Os Dez Primeiros: Quando Tive Coragem de Te Beijar

Finalizada em: 24/07/2021

Capítulo Único

Os meus dias eram sempre iguais. Ir ao trabalho, atender clientes, voltar para casa, esperar o próximo dia. Não que minha vida seja ruim, longe disso. Não tenho muito do que reclamar. Tenho um emprego relativamente estável, um apartamento legal e tempo para fazer o que gosto. Minha vida era simples, mas completa. Até que me vi pensando naquele cara, no modo como ele andava, como parecia deslocado e sempre que entrava na cafeteria pedia a mesma coisa, sendo o cliente mais gentil que eu já tive o prazer de atender na vida. Ele não me parecia estranho, mas caras de boné cobrindo a maior parte da cara e usando uma jaqueta, em Nova York, não é novidade.
Sempre fui muito introvertida no trabalho, quase nunca participava das conversas nos intervalos, preferindo sempre ficar na minha. Porém, naquele dia em particular, o assunto parecia estar muito voltado para uma pessoa em especial…
, vem cá, conta pra gente, como é atender o Capitão América? Diz pra gente que você pelo menos deu uma cantada nele, senão é desperdício. — Maryann, uma das minhas colegas de trabalho, falou, olhando diretamente pra mim. Claro. Ela sabia que, com certeza, eu não teria soltado uma cantada para ele. Todavia, o que me chamou atenção, não foi a ironia na frase, mas a parte do Capitão América. Tudo bem, como eu não associei Steve, a parte do rosto que eu conseguia ver, todo aquele mistério e claro, o tamanho dele, com o Capitão América? Pelo menos, naquele dia ele já tinha ido e pedido o de sempre, caso contrário, com certeza, ficaria travada de vergonha. Não pelo fato dele ser o Capitão América, já que ver um dos vingadores pelas ruas de Nova York não é de todo estranho. A vergonha seria pela estranha atração que eu vinha sentindo por ele.

Um novo dia, novos clientes. Steve Rogers, de novo. A vergonha tomou conta do meu rosto no exato momento em que olhei pela janela e o vi, prestes a entrar na cafeteria, no mesmo horário. Como sempre, ele escolhia o horário menos movimentado, não havia nenhuma fila, apenas alguns clientes dispersos em algumas mesas.
Ele olhou para mim.
Ele sorriu, como sempre.
Todos os dias, eu me sentia um pouco mais perdida naquele rosto gentil.

— Olá! O de sempre, por favor, senhorita. — Alguns segundos tentando parecer uma pessoa normal e não gaguejar com uma simples frase dessas, até que… O que eu tenho a perder afinal?
— Olá, Steve. Que tal provar algo novo hoje? Temos uma nova receita de bolinhos de chocolate que estão deliciosos. — Aquilo foi totalmente inesperado. Para mim, pra ele, talvez para o universo. Ele precisou de alguns segundos para entender que o dia de hoje não seguiria o mesmo script dos anteriores, mas aceitou a oferta, gentil, como sempre.

Depois desse dia, sempre avançávamos um pouco mais. Uma frase mais completa, um comentário sobre alguma notícia do dia anterior, novas receitas de bolinhos. Todos os dias, Steve passava um pouco mais de tempo no balcão. Todos os dias, eu passava um pouco mais de tempo pensando nele e ficava um pouco mais desapontada quando o contato acabava.
Rogers parecia sentir o mesmo, sempre me olhava por alguns segundos, antes de ir embora, como se esperasse algo. Ou seria só minha imaginação me pregando peças para que eu não parasse de pensar nele um segundo sequer?
Inconscientemente, eu também comecei a esperar. Sempre esperando que, no final, ele fosse me falar alguma coisa, perguntar algo, mas ele parecia sempre esperar o mesmo. Nenhum de nós deu o primeiro passo. Alguém teria que arriscar, certo? A única forma de conseguir parar de pensar naquele homem, seria chamar ele para sair. Só tinham duas alternativas, o sim, ou o não. Eu não ia morrer com nenhuma das duas, poderia ficar decepcionada, mas ajudaria a diminuir essa súbita obsessão

Estava decidido. Eu ia chamar Steve para sair. A questão é, até hoje, eu nunca havia chamado ninguém para sair. Minha vida amorosa nunca foi das mais animadas, claro. Mas não tinha mais volta. Seria hoje ou nunca. Eu faria o convite, casualmente, aguardaria sua resposta e tentaria não parecer muito desesperada nesse meio tempo.

Em um piscar de olhos, lá estava ele, novamente, trajando o mesmo estilo de roupas, tentando passar despercebido, sendo a pessoa mais gentil do mundo e conversando banalidades, enquanto eu tentava prolongar aquele contato por mais alguns minutos, só para melhorar o meu dia e criar a coragem necessária para fazer o que tinha planejado. Quando percebi Steve me olhando, naqueles segundos finais, que entendi que o momento era esse.

— Então… Você tem algo para fazer hoje à noite? Lançou aquele filme que falamos semana passada. Você quer ir ver comigo? — Tentei soar o mais casual possível. Percebi uma leve hesitação em Steve. Assim como no dia em que ofereci algo diferente do usual, ele não esperava por isso. Os segundos pareciam triplicar de duração, enquanto aguardava a resposta. Finalmente, ela veio.
— Ah, sim, . Será um prazer te acompanhar ao cinema. Qual o horário da sessão? — Foi necessário um tempo mais longo que o normal e talvez mais um pouco de receio em sua voz. Eu queria que ele aceitasse, eu ansiava por aquilo. Eu só não esperava que ele realmente fosse aceitar. Mas, como tudo já estava ensaiado na minha cabeça, não havia como perder tempo não acreditando nisso.
— Então, a sessão começa às 19h. Eu termino meu turno às 18h. Você pode vir aqui para a cafeteria, que eu te espero na frente para irmos juntos. É no cinema aqui perto. Podemos chegar cedo para escolhermos um bom lugar. — Talvez, só talvez, eu tenha sorrido mais que o normal e falado muito rápido, em pouco tempo. Mas Steve, caso tenha notado, foi o cara perfeito que sempre foi e apenas sorriu, daquele jeito que me faz pensar nele por horas.
— Claro, . Estarei aqui, no horário. Até mais tarde.

Esse foi o dia mais longo de toda a minha vida, quase como se nunca tivesse saído com um cara. O pior, é que talvez ele nem saiba que se trata de um encontro e não uma saída entre amigos, além do mais, não sei se tenho coragem de frisar isso, depois de toda a coragem que precisei reunir.
Finalmente, depois de um dia que valeu por três, vários clientes em horário inusitado e fazer tudo da maneira mais atrapalhada possível, o relógio apontou 18h. Tentei dar um jeito na minha cara cansada e no meu visual da melhor forma possível. Não dei importância alguma aos comentários dos meus colegas de trabalho, que, bem por cima, tinham compreendido toda a situação. Quando passei pelas portas da cafeteria, ignorando o medo crescente dele mudar de ideia e não aparecer, lá estava ele. Parecia ainda mais lindo, visto lá fora. Sorrindo para mim, sem o boné, com uma jaqueta diferente… E aquele perfume, que iria ficar pra sempre impregnado na minha memória.

Talvez, só talvez, eu tenha passado um pouco mais de tempo do que o normal o encarando, já que ele precisou cortar aquele silêncio constrangedor que foi instaurado.

— Então, , como foi o trabalho? — Perguntou, enquanto começamos a andar, olhando para o lado e sorrindo para mim.
— Ah, o de sempre. Cliente… Café… Mais café… Mais clientes. O de sempre. Pelo menos, finalmente, eu vou ver esse filme. Espero por isso desde que li o livro pela primeira vez.
— Espero que seja tão bom quanto o livro, você fala com tanto entusiasmo que eu precisei comprá-lo. É realmente muito bom. — Silêncio e sorrisos constrangidos. O lado bom, é que não faltavam mais do que dez metros para chegarmos até o cinema, sendo necessário apenas alguns minutos. Assim que entramos, levou mais alguns minutos, até que o Steve me convencesse de que ele precisava pagar pelos ingressos e pela pipoca. Tudo bem. O que esperar do cara mais gentil do mundo? Eu já estava me esforçando o suficiente para tentar esconder o nervosismo que estava sentindo, não ia perder tempo discutindo.

Como planejado, entramos na sala faltando pouco mais de meia hora para a sessão começar. Conseguimos escolher os melhores lugares possíveis. Trinta minutos de uma sala quase vazia, meio escura e silenciosa. Steve também parecia se esforçar. Será que ele sabia que aquele não era um encontro entre amigos? Não perguntei. Mas ele pareceu vencer a timidez e puxar todo tipo de assunto, para preencher aquele curto espaço de tempo antes do filme começar. Foi tão simples e natural, que eu já não lembrava mais de timidez alguma. Conversávamos como pessoas que se conhecem a um longo tempo e possuem várias coisas em comum. O problema, é que aquele homem, lindo, me dando toda atenção do mundo, sentado ao meu lado, e sorrindo, me fazia perder o pouco ar que entrava nos meus pulmões. Diversas vezes, me peguei olhando para os seus lábios, imaginando como seria o seu gosto, como seria beijá-lo. Nesses poucos segundos, eu viajava completamente, para um local onde só havia nós dois.
Nós dois, seu abraço, seu cheiro e seus lábios tocando nos meus.

Talvez, se eu já não tivesse tão perdida naquele homem, eu teria percebido seu rosto vermelho, suas mãos suadas e seu olhar, que vez ou outra, caía em meus lábios, mas se forçava a desviar. Talvez eu tivesse esquecido tudo e o beijado de uma vez, para acabar com toda aquela tensão.

Se isso acontecesse, claro, não seria eu. Muito menos ele.

Não percebemos quando a sala encheu, muito menos quando os trailers começaram, tamanha era a concentração na presença um do outro. Só queríamos conversar mais, descobrir mais sobre o outro, ficar naquele momento para sempre.
O filme começou e fomos obrigados a calar a boca e prestar atenção ao filme.

Não durou muito.

Ao longo da trama, estávamos cochichando, falando sobre impressões e momentos do livro, comparado ao filme. Perdemos as contas de quantas vezes ouvimos barulhos pedindo para que calássemos a boca. Ficamos constrangidos, sorrindo um para o outro e tentávamos prestar atenção no filme. Pouco tempo depois, lá estávamos, de volta para a mesma situação, em um ciclo que foi repetido até o fim do filme. Mal conseguimos acreditar quando os créditos começaram a ser apresentados na tela, as luzes acenderam, as pessoas começaram a se levantar e andar em direção à saída. Senti uma tristeza imensa nesse momento. Não queria que aquele dia acabasse, mas precisava trabalhar no outro dia, além do que, Steve também tinha uma vida e provavelmente algo importante para fazer. Com muito pesar, comecei a me levantar, sendo seguida por ele. Reunimos o lixo e caminhamos em direção à saída, assim como o restante das pessoas.

Fomos os primeiros a chegar na sessão, mas os últimos a sair.

Enquanto eu olhava seu rosto, fora daquele cinema, percebi que algo havia mudado. Claro que, eu não poderia falar por Steve, não conseguia decifrar muito bem as expressões das pessoas, mas sabia que já o via de uma forma diferente. Talvez cedo demais para dizer que era paixão, mas tarde demais pra dizer que tratava-se apenas de um bom amigo. Nos encaramos por alguns segundos e, dessa vez, ele foi o primeiro a acabar com aquele silêncio constrangedor.
— Então, o filme é bom, mas o livro é melhor. — Steve sorriu para mim, sabendo que ambos pouco prestaram atenção no filme.
— Mas sabemos que sempre é assim, apesar de esse ter sido um bom filme. — Respondi. Mais silêncio. Por que não podiam continuar da mesma forma que estavam no cinema?

— Então, muito obrigada por me acompanhar hoje, Steve. Você é uma ótima companhia para concordar comigo que adaptações de livros para os cinemas sempre deixam algo a desejar. — O homem à sua frente abriu o sorriso mais lindo, mas talvez ela achasse isso de todos os que ela já viu em seu rosto. Ele parecia envergonhado, pensando no próximo passo.

— Você precisa ir pra casa agora? — Ele pareceu meio sem jeito ao proferir essa pergunta. Eu quase achei que era expectativa. Mas, infelizmente, precisava ir pra casa, além de que tinha medo de passar mais algumas horas na companhia de Steve Rogers e acabar passando uma vergonha maior do que poderia aguentar.
— Então, sim, amanhã infelizmente tenho trabalho, mas, caso você queira, podemos fazer isso mais vezes. — Concordaram, sem necessidade de falar qualquer coisa.

Como já era de se esperar, ele, depois de muito insistir, decidiu que me acompanharia até em casa. Era perto, perto demais para o meu gosto, que sentia que aquele não era um tempo suficiente ao seu lado. Apesar do constrangimento após a saída do cinema, estávamos mais próximos, sempre soltando uma piada ou outra sobre algo relacionado ao filme. Estávamos apenas aproveitando os últimos momentos em sua companhia, naquela noite, fora da cafeteria. Como tudo que é bom dura pouco, chegamos na porta do meu prédio antes do esperado. Eu lembrava que morava perto, mas nem tanto.
Logo estávamos ali, olhando um pro rosto do outro. Eu só queria que naquele momento o tempo parasse, ele chegasse mais perto e finalmente me beijasse, da forma suave e apaixonada que eu imaginava o seu toque.

Não aconteceu.

Depois de nos olharmos por alguns segundos, longos e sofridos segundos, eu me despedi. Por um breve momento, senti uma leve pontada de ansiedade na forma como o Steve estava se comportando. Mas haveria outros momentos, talvez outros mais propícios, ou simplesmente não acontecesse. Precisaria aceitar a última informação também.
— Mais uma vez, Steve, muito obrigada pela companhia. Foi uma noite muito divertida, espero que possamos repetir. — Eu sou tímida, não burra. Claro que, pelo pouco que percebi nele, ele não falaria algo do tipo, com medo de, de alguma forma muito boba, me desrespeitar ou até mesmo me levasse a entender a forma errada.
— Claro, . Eu que agradeço a companhia. Podemos combinar sim. Te vejo amanhã na cafeteria? — Senti seu sorriso mais confiante. Não houveram mais emoções naquela noite. Tomei a iniciativa de abraçá-lo, para que ele ficasse mais confortável em fazer algo do tipo, caso desejasse. Entrei no prédio, sentido uma pontada de decepção, mas ansiosa pelo próximo dia, já que, um novo dia significava um pouco mais de Steve Rogers.

Os dias passaram e, como previsto, ficamos mais próximos. Após o dia do cinema, saímos mais algumas vezes, para o mesmo programa. Nunca passamos de um abraço. Talvez, para um abraço um pouco mais demorado, toques mais frequentes e pequenos flertes, mas nada demais.

Até aquele dia.

Havíamos, mais uma vez, combinado de sair, mas, diferente das outras, seria em meu dia de folga e Steve passaria para me buscar. Segundo ele, iríamos jantar. O dia não podia ter se arrastado mais, extremamente tedioso e demorado, mas, finalmente, na exata hora combinada, Steve estava na frente do meu prédio, sentado na moto, me esperando e sorrindo. Naquele momento, olhando para ele através da minha janela, eu entendi. Eu realmente estava apaixonada por ele e aquela esperança de não me decepcionar, lá no início, já nem passava pela minha cabeça. Sorri de volta e finalmente, desci, ao seu encontro.
Enquanto eu saía do prédio, Steve havia se levantado da moto e tirado o seu capacete, estava apenas me olhando e sorrindo da mesma forma que eu tinha visto anteriormente, escorado na moto. Eu tinha certeza de que já sorria feito uma idiota. Mas havia uma coisa que eu precisava fazer, antes de tudo.

Parei a poucos centímetros da calçada, momentaneamente, me senti tão nervosa que parei de sorrir no mesmo momento.
— Você está ainda mais linda hoje. — Continuou com o mesmo sorriso no rosto, parecia nem ao menos perceber a repentina tensão que se apossou de mim.
De repente, eu precisava dele mais perto, de suas mãos fortes me segurando e de ser a única coisa ao alcance do seu olhar. A timidez e qualquer que fosse o sentimento relacionado a ela, neste momento, não existia. Antes que eu percebesse, já havia dado aqueles passos que nos separavam. Eu estava tremendo e nervosa, mas tudo que consegui enxergar foi o seu rosto, que se tornou sério, mas de uma forma suave. Ele não conseguia decidir entre me olhar nos olhos, ou olhar meus lábios. Eu entendi que ele queria me beijar. Me aproximei ainda mais, nossos rostos muito próximos, ele nem estava completamente em pé, mas, mesmo assim, eu precisei ficar na ponta dos pés para que ficássemos em igualdade. Eu só conseguia sentir o seu perfume maravilhoso, sua respiração, que já batia nos meus lábios. Subi, delicadamente, quase que com receio, as mãos que coloquei em seus ombros, em direção ao seu pescoço, onde se encaixaram em sua pele quente e macia. Fechei os olhos e finalmente acabei com aquela tensão, encostando os lábios nos seus, finalmente fazendo aquilo que eu quis por tanto tempo. Parecia certo, como se eu tivesse perdido todo aquele tempo entre chamá-lo para o cinema e o atual momento, quando na verdade poderia tê-lo beijado muito antes. Seus lábios macios, tocando os meus, de uma forma lenta e que parecia apaixonada, se movimentando devagar, enquanto suas mãos estavam em minha cintura, firme, me abraçando e não me deixando escapar. Quando senti a sua língua na minha, delicadamente deixando toda aquela situação mais intensa, eu achei que fosse explodir de tanta felicidade.

Estávamos na frente do meu prédio, abraçados e nos beijando, como se nada mais houvesse ao nosso redor, como se o tempo fosse insignificante. Eu só precisava de mais, mais daqueles momentos, mais daquele homem, mais de seu toque, mais de seu cheiro. Nada mais seria suficiente, depois disso.



FIM





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