa não é minha se ela chegou mais cedo do que esperávamos ou que seria um código vermelho. — Sorriu divertida. — Azar o seu. — Repensou a frase em dúvida e acrescentou ao pensar em Francesco Tommaso.: — Quer dizer, o meu também.
O outra bufou indignada e manteve a cara emburrada.
A agente decidiu que poderia continuar:
— Melina, você deu reforço na última missão e, por isso, pode ficar como convidada e…
A mulher interrompeu, a expressão séria.
— Chefa, você deve ficar com esse disfarce…
— Mas…
A outra ergueu a mão num gesto para que a escutasse.
— Você foi vítima de Francesco Tommaso. Você é quem tem que buscar a justiça nessa situação, o direito é todo seu e saiba que pode contar comigo como apoio. — Virou-se para Macarena com um sorriso brincalhão. — Não me importo de ficar de babá dessa idiota.
Maca revirou os olhos.
— Obrigada. — A agente sorriu com gratidão. Mirou o restante dos integrantes. — Meninos, vou deixá-los decidir, quem deve me acompanhar.
Ela viu os rostos de Iwar, Kennie, Benja, Kasper e o Hacker, todos pensativos.
— Chefa, talvez, seja melhor o nosso parceiro hacker ser o seu par. — Sugeriu Kennie.
Os olhos da mulher ficaram esbugalhados de surpresa.
— Não é uma boa ideia. — O hacker apressou-se em falar, o rosto sério e que rapidamente demonstrou preocupação, mas escondeu-a em seguida. — A última vez que fui para campo quase matei-a.
Ela abriu e fechou a boca várias vezes, respirou fundo e suspirou cansada. Massageou as têmporas.
— Faz sentido a ideia do Kennie, pois você ficou preso com eles e pode reconhecer caso tenha mais capangas na festa. — Benja falava calmamente.
A agente abriu os olhos e voltou a atenção, o arrependimento começando a apertar o seu peito.
— Odeio concordar com essa ideia, mas Kennie e Benja estão certos. Você pode reconhecê-los e isso pode livrar a nossa bunda de alguma forma. — Deu de ombros, conformada, mas tornou-se ameaçadora. — Mas se eu parar numa cama de hospital novamente… — Os olhos fuzilaram com ameaça. — Eu mato você!
Ficou sem graça ao ver o rapaz segurar o riso enquanto fitava-a. Ajeitou o terninho que vestia, ocupando novamente sua cadeira.
— Então, Kennie e Benja darão apoio externo com Melina. Iwar e Kasper vão ser garçons. — Concluiu ao anotar na folha a sua frente, tampou a caneta e sorriu com falsa animação. — O hacker e eu vamos entrar disfarçados, localizar o alvo, prendê-la discretamente e sair. Todos temos que passar despercebidos, pois se alguém nos notar, vai soar todos os alarmes e Tommaso vai sacar que estamos envolvidos no sumiço do seu braço direito. — Mirou-os seriamente. — O nosso objetivo é prender Matilde Grecco de forma discreta, mas se sair do controle, teremos que fazer tudo que pudermos para trazê-la conosco.
Sentiu-se satisfeita ao ver cada face, a compreensão e seriedade nelas. Era muito grata e sortuda pela equipe que tinha ao seu lado. Tudo iria dar certo, ela torcia para que sim.
— Precisa de ajuda? — foi surpreendida pelo hacker. Estava com dificuldades de conseguir subir totalmente o zíper traseiro de seu longo vestido preto.
— Ah, sim. — Observou o homem dar alguns passos em sua direção, posicionando atrás de si. Com delicadeza, ele passou a puxar o fecho de correr e, sem querer, um dos dedos dele roçou na parte de pele descoberta, fazendo a mulher sentir um repentino calor subir pelo seu corpo. — Obrigada. — Se por dentro ela estava em chamas, por fora ela era fria como uma geleira glacial.
— Chefe, com todo o respeito do mundo, você está muito bonita. — O sorriso que o hacker lhe direcionou fez com que desejasse socá-lo infinitas vezes. Queria odiá-lo, não achá-lo cada vez mais adorável. Era notável que não havia malícia ali, ele estava fazendo um elogio genuíno. Ela o mirou nos olhos e sorriu.
Segundos depois, o fitou de cima a baixo e soltou um comentário típico à la : — Obrigada. Até que você não está nada mal.
— Vindo de você esse é um super elogio, obrigado. — Ele devolveu o deboche.
— Está ficando com a língua afiada, hein? Melhor tomar cuidado.
Antes que ele pudesse responder, Macarena os encontrou.
— Nossa, chefe, você está linda! — Exclamou surpresa e depois passou fitar o hacker de cima a baixo, assim como a outra havia feito pouco tempo antes. — E você… É, até que não está tão mal.
e o hacker explodiram em risadas e a motorista da missão ficou sem entender muito.
— Ela é a sua cópia, você treinou direitinho. — Ele balançou a cabeça de um lado para o outro enquanto ria. — Assim como disse para a chefe, repito que vindo de você é um elogio, então obrigado, querida colega.
— Não comecem. Nós temos um código vermelho para resolver. Vamos?
O caminho até o local da missão foi como de costume: concentração total para repassar todos os detalhes do plano e a testagem final dos aparelhos. Como se tratava de um evento social, eles pararam a van preta algumas quadras antes do ponto final, para que e o hacker pudessem entrar em um carro convencional que os levaria até lá sem levantar suspeitas. Os demais seguiram na van, que para aquela ocasião estava adesivada com a propaganda de uma empresa de fachada do governo.
— Então, sobre o que é mesmo esse evento? — O hacker questionou baixinho enquanto eles caminhavam até a entrada da mansão. — Calma, chefinha, eu me dediquei muito a leitura dos arquivos e do plano, foi só para quebrar o gelo mesmo. A feição dura dela se suavizou um pouco, mas não o suficiente para adoçar a resposta que saiu de seus lábios.
— Se continuar de gracinha, eu vou quebrar você. — Ela respondeu baixinho e como se não fosse nada. Ao longo do caminho, a mulher ia cumprimentando outros convidados. Eles precisavam se misturar aos demais da forma mais rápida e convincente possível. — Vamos circular.
A mansão em questão ficava em uma chácara quase na saída da capital de Kimartin e, pela pesquisa, deles pertencia a Maxim Dobraviesk, um dos maiores clientes da família Tommaso. Havia a casa principal onde eles estavam e mais aos fundos havia uma espécie de chalé, além da piscina e de um enorme quiosque. Mais afastada da casa principal, havia um estábulo e um outro galpão. abaixou o corpo, fingindo prender a tira de sua sandália de salto, enquanto acionava o ponto digital para se comunicar com seu time.
— Equipe C, fiquem de olho nos fundos da propriedade. Pode ser que estejam utilizando a mansão como disfarce e algo pode acontecer na parte onde eles acham que não tem ninguém olhando. — Recebeu um OK de sua equipe e voltou a erguer o corpo, sempre fingindo muita normalidade.
— Espumante? — Sorriu discretamente ao observar Kasper lhe oferecer uma taça borbulhante.
— Ah, bem que eu queria! Mas estou impedida durante alguns meses. — Abrindo um enorme sorriso, ela alisou uma barriga inexistente e o homem entendeu o recado.
— Meus parabéns, senhora! E o senhor, aceita? — Direcionou seu questionamento para o hacker, que decidiu entrar ainda mais no personagem.
— Adoraria, mas estou dando apoio à minha esposa. — Acariciou os ombros de , que se tornaram tensos por ter o colega lhe tocando a pele mais uma vez. Que diabos de história ela havia acabado de criar para ambos? E por que seu corpo estava reagindo daquela maneira ao mais sutil dos toques? Aquilo nem era intencional! Ela precisava achar uma maneira de parar de reagir a todas aquelas sensações.
— Quem sabe uma água com gás? — A voz do hacker preencheu novamente seus ouvidos, trazendo-a de volta à realidade. Dessa vez o sorriso foi contido ao entender o que ele pretendia: daquela forma eles não chamariam a atenção por estarem com as mãos vazias e nem colocariam em risco a missão ao ingerirem álcool.
— Claro, já irei providenciar, senhores. — Kasper foi até o bar e voltou pouco tempo depois com as águas.
— Tudo certo?
— Por enquanto sim. Se precisarmos, iremos lhe chamar. — Kasper assentiu e saiu para oferecer mais espumantes para os outros convidados.
— Grávida? — Sussurrou próximo ao ouvido da mulher. — Isso não estava no script.
— Acho que foi a frustração por não poder beber de graça e ainda ter que te aguentar que fez minha cabeça e minha língua ter esse surto. — Embora tentasse não perder a pose, o tom de voz denunciava que ela estava envergonhada. O homem percebeu aquilo e achou adorável, enlaçando a cintura da mulher com um dos braços. Eles tinham que fingir ser esposo e esposa, afinal de contas. Ignorou a parte do comentário em que ela praticamente o insultou e continuou.
— E você quer que seja um menino ou uma menina?
colocou a mão livre em cima da mão dele em seu corpo.
— Príncipe, — quem quer que os escutasse ia achar que aquele era um apelido carinhoso entre os amantes — se você não parar, eu juro que o seu amiguinho não vai sobreviver para poder contar a história.
— Entendido. — Ele disse com os olhos esbugalhados. — Mas ainda precisamos ser convincentes… — Apertou os dedos na carne da mulher, dando a entender o que ele queria dizer com aquele comentário. nada disse, apenas assentiu com a cabeça.
Eles de fato precisavam parecer um casal, pois esse foi o combinado quando seus nomes falsos foram colocados na lista de convidados. O problema é que algo no corpo da mulher queria transformar aquele disfarce em realidade e aquilo era errado de tantas formas que ela nem sabia por onde começar a enumerar. Além disso, era altamente perigoso. Enquanto fingia analisar um dos objetos expostos, sua mente voou até o motivo deles estarem ali e a concentração voltou como um raio. Queria sentir raiva também, mas sabia que, se deixasse mais emoções transbordarem, a missão corria todos os riscos de dar errado.
Aquele não era um leilão como os tradicionais, era na verdade um leilão-coquetel para arrecadar fundos para uma instituição de caridade. Enquanto bebiam e serviam-se de snacks, os participantes iam dando lances escritos em objetos espalhados pela gigantesca sala da casa.
Depois de rodearem boa parte do salão, eles viram Matilde acompanhada de seus seguranças. Ela cochichou algo para os homens e virou-se por um corredor pouco movimentado. deu um leve aperto no braço do hacker e fez um discreto sinal de cabeça na direção que a mulher havia sumido. Seguiram até o local fazendo o mínimo de barulho possível, mas quando fizeram a curva para dobrar a direita, acabaram quase chocando-se contra uma parede de brutamontes.
— Esse local é restrito, solicito que voltem ao salão. — Um deles se pronunciou. Seu tom de voz era firme, mas não extremamente grosso como eles estavam acostumados. Provavelmente foram instruídos para que as grosserias não atrapalhassem as doações.
— Oh, nos desculpe... — A agente fingiu estar envergonhada.
— Pensamos que acharíamos um quarto por aqui. — Confidenciou o hacker lançando um sorriso sacana em direção aos homens que encaravam os dois sem emoção alguma.
— Querido! — Ralhou ela. — Nos desculpem. — Enlaçou a mão com o colega e passou a caminhar de volta ao aposento anterior. Antes de chegarem, ela parou para resmungar da tentativa frustrada e, também, para ativar o seu ponto e atualizar os demais membros da equipe sobre a movimentação de Matilde.
De volta ao salão, ficaram circulando por mais alguns minutos até a voz de Iwar se propagar em seus pontos.
— Pediram para levar algumas bebidas para o chalé. Eu e Kasper estamos indo lá agora.
— Certo. Aguardamos. — foi breve. Sua intuição estava aflorando, algo lhe dizia que as coisas começariam a ficar agitadas a partir dali. Passou a bater o salto no chão, em um claro sinal de impaciência e ansiedade.
— Ugh. Eu realmente queria poder beber agora. — Resmungou.
— Mas você está grávida, não pode. — O homem retrucou rindo.
— Também queria enfiar esse salto na sua cabeça.
— Estar aqui certamente não é meu programa favorito, mas eu duvido que seja para tanto. — Fez um beicinho e a mulher realmente teve vontade de grudar sua boca na dele. Aquilo certamente a relaxaria momentaneamente, mas poderia lhe custar a carreira ou até mesmo a vida. — A parte de estarmos aqui, eu infelizmente não posso resolver, mas podemos beber depois. — Ele sugeriu, dando de ombros.
abriu a boca, mas não conseguiu emitir nenhum som. Passou a língua sobre os lábios a fim de umedecê-los e percebeu que o gesto foi seguido pelos olhos atentos do hacker.
O ambiente de tensão sexual que estava sendo construído ali foi interrompido pela voz de Iwar em seus ouvidos.
— Ouvimos um dos seguranças falando que o alvo vai para o chalé em alguns minutos. Ela estará junto de um amante, parece. A rádio peão aqui é agitada. — Ele era sempre divertido, até mesmo quando o assunto era extremamente sério. Isso não diminuía sua competência, no entanto.
— Certo, eu e o príncipe vamos agir. Fiquem próximos, quando dermos o comando, vocês partem para lá também.
— Hora de fingir sermos o casal apaixonado novamente. — Ela se aproximou do homem, que abraçou-a de lado pela cintura e eles passaram a caminhar para a parte externa da mansão.
— Melina, estamos aqui fora na saída leste, precisamos que você distraia o segurança para que possamos passar.
— Chego em alguns segundos.
E, de fato, ela cumpriu o que havia lhes dito. Em instantes ela surgiu vestida socialmente, fingindo estar bêbada para despertar a atenção do grandalhão que impedia que os outros dois passassem despercebidos. De propósito, ela fingiu cair e a fenda em seu vestido fez o segurança acabar se abaixando para ajudá-la, brecha que não foi desperdiçada pelos outros dois agentes.
Ainda abraçados, eles foram caminhando rapidamente até o chalé.
— Qual é o plano?
— A primeira parte é entrar. — Apontou para a porta. — Vamos ver se vai ser pelo método tradicional ou se vai ser pelo método difícil. — Posicionou a mão na maçaneta, silenciosamente torcendo para que a porta abrisse. E foi exatamente o que aconteceu. — Vacilões. — Olharam para os lados e não viram movimentação nenhuma, então adentraram o local. Foram surpreendidos por um ambiente requintado, porém ao mesmo tempo aconchegante, ao contrário do que acontecia na casa principal em que tudo parecia intimidador de tão caro. O sofá parecia ser tão confortável quanto sua cama e ela sentiu muita vontade de jogar seu corpo ali, afinal, saltos altos não eram seus calçados favoritos.
— Entramos. — Anunciou para os colegas.
— E qual a segunda parte?
o encarou com o semblante sem expressão alguma. Após alguns segundos em silêncio, ela suspirou fundo e acionou o ponto para que todos lhe escutassem.
— Agora vamos continuar a fazer o que estamos fazendo desde agora: fingimos ser um casal. Quando Matilde e seu amante chegarem aqui, eles irão pensar que invadimos para namorar e é nessa parte que o reforço externo entra para nos dar apoio.
O hacker colocou as mãos nos bolsos da calça social, encarando a chefe.
— Certo.
Ele foi monossilábico, pois, ao encará-la, sua mente viajou para um lugar que ele vinha tentando bloquear há muito tempo. Em sua visão, a chefe era uma mulher belíssima e não apenas em sua forma física, mas naquele dia era quase impossível desviar o olhar de sua imagem. O vestido, o salto, o batom marcando os lábios e toda a aura de poder que ela exalava estavam fazendo com que ele quase se perdesse no personagem. Tocar-lhe as mãos e a cintura não estava sendo o suficiente, ele queria que o fingimento pudesse ser extremamente real. Desejava poder beijá-la como queria e como havia imaginado tantas vezes.
Por sorte, seu devaneio foi interrompido pela voz de Kasper.
— Alvo indo em direção ao chalé. Está sozinha, sem amante e sem seguranças.
Os agentes se posicionaram no canto mais escuro do cômodo em frente a porta de entrada, sacaram suas armas e aguardaram em silêncio. O barulho do salto ecoou na varanda, o hacker puxou um pano do bolso, armas foram engatilhadas e apontadas para a porta. Logo, o som parou, a maçaneta girou e a luz de fora iluminou um pouco do pequeno hall, mas não atingiu os agentes que continuavam sem dar um passo. Matilde parecia muito relaxada, completamente alheia ao fato de que estava acompanhada enquanto perambulava pelo local. Permaneceram no lugar até que ela passasse por eles, assim que deu as costas, o hacker foi o primeiro a se lançar sobre ela e cobrir sua boca com o pano para abafar os sons.
— Sinto te informar, mas a comemoração do Dia dos Namorados foi cancelada, Matilde. — saiu das sombras, a arma em punho, apertou os olhos tentando enxergar o rosto da prisioneira, mas a pouca iluminação que entrava pela janela não ajudava muito. Ouviu murmúrios abafados, movimentação e um xingamento baixinho. Claramente, Grecco estava dando trabalho para o príncipe.
— O encontro amoroso foi cancelado. — A agente avisou no ponto, alertando a equipe que deveriam se mover para a próxima etapa do plano. — Estaremos posicionados na parte traseira do chalé, fiquem a postos.
Recebeu afirmações e status em resposta.
— Não podemos demorar ou o amante pode aparecer. — O hacker comentou enquanto segurava-a com mais força, a mão se mantendo firme na boca. Matilde se remexia com o máximo de força, tentando se livrar do aperto. Ela tentou aplicar chutes e cotoveladas no agente, mas aproximou-se e algemou-a com as mãos para trás.
Tatearam às escuras através dos cômodos, os ouvidos atentos a qualquer som que não fossem os passos deles, os gemidos enfurecidos da prisioneira e as respirações dos agentes. A chefe seguiu na frente quando entraram na cozinha e adiantou-se em busca da porta que levava à varanda traseira. Tocou a madeira cegamente, a arma em uma mão e com a outra, buscou pelo trinco. Abriu a porta de correr com cuidado, bem devagar para evitar qualquer barulho que revelasse a presença deles no chalé e adiantou-se para a pequena varanda que ficava em frente ao muro alto de heras. Empunhou a arma com agilidade, posicionou-se num canto escuro atrás de uma cadeira de balanço e aguardou, os olhos apertados pela pouca iluminação.
— Derrubamos o segurança, um minuto de distância. — Melina avisou no ponto.
— Ok.
A mão gelada segurava firmemente o cabo da arma, o coração batia acelerado bombeando a adrenalina através de suas veias. Respirou o mais lenta e profundamente possível para acalmar os ânimos. Não podiam falhar naquela missão ou todos estariam em risco gravíssimo, afinal era um código vermelho.
— 30 segundos. — Sussurrou Kennie.
apurou os ouvidos e começou a ouvir passos abafados pela grama, mirou na direção e aguardou.
— Somos nós. — Melina anunciou baixinho no ponto.
Afrouxou o aperto na arma enquanto aguardava a aparição do reforço, que logo apareceu composto por Melina - ainda vestida socialmente -, Kennie e Benja - trajando roupas pretas além de toucas que cobriam o rosto.
— Chegamos. Cinco minutos. — Melina tocou o ponto na orelha, avisou o tempo estimado para a chegada até a van.
— Vou cobrir a retaguarda. — Kennie informou e retornou pelo caminho de onde vieram.
— Príncipe. — aproximou-se da porta da cozinha e chamou-o num sussurro.
Ouviu passos, o homem surgiu com a prisioneira que se lutava bravamente para escapar dos braços dele.
— Vocês, Kasper e Iwar vão ter que ficar na festa. Os seguranças viram vocês e isso pode levantar suspeitas. — Benja comentou ao se aproximar da mulher que gemeu com mais determinação ao ver o agente, ele tomou-a das mãos do hacker e prendeu-a firmemente pelos braços. Encostou a boca no ouvido dela e sussurrou ameaçadoramente: — Qualquer gracinha e você morre.
O príncipe não precisou alertá-lo sobre o fato de que Matilde estava muito resistente, o colega sabiamente entregou sua arma para Melina e ficou livre para usar ambas as mãos para garantir que não houvesse fugas.
abriu a boca para soltar um comentário rabugento, mas não houve a menor chance de falar, pois Kennie sussurrou com urgência, interrompendo-a.
— O amante está se aproximando. — Alertou.
Nisso, como se fosse um alerta para a prisioneira, ela começou a se debater com força, derrubou uma cadeira que caiu com estrondo. Vários xingamentos foram sussurrados em meio aos gemidos de protesto da mulher.
— Matilde? — Uma voz masculina ecoou pelos cômodos.
A mulher lutou para fazer ainda mais barulho.
— Vão! Agora! — A agente ordenou irritada. Agarrou o braço do hacker e puxou-o o mais silenciosamente possível de volta para a cozinha. Se quer aguardou que a equipe partisse, simplesmente entrou para apagar a chance de suspeitas e atrasar o alerta do amante, quando se desse conta de que a amada não estava mais ali.
— Vem. — sussurrou, fechando a porta da varanda e forçou um risinho. Virou-se para o príncipe, ambos guardaram as armas e ela tateou em busca da bancada da cozinha. Encostou a cintura no móvel, levou as mãos ao cabelo e bagunçou-o com vontade.
— Matilde? — Novamente, o homem insistiu, agora acendendo luzes e caminhando decidido.
A agente não precisou dizer qual era o plano para o colega, ambos tinham consciência de que em algum momento teriam que recorrer a aquela possibilidade. Logo, o hacker colou o corpo à frente dela, sua mão quente subiu até a nuca dela e agarrou os cabelos ali. Ambos os corações bateram com força naquele instante, adrenalina pulsante e, também, pelo vislumbre do que aconteceria em poucos segundos. O ar pareceu esquentar, as mãos da mulher prenderam-se à frente da camisa social dele, puxando-o, o contato, reduzindo de vez qualquer chance de distância entre os corpos.
Como ainda estavam no escuro, ambos não conseguiam enxergar as expressões um do outro, o que tornava a situação mais fácil. Coincidência ou não, as bocas uniram-se num beijo sedento no momento exato que os passos se tornaram realmente mais próximos e, em seguida, as luzes se acenderam, entretanto, os agentes não se importaram, se quer estavam alertas para as condições do flagrante.
Poderiam estar prestes a serem pegos, levados pela suspeita do sumiço de Matilde Grecco, porém as mentes se quer raciocinavam, o desejo, o tato, o paladar, olfato mergulhados nas sensações que dominavam os seus corpos. Um calor diferente de tudo que a agente já sentiu, parecia se alastrar centímetro após centímetro de sua pele, o ar faltando em seus pulmões pela rebeldia dela em não interromper aquele momento para buscar algo tão essencial. Na verdade, o beijo que compartilhavam pareceu muito mais essencial para a sua sobrevivência como nunca imaginou que fosse na vida.
— O que estão fazendo aqui? — A voz masculina perguntou mal-humorada.
não queria se afastar, mas cedeu. Atordoada, abriu os olhos com dificuldade, soltou uma das mãos da camisa do hacker e até mesmo, evitou encará-lo diretamente com medo do que encontraria em seu rosto. Sorriu de forma irônica e encarou o homem muito atraente que aparentava ser muito mais novo que a Grecco.
— Acredito que uma imagem fala mais que mil palavras, né?
O hacker vendo a expressão dura do homem, lutou para organizar os pensamentos, libertou o corpo da agente de seus braços com muita dificuldade. Forçou um sorriso envergonhado e encarou-o.
— Desculpe a minha esposa, senhor...? — Incitou-o a se identificar com um questionamento implícito em suas desculpas.
O homem revirou os olhos, cruzou os braços e apoiou-se no batente da porta.
— Romano. — Respondeu de mau grado.
— Ah sim, senhor Romano. — Sorriu simpático, em seguida forçou uma expressão sem graça novamente. Lançou um dos braços pela cintura de que observava ambos com o rosto fechado, o olhar atento ao cara. E a outra mão repousou na barriga da mulher. — A minha esposa está grávida, os hormônios à flor da pele e sabe como é… Não precisa insistir muito para nos convencer, né? — Deu uma risadinha.
Romano não demonstrou qualquer emoção, a sua atenção recaiu totalmente sobre as feições da colega, o que preocupou o agente. Se ele fosse envolvido nos negócios de Matilde, ele poderia saber sobre e não podiam correr esse risco.
Mais uma vez naquela noite, a agente abriu a boca para soltar uma direta, entretanto, foi interrompida pelo segurança que negou a passagem deles, mais cedo, para o chalé.
— Achou ela? — Perguntou temeroso ao aparecer na entrada do cômodo e encarar Romano, em seguida, pareceu notar que o homem não estava sozinho e olhou para a cozinha, encontrando-os. Assim que sua atenção os atingiu, abriu um sorriso entediado. — O casal assanhado? Esses dois perambulavam a noite toda procurando um canto escuro. — Revirou os olhos.
— E pelo visto mais uma vez, o senhor veio nos interromper. — soltou mal-humorada. Passou as mãos pelo cabelo tentando arrumá-los, mas sabia que era caso perdido. Virou-se para o hacker, tentou lançar um olhar significativo e pegou a mão dele. — Bom, é melhor irmos ou vou fazer xixi aqui. — Apressou-se em seguir até a saída, mas o segurança e o homem bloquearam a passagem.
— Vocês viram Matilde Grecco por aqui? — Romano perguntou a um passo de distância, olhou-a com intensidade.
— Não tinha ninguém aqui. — O hacker falou, forçando uma expressão de confusão.
Ambos os homens analisaram o casal por um minuto inteiro em silêncio, poderia ter sido uma tentativa de intimidá-los ou realmente estavam desconfiados.
apertou levemente a mão do colega.
— Estou muito apertada! — Mentiu. Largou a mão do colega, mexeu-se, enfiou as mãos entre os corpos que bloqueavam o caminho e usou toda sua força para afastá-los. Quando se afastou dois passos, a presença do hacker seguiu-a de perto.
— Primeira porta à direita. — Ouviu Romano anunciar.
— Obrigada! — Soltou num tom mais alto. Seguiu as coordenadas, avistou a maçaneta e abriu-a com desespero, claro que não para usar o banheiro e, sim, para abrir distância entre ela e os homens. Antes de fechar a porta na cara do colega, lançou mais um olhar em sua direção e bateu-a.
Cobriu o rosto com as mãos, depois moveu-as para o topo da cabeça e respirou fundo para acalmar a adrenalina.
— Conseguimos, Chefa. Boa sorte. — Melina anunciou repentinamente, assustando a agente que abriu a tampa do vaso sanitário, esforçando-se para fazer barulho na encenação.
— Tudo sob controle. — Sussurrou em resposta.
Lá fora, ouviu as vozes masculinas conversarem sobre o paradeiro de Matilde.
fechou a tampa, apertou o botão de descarga e seguiu até a pia de mármore. Encarou o reflexo no espelho, abriu a torneira e molhou as mãos. Os cabelos estavam revoltos, o batom todo borrado, entretanto, o seu rosto parecia diferente, mais vivo e foi inevitável não pensar no motivo. Desde as visitas recorrentes do hacker no hospital, a relação deles foi sofrendo uma evolução até mesmo, a própria opinião sobre o homem foi mudada. Seria de boa, se a opinião fosse a única a mudar, entretanto, ela confirmou de vez que os sentimentos haviam sofrido uma metamorfose. foi da desconfiança à paixão num piscar de olhos e isso, era preocupante demais para o seu próprio bem.
— Você não vai tirar esse vestido? — O Hacker perguntou com a testa franzida enquanto arrancava a gravata borboleta do pescoço e abria o colarinho da camisa. Andava apressado ao lado da agente, iam pelo corredor que levaria a sala de interrogatório.
Após a apreensão de Matilde, ambos tiveram que se manter na festa por mais uma hora para não levantar suspeitas já que os seguranças da mulher, obviamente estavam à sua procura. Então, a equipe ficou encarregada de levá-la de volta ao prédio para interrogatório. A verdade é que não queria perder a sessão, pois temia que o Chefe a deixasse por fora das informações que fossem reveladas, além disso queria ter o prazer de encarar o nariz empinado da mulher e arrancar todos os segredos sobre Tommaso.
— Estou pronta para a ocasião, meu bem. — O tom sarcástico.
O príncipe revirou os olhos com o comentário da mulher, mas não conseguiu evitar o sorrisinho de divertimento que surgiu em seu rosto. Jamais admitiria para ela ou qualquer um de seus companheiros, mas ele adorava se surpreender com as tiradas dela que tinham a intenção de esconder os próprios sentimentos. Entretanto, apenas tornava as emoções dela mais claras do que nunca. Quando foi resgatado por ela das mãos dos mafiosos, o primeiro contato foi difícil e até achou-a metida, cheia de si, mas o tempo mostrou que a julgou totalmente errado.
era uma agente que se preocupava com o bem-estar de todos, até mesmo ele que acreditava ser objeto de desprezo dela, descobriu que a verdade era que se davam bem e que ser dura era apenas o jeito dela de disfarçar as suas vulnerabilidades. O tempo que passaram juntos no hospital, revelou muito sobre a personalidade da mulher/agente e mudou cem por cento a visão que tinha dela. O problema é que as coisas e os sentimentos dele estavam seguindo por um caminho perigoso e que poderia colocá-lo em maus lençóis. E, claro, não podia descartar a lembrança do beijo que compartilharam na cozinha do chalé numa tentativa de despistar as suspeitas do sumiço de Matilde. O que ele sentiu… Não precisava de uma análise apurada para entender o patamar em que se encontrava.
Assim que se aproximaram de uma porta cinza, a agente abriu-a sem hesitar e rostos surpresos encararam a ambos. Estavam de pé o Chefe, um outro homem, o oficial Rendt que era o braço direito dele. A sala consistia num pequeno corredor com metade superior à frente, consistindo numa transparência que permitia ver a sala que ficava do outro lado, mas que quem estava lá, não podia vê-los ou ouvi-los do outro lado.
— Cheguei para a festa. — soltou, inclusive atreveu-se a olhar o Hacker com um sorriso convencido que parecia significar um “eu disse” e depois, virou-se para os homens. — Estou pronta para o interrogatório.
O Chefe bufou, sacudiu a cabeça num gesto negativo, as feições duras.
— Eu disse que você deveria prendê-la, isso não inclui interrogá-la.
— Haha, só pode ser brincadeira! — Retrucou indignada, os braços cruzados na frente do corpo. — Eu não vou ficar aqui parada enquanto essa mulher sabe o paradeiro daquele rato!
— O Chefe tem razão, , e… — Rendt tentou tranquilizá-la, mas o olhar gelado que recebeu da mulher, calou-o.
— Não é justo, Chefe! Eu preciso fazer isso! O senhor me disse para ficar escondida, eu fiquei por um ano! Tem noção como eu me senti? E mesmo assim cumpri suas ordens! — O tom aumentou levemente.
Príncipe desviou a atenção da discussão e focou a atenção para o vidro da sua frente, a sala toda cinza tinha luzes fortes, uma mesa de metal com duas cadeiras feitas do mesmo material, cada uma posicionada de lados opostos. Localizou Matilde que ocupava a cadeira de frente para eles, a postura ereta, as mãos algemadas sob a mesa, a mesma expressão de superioridade em seu rosto fechado. Encarava tão diretamente a frente que pensou que a mulher fosse capaz de vê-lo ali. Não sabia o que iriam descobrir, mas tinha a absoluta certeza que naquela noite a agente saberia sobre o valor colocado por sua cabeça.
Pelo visto, o Chefe insistia em esconder esse fato, alegando preocupação de que ela chutasse o balde e fosse sozinha atrás de Francesco Tommaso. Ele acreditava desde o início que o melhor era optar pela verdade, a mulher era muito mais forte do que todos acreditavam e, com toda certeza, essa informação só iria dar mais estímulo para colocar tudo abaixo atrás do mafioso. Ele queria ter contado, realmente queria, mas foi proibido pelo Chefe. Várias vezes se preocupou sobre como a mulher reagiria ao saber que o Hacker tinha aquela informação desde o início, inclusive sabia tudo sobre ela. O coração sentiu uma fisgada de preocupação ao cogitar a possibilidade da agente nunca mais querer olhar em sua cara e a possibilidade era real.
arrancou os saltos, o rosto repleto de raiva enquanto ouvia o interrogatório que o Chefe conduzia com o apoio de Rendt. Ela e o hacker estavam ali há uma hora, assistiam as tentativas falhas de fazer Matilde falar. A pontada familiar nas têmporas deu um “olá”, causando um desconforto. Respirou fundo, massageou a região e voltou a encarar através do vidro.
Minutos depois, o resquício de sua paciência e obediência foram pelos ares. Virou-se decidida para o colega.
— Foda-se! Eu vou entrar. — Anunciou, o tom estressado.
— Mas o Chefe… — O hacker tentou convencê-la a desistir da ideia.
— Ele que vá para o inferno. — Soltou sem qualquer pingo de remorso, já que a raiva era a emoção que dominava suas ações naquele momento. Tinha que concentrar as suas energias em arrancar qualquer informação ou aquela missão teria sido em vão. Caminhou decidida até a porta, quando agarrou a maçaneta, sentiu a mão do colega segurar seu braço delicadamente, virou o pescoço para olhá-lo.
— Eu vou com você.
— Tanto faz. — Ela deu de ombros e abriu a porta, entrou.
No instante que cruzou a entrada, a postura silenciosa de Matilde mudou, inclusive pareceu se divertir com a visão da agente ali.
— Pelo visto não fui a única que teve o Dia dos Namorados cancelado. — Provocou-a com a mesma piadinha que a agente proferiu mais cedo.
— Pois é. Agora, estamos quites. — Ironizou.
— , eu ordenei que fosse para casa. — O Chefe falou com raiva.
Ignorou-o e prosseguiu: — Inclusive, belo namorado. — Elogiou com um sorriso malicioso.
A outra pareceu preocupada pela primeira vez, a raiva tomando suas feições.
— Deixa o Romano em paz.
A agente olhou as próprias unhas, fingiu limpá-las enquanto falava com tranquilidade: — Talvez ele pegue uns anos na prisão.
Matilde abriu a boca para responder, mas fechou-a, quando o seu olhar foi em direção para além da agente.
— Você. — Falou mirando o hacker intensamente com o seu olhar. — Seu merdinha traíra.
manteve o foco nela sem virar para olhar o colega.
O Chefe levantou da cadeira, andou decidido até ela, encarou-a diretamente. — Vá agora ou vou te suspender por tempo indeterminado. — Ameaçou.
Grecco riu.
Mas ela continuou ignorando-o, toda a sua atenção voltada para a prisioneira.
— Onde está Francesco Tommaso? Cadê aquele canalha? — Perguntou com ódio na voz.
Recebeu uma risada gélida como resposta.
— Hacker, tire-a daqui ou vou suspendê-la. — O Chefe insistiu.
A agente continuou a ignorar. Tentou se aproximar da mesa de metal, mas foi impedida por Rendt que se enfiou a sua frente, bloqueando o caminho.
— Sai da minha frente, Rendt.
— Vá embora, . — O Chefe ordenou mais uma vez ao lado do oficial.
Ela continuou encarando Matilde por cima dos ombros do oficial.
— Onde ele está? — Insistiu.
— Talvez você descubra… — A mulher sorriu cruelmente. — Se a sua cabeça continuar no lugar. — Vendo a incompreensão no rosto dela, gargalhou mais alto.
— Droga, hacker! Arranque-a daqui! — O Chefe gritou.
franziu a testa enquanto encarava a outra.
— Não me diga que você não sabe…
— Hacker! — O Chefe berrou a plenos pulmões.
Pela primeira vez, o príncipe falou e foi com frieza.
— Já passou da hora dela saber a verdade.
As palavras chamaram a atenção dela que virou, encarou cada um deles.
— Saber o quê?
Matilde riu mais alto.
— Rendt, arranque-a daqui. — O superior ordenou.
— Encoste um dedo em mim e eu quebro seu braço. — Ela ameaçou o oficial. Depois, colocou as mãos na cintura e berrou: — Será que alguém pode abrir a maldita boca?
— Querida, a sua cabeça está o prêmio. — Grecco explicou num tom leve como se tivesse acabado de anunciar que iria fazer sol. — Claramente, você é a única que não sabe disso.
Estranhamente, algo inesperado aconteceu e que pegou todos de surpresa. olhou para cada rosto presente naquela sala, o lábio inferior preso entre os dentes e, segundos depois, o rosto se contraiu, a boca escancarou-se e uma risada escapou de sua boca. Todos estavam surpresos e espantados com aquela reação, esforçaram-se meses para esconder o segredo, acreditaram que ela surtaria com a informação, entretanto, mais uma vez, ela conseguiu surpreendê-los.
— Não… Acredito… Que vocês… Me esconderam… Isso... — As mãos na barriga, os olhos fechados, o corpo tremendo pela força da gargalhada. Admitia apenas para si mesma que, depois que saísse daquela sala, o peso da revelação pesaria em seus ombros, até mesmo tinha a certeza de que passaria muitas noites em claro com a mente presa naquele momento. E quando tentasse dormir, sonharia com Matilde lhe revelando aquela informação e a expressão desesperada de seu Chefe. Tinha raiva por terem escondido aquilo? Claro! Mas de alguma forma, sabia que do jeito torto deles, fizeram isso para protegê-la, mesmo que acreditasse não ser necessário algo assim.
— Para mim chega por hoje! — O Chefe passou as mãos pelo cabelo, bagunçou-o e olhou para o oficial. — Providencie a transferência dela para uma cela, amanhã continuamos o interrogatório.
— Sim, senhor. — O oficial saiu da frente da agente e partiu.
— Ai, ai. — Ela soltou enquanto secava as lágrimas, respirava fundo para se acalmar e espantar o último resquício do riso.
— Não acredito que me preocupei à toa.
— Já disse que sei me cuidar sozinha. — Ela deu de ombros, depois encarou ele e o hacker seriamente. — Vocês vão me contar tudo que sabem e se ousarem me esconder mais alguma coisa, eu vou sozinha caçar Tommaso.
Matilde riu.
— Cala a boca! — soltou irritada.
O som da campainha tocando foi ouvido pela mulher que preferiu ignorá-lo.
No entanto, depois de quatro vezes, ela decidiu levantar para ver quem é que estava lhe incomodando naquele horário. Com tudo que havia acontecido naquele dia, paz era o que ela menos tinha tido, mas pelo menos sozinha ela podia fazer o que bem entendia, seja socar o saco de areia, quebrar alguns copos na parede ou continuar em silêncio, que era exatamente o que estava acontecendo desde que havia chego em casa. Os pensamentos estavam a mil e a dor de cabeça estava próxima, ela sabia.
Ao espiar pelo olho mágico, ela ficou em choque. De todas as pessoas que cogitaria para aparecer ali - mesmo sabendo que nunca seria uma boa ideia - aquela era a última que ela esperava ver.
— Não estou mais no hospital. — foi direta ao abrir a porta, relembrando todas as vezes em que ele lhe visitou pois sentia culpa pelo que havia acontecido com ela. Era claro que no início era apenas culpa e preocupação, mas depois passou a ser um dos programas pelo qual ele ansiava e, secretamente, a mulher também. — O que você está fazendo aqui?
— Sempre tão hospitaleira. — Ele debochou. — Tivemos um dia pesado e é Dia dos Namorados, fiquei ainda pior ao lembrar do pé na bunda que levei recentemente.
— Isso é verdade? — Sentiu um leve incômodo ao ouvi-lo falando sobre a ex.
— Na verdade, não. — Ele riu e ela sentiu a pontada desaparecer. — Mas eu te devia uma bebida e dois corações solitários merecem ser mimados. — Deu de ombros.
— E quem disse que eu estou sozinha?
O homem certamente não havia se preparado para aquele cenário.
— Ah, eu não sabia… Me desculpe. — Ele falou todo enrolado. As bochechas ficaram rosadas e ele queria cuspir e sair nadando, tamanha era sua vergonha.
Estava pronto para dar meia volta e ir embora quando encarou a mulher novamente e ela começou a gargalhar.
— Isso nunca perde a graça.
— Você quer ficar sem bebida? — Ameaçou.
Ela negou com a cabeça e se afastou da porta, pedindo para que ele entrasse.
— Seja bem-vindo. — Sorriram. — Agora passa a bebida. — Ele riu da atitude dela, entregando uma long neck em suas mãos.
O homem tomou a liberdade de sentar-se no sofá e de pegar uma fatia de pizza da caixa que estava apoiada na mesa de centro.
— Meninos trazem bebida, meninas trazem comida. — Brincou, fazendo rolar os olhos, mas rir em seguida. Assim que ela sentou-se ao seu lado, ele não conseguiu segurar a pergunta que queria ter feito quando eles ainda estavam na sede.
— Como você está? — A preocupação era palpável em sua voz.
— Me sentindo como se minha cabeça estivesse a prêmio. — Ela ironizou dando mais um gole na cerveja.
— … — A maneira suave como ele pronunciou seu nome fez com que a mulher ficasse quieta por longos segundos, mas, pouco a pouco, sua guarda foi baixando e ela começou a falar.
— Eu estou satisfeita com o resultado dessa missão, conseguimos o que queríamos por enquanto. Mas montar o quebra-cabeça da próxima sabendo que eu estou na mira daquele desgraçado me deixa… — a voz falhou um pouco enquanto ela procurava a melhor forma de se expressar. — Me deixa emputecida porque eu já tive que me esconder por um ano e preocupada. Tenho medo de que ele tente algo contra algum de vocês também como forma de me atingir. — Confidenciou.
Apesar de ser um assunto extremamente sério e delicado, o hacker tinha o dom de fazê-la falar sempre mais do que estava acostumada. Fora do ambiente de trabalho ela era um pouco mais solta e muito mais divertida, mas havia assuntos que ela tinha dificuldade de se abrir até mesmo com Macarena, sua amiga muito antes da profissão. Aquilo, no entanto, não parecia acontecer com o homem ao seu lado. Embora o assunto não fosse nada agradável, ele ficava feliz em saber que conseguia fazê-la falar e em alguns momentos até arrancava sorrisos e risadas.
— Olha, eu nem posso imaginar o que você está sentindo agora, mas quero que você saiba que… — pegou a mão livre dela, segurando-a com delicadeza sob a sua — Eu e toda a equipe estamos do seu lado, e todos irão te defender com unhas e dentes, assim como você sempre fez por nós. Prometo que até vou aprender a correr sem cair. — agradeceu silenciosamente pela piadinha que a fez sorrir e frear o choro que embora raro, estava quase pedindo passagem naquela noite.
— Obrigada, príncipe. Eu sei disso e te agradeço por reforçar, mas vocês não podem sofrer as consequências de algo que não fizeram. — Fez menção de mover a mão, mas ele a impediu e passou a fazer um carinho calmo e gostoso no local. O sorriso ladino que ela minimamente esboçou não passou despercebido pelo homem, que se sentiu incentivado a continuar o movimento.
— Se existe algo que eu aprendi com vocês, além das respostas atravessadas, é que vocês são literalmente um por todos e todos por um. Mesmo sendo um membro indesejado, todos sempre me protegeram, principalmente você. Então aceite que sua briga é nossa briga também. — lançou um olhar terno na direção dele, sabia que aquela era uma guerra que ela não iria vencer. A equipe era seu espelho. Assim como ela desobedecia às ordens diretas de seu chefe para defendê-los, sabia que eles fariam o mesmo por ela.
Sussurrou um “muito obrigada” e inclinou o corpo para trás no sofá, aproveitando o carinho em sua mão. Quando o hacker pensou que ela estava relaxando, a mulher o surpreendeu.
— Mas eu ainda estou louca de raiva por vocês terem me escondido essa informação! — Ela tinha a garrafa de bebida apontada em direção ao homem. Levemente assustado pela reação abrupta, ele acabou separando as mãos. queria pedir para que ele a tocasse novamente, mas ainda tinha um pouco de autocontrole. — Nós somos uma equipe!
— Você não conta tudo para a sua equipe, conta? — Questionou com cautela.
— Omitir alguns detalhes antes do Chefe liberar as informações para todos é uma coisa, mas esconder o fato de que minha cabeça está a prêmio é algo extremamente diferente. Isso é gravíssimo!
— Eu não discordo de você, mas também acredito que o Chefe tenha tomado essa decisão pensando que seria o melhor a se fazer no momento.
bufou dando de ombros. Poderiam ficar naquele assunto durante toda a noite, mas nenhum lado “venceria”. Ambos tinham argumentos plausíveis, e como não era possível mudar o que já estava feito, só restava aceitar e seguir em frente.
— E aquela desgraçada da Matilde não abriu o bico! — Puxou uma mecha de cabelo como forma de demonstrar sua frustração e o hacker prendeu a respiração por alguns segundos, revivendo a cena de mais cedo quando suas mãos tocaram os fios dela. — Mas amanhã ela vai abrir, já deu para sentir que Romano é o ponto fraco dela.
— Aquele tal que você achou bonito? — Perguntou com desdém. — Pois saiba que eu achei o seu namorado fake muito mais bonito que ele.
— O que é isso, hacker? Ciúmes? — Ela cutucou, se divertindo com a situação.
O homem moveu o corpo para mais próximo dela no sofá.
— Não, apenas uma constatação baseada na realidade. — Com a ponta dos dedos, ele percorreu a extensão do braço dela até chegar na nuca, exatamente como fez horas antes. Inclinando-se para frente e encarando a mulher que não piscava, ele sussurrou. — Pois eu duvido que o tal do Romano te seguraria assim… — deu uma leve puxada nos cabelos daquela região e escutou soltar um gemido baixo e rápido, ela certamente não esperava por aquilo, embora desejasse. — E, também, duvido que ele beije tão bem… — Deixou os narizes se roçarem, mas não colou os lábios.
— Será mesmo? — Ela provocou lutando para manter os olhos abertos. Queria fechá-los para aproveitar a atmosfera que os cercava, mas ver o hacker a provocando era uma imagem boa demais.
— Eu tenho certeza e vou te provar… De novo.. — Afirmou antes de beijá-la pela segunda vez.
O ritmo do beijo beirava a urgência, mesmo que naquela ocasião não havia nenhum personagem a ser encenado, de forma que eles não seriam interrompidos por ninguém. se deixou levar pelo momento, desligando a chave da racionalidade que piscava em sua mente toda vez que esse tipo de pensamento com o hacker lhe invadia. Havia tanto em jogo, principalmente para ela, mas também fazia tanto tempo que ela não se sentia tão viva quanto naquela ocasião. Deixou-se levar e aproveitou cada segundo e cada sensação.
— Lembra da ameaça que você fez quando estávamos definindo a estratégia da missão? Bom, parece que não funcionou já que te fiz parar numa cama novamente. — Soltou malicioso e a mulher gargalhou.
— Dessa cama eu gosto, daquela do hospital não. — Ela devolveu no mesmo tom.
— Boa noite, .
— Boa noite, hacker.
Apagou a luz do cômodo e depois de alguns segundos quieta, ela virou-se para ele.
— Príncipe?
— Hum?
— Grávidas não têm muito apetite sexual no primeiro trimestre de gravidez, pois são tomadas pelos enjoos e tudo mais.
Escutou ele rir e riu junto.
— Ah, eu não sabia! Mas foi a melhor desculpa que eu consegui arranjar naquele momento. Eu lembrei de ter escutado uma agente comentando algo assim pelos corredores, mas acho que interpretei errado.
— Muito errado, seu fofoqueirinho!
Sentiu ele se mexendo na cama e logo depois sentiu os lábios dele pressionando levemente os seus em um selinho. Sorriu no escuro mesmo sabendo que estava triplamente lascada: primeiro pelo que havia acontecido ali; segundo por constatar que estava mesmo gostando do homem ao seu lado e, em terceiro lugar, por estar com a cabeça a prêmio. Iria resolver uma coisa de cada vez, começando pela captura de Tommaso.
Fim.
(Continua na terceira e última parte, fiquem de olho!)
Nota da autora: (08/06/2021): Segunda missão finalizada e nós não poderíamos estar mais felizes e orgulhosas com o resultado. Estamos cada vez mais apaixonadas pela afrontosa agente secreta nível A e pelo nosso querido hacker. (E Macarena, que apesar de ser uma personagem secundária é uma rainha e nos faz rir alto).
Aqui não fazemos promessas políticas, então fiquem ligadas que lá por outubro a terceira e última parte chega ao site :)
Flá: obrigada por aceitar ser nossa beta aos 45 do segundo tempo.
Babi: obrigada por mais uma capa maravilhosa.
Robins: obrigada pelo pitaco sensacional na sinopse.
E nosso obrigada a você que deu uma chance para nossa história! Não se esqueça de espalhar amor na caixinha de comentários.
Até breve!
Ei, leitoras, vem cá! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso para você deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
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Nossas outras parcerias: O Conto: Rapunzel e o Príncipe Hacker [Especial Vida de Princesa - Shortfic]
Merry Christmas, Alaska! [Atualização Temática de Natal 2020 - Shortfic]
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Café com Pattinson [Atores/Em Andamento]
01. Never Really Over [Ficstape #223 – Katy Perry: Smile]
15. Into Me You See [Ficstape #226– Katy Perry: Witness]
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Nota da beta: Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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