Última atualização: 23/01/2022

Capítulo Único

Há lendas que recontam romances, tais como pares destinados, almas gêmeas e ainda uma bobalheira envolvendo amores à primeira vista; uma paixão desenfreada causada por um encontro de olhares. Era racional demais para cair em ladainhas como essas, preferia me ater no que conseguia enxergar. Firmeza, decisões pautadas em análises, não agia por impulso, com uma única exceção: os jogos da seleção brasileira de vôlei. Toda garota possuía um interesse, algo que servisse como um entretenimento, como se fosse um vício. Eu cultivava o interesse pelo vôlei, não que eu tivesse qualquer aptidão para esportes, eu apenas gostava de assistir, havia ido a jogos o suficiente para criar uma certa familiaridade com alguns jogadores, nada além do lance casual… O fato engraçado sobre a vida era que ela era imprevisível! Uma única vez, na festa de aniversário de , o n° da seleção de vôlei, um amigo e aquele que eu admirava dentro e fora das quadras, algo saiu do controle. Jogadores de outras seleções foram convidados para a festividade, era um encontro amigável entre esportistas, eu sabia que deveria ter evitado as bolhas aprazíveis do champanhe que havia sido estourado após assoprar as velas de seu bolo. Minha resistência ao álcool não era algo que eu pudesse me gabar, estava desinibida o suficiente para dançar com desconhecidos, mas consciente o suficiente para me lembrar dos lábios de quem eu beijava… até despertar nos braços do jogador da seleção alemã! Envergonhada por ter agido tão descaradamente (sim, eu me lembrava de cada maldita palavra que ousei proferir), me arrependia vergonhosamente das cantadas baratas ou de como o desafiei na sinuca, sem ter qualquer gota de álcool em meu sistema. Eu não era uma exímia jogadora, estando alegrinha, então… Um desafio perdido atrás do outro, ingerindo mais algumas doses de álcool, e então tudo virou um borrão quando chegamos ao quarto. Me vestindo o mais silenciosamente possível, peguei tudo o que me pertencia, partindo dali o mais rápido possível. Eu não tinha tempo para lidar com as escolhas movidas pelo álcool, assim não tocaria no assunto e, se me fizessem falar, diria que não havia passado de um caso de uma noite.

Passageiro, irrelevante, movido por impulsos egoístas…


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Como eu me odiava naquela tarde. Havia se passado um mês desde o aniversário de , Bruninho entrou em contato, me fazendo perguntas as quais eu não queria responder. Após fugir feito uma covarde, eu prossegui minha vida normalmente, não era incomum eu desaparecer no dia seguinte às festas, era responsável demais ao manter meus compromissos e obrigações profissionais em dia. Atender aos pedidos de um órgão, que popularmente era romantizado, estilizado como um símbolo da irresponsabilidade e o culpado pela tristeza alheia? Não mesmo! O coração possuía a tarefa de bombear o sangue, me mantendo viva, apenas isso! Eu sabia que, se falado em voz alta, isso soaria frio e, de certa forma, frígido, mas era assim que as coisas eram e eu não tinha qualquer paciência ou razão para lidar de outra maneira. Os negócios prosperavam graças à minha frieza, emoções no ambiente empresarial não levavam a lugar nenhum, o meu sucesso se dava em razão da lógica e racionalidade. Minha válvula de escape eram os jogos de vôlei que acompanhava. Graças ao cargo que eu ocupava, podia adiar as reuniões em razão aos jogos que desejava assistir, meu único defeito, o meu calcanhar de Aquiles. Naquela noite, diante da imensa quadra, meus olhos se desviaram para os atletas, passando entre meus amigos, para, então, recaírem sobre a seleção alemã. Eu o estava evitando, todos eles, em especial o central de olhos encantadores e com um humor sarcástico que fora a principal razão em iniciar o flerte… Por que eu me colocava em situações como essa?! Pesquisar sobre o jogador alemão apenas foi a ponta de todo o iceberg. Era racional, movida pelo intelecto, lógica, mas ali eu estava, em um outro país, apenas para acompanhar os jogos de ambas as seleções, pedindo abono pelas férias vencidas… Aquele jogador me interessou, eu não queria admitir, me render às emoções que explodiam em meu peito era bobagem. Não fora apenas Bruno ou que tentaram entrar em contato, o dono das orbes sarcásticas me telefonou. Ignorei sua tentativa de contato e, quanto aos meus amigos, prometi estar presente nas partidas pela seleção; eu possuía algumas férias vencidas em que poderia fazer uso. Não voltaria a ingerir uma gota de álcool. Por causa dele, as rédeas que mantinham meu coração na linha haviam se afrouxado e, sim, metaforicamente… não acreditava nas bobagens desvairadas e românticas relacionadas a esse órgão. Estava escondida nas arquibancadas centrais, não muito perto ao ponto de ser vista da quadra pelos atletas em quadra, mas não tão longe que me atrapalhasse ao assistir ao jogo. Com a camisa da seleção brasileira, me mantive atenta às pontuações, acompanhando os passes e bloqueios, nos quais minha atenção se desviava para a seleção adversária. era bom demais quando estava em frente à rede, seus bloqueios eram excelentes e era difícil segurar só assobios em aprovação quando ele marcava uma bela jogada. Me beliscava a cada nova distração, eu precisava voltar minha atenção para a seleção do meu país, meus amigos estavam na quadra e eu sentia a angústia por vê-los tendo dificuldade em quebrar o bloqueio de .

Me vi desejando algo fora do meu alcance, pensamentos irracionais, opostos ao meu eu de sempre…


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Com o fim da partida, eu queria a camisa de Tales para completar minha coleção pessoal. Conhecida pelos seguranças e toda a equipe da seleção, eu passava tempo demais na casa do Bruno e de , eles agiam como meus irmãos na maior parte do tempo quando estavam por perto. Esperei por eles perto do ônibus, o local havia se esvaziado aos poucos enquanto os atletas tomavam seus banhos e se arrumavam para irem embora. Distraída, mexia em meu celular, checando alguns e-mails. Mesmo longe do trabalho, não conseguia me desligar completamente, estava sentada no degrau da porta do ônibus, cabeça baixa e focada no aparelho, por conta disso, não notei a figura que se agigantava em minha frente.

— Eles tinham razão, você estava mesmo assistindo à partida.

O timbre de me surpreendeu, havia algo amargo mal disfarçado em seu tom de voz. Com sua súbita fala, o grito quase escapou pelos meus lábios, mas o refreei no último segundo, me levantando por instinto.

— o saudei, passada a surpresa. — Você fez uma boa partida, vejo que se mantém aperfeiçoando o bloqueio, ele evoluiu desde a última vez que os enfrentou.

…— ele riu, desviando o olhar. Seu riso faltava humor, era quase como se ele tivesse sido atingido. — Sua fama lhe precede, a única emoção meramente humana em que você parece exibir é apenas a paixão pelo vôlei.

— Vá em frente, me chame de robô, frígida, o que melhor lhe agradar; eu já ouvi isso antes, não é como se pudesse me ferir, — o respondi sem me abalar, eu já havia ouvido aquilo tantas vezes que não me afetava mais.

— Você ignorou os meus contatos, desapareceu no dia seguinte… E, pelo que parece, mal se lembra do incidente. — Ele passou as mãos pelos cabelos, sua frustração cada vez mais evidente.

— Eu tenho uma vida ocupada, mas, quanto à noite em que passamos juntos, não foram feitas promessas — o lembrei, eu sabia que estava agindo como uma babaca, era uma reação automática.

— Deveria ter ouvido seus amigos. — olhou para o local em que havia ocorrido a partida.

— Provavelmente — o respondi, desviando o olhar e voltando a responder os e-mails.

— Você pode, ao menos, prestar atenção em mim por algum tempo?! — retirou o aparelho das minhas mãos, seu olhar era incrédulo, como se não pudesse acreditar no que eu estava fazendo.

, se quer realmente conversar, vamos para um local mais reservado — suspirei, concordando por fim. Falaria com os garotos depois sobre a camisa de Tales.

Ele indicou o ônibus da seleção alemã e o olhei, horrorizada, balançando negativamente a cabeça. Sua seleção havia perdido para o Brasil, eu não entraria em um ônibus vestindo a camiseta amarela. Ele bufou antes de abrir sua bolsa, caçando algo, para então colocar em minhas mãos sua camisa, o sobrenome dele acima do número . Eu encarei por tempo demais a camisa dele, o ouvindo tossir para chamar minha atenção.

— Não, eu não vou… — Ergui meu olhar, a diferença de alturas estava me irritando. possuía 2,17 de altura, mesmo em um salto eu ficaria muito abaixo dele.

— Por favor, não vamos discutir aqui, — ele me pediu, seu tom mais suave e menos defensivo. Segurei a camisa, dividida se o entregava ou a vestia de uma vez.

— Mas… — tentei argumentar, mas ele cobriu a distância entre nós, segurando minha face e olhando sinceramente em meus olhos.

— Eu te explico tudo mais tarde, por agora vamos para o ônibus — me pediu e, resignada, entreguei minha bolsa para ele, colocando a camisa dele sobre a que vestia.

— Por que você está sorrindo assim? — o questionei, pegando a minha bolsa outra vez. Ele revirou os olhos com a minha indagação, mas abriu a boca para me responder.

— Meu número fica melhor em você — ele deu de ombros antes de seguir na direção do ônibus.

— Homens — revirei os olhos, o seguindo, era necessário ter uma conversa com ele.

— Eu ouvi — ele olhou sobre o seu ombro, seu olhar desceu por meu corpo, então balançou a cabeça como se estivesse concluindo algo.

🏐🥇🏐


O quarto dele estava perfeitamente alinhado, apostava que as camareiras o deixaram daquela forma. Eu ainda sentia minha face ruborizada após o constrangimento no ônibus, os atletas que acompanharam não descansaram até tirá-lo do sério, suas palavras em alemão não foram o suficiente para silenciá-los. Supunha que ele havia conversado com o técnico e a equipe para que eu pudesse entrar e os acompanhar, eu não tinha a menor ideia do acordo entre eles, apenas fiquei feliz por não receber uma repreensão.
A figura de me encarava, em silêncio, seus olhos estavam ainda mais do que antes e eu odiava gostar tanto deles. Os impulsos brigavam com a razão, como em um cabo de guerra… Ter dormido com havia sido um erro, mas, ao mesmo tempo, um acerto, não acreditava em romantismo, amores à primeira vista, almas gêmeas… Por favor! Era uma maluquice sem tamanho, uma estratégia de mercado, um marketing barato, uma ferramenta útil para iludir clientes e os desesperados por atenção. No entanto, contrariando meu pragmatismo crônico, de algum modo eu sentia que havia gostado de desde o instante em que nossos olhos se encontraram. Não sabia se foi seu olhar irônico ou seu humor ácido, mas algo além de sua bela aparência me chamou atenção, o suficiente para dormir com ele.

— Você me arrastou até aqui para ficar em silêncio, ? — quebrei o silêncio, entediada pela falta de atitude, embora desconfiasse que fosse uma estratégia para me fazer dizer palavras que mais tarde me constrangeriam.

— Você é uma incógnita, . — se desencostou da parede, caminhando calmamente em minha direção, seus olhos não perderam o contato com os meus. — Quando eu penso ter conseguido entender, ao menos, uma parte sua, de alguma maneira você esfrega o quão errado estou a seu respeito. — Lábios crispados, olhos dilatados, respiração acelerada… estava à beira de um precipício mental.

— Você não me ama, , vamos lá, você é um exímio atleta e sabe que pode encontrar uma parceira adequada. — Cruzei meus braços sobre o meu peito, me xingando mentalmente por dizer tanta bobagem ao rapaz. Não havia razões além do meu lado babaca e sem noção tomar à frente em situações de confronto.

— Inacreditável. — Ele se sentou sobre o colchão, se afastando como se houvesse levado um choque, sua voz havia perdido emoção, era como se ele não tivesse energia para contestar. — Parece que estou debatendo com uma estátua de mármore, fria e sem emoções. , o que eu sou para você?

Olhei seriamente para ele, eu não tinha chegado à uma conclusão, mas ver o tormento banhando aquelas orbes me deixou sem fôlego. Havia tantas questões, razões e explicações, mas a principal escapou entre meus dedos, dissolvendo-se. Me aproximei dele, segurando sua face cuidadosamente. Meus batimentos pareciam tambores, o fôlego havia escapado diante das orbes … Quem eu queria enganar? Estava apaixonada por ele e era teimosa o suficiente para negar!

— Sou intragável, insuportável e, mesmo assim, você persistiu. A questão não é o que você significa para mim, — sorri calmamente, toquei os cabelos dele sem pressa, mantendo meu olhar no dele todo o momento. — Se você não fosse importante, jamais permitiria se aproximar outra vez. Eu vergonhosamente estou admitindo que estou apaixonada por você, sou apenas ruim em demonstrar sentimentos.

Silenciei as palavras de antes que elas escapassem por seus lábios rosáceos. Sentimentos negligenciados, transmitidos em ações, roupas voaram pelo quarto, ofegar e suspiros criaram a melodia enquanto se consumava a paixão negada. Mais do que somente palavras, ações certificaram e passavam maior credibilidade.

🏐🥇🏐


— Não fuja dessa vez. — A voz sonolenta e cansada de me fez rir.

— Eu não irei a lugar algum — sorri sobre os lábios macios de .

— Eu sou o seu número um? — ele me questionou de repente.

— Como jogador? Não, você sabe que a minha seleção joga muito melhor que a sua, mas a ocupar o meu coração em termos românticos? Sim, você é o meu número um — o respondi, me aninhando em seu peito.

— Eu não deveria estar surpreso, mas, garota, você sabe como elogiar e criticar alguém ao mesmo tempo. — A risada de fazia meu coração errar as batidas, eu odiava amá-lo tanto.

— Você se apaixonou por mim conhecendo cada uma das minhas falhas, o que posso fazer? — pisquei para ele, seus olhos estavam mais brilhantes naquele instante.

— Eu te amo, sua criatura irritantemente atraente. — Ele me beijou uma última vez antes de nos arrumarmos para dormir.

— Eu também te amo, — sussurrei de volta, bocejando em seguida.

Entre os últimos sussurros, a névoa do sono nos levou para a inconsciência, seguindo para a terra dos sonhos, tendo certezas ao invés de dúvidas, afinal, até mesmo a mais dura e insensível pessoa poderia se apaixonar.

E eu como eu estava…

Inegavelmente…

Puramente.

Apaixonada por .

Eu o amava.

O amanhã não me preocupava. Apesar de estar apaixonada, ainda permanecia a mulher racional; trabalho e coração funcionam de maneiras diferentes e não havia ninguém como eu nos negócios!


FIM.



Nota da autora: Espero que tenham gostado, a shortfic nasceu de um devaneio com o bloqueador central da Alemanha. Não esqueçam de deixar um comentário sobre o que achou, nos vemos por aí!

Nota da beta: Que final fofo, adorei conhecer esses dois ❤️

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.

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